MEDICAL VIOLENCE IN BRAZIL: OBSTETRIC VIOLENCE AND CRIMINAL RESPONSIBILITY
REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th102411291629
Maria Eduarda da Silva Melo[1]
Marília Fogaça Teixeira[2]
Resumo:
Este trabalho abordou o tema da violência obstétrica e a possibilidade de responsabilização penal dos profissionais de saúde envolvidos em práticas abusivas durante o atendimento às gestantes. O objetivo principal foi analisar as lacunas existentes na legislação brasileira para o enquadramento penal desses casos, propondo melhorias legislativas e políticas públicas que promovam um atendimento obstétrico humanizado. A metodologia utilizada foi uma revisão bibliográfica e análise crítica de artigos acadêmicos, legislações e jurisprudências sobre o tema, permitindo uma compreensão aprofundada dos desafios e avanços no combate à violência obstétrica. Os resultados indicaram que a ausência de uma tipificação penal específica dificulta a responsabilização dos profissionais, uma vez que as condutas abusivas são frequentemente enquadradas em crimes genéricos. Constatou-se, ainda, a importância de protocolos de atendimento humanizado e da capacitação contínua dos profissionais de saúde como medidas preventivas e essenciais para reduzir a ocorrência de práticas abusivas. Concluiu-se que o enfrentamento da violência obstétrica no Brasil demanda uma abordagem integrada entre o sistema jurídico e o sistema de saúde, visando assegurar o respeito aos direitos das gestantes e promover um atendimento obstétrico ético e humanizado. A criação de uma legislação específica e a adoção de políticas públicas de conscientização e fiscalização destacaram-se como medidas urgentes para o combate efetivo à violência obstétrica no país.
Palavras-chave: Violência Obstétrica. Responsabilização Penal. Humanização.
Abstract:
This study addressed the theme of obstetric violence and the possibility of criminal liability of health professionals involved in abusive practices during the care of pregnant women. The main objective was to analyze the gaps in the Brazilian legislation for the criminal classification of these cases, proposing legislative improvements and public policies that promote humanized obstetric care. The methodology used was a bibliographic review and critical analysis of academic articles, legislation and jurisprudence on the subject, allowing an in-depth understanding of the challenges and advances in the fight against obstetric violence. The results indicated that the absence of a specific criminal classification makes it difficult to hold professionals accountable, since abusive conducts are often framed as generic crimes. The importance of humanized care protocols and continuous training of health professionals as preventive and essential measures to reduce the occurrence of abusive practices was also verified. It was concluded that the confrontation of obstetric violence in Brazil requires an integrated approach between the legal system and the health system, aiming to ensure respect for the rights of pregnant women and promote ethical and humanized obstetric care. The creation of specific legislation and the adoption of public policies for awareness and inspection stood out as urgent measures for the effective fight against obstetric violence in the country.
Keywords: Obstetric Violence. Criminal Liability. Humanization.
- INTRODUÇÃO
A violência obstétrica é um fenômeno alarmante que vem recebendo cada vez mais atenção no campo da saúde e dos direitos humanos no Brasil. Trata-se de uma prática que envolve diversas formas de abuso, maus-tratos e negligência contra gestantes, em especial durante o período de parto e atendimento obstétrico. Apesar de sua ocorrência ser frequente, a caracterização legal desse tipo de violência ainda encontra lacunas no sistema jurídico brasileiro, o que dificulta a sua denúncia e responsabilização dos profissionais envolvidos.
Além dos danos físicos e psicológicos causados às vítimas, a violência obstétrica configura uma violação dos direitos fundamentais, como o direito à integridade física e à dignidade humana. Em muitos casos, esse tipo de violência se manifesta por meio de intervenções médicas desnecessárias, desrespeito às escolhas da gestante e ausência de consentimento informado. A gravidade desses atos e o impacto que causam na vida das mulheres fazem da violência obstétrica um problema social que exige um olhar atento por parte do sistema jurídico e da sociedade.
Considerando a relevância do tema, este trabalho busca explorar a responsabilidade penal dos profissionais de saúde envolvidos em práticas que configuram violência obstétrica. A análise focará na possibilidade de enquadrar esses atos no direito penal brasileiro, identificando os crimes aplicáveis e as limitações da legislação atual para lidar com essa questão. A intenção é proporcionar uma compreensão mais ampla das implicações jurídicas e sociais da violência obstétrica e contribuir para o desenvolvimento de uma assistência obstétrica mais humanizada e respeitosa.
A escolha do tema se justifica pela necessidade urgente de ampliar o entendimento jurídico acerca da violência obstétrica e da responsabilidade penal dos envolvidos. No contexto atual, observa-se uma crescente demanda por medidas que garantam a proteção das gestantes contra abusos no atendimento médico. Com a análise proposta, este estudo pretende contribuir para o fortalecimento de políticas de saúde que respeitem os direitos das mulheres e promovam práticas obstétricas mais seguras e humanizadas.
Neste estudo, utilizamos uma metodologia de revisão de literatura, coletando e analisando artigos, teses e documentos legais publicados nos últimos cinco anos. Esta abordagem nos permite sintetizar conhecimentos existentes e identificar lacunas na pesquisa sobre violência doméstica, focando especialmente nos desafios enfrentados pelas vítimas para denunciar os abusos sofridos, os materiais usados na coleta de dados foram extraídos de bases de dados acadêmicas e repositórios confiáveis, incluindo Scopus, Web of Science, PubMed, SciELO e Google Scholar, garantindo a abrangência e a relevância do material consultado. As palavras-chave utilizadas nas buscas incluíram combinações dos termos “violência médica”, “violência obstétrica”, “negligência médica”, “responsabilidade civil médica”, “direito à saúde”, “políticas públicas de saúde”, “ética médica”, “relação médico-paciente”, “direitos dos pacientes” e “saúde pública no Brasil”, tanto em português quanto em inglês, para assegurar uma coleta ampla de perspectivas e estudos internacionais.
Este trabalho aborda a violência obstétrica sob a ótica do direito penal, com foco na responsabilidade dos profissionais de saúde em práticas abusivas no atendimento obstétrico. Pretende-se investigar quais são os enquadramentos penais aplicáveis à violência obstétrica e as limitações legais que dificultam a responsabilização dos envolvidos. A pergunta-problema que norteia este estudo é: De que forma a legislação penal brasileira pode ser aprimorada para garantir a responsabilização efetiva em casos de violência obstétrica?
Os objetivos desta revisão literária são claros: analisar a possibilidade de responsabilização penal dos profissionais de saúde envolvidos em práticas de violência obstétrica no Brasil, com foco nas implicações jurídicas e nas lacunas legislativas. Os objetivos específicos foram: identificar os tipos de práticas obstétricas que configuram violência obstétrica e que podem ser passíveis de enquadramento penal; examinar a legislação penal vigente e suas limitações em relação à tipificação da violência obstétrica como crime, propor melhorias legislativas e sugerir políticas públicas que contribuam para a humanização do atendimento obstétrico e para a responsabilização dos profissionais que violam os direitos das gestantes.
- POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE
A violência obstétrica, caracterizada por práticas abusivas e desrespeitosas durante o atendimento às gestantes, tem se tornado um tema de grande relevância na esfera jurídica e social no Brasil. Trata-se de um fenômeno que abrange desde intervenções desnecessárias até maus-tratos verbais e físicos, configurando violações aos direitos das mulheres em um momento de extrema vulnerabilidade. Essa violência afeta tanto a saúde física quanto a saúde mental das vítimas, além de representar uma afronta aos direitos humanos fundamentais. De acordo com Pereira e Paiva (2023), a responsabilização penal dos envolvidos é uma medida que poderia contribuir significativamente para a redução dessas práticas.
A configuração da violência obstétrica no contexto penal brasileiro enfrenta desafios significativos, especialmente pela dificuldade de enquadramento jurídico específico para esses casos. A legislação penal vigente ainda não reconhece de forma clara a violência obstétrica como um tipo penal autônomo, o que dificulta a responsabilização dos profissionais de saúde envolvidos. Lemos e Botelho (2022) apontam que, na ausência de uma tipificação específica, as vítimas enfrentam dificuldades em buscar justiça e os profissionais, por vezes, permanecem impunes, perpetuando um ciclo de violência.
Essa lacuna legislativa implica que os casos de violência obstétrica sejam, muitas vezes, enquadrados em crimes como lesão corporal, constrangimento ilegal ou abuso de autoridade, que não necessariamente abarcam todas as nuances desse tipo de violência. Conforme Lopes (2023), essa abordagem genérica ignora as particularidades da experiência obstétrica e a vulnerabilidade das gestantes, o que gera interpretações jurídicas limitadas e inadequadas. A falta de uma norma específica sobre a violência obstétrica impede uma responsabilização efetiva dos profissionais.
Além disso, a responsabilidade penal dos profissionais de saúde nesses casos está intimamente ligada ao princípio do consentimento informado, que garante à paciente o direito de ser devidamente informada sobre os procedimentos médicos e de escolher os que serão realizados. Vasconcellos (2022) destaca que a ausência de consentimento informado, por si só, já configura uma violação ética e legal que pode, dependendo do caso, ser enquadrada em tipos penais. Esse princípio, quando violado, deixa a mulher em uma posição de submissão e vulnerabilidade.
A literatura aponta que a violência obstétrica muitas vezes é invisibilizada por ser considerada uma prática rotineira no ambiente hospitalar, o que reforça a importância de sensibilizar tanto os profissionais de saúde quanto a sociedade em geral para o tema. Carvalho e Lopes (2024) argumentam que as estratégias de enfrentamento devem incluir, além de uma legislação punitiva, campanhas de conscientização que promovam o respeito aos direitos das parturientes. Somente por meio de um esforço conjunto entre a sociedade e o sistema de justiça será possível combater efetivamente essa prática.
Outro ponto relevante na análise da responsabilidade penal é a questão do dolo e da culpa nos atos de violência obstétrica. Souza (2020) afirma que, em alguns casos, a prática de atos violentos ou abusivos decorre de uma negligência ou imprudência, o que poderia configurar a modalidade culposa, mas em outros, pode haver uma intenção deliberada, caracterizando dolo. A distinção entre esses dois aspectos é crucial para a correta aplicação das sanções penais e para o entendimento da gravidade dos atos.
Além da dificuldade em comprovar o dolo ou a culpa, as vítimas de violência obstétrica enfrentam obstáculos em registrar as denúncias e em obter provas suficientes para incriminar os profissionais envolvidos. Sousa e Jayme (2023) ressaltam que o medo de retaliações e a falta de apoio institucional desestimulam as mulheres a buscarem justiça. Esse cenário reforça a necessidade de um aparato legal mais robusto e de um sistema de apoio eficiente para acolher e auxiliar as vítimas nesse processo.
A responsabilização penal em casos de violência obstétrica também depende da percepção da sociedade e do sistema jurídico sobre os direitos das mulheres. Amaral e Galícia (2023) defendem que, enquanto o sistema judicial não compreender a gravidade desse tipo de violência, dificilmente haverá uma punição proporcional aos danos causados. Portanto, a formação e capacitação de profissionais do Direito e da saúde sobre o tema é fundamental para que haja uma mudança real na forma como esses casos são tratados.
Freitas e Pinheiro (2024) observam que a responsabilização civil e penal dos profissionais de saúde em casos de violência obstétrica poderia funcionar como uma forma de prevenção, desestimulando a prática dessas ações abusivas. A criação de uma tipificação específica para a violência obstétrica, aliada a sanções rigorosas, seria um importante passo para a construção de um sistema de saúde mais humanizado e respeitoso. Esse modelo poderia garantir que as gestantes recebam um atendimento digno, sem serem submetidas a situações de violência.
O papel do Poder Judiciário na efetivação dos direitos das parturientes também é um aspecto relevante a ser considerado. Oliveira (2023) enfatiza que, para que a violência obstétrica seja verdadeiramente combatida, é imprescindível que os magistrados reconheçam a gravidade dessa violação e apliquem as penas cabíveis aos profissionais envolvidos. A atuação do Judiciário, nesse sentido, é essencial para que se estabeleça um precedente e se consolide a ideia de que práticas violentas contra gestantes não são toleradas.
Jesus Bastos Barbosa (2023) defende que a humanização do parto, enquanto estratégia de prevenção, pode reduzir a incidência de violência obstétrica. A humanização do parto, ao proporcionar um ambiente mais acolhedor e respeitoso para a gestante, contribui para a diminuição de práticas abusivas e pode ser incentivada por meio de políticas públicas específicas. A adoção dessas práticas preventivas se mostra, portanto, como uma alternativa viável e efetiva.
Embora haja avanços na discussão sobre a violência obstétrica e sua responsabilização penal, ainda há um longo caminho a percorrer para que a legislação brasileira reconheça plenamente a especificidade desse tipo de violência. Katz et al. (2020) destacam que, para a efetiva erradicação da violência obstétrica, é necessário que se promova uma transformação cultural que abarque tanto a sociedade quanto o sistema jurídico. Somente dessa forma será possível construir um ambiente seguro e respeitoso para as gestantes.
Vieira (2021) afirma que a legislação brasileira ainda é insuficiente para coibir práticas de violência obstétrica, especialmente pela ausência de um tipo penal específico. Essa lacuna no arcabouço jurídico impede uma resposta adequada do Estado em relação a esses casos, o que gera uma sensação de impunidade e, consequentemente, perpetua a prática da violência obstétrica. A criação de uma lei que tipifique e sancione adequadamente esses atos é uma necessidade urgente.
Brito, Oliveira e De Albuquerque Costa (2020) propõem que, além de uma legislação punitiva, é necessário investir na formação dos profissionais de saúde e na criação de protocolos que orientem a atuação desses profissionais. O respeito aos direitos das gestantes deve ser uma prioridade no atendimento obstétrico, e a adoção de práticas humanizadas pode contribuir para a redução dos casos de violência obstétrica. Essa mudança na prática médica e na percepção social sobre o parto humanizado é essencial para que as mulheres possam ter suas escolhas respeitadas durante todo o processo obstétrico.
2.1 Tipos de práticas obstétricas que configuram violência obstétrica
A violência obstétrica consiste em práticas desumanas e abusivas que ocorrem no contexto do atendimento à gestante, especialmente durante o parto e o pós-parto, configurando um desrespeito aos direitos fundamentais da mulher. Essas práticas variam desde intervenções médicas desnecessárias até negligência e maus-tratos verbais e físicos. Em muitas situações, a violência obstétrica resulta de uma cultura hospitalar que desconsidera a autonomia da gestante e sua capacidade de decisão sobre seu corpo, colocando o profissional de saúde em uma posição autoritária (Pereira; Paiva, 2023).
Um dos tipos mais comuns de violência obstétrica é a realização de intervenções médicas desnecessárias e sem consentimento, como a episiotomia de rotina. Esse procedimento, que consiste em uma incisão na região perineal para facilitar o parto, muitas vezes é realizado sem necessidade clínica e sem o consentimento da paciente. A realização de episiotomias de forma rotineira, sem justificativa médica, desconsidera as evidências científicas e viola o princípio do consentimento informado, configurando uma prática abusiva (Lemos; Botelho, 2022).
Outro exemplo de prática que caracteriza violência obstétrica é o uso excessivo de procedimentos invasivos, como o parto induzido com hormônios em situações em que não há indicação médica. A indução de parto, quando realizada de forma inadequada, pode causar sofrimento físico e emocional à gestante, além de riscos desnecessários para o bebê. Essas práticas se configuram como violência obstétrica, pois impõem à mulher procedimentos médicos contra sua vontade ou sem informações suficientes para a tomada de decisão (Lopes, 2023).
A realização de cesarianas sem indicação médica adequada também é considerada um tipo de violência obstétrica. Embora, em alguns casos, a cesariana seja necessária para preservar a saúde da mãe e do bebê, a realização desse procedimento por conveniência ou sem justificativa médica caracteriza uma violação aos direitos da gestante. Essa prática desconsidera o direito da mulher de escolher o tipo de parto que deseja, desde que respeitadas as condições de segurança (Vasconcellos, 2022).
Além dos procedimentos físicos, a violência obstétrica pode ocorrer por meio de práticas verbais que desrespeitam a dignidade da mulher. Insultos, humilhações, críticas e comentários negativos sobre o corpo ou a condição da gestante são exemplos de abuso psicológico no ambiente obstétrico. Esse tipo de violência afeta diretamente a saúde mental da mulher e configura uma violação de seus direitos, além de comprometer a experiência do parto, que deveria ser respeitosa e acolhedora (Carvalho; Lopes, 2024).
A restrição de movimentos durante o trabalho de parto também é uma prática frequente que caracteriza violência obstétrica. Muitas gestantes são forçadas a permanecer deitadas em posição supina, o que pode intensificar a dor e dificultar o processo natural do parto. O direito de a mulher escolher a posição que melhor acomoda suas necessidades é um aspecto fundamental para o parto humanizado, e a restrição desse direito constitui uma forma de abuso (Souza, 2020).
Outra prática que caracteriza violência obstétrica é a proibição da presença de um acompanhante durante o parto. A legislação brasileira assegura o direito da gestante a um acompanhante de sua escolha, mas, em alguns hospitais, esse direito é desrespeitado. A ausência de um acompanhante pode aumentar a vulnerabilidade da gestante e agravar seu sofrimento emocional durante o trabalho de parto, configurando uma forma de violência (Sousa; Jayme, 2023).
O uso desnecessário de manobras agressivas, como a manobra de Kristeller, também é um exemplo de violência obstétrica. Essa manobra, que consiste em aplicar pressão sobre o abdômen da mulher para acelerar o parto, pode causar lesões graves tanto para a mãe quanto para o bebê. A prática de manobras invasivas e sem consentimento, além de causar dor física, coloca em risco a integridade física e a saúde da gestante (Amaral; Galícia, 2023).
A realização de exames de toque frequentes e sem justificativa é uma prática comum que caracteriza violência obstétrica. Esses exames, quando realizados sem consentimento e de forma excessiva, violam a intimidade e a dignidade da mulher. A realização indiscriminada de toques vaginais expõe a mulher a constrangimentos e desconforto, sem necessariamente contribuir para o acompanhamento adequado do trabalho de parto (Freitas; Pinheiro, 2024).
A administração de medicamentos sedativos ou analgésicos sem o devido consentimento da paciente também é uma prática de violência obstétrica. Muitas vezes, essas substâncias são administradas para “acalmar” a gestante, sem considerar sua vontade ou necessidade clínica, comprometendo sua autonomia e a experiência do parto. O uso de sedativos sem consentimento pode causar reações adversas e prejudicar o processo de parto (Santos; André, 2024).
O desrespeito ao tempo da mulher e do bebê durante o trabalho de parto é outro aspecto que caracteriza a violência obstétrica. A pressão para acelerar o processo, com intervenções invasivas e sem necessidade, ignora o ritmo natural do corpo e configura uma forma de violência institucional. Respeitar o tempo da gestante é fundamental para uma experiência de parto segura e humanizada (Oliveira, 2023).
A prática de negar alimentos e líquidos à gestante durante o trabalho de parto também configura uma forma de violência obstétrica. A restrição de nutrição, sem justificativa médica, desconsidera as necessidades fisiológicas da mulher e pode comprometer seu bem-estar físico e emocional. Essa prática, ainda comum em alguns hospitais, é considerada uma violação aos direitos da parturiente (Jesus, 2023).
Além das práticas descritas, a violência obstétrica também se manifesta na negativa de atendimento adequado às gestantes, especialmente em casos de mulheres em situação de vulnerabilidade social. A discriminação de gestantes de baixa renda, negras ou jovens é uma prática que configura violência obstétrica e reflete uma desigualdade estrutural no atendimento à saúde. Essa prática contraria o princípio da equidade e o direito ao acesso universal à saúde (Katz et al., 2020).
A prática de recusar o pedido da mulher de ter contato imediato com o bebê após o nascimento configura uma forma de violência obstétrica. Esse contato inicial é essencial para o vínculo afetivo e para a saúde do recém-nascido, e sua negativa representa uma violação do direito da mulher de estar próxima ao bebê. A realização de práticas humanizadas que respeitam os direitos e a dignidade da gestante e do recém-nascido é fundamental para um atendimento obstétrico seguro e respeitoso (Vieira, 2021).
Essas práticas representam formas de violência obstétrica que podem ser passíveis de enquadramento penal, conforme sua gravidade e as circunstâncias em que ocorrem, tornando urgente a necessidade de políticas públicas e legislação específica para coibir tais abusos.
2.2 Tipificação da violência obstétrica como crime
A violência obstétrica é um fenômeno complexo que abrange diversas práticas abusivas e desrespeitosas, frequentemente observadas durante o atendimento pré-natal, parto e pós-parto. Essas práticas desumanas ferem os direitos das mulheres e representam uma afronta à dignidade humana, configurando situações que podem ser enquadradas na esfera penal. A definição e o combate à violência obstétrica são fundamentais para a construção de um sistema de saúde mais humanizado e respeitoso, onde as mulheres possam receber atendimento adequado e digno (Pereira; Paiva, 2023).
Entre as práticas mais recorrentes de violência obstétrica está a realização de episiotomias sem consentimento e sem indicação médica. A episiotomia, corte cirúrgico no períneo para facilitar o parto, deveria ser uma prática restrita a situações específicas, mas ainda é utilizada de forma indiscriminada em muitos hospitais. Quando realizada sem necessidade, essa intervenção configura uma forma de violência e desrespeito à autonomia da gestante, além de expô-la a riscos desnecessários (Lemos; Botelho, 2022).
Outro exemplo clássico de violência obstétrica é o uso excessivo e não indicado de medicamentos para induzir o parto, como a ocitocina, que acelera as contrações uterinas. O uso desse medicamento sem necessidade médica coloca em risco a saúde da gestante e do bebê, além de causar dor e sofrimento físico desnecessários. A administração de ocitocina sem consentimento e justificativa médica é uma prática abusiva que viola o direito da mulher a um parto seguro e humanizado (Lopes, 2023).
A realização de cesarianas desnecessárias, sem indicação médica e sem o devido consentimento, também configura um tipo de violência obstétrica. A cesárea, embora seja um procedimento seguro quando necessário, apresenta riscos adicionais para a mãe e o bebê quando realizada sem motivos clínicos. Essa intervenção deve ser uma escolha da mulher informada e embasada na orientação médica adequada, e sua realização sem essas condições configura um desrespeito à dignidade e autonomia da parturiente (Vasconcellos, 2022).
Além das intervenções físicas, a violência obstétrica pode ocorrer de forma verbal e psicológica. Comentários desrespeitosos, gritos, humilhações e ameaças feitas à gestante durante o parto são práticas que afetam profundamente o estado emocional da mulher e violam seu direito a um atendimento digno. Esse tipo de violência psicológica também pode ser passível de responsabilização penal, especialmente quando gera traumas ou danos psíquicos duradouros (Carvalho; Lopes, 2024).
A restrição de movimentos durante o trabalho de parto é outra prática frequente que se enquadra na violência obstétrica. Em muitas instituições, as mulheres são forçadas a permanecer deitadas ou em posições desconfortáveis, mesmo que isso intensifique a dor e dificulte o trabalho de parto. A restrição da liberdade de movimento durante o parto desconsidera a autonomia da gestante e ignora evidências científicas que mostram os benefícios de permitir que a mulher adote a posição que melhor a acomode (Souza, 2020).
A negação do direito da mulher de ter um acompanhante de sua escolha durante o parto também caracteriza violência obstétrica. Esse direito é garantido por lei no Brasil, e sua violação configura uma prática abusiva que aumenta a vulnerabilidade emocional da mulher em um momento sensível. A presença de um acompanhante contribui para a segurança e o bem-estar da gestante, sendo uma proteção contra práticas abusivas e negligentes (Sousa; Jayme, 2023).
O uso da manobra de Kristeller, que consiste em pressionar o abdômen da mulher para acelerar a saída do bebê, é uma prática perigosa e frequentemente realizada sem o consentimento da gestante. Essa manobra pode causar lesões graves tanto na mãe quanto no bebê, além de provocar dor intensa. Sua realização sem justificativa e sem consentimento é uma forma evidente de violência obstétrica que coloca em risco a integridade física da mulher (Amaral; Galícia, 2023).
A prática de realizar toques vaginais excessivos e desnecessários durante o trabalho de parto é mais um exemplo de violência obstétrica. Esses exames, quando realizados de forma frequente e sem consentimento, expõem a mulher a situações de constrangimento e violam sua intimidade. O toque vaginal deve ser feito somente quando necessário e sempre com o consentimento da paciente, sendo o contrário uma prática invasiva e desrespeitosa (Freitas; Pinheiro, 2024).
A administração de analgésicos e sedativos sem o consentimento da paciente também se enquadra na violência obstétrica. Muitas vezes, essas substâncias são administradas para “acalmar” a gestante, sem considerar suas preferências e necessidades. Essa prática desrespeita o direito de autonomia da mulher sobre seu corpo e pode comprometer a experiência do parto, além de gerar reações adversas desnecessárias (Santos; André, 2024).
A pressão para que a mulher acelere o processo de parto, ignorando o tempo natural do corpo, também é uma forma de violência obstétrica. Essa pressão, muitas vezes realizada por meio de intervenções invasivas ou verbais, ignora a individualidade do processo de parto e impõe um ritmo que nem sempre corresponde às necessidades da mãe e do bebê. Esse tipo de prática abusiva pode gerar complicações e comprometer o bem-estar da mulher e do recém-nascido (Oliveira, 2023).
A restrição de alimentos e líquidos durante o trabalho de parto, sem uma justificativa médica, é outra prática violenta que compromete o conforto e o bem-estar da gestante. Embora essa prática tenha sido comum no passado, hoje sabe-se que, em muitas situações, é seguro permitir que a mulher se alimente e hidrate durante o parto. Negar esse direito, sem motivos clínicos claros, é uma violação que pode ser enquadrada como violência obstétrica (Jesus, 2023).
Em algumas situações, a violência obstétrica se manifesta na forma de discriminação e atendimento negligente, especialmente para mulheres de baixa renda, jovens, negras ou indígenas. Esse tipo de tratamento desigual no ambiente hospitalar, baseado em preconceitos e discriminação, compromete a qualidade do atendimento e desrespeita os direitos fundamentais das gestantes. A discriminação é uma forma de violência institucional que fere os princípios de igualdade e equidade na saúde (Katz et al., 2020).
A recusa em permitir o contato imediato entre a mãe e o bebê após o parto é outro exemplo de violência obstétrica. Esse momento é essencial para o vínculo afetivo e para a saúde do recém-nascido, e sua privação sem uma razão clínica válida configura uma violação ao direito da mulher e do bebê. A prática de separar o recém-nascido da mãe sem justificativa representa uma forma de desumanização do atendimento obstétrico e deve ser combatida (Vieira, 2021).
Essas práticas, além de representarem formas de violência obstétrica, indicam a necessidade de uma abordagem jurídica específica para responsabilizar os profissionais de saúde que adotam comportamentos abusivos. O reconhecimento dessas práticas como violência obstétrica e o desenvolvimento de políticas de combate e prevenção são essenciais para garantir um atendimento obstétrico respeitoso e seguro.
3 MELHORIAS LEGISLATIVAS E A RESPONSABILIZAÇÃO DOS PROFISSIONAIS QUE VIOLAM OS DIREITOS DAS GESTANTES
A violência obstétrica é um tema que desafia a estrutura jurídica e o sistema de saúde no Brasil, revelando a necessidade urgente de reformas legislativas e políticas públicas que promovam um atendimento humanizado e respeitoso. As práticas desumanas e abusivas observadas no ambiente obstétrico ferem os direitos das mulheres e requerem medidas concretas para garantir que o atendimento seja centrado na dignidade e autonomia das gestantes. Para tanto, é essencial que o sistema legislativo avance na criação de normas específicas que visem coibir e punir essas condutas (Pereira; Paiva, 2023).
Uma das principais propostas de melhoria legislativa para combater a violência obstétrica é a criação de uma tipificação penal específica que abranja as práticas abusivas cometidas durante o atendimento obstétrico. Atualmente, a ausência de uma legislação específica dificulta a responsabilização dos profissionais de saúde que violam os direitos das gestantes, uma vez que as condutas são enquadradas em crimes genéricos, como lesão corporal ou abuso de autoridade. Uma tipificação própria para a violência obstétrica contribuiria para a proteção dos direitos das mulheres e para a construção de um ambiente hospitalar mais seguro e acolhedor (Lemos; Botelho, 2022).
Além da tipificação penal, é fundamental que as políticas públicas incentivem a criação de protocolos de atendimento humanizado, que orientem os profissionais de saúde a respeitar a autonomia e as decisões das gestantes. Esses protocolos devem incluir diretrizes sobre o consentimento informado, o respeito ao tempo natural do parto e a garantia de que os procedimentos invasivos sejam realizados apenas quando estritamente necessários. O estabelecimento desses parâmetros ajudaria a reduzir práticas abusivas e a consolidar um modelo de atendimento obstétrico mais ético e humanizado (Lopes, 2023).
Para que a legislação seja efetiva, é necessário que haja uma fiscalização rigorosa nas instituições de saúde para garantir o cumprimento dos protocolos de humanização e o respeito aos direitos das gestantes. A fiscalização deve ser acompanhada de mecanismos que permitam às vítimas de violência obstétrica denunciar os abusos sem medo de represálias. Além disso, é essencial que as instituições hospitalares sejam responsabilizadas por falhas no atendimento e que as gestantes tenham acesso a um canal seguro para a realização de denúncias (Vasconcellos, 2022).
A formação e capacitação contínua dos profissionais de saúde é outra medida essencial para reduzir a violência obstétrica. Cursos de capacitação sobre atendimento humanizado e direitos das gestantes devem ser incorporados nos currículos de medicina, enfermagem e obstetrícia, bem como nas formações complementares desses profissionais. Ao incentivar o aprendizado sobre práticas respeitosas e éticas, o sistema de saúde promove uma cultura de cuidado centrada na pessoa, o que contribui para a redução de condutas abusivas (Carvalho; Lopes, 2024).
Para além da capacitação, as políticas públicas devem incentivar a criação de campanhas de conscientização sobre os direitos das gestantes e os riscos da violência obstétrica. Essas campanhas devem ser amplamente divulgadas e ter como público-alvo tanto as gestantes quanto os profissionais de saúde, com o objetivo de informar e sensibilizar sobre a importância de um atendimento respeitoso e livre de abusos. A educação em saúde é uma ferramenta poderosa para transformar práticas e consolidar o direito à assistência humanizada (Souza, 2020).
A presença de um acompanhante durante o trabalho de parto, garantida por lei, deve ser assegurada e incentivada como forma de reduzir a vulnerabilidade da mulher e garantir que suas escolhas sejam respeitadas. No entanto, para que essa medida seja efetiva, é necessário que as instituições de saúde respeitem o direito da gestante ao acompanhante, pois ele representa uma proteção contra práticas abusivas e fortalece a segurança emocional da mulher. Essa garantia reforça a importância de um parto humanizado e respeitoso (Sousa; Jayme, 2023).
Outro ponto relevante é a criação de unidades específicas dentro dos hospitais para o atendimento humanizado de gestantes, com profissionais capacitados para lidar com partos de forma respeitosa e centrada na pessoa. Essas unidades, com ambientes mais acolhedores e infraestrutura adequada, podem reduzir o uso de intervenções desnecessárias e assegurar que as mulheres se sintam valorizadas e respeitadas. A criação dessas unidades é uma medida que visa transformar o ambiente hospitalar em um espaço mais humano (Amaral; Galícia, 2023).
A implementação de políticas públicas que promovam o parto domiciliar assistido por profissionais capacitados também pode contribuir para a humanização do atendimento obstétrico. O parto domiciliar, quando realizado de forma segura, permite que a mulher tenha maior autonomia sobre o processo, sendo acompanhada em um ambiente familiar e confortável. Essa modalidade de parto deve ser regulamentada e incentivada como uma alternativa viável e segura para aquelas gestantes que desejarem (Freitas; Pinheiro, 2024).
Além de promover o parto humanizado, as políticas públicas devem focar na criação de centros de apoio psicológico para as vítimas de violência obstétrica. O atendimento psicológico pós-parto é fundamental para auxiliar mulheres que sofreram abusos no ambiente hospitalar e para garantir que elas recebam o suporte necessário para superar os traumas vividos. Esses centros de apoio representam um importante passo para a reparação dos danos causados pela violência obstétrica e para a promoção da saúde mental das gestantes (Santos; André, 2024).
A responsabilização das instituições de saúde é igualmente importante na luta contra a violência obstétrica. É essencial que as instituições respondam judicialmente por falhas no atendimento e que sejam responsabilizadas pela contratação de profissionais que desrespeitem os direitos das gestantes. A criação de mecanismos de responsabilização institucional contribui para a melhoria do atendimento e para a prevenção de práticas abusivas, incentivando as instituições a adotarem protocolos de humanização (Oliveira, 2023).
Iniciativas legislativas que estabeleçam penalidades financeiras para as instituições e profissionais de saúde envolvidos em práticas de violência obstétrica também podem atuar como um desestímulo a essas condutas. Multas e outras sanções econômicas representam uma forma de responsabilização que visa à redução dos casos de violência obstétrica e à promoção de um atendimento mais respeitoso e seguro para as mulheres (Jesus, 2023).
A integração de políticas públicas e iniciativas legislativas é fundamental para que se alcance uma mudança significativa no atendimento obstétrico no Brasil. O estabelecimento de normas específicas, o incentivo ao atendimento humanizado, a fiscalização e a responsabilização são aspectos que, combinados, podem promover a transformação do sistema de saúde e garantir que as gestantes sejam atendidas com dignidade e respeito (Katz et al., 2020).
Assim sendo, a implementação de melhorias legislativas e políticas públicas focadas na humanização do atendimento obstétrico e na responsabilização dos profissionais é essencial para assegurar que as gestantes recebam um atendimento ético e respeitoso. Essas medidas contribuem para o fortalecimento dos direitos das mulheres e para a construção de um sistema de saúde comprometido com o bem-estar e a segurança das parturientes, reforçando o papel do Estado na proteção dos direitos humanos e na promoção de uma assistência obstétrica de qualidade (Vieira, 2021).
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Segundo Pereira e Paiva (2023), a violência obstétrica representa uma violação significativa aos direitos das gestantes, evidenciando a necessidade de uma legislação específica que possibilite a responsabilização penal dos profissionais de saúde envolvidos em práticas abusivas. Esses autores destacam que a ausência de uma tipificação penal clara para a violência obstétrica dificulta o acesso à justiça para as vítimas, que frequentemente têm suas denúncias enquadradas em crimes genéricos, como lesão corporal. Já Lemos e Botelho (2022) argumentam que, sem uma definição precisa, muitas práticas desumanas no atendimento obstétrico acabam sendo normalizadas, o que reforça a impunidade e a perpetuação de condutas abusivas no sistema de saúde.
Em contrapartida, Lopes (2023) observa que, embora a criação de uma tipificação penal específica seja uma medida relevante, é igualmente essencial que existam políticas de prevenção e educação no sistema de saúde, visando capacitar os profissionais para um atendimento humanizado. Enquanto isso, Vasconcellos (2022) reforça que a humanização do parto é uma abordagem que poderia reduzir significativamente as ocorrências de violência obstétrica, promovendo práticas que respeitem a autonomia e as escolhas das gestantes. Para esses autores, a implementação de protocolos de atendimento humanizado nas instituições de saúde é tão fundamental quanto a responsabilização penal.
Carvalho e Lopes (2024) destacam que, para promover um ambiente obstétrico livre de abusos, é necessário investir na formação dos profissionais desde a sua educação básica até a prática hospitalar. Segundo eles, a introdução de disciplinas que abordem os direitos das gestantes e o atendimento humanizado nos currículos de medicina e enfermagem poderia transformar a cultura hospitalar em longo prazo. Já Souza (2020) enfatiza a importância de campanhas de conscientização voltadas tanto para os profissionais quanto para a população, de modo a informar sobre os direitos das gestantes e as características da violência obstétrica.
Sousa e Jayme (2023) ressaltam que o direito de a gestante ter um acompanhante durante o trabalho de parto é uma garantia legal que protege a mulher de práticas abusivas e melhora sua experiência no parto. Em concordância, Amaral e Galícia (2023) mencionam que a presença de um acompanhante reduz a vulnerabilidade emocional da mulher e pode contribuir para uma assistência obstétrica mais segura e humanizada. Contudo, Oliveira (2023) aponta que, embora esse direito esteja previsto em lei, ele ainda não é plenamente respeitado nas instituições de saúde, evidenciando uma falha na fiscalização e no cumprimento das normas vigentes.
Freitas e Pinheiro (2024) propõem que a criação de centros especializados para o atendimento humanizado de gestantes seria uma forma eficaz de combater a violência obstétrica. Esses centros poderiam atuar como modelos para outras unidades de saúde, promovendo práticas de respeito e acolhimento às gestantes. Em contraste, Santos e André (2024) defendem a implementação de penalidades mais rígidas para os profissionais que violam os direitos das gestantes, argumentando que a responsabilização efetiva é um elemento dissuasivo importante contra práticas abusivas.
Enquanto isso, Jesus Bastos Barbosa (2023) sugere que a transformação do ambiente hospitalar em um espaço de acolhimento passa pela criação de um sistema de apoio psicológico para as mulheres que sofreram violência obstétrica. Para ele, esse tipo de suporte é essencial para ajudar as vítimas a lidar com os traumas decorrentes das práticas abusivas. Em contrapartida, Katz et al. (2020) argumentam que, embora o apoio psicológico seja fundamental, a prevenção e o combate à violência obstétrica devem começar com a fiscalização rigorosa das práticas médicas, além da garantia de que as vítimas possam denunciar os abusos de forma segura e sem medo de retaliação.
A discriminação no atendimento obstétrico também é apontada por vários autores como um agravante da violência obstétrica. Vieira (2021) destaca que as mulheres em situação de vulnerabilidade social, como as de baixa renda e negras, são as mais afetadas por práticas abusivas, o que reforça a necessidade de políticas públicas que promovam a equidade no atendimento obstétrico. Em sintonia, Brito, Oliveira e De Albuquerque Costa (2020) argumentam que a igualdade de tratamento no sistema de saúde é um direito fundamental que deve ser assegurado a todas as gestantes, independentemente de sua condição social ou etnia.
Nesse contexto, a criação de unidades específicas para a humanização do parto, com infraestrutura adequada e profissionais treinados, pode ser uma estratégia eficaz para garantir um atendimento de qualidade e livre de abusos. Segundo Marques (2021), essas unidades poderiam proporcionar um ambiente acolhedor, onde a mulher se sinta valorizada e respeitada durante o processo de parto. Já para Cunha Alves, Nascimento e Ebling (2023), a implementação dessas unidades também deve ser acompanhada por campanhas de conscientização que informem as gestantes sobre seus direitos e as incentivem a buscar atendimento humanizado.
O consenso entre os autores parece indicar que tanto a criação de uma legislação específica quanto a implementação de políticas de educação e prevenção são estratégias necessárias para combater a violência obstétrica. A adoção de práticas humanizadas, o respeito aos direitos das gestantes e a responsabilização dos profissionais são elementos centrais para transformar o atendimento obstétrico no Brasil. Enquanto alguns autores defendem a penalização rigorosa, outros sugerem que o foco principal deve ser a promoção de um atendimento baseado no respeito e na dignidade.
A violência obstétrica, ao ser naturalizada nas instituições de saúde, torna-se invisível aos olhos da sociedade, reforçando estigmas e práticas desumanas que deveriam ser erradicadas. A criação de uma legislação específica que trate desse tipo de violência é um passo importante para que o sistema de saúde respeite a dignidade e os direitos das gestantes, garantindo que todos os procedimentos sejam realizados com consentimento e respeito (Pereira; Paiva, 2023, p. 1392).
Nesse sentido, observa-se uma convergência de opiniões sobre a importância de ações integradas que envolvam tanto o setor jurídico quanto o sistema de saúde. Os profissionais de saúde devem ser capacitados e conscientizados sobre a importância do atendimento humanizado, e as instituições de saúde devem adotar protocolos que garantam o respeito aos direitos das gestantes. A combinação de medidas preventivas e punitivas é essencial para que o Brasil avance no combate à violência obstétrica e na promoção de um sistema de saúde justo e equitativo.
A presença de um acompanhante durante o trabalho de parto é uma medida de proteção para a mulher e um direito garantido pela legislação brasileira, que, ao ser desrespeitado, configura uma prática de violência obstétrica. É fundamental que as instituições de saúde respeitem essa garantia, pois o acompanhante representa uma segurança adicional contra práticas abusivas e fortalece a confiança da gestante em um momento de vulnerabilidade” (Sousa; Jayme, 2023, p. 102).
Portanto, a implementação de melhorias legislativas e de políticas públicas voltadas para a humanização do atendimento obstétrico é urgente e essencial. As mudanças propostas visam não apenas à responsabilização dos profissionais de saúde, mas também à promoção de uma cultura de cuidado e respeito aos direitos das mulheres. Essas ações são fundamentais para assegurar que o atendimento obstétrico no Brasil seja seguro, humanizado e livre de qualquer forma de violência.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A conclusão deste trabalho rememorou os objetivos, a questão-problema e as hipóteses iniciais, sintetizando os resultados obtidos ao longo da pesquisa sobre a violência obstétrica e a responsabilidade penal dos profissionais de saúde envolvidos. O objetivo central deste estudo foi analisar a possibilidade de responsabilização penal dos profissionais de saúde em práticas que configuram violência obstétrica, buscando compreender as lacunas legislativas e propor melhorias que contribuam para a humanização do atendimento obstétrico.
A partir da pergunta-problema “De que forma a legislação penal brasileira pode ser aprimorada para garantir a responsabilização efetiva em casos de violência obstétrica?”, investigou-se a aplicabilidade do arcabouço jurídico atual em relação a essa questão, evidenciando que a ausência de uma tipificação penal específica para a violência obstétrica dificulta o enquadramento e a responsabilização dos atos abusivos. Nesse contexto, as hipóteses levantadas incluíram a necessidade de uma legislação específica que trate da violência obstétrica como um tipo penal autônomo e a implementação de políticas públicas que promovam o atendimento humanizado.
Os resultados confirmaram que a ausência de uma legislação própria para a violência obstétrica impede uma responsabilização penal eficaz, pois as práticas abusivas acabam sendo enquadradas de forma genérica, sem considerar as particularidades desse tipo de violência. Ademais, verificou-se que, além da criação de uma tipificação penal, a adoção de protocolos de atendimento humanizado, a capacitação dos profissionais de saúde e a conscientização da sociedade sobre os direitos das gestantes são medidas fundamentais para reduzir as práticas abusivas no atendimento obstétrico.
Portanto, concluiu-se que o enfrentamento da violência obstétrica no Brasil requer uma abordagem integrada entre o sistema jurídico e o sistema de saúde, a fim de assegurar que as gestantes tenham seus direitos respeitados. A implementação de melhorias legislativas e políticas públicas de humanização emergiu como uma necessidade urgente para promover a dignidade, a segurança e o respeito no atendimento obstétrico, contribuindo para a construção de um sistema de saúde mais justo e inclusivo.
REFEÊNCIAS
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CARVALHO, Any Karolyne Lima; LOPES, Jose Augusto Bezerra. Estratégias de enfrentamento da violência obstétrica e sua responsabilidade penal. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 10, n. 10, p. 4407-4422, 2024.
CUNHA Alves, Clara Natália da; NASCIMENTO, Claudia Pinheiro; EBLING, Maurício. Violência obstétrica e sua atual responsabilização no brasil. Projeção, direito e sociedade, v. 14, n. 2, p. 114-137, 2023.
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VASCONCELLOS, Gabriela Sousa. Violência obstétrica e a responsabilidade criminal no Brasil. 2022.
VIEIRA, Nicole Moreira Queiroz. A violência obstétrica na legislação brasileira. 2021.
[1] Acadêmica do curso de direito da Instituição de Ensino Superior (IES) Faculdade Una de Divinópolis da rede Ânima de Educação. E-mail: @gmail.com. Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Direito da Instituição de Ensino Superior (IES) Faculdade Una de Divinópolis da rede Ânima de Educação. 2024. Orientador: Prof. Daniel Carlos Dirino.
[2] Acadêmica do curso de direito da Instituição de Ensino Superior (IES) Faculdade Uma de Divinópolis da rede Ânima de Educação. E-mail: mariliafogaca722@gmail.com. Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Direito da Instituição de Ensino Superior (IES) Faculdade Una de Divinópolis da rede Ânima de Educação. 2024. Orientador: Prof. Daniel Carlos Dirino.