BCG VACCINATION IN NEONATES IN BRAZIL FROM 2013 TO 2023
VACUNACIÓN DE BCG EN NEONATOS EN EL TERRITORIO BRASILEÑO DE 2013 A 2023
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202504281404
Marcela Soares Viana1
Elias José Oliveira2
RESUMO
O presente estudo analisa a cobertura vacinal da vacina BCG em neonatos no território brasileiro entre os anos de 2013 e 2023. A vacina BCG, indicada prioritariamente para aplicação nos primeiros dias de vida, é essencial para a prevenção das formas graves de tuberculose. Por meio da coleta de dados secundários disponibilizados por sistemas oficiais de informação do Ministério da Saúde (DATASUS e SEIDIGI), foram observadas variações significativas nas taxas de vacinação entre regiões e estados brasileiros. Os dados foram organizados em planilhas eletrônicas e submetidos à análise descritiva. Os resultados revelam que, apesar de índices superiores a 100% nos primeiros anos da série histórica, a cobertura vacinal apresentou queda progressiva a partir de 2016, acentuando-se com a pandemia de COVID-19. Em 2020, a cobertura nacional foi de 77,14%, refletindo o impacto da reorganização dos serviços de saúde e da hesitação vacinal durante o período pandêmico. Observou-se uma recuperação parcial em 2022, com a cobertura atingindo 90,09%, seguida de nova redução em 2023. O estudo destaca a influência de fatores como a disseminação de desinformação, dificuldades de acesso aos serviços de saúde e alterações nos sistemas de registro vacinal. A análise reforça a importância da manutenção de estratégias de vigilância, comunicação efetiva e fortalecimento do Programa Nacional de Imunizações como medidas essenciais para garantir o acesso equitativo à vacinação e proteger a população infantil contra doenças imunopreveníveis.
Palavras-chave: Vacina BCG. Cobertura Vacinal. Recém-Nascido. Programas de Imunização.
ABSTRACT
This study analyzes BCG vaccine coverage among neonates in Brazil from 2013 to 2023. The BCG vaccine, primarily indicated for administration in the first days of life, is essential for preventing severe forms of tuberculosis. Using secondary data obtained from official information systems of the Brazilian Ministry of Health (DATASUS and SEIDIGI), significant variations in vaccination rates were observed across different regions and states. Data were organized into spreadsheets and subjected to descriptive analysis. Results indicate that, despite coverage rates exceeding 100% in the early years of the historical series, a progressive decline began in 2016, intensifying during the COVID-19 pandemic. In 2020, national coverage dropped to 77.14%, reflecting the impact of healthcare system reorganization and increased vaccine hesitancy during the pandemic period. A partial recovery was observed in 2022, reaching 90.09%, followed by another decline in 2023. The study highlights the influence of factors such as misinformation dissemination, limited access to healthcare services, and changes in vaccination registration systems. The analysis reinforces the importance of maintaining surveillance strategies, effective communication, and strengthening the National Immunization Program as essential measures to ensure equitable access to vaccination and protect the pediatric population from vaccine-preventable diseases.
Keywords: BCG Vaccine. Vaccination Coverage. Newborn. Immunization Programs.
RESUMEN
Este estudio analiza la cobertura de vacunación de la vacuna BCG en neonatos en el territorio brasileño entre los años 2013 y 2023. La vacuna BCG, indicada prioritariamente para su aplicación en los primeros días de vida, es esencial para la prevención de las formas graves de tuberculosis. A través de datos secundarios obtenidos de los sistemas oficiales de información del Ministerio de Salud (DATASUS y SEIDIGI), se observaron variaciones significativas en las tasas de vacunación entre las regiones y estados brasileños. Los datos fueron organizados en hojas de cálculo electrónicas y sometidos a análisis descriptivo. Los resultados revelan que, a pesar de los índices superiores al 100% en los primeros años de la serie histórica, la cobertura vacunal presentó una disminución progresiva a partir de 2016, acentuando-se con la pandemia de COVID-19. En 2020, la cobertura nacional fue del 77,14%, reflejando el impacto de la reorganización de los servicios de salud y de la vacilación vacunal durante el período pandémico. Se observó una recuperación parcial en 2022, alcanzando el 90,09%, seguida de una nueva reducción en 2023. El estudio destaca la influencia de factores como la diseminación de desinformación, las dificultades de acceso a los servicios de salud y los cambios en los sistemas de registro de vacunación. El análisis refuerza la importancia de mantener estrategias de vigilancia, una comunicación efectiva y el fortalecimiento del Programa Nacional de Inmunizaciones como medidas esenciales para garantizar el acceso equitativo a la vacunación y proteger a la población infantil contra enfermedades inmunoprevenibles.
Palabras clave: Vacuna BCG. Cobertura de Vacunación. Recién Nacido. Programas de Inmunización.
1. INTRODUÇÃO
Em meio a epidemias de varíola e às precárias condições sanitárias do início do século XX, a população brasileira foi introduzida ao conceito de vacinação por meio da vacinação compulsória, instituída por Oswaldo Cruz na cidade do Rio de Janeiro, em 1904. Apesar de ter gerado grande controvérsia e provocado uma intensa revolta popular, essa medida foi decisiva para o controle da doença, contribuindo diretamente para a erradicação da varíola no território nacional em 1980. Ainda que tenha tido um início marcado por resistência e imposição, a vacinação demonstrou-se, ao longo do tempo, o método mais eficaz para a prevenção e o controle de doenças infecciosas (Dandara, 2022). Nesse sentido, o processo de imunização pode ser compreendido como um modificador no curso das doenças, uma vez que sua efetividade influencia diretamente na redução da morbidade e da mortalidade causadas por enfermidades evitáveis por vacinação, promovendo e protegendo a saúde da população vacinada.
Diante disso, tornou-se necessária a criação de um instrumento capaz de organizar e implementar um calendário vacinal em escala nacional, dando origem, em 1973, ao Programa Nacional de Imunizações (PNI). Desde então, o PNI, desenvolvido pelo Ministério da Saúde, tem desempenhado um papel fundamental na estruturação de estratégias para ampliar a cobertura vacinal em todo o país. Seu objetivo central é reduzir as lacunas vacinais e, consequentemente, diminuir a incidência de doenças imunopreveníveis por meio da vacinação em massa (Feitosa et al., 2023). Dentro do calendário básico de imunização estabelecido pelo programa, destaca-se a vacina BCG, recomendada preferencialmente para recém-nascidos até o primeiro mês de vida, mas podendo ser administrada até os 4 anos, 11 meses e 29 dias de idade (Brasil, 2003).
A vacina BCG (Bacilo de Calmette-Guérin) tem como principal função proteger contra as formas graves da tuberculose, como a tuberculose meníngea e a miliar, que acometem principalmente crianças pequenas e podem resultar em óbito ou sequelas severas. A tuberculose é uma doença infecciosa causada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, que afeta principalmente os pulmões, mas também pode atingir outros órgãos, como ossos, rins e o sistema nervoso central. A transmissão ocorre por via aérea, por meio de partículas liberadas pela tosse ou fala de indivíduos infectados. Os sintomas mais comuns incluem tosse persistente, febre, sudorese noturna, perda de peso e fadiga. Quando não tratada adequadamente, a doença pode evoluir para formas disseminadas e potencialmente letais, como as que a BCG busca prevenir (Brasil, 2023).
E, apesar de sua inclusão no calendário vacinal infantil obrigatório, a cobertura da BCG pode apresentar variações significativas entre as regiões do país, influenciada por diversos fatores como a disseminação de notícias falsas, condições socioeconômicas, dificuldade de acesso ao sistema público de saúde, entre outros determinantes sociais e estruturais. Considerando que a tuberculose ainda constitui um importante problema de saúde pública no Brasil, torna-se essencial analisar a cobertura vacinal da BCG em âmbito nacional.
Diante desse contexto, o presente estudo propõe-se a analisar as variações na cobertura vacinal de neonatos com a vacina BCG no período de 2013 a 2023, identificando os fatores que as influenciaram.
2. METODOLOGIA
Os dados sobre as vacinas administradas foram extraídos no mês de setembro de 2024 do Sistema DATASUS do Ministério da Saúde, por meio do site oficial do Tabnet (https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/) para o período de 2013 a 2022, e do site oficial do SEIDIGI (Secretaria de Informação e Saúde Digital) (https://infoms.saude.gov.br/) para o período de 2023, ambos com acesso liberado para a população geral. A presente análise contempla o período de 2013 a 2023, considerando a vacina BCG, aplicada em recém-nascidos (0 a 28 dias) no território nacional, organizado por regiões geográficas (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul) e, posteriormente, detalhado por unidade federativa que compõe cada uma das cinco regiões do Brasil.
A proporção absoluta de vacinados foi calculada considerando-se, no numerador, o quantitativo de doses aplicadas — correspondente ao total de primeiras doses da vacina BCG aplicadas, conforme o esquema vacinal preconizado — em comparação com a população estimada para cada unidade federativa e para cada ano do recorte temporal.
A coleta de dados foi realizada no DATASUS conforme os seguintes passos para obtenção da amostra por regiões: DATASUS > Tabnet > Assistência à Saúde > Imunizações — desde 1994 > Cobertura > Linha: Região > Coluna: Ano > Períodos disponíveis: Selecionar de 2013 a 2022 > Mostra. Para a obtenção da amostra por unidade federativa, os seguintes passos foram seguidos: A coleta de dados foi realizada no DATASUS conforme os seguintes passos para obtenção da amostra por regiões: DATASUS > Tabnet > Assistência à Saúde > Imunizações — desde 1994 > Cobertura > Linha: Unidade da Federação > Coluna: Ano > Períodos disponíveis: Selecionar de 2013 a 2022 > Mostra. Já para a coleta de dados no SEIDIGI: Cobertura Vacinal por Município de Residência > Filtros > 2023 > BCG > UF Residência: Selecionar todas as 27 unidades federativas.
As informações extraídas correspondem exclusivamente à vacina BCG no âmbito do Programa Nacional de Imunizações (PNI), destinadas à prevenção da tuberculose, com foco na faixa etária neonatal, conforme recomendações do Ministério da Saúde. A BCG é prioritariamente aplicada nos primeiros dias de vida, sendo considerada um importante indicador de acesso aos serviços de atenção primária à saúde.
Os dados foram organizados em planilhas eletrônicas no software Microsoft Excel, compondo um banco de dados estruturado para análise descritiva e compreensão das coberturas vacinais em diferentes regiões e estados brasileiros. Foram utilizados apenas dados secundários, obtidos de fonte pública, agregados e sem qualquer identificação individual dos sujeitos, assegurando o respeito à privacidade e à confidencialidade das informações.
Por se tratar de pesquisa com dados secundários de domínio público e de natureza não identificável, o estudo está dispensado de apreciação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), conforme estabelece a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.
3. RESULTADOS
A cobertura vacinal para a vacina BCG no Brasil apresentou variações significativas entre os anos de 2013 e 2023, passando de 107,42% em 2013 para 74,97% em 2021. No período anterior à pandemia de COVID-19 (2013 a 2018), os índices de vacinação mantinham-se acima da meta estabelecida, superando os 90% em todas as macrorregiões do país (Tabela 1). Entretanto, com o início da emergência sanitária global provocada pela pandemia, observou-se uma queda nas taxas de cobertura vacinal, que passaram a ficar abaixo das metas recomendadas. Apenas após a declaração oficial do fim da emergência em saúde pública houve uma tendência de recuperação, embora os índices ainda não tenham retornado aos patamares observados no período pré-pandêmico (Tabela 1).
Tabela 1 – Cobertura vacinal de BCG por regiões de 2013-2023

Fonte: Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI/CGPNI/DEIDT/SVS/MS)
O perfil de queda nas taxas de cobertura vacinal para a BCG observado em âmbito nacional durante a pandemia de COVID-19 também se refletiu em todas as regiões do Brasil. Na Região Norte, todos os estados apresentaram redução nos índices vacinais após o início da emergência sanitária (Tabela 2). O menor índice foi registrado no estado do Acre, no ano de 2021, com uma taxa de cobertura de 69,23%. Esse dado representa um sinal de alerta para o risco do reaparecimento de doenças infectocontagiosas causadas por micobactérias do gênero Mycobacterium spp., com destaque para a tuberculose e a hanseníase (Tabela 2).
Tabela 2 – Cobertura vacinal de BCG por estados da região Norte de 2013-2023.

Fonte: Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI/CGPNI/DEIDT/SVS/MS)
Na Região Norte, a cobertura vacinal manteve-se elevada nos primeiros anos analisados, com estados como Amazonas e Pará ultrapassando 110% até o ano de 2015 (Tabela 2). No entanto, a partir de 2016, observou-se uma redução expressiva nesses índices, com o estado do Pará registrando apenas 81,62%, acompanhando uma tendência de queda em outros estados da região. O pior cenário foi verificado em 2021, quando estados como Acre (69,23%) e Pará (71,94%) apresentaram taxas alarmantemente baixas, evidenciando um impacto negativo significativo na adesão à imunização. Embora os anos de 2022 e 2023 tenham demonstrado uma recuperação parcial, os índices ainda não retornaram aos níveis observados no início da década.
Tabela 3 – Cobertura vacinal de BCG por estados da região Nordeste de 2013-2023

Fonte: Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI/CGPNI/DEIDT/SVS/MS)
A Região Nordeste apresentou um comportamento semelhante ao da Região Norte, iniciando o período analisado com cobertura vacinal superior a 100% em diversos estados até o ano de 2015 (Tabela 3). Estados como Ceará, Maranhão e Paraíba registraram índices robustos nesse intervalo, frequentemente acima de 110%. A partir de 2016, entretanto, verificou-se uma queda progressiva nos índices, como exemplificado pelo estado do Piauí, que alcançou apenas 83,90% naquele ano. O cenário mais crítico ocorreu em 2020, quando estados como o Ceará (70,22%) e a Paraíba (67,48%) atingiram níveis alarmantemente baixos de cobertura. Embora tenha sido observada uma recuperação em 2022 — com destaque para o Ceará, que atingiu 116,67% —, o ano de 2023 ainda apresentou dificuldades na retomada dos índices em determinados estados, como a Bahia, cuja cobertura permaneceu abaixo de 80% (76,19%).
Tabela 4 – Cobertura vacinal de BCG por estados da região Sul de 2013-2023

Fonte: Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI/CGPNI/DEIDT/SVS/MS)
A Região Sul apresentou, inicialmente, elevados índices de cobertura vacinal, com estados como Paraná e Rio Grande do Sul atingindo valores próximos a 110% nos anos de 2013 e 2014. A partir de 2016, entretanto, observou-se uma redução progressiva nas taxas de vacinação. A queda mais acentuada ocorreu em 2017, quando o estado de Santa Catarina registrou apenas 87,04%, valor que diminuiu ainda mais em 2021, atingindo 71,05% — o menor índice da série histórica para esse estado (Tabela 4). Em 2023, apesar de uma recuperação parcial, os índices permaneceram abaixo da meta estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), com Santa Catarina apresentando 76,12%, um dos menores percentuais de cobertura vacinal do país.
Tabela 5 – Cobertura vacinal de BCG por estados da região Sudeste de 2013-2023

Fonte: Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI/CGPNI/DEIDT/SVS/MS)
Na Região Sudeste, a tendência de queda na cobertura vacinal ao longo dos anos foi ainda mais acentuada. Nos primeiros anos do período analisado, os índices eram elevados, com o estado do Rio de Janeiro alcançando 113,30% em 2014, e os demais estados da região registrando valores próximos ou superiores a 100%. Contudo, a partir de 2016, verificou-se um declínio progressivo, que se intensificou de forma preocupante nos anos de 2019 e 2020. O caso mais crítico foi o do estado do Rio de Janeiro, que apresentou apenas 64,06% de cobertura vacinal em 2020 — um índice extremamente baixo, especialmente considerando sua alta densidade populacional. No estado de São Paulo, a situação também foi alarmante em 2022, com uma cobertura de apenas 63,79%, um dos menores índices do país. Apesar de alguns sinais de recuperação em 2023, os valores ainda não retornaram aos patamares observados no período pré-pandêmico (Tabela 5).
Tabela 6 – Cobertura vacinal de BCG por estados da região Centro-Oeste de 2013-2023

Fonte: Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI/CGPNI/DEIDT/SVS/MS)
A Região Centro-Oeste apresentou um comportamento semelhante ao das demais regiões do país, embora com algumas particularidades. No início do período analisado, os índices de cobertura vacinal eram bastante elevados, destacando-se o Distrito Federal, que atingiu 133,19% em 2013 — um dos valores mais altos registrados nacionalmente. A partir de 2016, entretanto, observou-se uma tendência de queda, com estados como Mato Grosso e Goiás apresentando percentuais inferiores a 100%. A maior redução foi registrada em 2020, quando o estado de Mato Grosso do Sul alcançou apenas 64,74%, refletindo de forma clara os impactos das restrições impostas pela pandemia de COVID-19. Em 2023, foi identificada uma recuperação parcial, com o estado de Mato Grosso registrando 98,97% e o Distrito Federal, 104,03% de cobertura vacinal (Tabela 6).
4. DISCUSSÃO
A análise dos dados revelou flutuações significativas na cobertura vacinal de neonatos ao longo do período estudado. Em 2013, a taxa de vacinação nacional chegou a 107,42%, um número surpreendente, que ultrapassa as expectativas do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS), que preconiza uma taxa de vacinação de 95%. Em 2014 e 2015, as taxas continuaram em ascensão, alcançando 107,28% e 105,08%, respectivamente. É importante destacar que a cobertura vacinal refere-se às doses aplicadas, não necessariamente ao número de indivíduos vacinados, o que explica índices superiores a 100% (Guimarães, 2017).
Em 2016, a cobertura vacinal caiu para 95,55%, o menor índice da década. As causas dessa queda foram multifatoriais, incluindo a influência do movimento antivacina. O Ministério da Saúde e especialistas em imunologia, epidemiologia e saúde pública identificaram nove razões para a queda, que variam desde a falsa percepção de que as doenças desapareceram até problemas no sistema informatizado de registro de vacinação. Essas causas, embora plausíveis, ainda não foram quantificadas, o que dificulta a implementação de ações complementares às campanhas de vacinação para recuperar os níveis anteriores de imunização (Zorzetto, 2018). Além disso, a falta de recursos de infraestrutura, insumos e reagentes impactou a adesão da população à vacinação (Guimarães, 2017).
Para amenizar a queda, o governo lançou uma campanha de multivacinação, instituindo o “Dia D da Vacinação”, quando centenas de postos de saúde vacinaram crianças e adolescentes. A não adesão à vacinação representava um perigo iminente para a saúde pública, uma vez que a falta de imunização pode levar ao retorno de doenças erradicadas, graves sequelas, mortes e afetação da população “não-vacinável”, como os imunossuprimidos (Britto, 2018). Em 2017, as campanhas surtiram efeito, resultando em um aumento de 2,43%, alcançando 97,98%. Esse crescimento foi seguido por uma elevação contínua em 2018, quando a cobertura atingiu 99,72%, um incremento de 1,74%.
Em 2019, a cobertura vacinal infantil no Brasil caiu para 86,67%, representando uma redução de 13,05% em relação à meta preconizada pelo Ministério da Saúde. Segundo a imunologista Lorena de Castro Diniz, essa diminuição está associada, entre outros fatores, ao próprio êxito do Programa Nacional de Imunizações (PNI) na erradicação de diversas doenças, o que resultou em uma menor percepção de risco por parte da população. Além disso, a crescente disseminação de campanhas antivacinação, frequentemente baseadas na circulação de desinformações e notícias falsas, contribuiu significativamente para o enfraquecimento da confiança pública nas vacinas.
Com o advento da pandemia de COVID-19, declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2020, observou-se um agravamento do cenário vacinal no Brasil. A cobertura vacinal infantil sofreu nova queda, atingindo 77,14%, o que corresponde a uma redução adicional de 9,53%. Esse declínio pode ser parcialmente explicado pela reorganização dos serviços de saúde durante o período pandêmico, com a priorização do atendimento a casos relacionados ao coronavírus e a consequente limitação do acesso a serviços de atenção primária. Nesse contexto, um estudo conduzido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e a Prefeitura de Belo Horizonte, identificou uma redução de 28% nas internações hospitalares por causas não relacionadas à COVID-19 no ano de 2020, em comparação com a média dos cinco anos anteriores (Brant et al., 2021).
Tal evidência sugere uma retração geral na busca por serviços de saúde, refletindo não apenas a redução de atendimentos especializados, mas também a menor procura por ações de rotina, como a vacinação infantil, o que contribui diretamente para a queda nas coberturas vacinais. Soma-se a esse cenário o impacto dos movimentos antivacina e da disseminação de informações falsas sobre os imunizantes contra a COVID-19, que, segundo o Ministério da Saúde (2020), agravaram os fatores determinantes da adesão vacinal inclusive entre os próprios profissionais de saúde, gerando insegurança e medo (Silva et al., 2025).
Em 2021, a cobertura vacinal continuou a declinar, atingindo 74,97%, resultado influenciado por falhas na condução das estratégias de saúde pública durante a pandemia de COVID-19. Estudos apontam que posicionamentos adotados por integrantes do alto escalão do governo federal à época — incluindo a presidência da República, o Ministério da Saúde e demais autoridades responsáveis pela gestão da crise sanitária — contribuíram para a desacreditação das medidas preventivas e da eficácia das vacinas. Esse cenário favoreceu o aumento da hesitação vacinal e comprometeu a adesão da população às campanhas de imunização (Silva et al., 2022).
Em 2022, com o início da vacinação em massa, houve uma recuperação de 15,12%, atingindo 90,09%. A vacina BCG foi a única a alcançar a meta de 90% de cobertura vacinal entre os bebês menores de um ano, enquanto outras vacinas importantes, como a tríplice viral, não atingiram as metas (Levy, 2022). Em 2023, a cobertura vacinal caiu novamente para 81,31%, ainda superior aos níveis críticos da pandemia. Segundo hipóteses da OPAS, a unificação dos sistemas de registro de vacinas pode ter impactado os números, com estimativas de que 2,6 milhões de doses aplicadas ficaram de fora das contagens (Organização Pan-Americana da Saúde, 2024).
O Brasil tem demonstrado resiliência na recuperação das coberturas vacinais, impulsionado por iniciativas como o Movimento Nacional pela Vacinação e investimentos na digitalização da caderneta de vacinação. A continuidade dessas estratégias, aliada ao combate a desinformação e ao fortalecimento da comunicação regionalizada, projeta um cenário promissor para a ampliação e consolidação das conquistas vacinais, garantindo a proteção da saúde infantil no país.
5. CONCLUSÃO
Em conclusão, a análise da cobertura vacinal de neonatos no Brasil ao longo da última década revela um cenário de altos e baixos, fortemente influenciado por fatores sociais, econômicos e políticos. Apesar dos desafios enfrentados, incluindo a disseminação de movimentos antivacina e os impactos da pandemia de COVID-19, o país tem mostrado resiliência e capacidade de recuperação. As campanhas de vacinação, aliadas aos esforços de modernização e combate a desinformação, têm sido fundamentais para reverter as quedas nas taxas de imunização. No entanto, para garantir a proteção contínua da saúde infantil, é crucial manter o investimento em estratégias de comunicação eficazes, reforçar a infraestrutura de saúde e promover a conscientização sobre a importância da vacinação. Assim, o Brasil pode continuar avançando rumo a uma cobertura vacinal robusta e sustentável, protegendo as futuras gerações contra doenças evitáveis.
REFERÊNCIAS
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1Discente do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Uberlândia. e-mail: enf.marcelasoares12@gmail.com
2Docente do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Uberlândia. Doutor em Imunologia e Parasitologia Aplicadas. e-mail: elias.oliveira@ufu.br