REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202411301412
Eliane Alves Milhomem¹
Maria Elisa Magalhães A. Souto Ribeiro²
Tercilenes Batista de Melo³
Wilma Alves Amorim Marinho4
RESUMO
Este trabalho aborda a violência contra a mulher sob a ótica da violação dos direitos humanos, explorando fatores psicológicos, sociais e históricos que contribuem para o ciclo de violência doméstica. Discute-se como a violência vivida na infância pode predispor a comportamentos agressivos na vida adulta e como a raiva e a desregulação emocional aumentam os riscos de violência conjugal. Também é analisado o papel do consumo de álcool e substâncias, que, embora não causem diretamente a violência, a facilitam. A importância de educar e responsabilizar agressores para prevenir a reincidência é enfatizada, assim como as graves consequências da violência para a saúde, o trabalho e as relações sociais das vítimas. O estudo destaca a necessidade de políticas públicas e programas educacionais como estratégias essenciais para diminuir ao máximo esse tipo de violência.
Palavras-Chaves: violência doméstica; agressores; fatores de risco; políticas públicas.
Abstract
This study addresses violence against women from the perspective of human rights violations, investigating violence against women as a violation of human rights and exploring the psychological, social, and historical factors that contribute to the cycle of domestic violence. It discusses how experiencing violence in childhood can predispose individuals to aggressive behaviors in adulthood, and how anger and emotional dysregulation increase the risks of intimate partner violence. The role of alcohol and substance use is also analyzed, as these factors, while not directly causing violence, facilitate it. The importance of educating and holding perpetrators accountable to prevent recidivism is emphasized, as well as the severe consequences of violence on victims’ health, work, and social relationships. The study highlights the need for public policies and educational programs as essential strategies for eradicating this form of violence.
Introdução
A violência contra a mulher consiste numa violação dos direitos humanos e num grave problema de saúde pública, o que gera impactos profundos na saúde física e mental das vítimas, bem como em suas relações familiares, sociais e na capacidade de trabalho (Organização Mundial da Saúde, 2002; Barros et al., 2016). Esse fenômeno decorre de relações desiguais de gênero, profundamente enraizadas no patriarcado, que sustenta a dominação masculina e, por conseguinte, a perpetuação da violência como forma de manter essa superioridade (Saffiotti, 2001).
De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde de 2015, uma em cada cinco mulheres no Brasil já foi agredida por algum homem (BRASIL, 2015). Dados do Disque Direitos Humanos – Serviços de utilidade pública do Ministério dos Direitos Humanos – (Disque 100), de 2016 indicam que, em 67% das denúncias de violência contra a mulher, o agressor era alguém com quem a vítima mantinha um relacionamento afetivo (BRASIL, 2016). O impacto dessa violência também apresenta-se no sistema judiciário: em 2017, foram emitidas mais de 236 mil medidas protetivas de urgência para mulheres, o que corresponde a um aumento de 21% em relação ao ano anterior (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ – , 2018).
Dada a prevalência de violência cometida por parceiros íntimos, torna-se essencial desenvolver políticas públicas que incluam esses agressores nas estratégias de enfrentamento, promovendo medidas preventivas, protetivas, assistenciais e punitivas para transformar as relações violentas ( WAISELFISZ, 2015., BARUFALDI et al., 2017).
A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) define cinco tipos de violência contra a mulher: física, psicológica, sexual, moral e patrimonial. A violência física é caracterizada por qualquer ato que comprometa a integridade física e a saúde da vítima, enquanto a violência psicológica envolve ações que causam danos emocionais ou diminuem a autoestima da mulher. A violência sexual abrange toda forma de coerção para que a vítima participe de uma interação sexual contra sua vontade, utilizando ameaça, força ou intimidação. A violência patrimonial, por sua vez, diz respeito à destruição, subtração ou retenção de bens, documentos e recursos econômicos da vítima. E a violência moral, por fim, abarca injúria, difamação e calúnia (BRASIL, 2006).
Ao reconhecer essas diferentes formas de violência, a Lei Maria da Penha não apenas amplia a compreensão sobre o que constitui violência contra a mulher, mas também oferece um arcabouço legal que possibilita a proteção mais abrangente e eficaz das vítimas. A classificação dessas tipologias foi essencial para que o sistema de justiça e os serviços de apoio pudessem atuar de forma mais adequada na prevenção, proteção e punição dos agressores. Como apontado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2018), o aumento no número de medidas protetivas de urgência reflete a necessidade de garantir a segurança das mulheres em todos os aspectos, reconhecendo as múltiplas facetas da violência de gênero.
Portanto, a Lei Maria da Penha oferece uma abordagem ampla e multifacetada para combater a violência contra a mulher, entendendo-a como um fenômeno complexo que se manifesta em diferentes formas de abuso. Essas tipologias permitem uma maior conscientização sobre a diversidade das agressões sofridas por mulheres e representam um passo crucial na luta pela igualdade de gênero e pela proteção dos direitos humanos.
Atuar no enfrentamento da violência com homens agressores requer uma abordagem multidimensional, que considere fatores individuais e familiares, de modo a reduzir a reincidência de novos episódios (SILVA, COELHO, & MORETTI-SILVA, 2014). Estudos nessa área podem ampliar políticas públicas e promover discussões sobre violência de gênero. A presente pesquisa objetiva, nesse sentido, identificar e compreender os fatores individuais e familiares que contribuem para a perpetuação da violência praticada por homens contra suas parceiras.
Violência contra a mulher como violação dos direitos humanos
A violência contra a mulher é reconhecida internacionalmente como uma violação dos direitos humanos, afetando profundamente as vítimas em diversos aspectos de suas vidas. Essa violência, que resulta de relações desiguais de poder entre os gêneros, não se restringe ao âmbito privado, mas reverbera em dimensões públicas e institucionais, com impactos severos sobre a saúde, a capacidade de trabalho e as relações sociais das mulheres (BARROS et al., 2016; OMS, 2002).
Em termos de saúde, a violência doméstica tem efeitos devastadores, tanto no plano físico quanto no psicológico. Mulheres que sofrem violência, podem apresentar ferimentos físicos, desde hematomas e fraturas até traumas mais graves que podem levar à morte. No entanto, a violência psicológica costuma ter impacto mais persistente. Ela inclui humilhações, ameaças e isolamento, diminui a autoestima e a capacidade de enfrentar os desafios diários, prejudicando a saúde mental da vítima (BRASIL, 2006), o que corrobora com Barros et al (2016), segundo o qual vítimas de violência psicológica possuem uma alta prevalência de transtornos mentais, como depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático.
No campo laboral, a violência também causa uma redução significativa na produtividade e na capacidade de sustento das mulheres. Muitas vítimas de violência encontram dificuldades para manter uma rotina de trabalho regular, seja por causa de ferimentos físicos, seja devido ao desgaste emocional que resulta da violência constante (BARUFALDI et al., 2017). O medo de novas agressões e a necessidade de lidar com os efeitos da violência podem resultar em absenteísmo, diminuição de desempenho e até na perda de emprego, o que agrava a vulnerabilidade econômica dessas mulheres (BRASIL, 2016).
Nas relações sociais, a violência impõe barreiras ao desenvolvimento de interações saudáveis e à manutenção de uma rede de apoio. A violência psicológica, em especial, tende a isolar a vítima, já que muitos agressores controlam e manipulam suas parceiras para limitar suas interações com amigos, familiares e colegas (OMS, 2002). Esse isolamento reforça o ciclo de violência, deixando a mulher mais dependente do agressor e menos capaz de buscar ajuda ou apoio emocional. Ademais, o estigma associado à violência doméstica pode fazer com que a mulher se sinta envergonhada ou culpada, o que a impede de romper com o ciclo (BARROS et al., 2016).
De acordo com dados do Disque 100 (2016), em 67% das denúncias de violência contra a mulher, o agressor era alguém com quem a vítima mantinha um relacionamento afetivo. Essa prevalência de violência por parceiros íntimos expõe a conexão direta entre relações afetivas e o comprometimento das esferas social e laboral da vida das mulheres (BRASIL, 2016). Em um contexto de dominação e controle, os danos causados pela violência vão além dos aspectos físicos e emocionais, estendendo-se à capacidade das vítimas de viver de forma plena e independente em suas comunidades.
Portanto, a violência contra a mulher não é apenas uma questão privada ou doméstica, mas uma violação estrutural dos direitos humanos que impacta diretamente a saúde, o trabalho e as relações sociais das vítimas. A prevenção e o enfrentamento desse fenômeno exigem políticas públicas que reconheçam essas múltiplas dimensões e intervenham para garantir a proteção e o acolhimento das vítimas, bem como a responsabilização dos agressores (BRASIL, 2006; CNJ, 2018).
Violência de gênero como reflexo de estruturas patriarcais
A violência de gênero é, fundamentalmente, uma manifestação das relações desiguais de poder entre homens e mulheres, profundamente enraizadas em estruturas patriarcais que sustentam a dominação masculina. O patriarcado, conforme destacado por Saffioti (2001), é um sistema social e cultural que perpetua a superioridade dos homens sobre as mulheres, legitimando o uso da violência como uma forma de controle e manutenção dessa hierarquia de poder.
A cultura patriarcal constrói e reforça estereótipos de gênero que atribuem às mulheres um papel submisso e dependente, enquanto aos homens é conferida autoridade e poder, inclusive no uso da violência para reafirmar essa posição. Tais estereótipos não apenas moldam comportamentos individuais, mas também são institucionalizados em normas sociais, práticas culturais e leis que historicamente desconsideraram ou minimizaram a violência contra as mulheres. A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) surge como uma resposta à necessidade de reconhecer e combater a violência de gênero de forma mais ampla e inclusiva, diante da ineficácia de abordagens legais anteriores (BRASIL, 2006).
A violência contra a mulher, portanto, não é um fenômeno isolado ou puramente individual, mas sim uma expressão direta da desigualdade de gênero que permeia a sociedade. O uso da violência, seja ela física, psicológica, sexual, moral ou patrimonial (BRASIL, 2006), constitui um modo pelo qual os homens buscam reafirmar seu poder sobre as mulheres. Esse comportamento é legitimado pela aceitação social de crenças que naturalizam a violência e justificam a subordinação feminina. Estudos como o de Heredia (2004) destacam que muitas dessas crenças patriarcais são perpetuadas por normas culturais que consideram aceitável o controle sobre o corpo, as decisões e a liberdade das mulheres.
Destaca-se também que a violência de gênero é frequentemente aprendida e reproduzida ao longo das gerações. Homens que foram expostos à violência em seus contextos familiares, seja por meio de abusos diretos ou ao testemunhar agressões entre seus pais, apresentam maior propensão a adotar comportamentos violentos em suas próprias relações conjugais (MARASCA, COLOSSI, & FALCKE, 2013; VU et al., 2016). Esse ciclo perpetuado de violência está ligado às estruturas patriarcais, que continuam a legitimar a violência como uma forma de resolução de conflitos e controle nas relações afetivas.
Adicionalmente, conforme apontado por Costa, Cenci e Mosmann (2016), os homens tendem a adotar atitudes autoritárias e evasivas nos conflitos com suas parceiras, evitando diálogos e promovendo dinâmicas de poder que reforçam sua posição dominante. A abordagem destrutiva dos conflitos, frequentemente associada à retaliação e à comunicação negativa, também é sustentada por uma lógica patriarcal que desvaloriza a cooperação e o respeito mútuo nas relações, enquanto promove o controle e a submissão como valores desejáveis.
Portanto, a violência de gênero é um reflexo das estruturas patriarcais que continuam a influenciar profundamente as relações de poder entre homens e mulheres. A desconstrução dessas estruturas e a promoção da igualdade de gênero passam necessariamente pela erradicação das crenças e normas que legitimam a violência como instrumento de controle e subordinação das mulheres. Para tanto, é fundamental o fortalecimento de políticas públicas que não apenas ofereçam proteção às vítimas, mas que também eduquem e responsabilizem os agressores, como previsto pela Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006).
Histórico de violência na infância e perpetuação de comportamentos violentos
Segundo Vieira et al. (2011), o histórico de violência na infância é um fator fundamental na perpetuação de comportamentos violentos, pois experiências adversas durante o desenvolvimento infantil podem influenciar a forma como os indivíduos lidam com conflitos e relações interpessoais. Esse ciclo pode ser compreendido dentro de um contexto biopsicossocial, onde a criança que vivencia ou presencia violência doméstica tende a internalizar e naturalizar esses comportamentos, o que aumenta a probabilidade de replicá-los na vida adulta.
No âmbito psicológico, Vieira et al. (2011) destacam que as experiências traumáticas na infância afetam o desenvolvimento de habilidades emocionais e cognitivas, gerando maior vulnerabilidade a transtornos como ansiedade e depressão. Essa desregulação emocional pode levar à adoção de comportamentos violentos como resposta a situações de estresse. Socialmente, as crianças expostas a ambientes violentos tendem a formar crenças e atitudes que legitimam a agressividade como meio de resolver conflitos.
Krug et al. (2002) abordam a violência sob uma perspectiva multicausal, destacando o impacto do histórico da violência na infância como um dos principais fatores de risco para a perpetuação de comportamentos violentos na vida adulta. Segundo os autores, a violência é um fenômeno multicausal, e as experiências adversas durante a infância, como abuso físico, emocional ou negligência, contribuem para a naturalização da violência como uma forma de resolver conflitos ou obter controle.
Os autores supracitados argumentam que a exposição precoce à violência não apenas afeta o desenvolvimento psicoemocional, mas também influencia as respostas comportamentais em situações futuras. Esse ciclo é muitas vezes transmitido intergeracionalmente, ou seja, crianças que testemunham ou sofrem violência em casa estão em maior risco de se tornarem agressores ou vítimas na vida adulta. Krug et al. (2002) salientam que esses indivíduos podem desenvolver padrões de interação social baseados em dinâmicas de poder e controle, que se manifestam tanto em contextos familiares quanto em relações íntimas e sociais mais amplas.
Raiva e desregulação emocional como fatores de risco para a violência conjugal
A raiva e a desregulação emocional têm sido amplamente discutidas como fatores de risco significativos para o comportamento agressivo dentro de relacionamentos conjugais. Bjureberg et al. (2016) enfatizam que estados emocionais desregulados, como a raiva, frequentemente resultam em impulsividade e maior risco de comportamentos agressivos. Isso está alinhado com a ideia de que uma expressão descontrolada da raiva aumenta a probabilidade de violência em contextos de relacionamentos íntimos.
Pesquisadores como Shorey et al. (2011) argumentam que a raiva é frequentemente um precursor de comportamentos agressivos em relacionamentos íntimos. Contudo, a falta de habilidades de regulação emocional é que transforma essas emoções em ações violentas. Indivíduos que possuem uma resposta emocional intensa, combinada com a dificuldade de processar ou expressar suas emoções de forma adequada, tendem a recorrer à agressividade como um meio de aliviar essa tensão.
Além disso, a desregulação emocional não se limita à expressão inadequada da raiva, mas também envolve dificuldades em reconhecer e gerenciar outras emoções como frustração, ciúmes e ansiedade (Eckhardt et al, 2008). Esse conflito de regular emoções pode resultar em explosões de raiva que se manifestam por meio de agressão física, verbal ou psicológica contra a outra pessoa.
A teoria cognitivo-comportamental sugere que a raiva, como emoção, pode ser alimentada por distorções cognitivas ou crenças disfuncionais, levando ao comportamento violento. Por exemplo, a crença de que o parceiro deve atender a certas expectativas e o fracasso em lidar com frustrações associadas pode alimentar um ciclo de desregulação emocional e violência. Quando esses indivíduos não conseguem reinterpretar a situação ou redirecionar suas emoções, a raiva é frequentemente expressa de maneira destrutiva.
A identificação da raiva e da desregulação emocional como fatores de risco tem implicações importantes para intervenções e programas de prevenção. Segundo Murphy et al. (2005), estratégias de intervenção baseadas na regulação emocional, como o manejo da raiva, treinamento em habilidades de comunicação e técnicas de relaxamento, têm mostrado resultados positivos na redução de comportamentos agressivos em relacionamentos.
Essa abordagem coloca a ênfase na necessidade de desenvolver habilidades que permitam aos indivíduos reconhecer seus estados emocionais, avaliar suas cognições e regular a raiva de forma construtiva, o que contribui para a prevenção da violência conjugal. Além disso, enfatiza a importância de abordar crenças subjacentes e padrões cognitivos disfuncionais que podem alimentar o comportamento violento.
Portanto, a raiva, quando combinada com a desregulação emocional, apresenta um risco claro para comportamentos violentos em relacionamentos íntimos. A desregulação emocional implica na incapacidade de lidar com emoções intensas de forma saudável, transformando sentimentos de raiva em violência.
O impacto do consumo de álcool e substâncias na violência doméstica
O impacto do consumo de álcool e substâncias na violência doméstica é amplamente reconhecido na literatura científica como um fator de risco significativo, assim afirma Vieira, L. B., et al. (2014). Embora o uso de álcool e drogas não seja considerado uma causa direta da violência, há uma relação robusta entre o uso dessas substâncias e o aumento da probabilidade de comportamentos violentos em contextos domésticos.
Nesse sentido, o consumo de álcool e drogas pode atuar como um facilitador da violência devido ao seu efeito psicobiológico sobre o controle inibitório. Fagan (1993) propõe que o álcool reduz as capacidades cognitivas e inibitórias, promovendo comportamentos impulsivos e agressivos em indivíduos predispostos. Esse modelo sugere que, sob o efeito dessas substâncias, há uma diminuição na capacidade de avaliar riscos e controlar emoções, como raiva e frustração, o que resulta em maior agressividade.
Bandura (1977), na sua Teoria da Aprendizagem Social, defende que comportamentos são aprendidos por meio da observação e da imitação de modelos, especialmente quando reforçados por fatores contextuais. O uso de substâncias pode ser influenciado por normas sociais que toleram a agressividade associada ao consumo. Em contextos onde o uso de álcool é socialmente aceitável e associado a comportamentos violentos, a violência doméstica pode ser reforçada por crenças de que tais ações são aceitáveis ou justificadas sob o efeito dessas substâncias.
Pesquisadores como Leonard e Quigley (1999) sugerem que o álcool e outras drogas funcionam como catalisadores em um processo de escalonamento da violência. O Modelo de Escalonamento propõe que os conflitos conjugais podem se intensificar sob o efeito de substâncias, uma vez que o consumo prejudica a capacidade de autocontrole, distorce a interpretação de eventos e amplia reações emocionais desproporcionais. Assim, o álcool age como um agente desinibidor que reduz a capacidade de resolução não-violenta de conflitos.
No Modelo Bio-Psico-Social, o consumo de substâncias é compreendido como um fator que interage com predisposições individuais e contextos sociais de vulnerabilidade. Dutton (2006) sugere que fatores biológicos (como o efeito químico das substâncias), fatores psicológicos (como traços de personalidade) e fatores sociais (como normas e dinâmicas relacionais) interagem para aumentar a probabilidade de violência. Nesse sentido, o consumo de álcool e drogas pode exacerbar características agressivas pré-existentes ou catalisar comportamentos violentos em indivíduos que já possuem vulnerabilidades emocionais.
Além dos efeitos individuais, é importante considerar o contexto cultural e social. Graham et al. (2008) argumentam que o álcool pode criar um ambiente permissivo para a violência ao reduzir inibições e aumentar a aceitação de comportamentos agressivos. Eles sugerem que em culturas onde o consumo de álcool é amplamente aceito como justificativa para comportamentos desinibidos, há uma maior prevalência de violência doméstica. Esse entendimento amplia a análise para incluir normas sociais e culturais como mediadores na relação entre substâncias e violência.
A importância da educação e responsabilização de agressores
A educação e a responsabilização dos agressores têm se mostrado fundamentais para a reabilitação e prevenção da reincidência de violência doméstica. A abordagem multidimensional busca abordar aspectos comportamentais, cognitivos, emocionais e sociais que contribuem para o comportamento agressivo, promovendo mudanças que vão além da simples punição. Para essa discussão, é importante explorar conceitos de responsabilização, reabilitação e intervenções multidimensionais com base em referenciais teóricos.
A Teoria da Aprendizagem Social, de Bandura (1977), é frequentemente utilizada como base teórica para programas de reeducação de agressores. Segundo essa teoria, comportamentos agressivos são aprendidos através de modelos de referência, observação e reforço. Dessa forma, os programas de reabilitação precisam trabalhar com a desconstrução de crenças disfuncionais e com a promoção de novos padrões de interação não-violenta. A responsabilização envolve o reconhecimento do comportamento violento como uma escolha consciente, o que permite a introdução de novos mecanismos de resolução de conflitos.
A Teoria Cognitivo-Comportamental é amplamente aplicada na intervenção com agressores, conforme apontado por Dobash et al. (2000). Essa abordagem enfatiza a identificação e a modificação de crenças distorcidas que justificam ou minimizam a violência. Dobash et al. argumentam que a responsabilização implica não apenas na assunção de culpa, mas na compreensão dos impactos dos comportamentos e na adoção de estratégias de resolução de conflitos mais saudáveis. Os programas baseados nessa abordagem trabalham com a reestruturação cognitiva, treinamentos de habilidades sociais e a gestão de emoções, como raiva e frustração.
Programas psicoeducativos são baseados na ideia de que a educação dos agressores pode levar à conscientização sobre os efeitos de seus atos e, ao mesmo tempo, fornecer estratégias práticas para lidar com situações de conflito. Segundo Gondolf (2002), intervenções em grupo promovem uma mudança comportamental ao desafiar justificativas de violência e reforçar a responsabilização, além de criar um ambiente onde os agressores podem compartilhar experiências e desenvolver empatia. A educação inclui tópicos como controle da raiva, masculinidade tóxica, comunicação e gestão de estresse.
A Intervenção Motivacional, baseada nos princípios de Miller e Rollnick (2013), visa promover a conscientização e motivar mudanças nos agressores. Esse modelo se concentra na ambivalência do agressor em relação ao seu comportamento violento, ajudando-o a reconhecer e resolver contradições entre valores pessoais e ações. A responsabilização aqui é tratada como um processo em que o agressor se torna consciente de sua agência e do impacto de suas ações, enquanto é incentivado a adotar mudanças genuínas.
A reabilitação eficaz de agressores requer uma abordagem multidimensional, que envolva aspectos psicológicos, sociais e jurídicos. Dutton (2006) propõe um modelo bio-psico-social que considera a interação entre características individuais (traços de personalidade, histórico de violência), fatores relacionais (dinâmicas de poder e controle) e contextos sociais (normas culturais, papel da lei). Nesse modelo, a responsabilização jurídica é um componente essencial para reforçar limites e consequências para os agressores, enquanto a reabilitação foca na mudança de padrões disfuncionais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo revelou a necessidade urgente de aprofundamento nas causas e implicações da violência contra a mulher. Ao desvendar os fatores de risco individuais e familiares, observou-se que o problema não pode ser interpretado de forma isolada, pois ele é interligado a fatores culturais e históricos que perpetuam desigualdades de gênero e reforçam comportamentos violentos.
Os impactos profundos que essa violência causa à saúde física e mental das vítimas, bem como às suas esferas laborais e relacionais, apontam para a complexidade do problema, que requer uma abordagem multidimensional que inclua prevenção, proteção e responsabilização dos agressores.
As políticas de combate e prevenção, como a Lei Maria da Penha, mostram-se fundamentais, porém insuficientes, sem um sistema que atue em outras frentes, como a educação para a igualdade de gênero e o fortalecimento da rede de apoio à vítima e ao agressor. Nesse contexto, medidas que promovam a reeducação e a responsabilização dos agressores, aliadas a intervenções psicossociais e à oferta de atendimento especializado, são estratégias eficazes para reduzir a reincidência e desestimular comportamentos abusivos.
Além disso, a análise dos fatores como histórico de violência familiar e consumo de substâncias psicoativas reforça a importância da intervenção precoce, incluindo abordagens terapêuticas que ajudem a prevenir a continuidade do ciclo de violência. A presença de programas de apoio psicossocial e capacitação em habilidades emocionais também é essencial para promover relacionamentos interpessoais mais saudáveis.
Assim, a criação de uma sociedade mais justa e livre de violência depende não apenas de políticas punitivas, mas de um esforço conjunto entre instituições governamentais, educacionais, de saúde e de justiça, em colaboração com a sociedade civil. Somente por meio de uma mobilização abrangente, comprometida e contínua será possível enfrentar e erradicar as raízes da violência de gênero, promovendo, assim, um ambiente seguro e de respeito para as mulheres.
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1 Estudante Psicologia – Uninassau Palmas. E-mail: elianemilhomem1@gmail.com
2 Mestre em Psicologia (UFRN), Doutoranda em Educação (UEL) – Professora de Psicologia -Uninassau Palmas. E-mail: elisamagalhaes@ifto.edu.br.
3 Estudante Psicologia – Uninassau Palmas. E-mail: tercilenes@gmail.com
4 Estudante Psicologia- Uninassau Palmas. E-mail: wilmaamorim80@gmail.com