UTILIZAÇÃO DE PLANTAS MEDICINAIS E MEDICAMENTOS FITOTERÁPICOS POR PACIENTES EM QUIMIOTERAPIA EM UM CENTRO DE REFERÊNCIA NA CIDADE FORTALEZA/CE

REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/ra10202408302147


Gerliano Martins Nogueira1
Gabriela Antunes Lira2
Ana Carla Carneiro Leitão3
José Leomar de Oliveira Júnior4
Luma Teles de Souza5
Flávia Viegas Nascimento Gutierrez6
Guilherme Bezerra Ferreira7
Gabriela Caroline Laismann Felicetti8
Maria Eduarda Coimbra Rocha Jucá9
Rafael Magalhães Gomes10


RESUMO

O câncer ocupa a segunda posição no ranking de óbitos causados por doenças crônicas no mundo. Para o triênio 2023-2025 o INCA prevê no Brasil a ocorrência de 704 mil novos casos da patologia por ano (INCA, 2022). Uma das principais modalidades no tratamento oncológico é a quimioterapia, que pode ser realizada de maneira neoadjuvante, adjuvante, curativa, paliativa ou para controle temporário de doenças. Considerando a riqueza da biodiversidade brasileira, a fitoterapia representa um importante campo de saberes e práticas que valoriza os recursos culturais e atravessa gerações. Muito frequentemente os pacientes oncológicos em quimioterapia se valem das práticas de fitoterapia, contudo, vale considerar que o uso da fitoterapia durante tratamento quimioterápico pode tornar-se perigoso, devido possíveis interações com os medicamentos utilizados. Diante disso, este trabalho objetivou avaliar o consumo de plantas medicinais e/ou medicamentos fitoterápicos por pacientes oncológicos em quimioterapia atendidos em um centro de referência em Fortaleza/CE. A coleta de dados ocorreu entre os meses julho a outubro de 2022, contemplando pacientes adultos, de ambos os sexos, independentemente do tipo de câncer e estadiamento. Este trabalho foi aprovado mediante parecer nº 3.361.644 do CEP da instituição em que foi realizado. Participaram deste trabalho 140 pacientes, em sua maioria mulheres, o uso de plantas medicinais e/ou medicamentos fitoterápicos foi uma prática realizada por 58,6% da amostra, recebendo destaque o uso de Annona muricata. Em geral, os pacientes referiram acreditar que o uso de plantas medicinais durante a quimioterapia é totalmente seguro e quase totalidade dos pacientes que fez uso de plantas medicinais com finalidade de auxiliar no tratamento oncológico referiu não informar tal prática à equipe assistencial. Em suma, estes dados alertam para a necessidade de realização de estudos clínicos avaliando os efeitos de plantas medicinais e/ou medicamentos fitoterápicos em pacientes em quimioterapia, bem como na realização de atividades educativas de consumo consciente neste grupo.

Palavras-chave: Câncer, Quimioterapia, Fitoterapia

INTRODUÇÃO

O câncer é uma doença multifatorial, ocupando atualmente a segunda posição no ranking de óbitos causados por doenças crônicas (FRUCHTENICHT et al., 2015; FERLAY et al., 2021; GLOBOCAN, 2024). Taxas mais altas de incidência são observadas em países desenvolvidos, porém, nestas regiões a mortalidade é baixa, em contraponto, países com baixo desenvolvimento representam uma menor parcela dos diagnósticos de câncer, mas com índices de mortalidade pode chegar a quase 80% dos óbitos globais (FERLAY et al, 2013).

De acordo com o INCA (2022) para cada ano do triênio 2022-2025 estima-se a ocorrência de 704 mil novos casos de câncer no Brasil, valor superior em quase 20 mil casos ao ano comparando-se à última estimativa para a doença (INCA, 2019). Excetuando deste montante os casos de câncer de pele não melanoma, destacam-se entre os mais incidentes os cânceres de próstata e mama feminina.

As principais modalidades de tratamento oncológico atualmente compreendem: cirurgia, quimioterapia, hormonioterapia e radioterapia, que podem ser utilizadas de forma isolada ou concomitante (INCA, 2018). A quimioterapia especificamente, é a forma de tratamento sistêmico realizada por meio de medicamentos denominados quimioterápicos. Sua utilização considera diversos parâmetros, tais como localização da doença, estadiamento, proposta de tratamento concomitante, além de tolerância do indivíduo. A administração dos quimioterápicos pode ocorrer em períodos diários, ou em intervalos de até 6 semanas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2022). Os quimioterápicos genericamente atuam de duas maneiras no organismo: promovendo estabilização da doença e induzindo lise da célula tumoral por meio da inibição da produção de algumas proteínas ou pela inibição da replicação do DNA, dentre outros mecanismos (AMERICAN BRAIN TUMOR ASSOCIATION, 2014; VIEIRA et al. 2020).

A busca por terapias alternativas em complementaridade à quimioterapia é uma prática frequente entre os pacientes oncológicos. Considerando a grande diversidade vegetal presente no Brasil, bem como o baixo custo associado ao uso das plantas medicinais, além das inúmeras experiências veiculadas pelo conhecimento popular, a fitoterapia é, rotineiramente, uma das terapias utilizadas por estes indivíduos, visando na maior parte das vezes auxiliar a terapia antineoplásica (LIMA, BUFFON e ANJOS, 2015; NUNES e AZEVEDO, 2022).

O uso de plantas medicinais pode ser um importante instrumento no manejo de sintomas, como uso de gengibre (Zingiber officinale) no manejo de náuseas e vômitos ou camomila (Matricaria chamomilla), no caso de mucosite oral (SHIRMER,  FERRARI  e TRINDADE, 2012; NUNES e AZEVEDO, 2022), prática que deve ser orientada por profissionais da saúde, porém, na maioria dos casos, a principal indicação ocorre por meio da familiares, amigos ou internet (CAETANO et al, 2018).

As práticas de fitoterapia devem ser orientadas por profissional habilitado. Pois há indícios de interação entre compostos presentes nas plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos com agentes antineoplásicos, tais como paclitaxel e sunitinib. Considerando que tais medicamentos necessitam de doses terapêuticas muito próximas de suas doses tóxicas, o uso concomitante de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos pode aumentar a concentração do fármaco e assim aumentar sua toxicidade e até mesmo condicionar riscos à vida (OLIVEIRA, MACHADO e RODRIGUES, 2014; CAETANO et al, 2018).

Por esse motivo, esta pesquisa objetivou avaliar o consumo de plantas medicinais e/ou medicamentos fitoterápicos por pacientes em tratamento quimioterápico em um centro de referência em oncologia na cidade de Fortaleza/CE, a fim de compreender os hábitos de consumo e as crenças associadas a essa prática, pois assim, será possível estabelecer protocolos de atendimento e medidas de educação em saúde.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo observacional, quantitativo, transversal, realizado em um centro de referência em tratamento oncológico na cidade de Fortaleza/Ceará.  A amostra da pesquisa foi selecionada por conveniência, incluindo indivíduos adultos e idosos, com idade igual ou superior a 18 anos, de ambos os sexos, em vigência de tratamento quimioterápico e que concordaram em assinar o Termo de Consentimento e Livre Esclarecido (TCLE). O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da referida instituição, tendo sido aprovado sob o parecer nº 3.361.644. Foram excluídos os indivíduos não alfabetizados, visto a impossibilidade de concordância com os termos da pesquisa por meio da assinatura do TCLE, pacientes portadores de doenças neurológicas debilitantes e por ventura qualquer deficiência que impossibilitasse a confiabilidade dos dados coletados também foram excluídos da amostra. A coleta de dados ocorreu entre os meses de julho a outubro de 2022. Foi utilizado questionário autoral semiestruturado composto por quatro campos (identificação; dados clínicos; dados socioeconômicos; consumo de plantas medicinais e/ou medicamentos fitoterápicos). Os dados foram verificados em prontuário eletrônico e estão expostos em percentuais, gráficos e tabelas. Para avaliar a associação entre as variáveis categóricas foi utilizada a estatística descritiva por meio do teste Quiquadrado de Pearson, considerando significância quando p<0,05.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Participaram dessa pesquisa 140 pacientes, sendo 87,1% (n=122) da amostra composta por mulheres e 12,9% (n=18) composta por homens, a idade média foi de 51,1±12,6 anos. Dados de Salvetti et al (2020) evidenciam idade média semelhante a do presente público, e ainda com predominância do público feminino. Mesquita, Arruda e Macedo (2018) em um estudo em um centro oncológico no Ceará evidenciaram valores próximos à 70% da amostra composta por mulheres. Os valores aqui identificados podem estar associados ao fato de as mulheres serem mais ativas no processo de cuidado da saúde, bem como pelo perfil de tumores apresentados nessa pesquisa e discutidos adiante.

Quanto à localização primária da neoplasia, a maioria dos pacientes apresentava neoplasias de mama (38,6%), seguida por neoplasias ginecológicas (24,3%). Outros autores também evidenciam as neoplasias de mama como as mais incidentes em trabalhos avaliando pacientes oncológicos em quimioterapia (SANTOS et al, 2017; MESQUITA, ARRUDA e MACEDO, 2018). Demais informações encontram-se no Gráfico 1.

Gráfico 01: Caracterização do sítio primário de lesão oncológica em pacientes acompanhados em um centro de referência em Fortaleza/Ceará

Legenda: TGI: Trato gastrointestinal; TOC: Tecidos ósseos e cartilaginosos; CCP: Cânceres de cabeça e pescoço. Fonte: Dados da pesquisa.

A maior prevalência de cânceres de mama e cânceres ginecológicos se deve ao fato destes serem os cânceres mais incidentes dentre o público feminino (INCA, 2019; INCA, 2022) e, de acordo com protocolos nacionais de tratamento, a quimioterapia se caracteriza como importante modalidade terapêutica em diversas fases do tratamento destas neoplasias (CONITEC, 2024). Quanto ao estadiamento, a maioria dos pacientes apresentavam metástases linfonodais (37,9%), seguidos por metástases à distância (32,9%). A maioria dos pacientes estava em quimioterapia paliativa (34,4%), grupo que engloba pacientes em quimioterapia para manejo de sintomas, bem como controle de progressão, valores semelhantes ao encontrados por Silva et al. (2013) (36,9%). O tempo médio de quimioterapia foi de 4,6±6,3 meses, variando de 01 a 45 meses e a maioria dos pacientes (60,71%) declarou não estar em vigência de nenhum outro tratamento em concomitância à quimioterapia. 27,1% (n=38) dos pacientes referiu como comorbidade hipertensão, 8,6% (n=12) referiu alguma dislipidemia e 7,9% (n=12) referiu diabetes. Outros diagnósticos como depressão e ansiedade estavam presentes em menor escala. Demais dados do perfil clínico podem ser consultados na tabela 01.

TABELA 01: Perfil clínico de pacientes oncológicos em vigência de quimioterapia em um centro de tratamento oncológico em Fortaleza/Ce.

Fonte: Dados da pesquisa.

Quanto ao perfil socioeconômico, a maioria dos pacientes (70%) declarou possuir renda familiar igual ou inferior a 2 salários mínimos, 25,7% (n=36) informaram pertencer a um grupo familiar composto por 3 pessoas, 60% (n=84) declarou conviver com companheiro(a), a maioria dos entrevistados declarou escolaridade referente ao ensino fundamental incompleto (40%), seguido por ensino médio completo (27,9%). Quanto à profissão, 25,7% (n=36) declarou não exercer atividade laboral, enquanto que 20% (n=28) declarou ser agricultor(a), 65% (n=91) informou residir no interior ou região metropolitana do estado. 

Os dados socioeconômicos encontrados por esta pesquisa são semelhantes aos identificados por Santos et al (2017), em que 79,5% da amostra também apresentava renda familiar de até 2 salários mínimos, 57% dos pacientes eram casados e a escolaridade da maioria dos entrevistados foi compatível com ensino fundamental. Em contrapartida, Salvetti et al (2020) em trabalho com pacientes oncológicos no estado de São Paulo evidenciam  renda média de R$3.400,00, valor bastante discrepante  do  identificado neste trabalho, diferença que se deve ao perfil socioeconômico distinto dentre os diferentes estados da federação.

Vale ressaltar que, em geral, os trabalhos que caracterizam o perfil socioeconômico e clínico de pacientes oncológicos trabalham com amostras homogêneas ao englobarem apenas um sítio de localização tumoral, diferentemente deste trabalho que considerou uma amostra heterogênea.

Quanto ao perfil de tratamento, os quimioterápicos mais utilizados foram a cisplatina, presente em 23,6% (n=33) dos protocolos de quimioterapia, seguido por paclitaxel (22,9%), carboplatina (15%) e docetaxel (15%). Foi identificado uso de 22 quimioterápicos, conforme exposto na tabela 02.

TABELA 02: Relação de medicamentos quimioterápicos conforme frequência um centro de tratamento oncológico em Fortaleza/Ce.

Fonte: Dados da pesquisa.

Conforme informações constantes nas bulas dos quimioterápicos, a cisplatina, bem como a carboplatina e o paclitaxel são quimioterápicos que atuam na inibição da síntese de DNA, de proteínas e RNA, inibindo a reorganização da rede de microtúbulos essenciais às funções celulares. São quimioterápicos utilizados no tratamento de cânceres de ovários, mamas em diversas fases de tratamento de cânceres de cabeça e pescoço, dentre outras finalidades. O quimioterápico docetaxel por sua vez aparenta atividade de citotoxicidade contra várias linhagens tumorais, bem como a doxorrubicina que é um antibiótico utilizado com finalidade de inibir a multiplicação e função das células tumorais. Ambos são frequentes nos protocolos de tratamento para câncer de mama e ovários, sendo o docetaxel utilizado ainda nos casos de cânceres de cabeça e pescoço, bem como câncer gástrico. O perfil de principais quimioterápicos em uso se explica pelo fato da amostra ser composta em sua maioria por pacientes com câncer de mama ou ginecológicos.

Em relação ao uso de plantas medicinais e/ou medicamentos fitoterápicos, 58,6% (n=82) dos pacientes referiu fazer uso de plantas medicinais e/ou medicamentos fitoterápicos com alguma finalidade terapêutica, valores semelhantes são apresentados por Caetano et al (2018) (49,55%) e Monteiro et al. (2020) (48,12%). Molin, Cavinatto e Collet (2015) encontraram valores pouco superior (67%), por sua vez Rodrigues e Gusman (2018) ao avaliar a presença de práticas integrativas entre pacientes oncológicos em tratamento quimioterápico identificou que a fitoterapia era utilizada por 65% das mulheres e por 28% dos homens. Dentre os pacientes em uso dessas substâncias principal finalidade para uso relatada nesta pesquisa foi redução do estresse/ansiedade (47,6%), 46,3% (n=38) dos pacientes que utilizavam plantas medicinais declaram o fazer com finalidade de auxiliar no tratamento oncológico, 41,4% (n=34) fez uso para auxiliar no manejo de sintomas, 12,2% (n=10) para aumento da imunidade, 8,5% (n=7) controle de comorbidades e 1,2 (n=1) com finalidade de perda de peso. A lista com todas as plantas medicinais está apresentada na tabela 3.

TABELA 03: Relação de plantas medicinais e/ou medicamentos fitoterápicos utilizados por pacientes em tratamento quimioterápico em um centro de tratamento oncológico em Fortaleza/Ce.

Fonte: Dados da pesquisa.

Dentre as plantas medicinais as mais citadas foram Annona muricata (36,6%), Pimpinella anisum (31,7%); Cymbopogon citratus (28%) e Melissa officinalis (26,8%), utilizadas como infusão. Dentre os medicamentos fitoterápicos destaca-se o uso da Aloe vera em forma de gel (1,2%), em forma de cápsula (1,2%) e um paciente referiu uso de “comprimido caseiro”, o qual desconhece a composição, mas informa ser a base de plantas.

Em geral, a Annona muricata (infusão) aparece como principal planta medicinal utilizada por pacientes oncológicos, tal prática se deve possivelmente às propriedades anticâncer atribuídas a mesma entre os pacientes e veiculadas frequentemente na internet (MOLIN, CAVINATTO e COLET, 2015; RODRIGUES e GUSMAN, 2018), Caetano et al.(2018) e Monteiro et al (2020) por sua vez identificaram maior frequência de consumo de Melissa Officinalis, Matricaria chamomilla e Plectranthus barbatus, também bastante frequentes nesta pesquisa.

Uma revisão sistemática realizada por Chan et al (2020) incluiu 39 artigos sobre a segurança e eficácia do uso do extrato de Annona muricata, em sua maioria os artigos trabalhavam com modelos animais e ensaios in vitro (34), quatro dos artigos analisados demonstraram potencial quimioprotetor e oito demonstraram potencial hepatoprotetor, além de outros achados como potencial anti-inflamatório ou potencial hipoglicemiante, porém, um trabalho evidenciou efeito hepatotóxico, e três artigos in vitro e um modelo animal evidenciaram efeito neurotóxico do extrato de Annona muricata. Ilango et al (2022) também relataram as propriedades antitumorais da Annona muricata e enfatizaram as potencialidades envolvendo a planta medicinal. Em conclusão, os autores reconhecem o potencial promissor do extrato de Annona muricata para diversas finalidades, em especial na adjuvância do tratamento oncológico, mas sinalizam a necessidade de mais trabalhos na área, investigando sobretudo seu efeito em humanos em ensaios clínicos em grandes centros. 

Posteriormente ao uso de Annona muricata, muitos pacientes referiram uso de Pimpinella anisum; Cymbopogon citratus e Melissa officinalis, principalmente com intuito de redução de estresse/ansiedade e manejo de sintomas. Silva, Zandonade e Amorim (2017) discutem que o indivíduo adulto, ao vivenciar uma doença que implica na mudança de rotina e no risco à vida, frequentemente cursa com elevação da ansiedade, medo, raiva, negação e insegurança. Tais plantas medicinais apresentam efeito antiespasmódico, ansiolítico e sedativo leve (ANVISA, 2018) o que justifica a elevada incidência de uso na amostra estudada.

Vale considerar, no entanto, que o uso de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos de forma indiscriminada pode causar riscos, Caetano et al. (2018) pontuam provável interação entre Cymbopogon citratus (3ª planta medicinais mais utilizada) e Paclitaxel (2º quimioterápico mais utilizado) levando a um aumento ou redução na concentração do quimioterápico.

Frente a essa realidade, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) (2016) reconhece a importância da fitoterapia, principalmente em um país com biodiversidade tão rica quanto o Brasil, e vislumbra um futuro promissor nesta área, mas alerta sobre a escassez de estudos clínicos que avaliem a eficácia e segurança do uso de plantas medicinais e/ou medicamentos fitoterápicos, impossibilitando assim a recomendação consensuada da fitoterapia no paciente oncológico até o momento.

Não houve diferente estatística quanto as variáveis sexo, escolaridade, renda, idade e localização tumoral na decisão por utilizar tais compostos. Contudo, entre os indivíduos procedentes do interior ou região metropolitana, houve consumo mais expressivo de plantas medicinais e/ou medicamentos fitoterápicos ao se comparar com os pacientes procedentes da capital, tal fato se deve, possivelmente, muitas vezes ao acesso facilitado que o primeiro grupo possui (34,1% vs. 14,3%, p < 0,012).  

Foram relatadas 7 espécies de plantas medicinais com o intuito de auxiliar no tratamento oncológico pelos pacientes, Annona muricata, seguida de Kalanchoe daigremontiana, Aloe vera, Euphoria tirucalli, Allium sativum, Handroanthus impetiginosus, foi citado ainda por um paciente o uso de “comprimido caseiro”, de acordo com o mesmo, tem origem vegetal, mas não sabe afirmar com certeza a composição.

Gráfico 02: Plantas medicinais e/ou medicamentos fitoterápicos utilizados pacientes oncológicos acompanhados em um centro de referência em Fortaleza/Ceará

Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com o Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira (2011) e seu 1º suplemento publicado em 2018, é atribuído à Aloe vera efeito cicatrizante, ao Allium sativum efeito coadjuvante no tratamento de hiperlipidemia, hipertensão arterial leve, prevenção de aterosclerose e efeito sobre infecções de trato respiratório. Em relação a Handroanthus impetiginosus se atribui efeito sobre infecção de pele e mucosas, mas não há associação de nenhuma das plantas com provável benefício oncológico no presente documento (ANVISA, 2018). Annona muricata, Kalanchoe daigremontiana e Euphorbia tirucalli não estão contempladas por esta publicação.

Em relação à indicação de uso, a principal recomendação ocorreu por parte dos familiares ou amigos (57,%) seguido por buscas por conta própria na internet (36,8%) e indicação de outros pacientes (31,6%), apenas um caso (2,6%) referiu ter indicação médica. 92,1% (n=35) dos pacientes deste grupo relataram que não informaram ao médico oncologista o uso de tais substâncias e 81,6% (n=31) acredita que tal prática não possa condicionar riscos à saúde. Outros trabalhos, em geral, identificam o mesmo perfil de indicação e de crença dos pacientes da impossibilidade de riscos associados às práticas de fitoterapia, e os autores enfatizam ainda que a prescrição, avaliação e acompanhamento destes pacientes deve ser realizada por profissional habilitado (MOLIN, CAVINATTO e COLET, 2015; RODRIGUES e GUSMAN, 2018, MONTEIRO et al. 2020;  NUNES e AZEVEDO, 2022).

CONCLUSÃO

O uso de plantas medicinais e/ou medicamentos fitoterápicos com alguma finalidade esteve presente em mais da metade dos pacientes oncológicos em quimioterapia, a principal finalidade relatada para uso foi para redução de estresse e ansiedade, seguido por auxílio no tratamento oncológico, uso geralmente recomendado por familiares e amigos, sem conhecimento da equipe assistencial. Pacientes provenientes do interior e região metropolitana apresentaram consumo superior de tais substância em comparação a pacientes provenientes da capital do estado.

Em suma, a utilização de plantas medicinais e/ou medicamentos fitoterápicos deve ser orientada por profissionais da saúde habilitados, considerando possíveis interações com os quimioterápicos em uso. Enfatizamos ainda a necessidade de mais estudos clínicos na área afim de avaliar a segurança e eficácia de plantas medicinais e/ou medicamentos fitoterápicos nesse contexto, bem como realização de atividades educativas com enfoque na conscientização dos pacientes em tratamento.

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1Acadêmico de Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC)
2Médica pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT)
3Médica pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR)
4Médico pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT)
5Médica pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR)
6Médica pelo Instituto Metropolitano de Ensino Superior
7Médico pela Universidade Federal de Rondonópolis (UFR)
8Médica pela Universidade Federal de Rondonópolis (UFR)
9Médica pelo Centro Universitário Christus
10Médico pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR)