UTILIZAÇÃO DE CÉLULAS-TRONCO E BIOMATERIAIS NO REPARO DE DEFEITOS ÓSSEOS EM CIRURGIAS BUCOMAXILOFACIAIS: REVISÃO DE LITERATURA

USE OF STEM CELLS AND BIOMATERIALS IN THE REPAIR OF BONE DEFECTS IN BUCOMAXILLOFACIAL SURGERIES: LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102410280530


João Victor Pereira¹
Gisely Nayara Silva Livramento²
Mariana Schwämmle da Trindade³
Pedro Carvalho Basio do Nascimento⁴
Mauro Jordão Cabral de Andrade⁵
Gabrielli Paulow Martelli⁶
Larissa Yruscka Gonçalves Alves⁷
Thais Flores de Oliveira⁸
João Marcelo Pereira de Souza Correia⁹
Lucas David Mota Santos ¹⁰


Resumo

Nos últimos anos, a utilização de células-tronco e biomateriais no reparo de defeitos ósseos tem ganhado destaque em cirurgias bucomaxilofaciais. As células-tronco mesenquimais (CTMs), associadas a biomateriais como scaffolds, têm demonstrado um grande potencial na regeneração óssea, promovendo uma cicatrização mais eficiente e previsível. Esta revisão tem como objetivo explorar as diferentes fontes de CTMs, os principais biomateriais utilizados, e os resultados clínicos em reparo ósseo maxilofacial. Além disso, discute-se os desafios e limitações dessas abordagens, além das perspectivas futuras para sua aplicação em larga escala. A literatura atual sugere que o uso combinado de CTMs e biomateriais representa uma promissora alternativa às técnicas convencionais, com potencial para melhorar os resultados pós-operatórios e reduzir o tempo de recuperação.

Palavras-chave:

Células-tronco, biomateriais, scaffolds, cirurgia bucomaxilofacial, regeneração óssea, engenharia tecidual.

Introdução

O tratamento de defeitos ósseos na região bucomaxilofacial representa um dos maiores desafios da cirurgia reconstrutiva, principalmente devido à complexidade anatômica da área, à necessidade de restauração da função mastigatória e estética e às demandas por uma regeneração óssea eficiente. Traumas, infecções, ressecções tumorais e anomalias congênitas são algumas das condições que resultam em perda de tecido ósseo, muitas vezes exigindo intervenções cirúrgicas extensas e altamente especializadas.

Tradicionalmente, os enxertos ósseos autógenos são considerados o padrão-ouro para o reparo desses defeitos, devido à sua capacidade osteogênica, osteocondutiva e osteoindutiva. No entanto, essa abordagem apresenta várias limitações, como morbidade no sítio doador, disponibilidade limitada de material e dificuldades na modelagem e integração do enxerto ao local receptor. Essas limitações impulsionaram a busca por alternativas mais eficazes e menos invasivas que possam oferecer resultados superiores e menor morbidade.

Nesse contexto, a engenharia de tecidos emergiu como uma abordagem inovadora, combinando a biotecnologia com o conhecimento cirúrgico para a regeneração tecidual. A utilização de células-tronco mesenquimais (CTMs) tem se mostrado promissora, principalmente devido à sua capacidade de diferenciação em osteoblastos e à sua habilidade de promover a regeneração óssea, além de sua baixa imunogenicidade. As CTMs podem ser obtidas a partir de várias fontes, incluindo medula óssea, tecido adiposo, polpa dental e cordão umbilical, o que as torna uma opção atraente para a medicina regenerativa.

Além disso, o desenvolvimento de biomateriais, como os scaffolds tridimensionais, tem desempenhado um papel fundamental na engenharia tecidual. Esses scaffolds servem como estruturas de suporte para as células-tronco, fornecendo um ambiente propício para sua proliferação, diferenciação e deposição de matriz óssea. Os biomateriais podem ser compostos de polímeros naturais, sintéticos ou uma combinação de ambos, e sua biocompatibilidade, porosidade e propriedades mecânicas são fatores cruciais para o sucesso na regeneração óssea.

Diversos estudos pré-clínicos e clínicos têm demonstrado o potencial de combinações entre CTMs e biomateriais para promover uma regeneração óssea eficaz. No entanto, a aplicação clínica em larga escala ainda enfrenta desafios significativos, incluindo a necessidade de controle mais preciso da diferenciação celular, o desenvolvimento de biomateriais com características biodegradáveis adequadas, e a criação de protocolos que otimizem a integração do tecido regenerado ao osso nativo.

Portanto, esta revisão de literatura tem como objetivo explorar e discutir os avanços mais recentes no uso de células-tronco mesenquimais e biomateriais no reparo de defeitos ósseos na cirurgia bucomaxilofacial. A revisão também aborda as limitações e desafios que ainda precisam ser superados, bem como as perspectivas futuras dessa abordagem. O uso combinado de CTMs e biomateriais oferece uma alternativa promissora às técnicas convencionais de regeneração óssea, com potencial para transformar o tratamento de pacientes que necessitam de reconstruções ósseas complexas.

Material e Métodos

Esta revisão de literatura foi realizada por meio de uma busca em bases de dados eletrônicas, incluindo PubMed, Scopus e Web of Science e Scielo. A pesquisa abrangeu artigos publicados entre 2019 e 2024, utilizando os seguintes descritores: “células-tronco mesenquimais”, “biomateriais”, “regeneração óssea”, “scaffolds” e “cirurgia bucomaxilofacial”. Foram incluídos artigos em inglês e português, com foco em estudos clínicos e pré-clínicos sobre o uso de CTMs e biomateriais no reparo ósseo.

Os critérios de inclusão consideraram estudos que abordassem diretamente a aplicação de CTMs em conjunto com scaffolds no tratamento de defeitos ósseos maxilofaciais. Revisões sistemáticas e estudos experimentais também foram considerados, desde que apresentassem resultados relevantes para a área. Estudos duplicados, sem texto completo disponível ou que não estivessem diretamente relacionados ao tema foram excluídos.

Após a triagem inicial, os estudos selecionados foram analisados de forma qualitativa, focando na fonte de células-tronco, tipo de biomaterial utilizado e os desfechos clínicos e pré-clínicos reportados.

Revisão da Literatura:

A regeneração óssea em defeitos maxilofaciais é uma área desafiadora na cirurgia bucomaxilofacial devido à complexidade anatômica e às exigências funcionais e estéticas da região. Nos últimos anos, os avanços na biotecnologia têm permitido o desenvolvimento de novas abordagens para o tratamento dessas condições, particularmente através da engenharia tecidual. A combinação de células-tronco mesenquimais (CTMs) e biomateriais, como scaffolds tridimensionais, vem se destacando como uma estratégia promissora para a regeneração óssea, especialmente em casos de grandes defeitos que não podem ser resolvidos com técnicas convencionais, como enxertos autógenos.

¹Células-tronco mesenquimais (CTMs) na regeneração óssea

As CTMs têm se mostrado eficazes na regeneração óssea devido à sua capacidade de diferenciação em osteoblastos, além de suas propriedades anti-inflamatórias e imunomoduladoras. Estudos indicam que as CTMs podem ser isoladas de várias fontes, incluindo medula óssea, tecido adiposo, polpa dental e cordão umbilical, sendo essas duas últimas de grande interesse devido à relativa facilidade de coleta e menor invasividade. As CTMs derivadas do tecido adiposo, em particular, têm sido amplamente investigadas por sua abundância e capacidade de proliferação rápida.

Vários estudos pré-clínicos e clínicos confirmam que as CTMs são capazes de acelerar a formação óssea e melhorar a integração dos enxertos em defeitos maxilofaciais. A aplicação de CTMs em modelos animais mostrou uma maior taxa de formação óssea e melhor qualidade do tecido regenerado quando comparado a técnicas convencionais. Em humanos, ensaios clínicos têm demonstrado que o uso dessas células, combinado com scaffolds biocompatíveis, resulta em uma melhor integração e regeneração óssea em comparação a enxertos ósseos tradicionais.

²Biomateriais na engenharia tecidual

O uso de biomateriais para apoiar a regeneração óssea tem se expandido significativamente, com o desenvolvimento de novos materiais que atuam não apenas como suporte estrutural, mas também como agentes ativos na promoção do crescimento celular e da osteogênese. Os biomateriais mais comuns incluem a hidroxiapatita, o fosfato de cálcio e os polímeros biodegradáveis, como o polilactídeo (PLA) e o poliglecaprone (PGCL).

Esses biomateriais funcionam como scaffolds, fornecendo uma matriz tridimensional para a adesão, proliferação e diferenciação das células-tronco. Estudos recentes demonstram que a porosidade dos scaffolds é um fator crítico para o sucesso da regeneração, uma vez que facilita a vascularização e o influxo de nutrientes, essenciais para o crescimento ósseo. Além disso, avanços no design de scaffolds, como a impressão 3D, permitiram a criação de estruturas personalizadas que mimetizam com precisão a geometria do defeito ósseo, otimizando a regeneração.

³CTMs e biomateriais em conjunto

A sinergia entre CTMs e biomateriais tem sido amplamente explorada na última década, com resultados promissores. A combinação das propriedades osteogênicas das CTMs com a osteocondutividade dos scaffolds tem mostrado uma eficácia superior em comparação ao uso isolado de qualquer uma dessas estratégias. Essa combinação é particularmente relevante em defeitos ósseos complexos e de grande escala, como os decorrentes de traumas severos, ressecções tumorais ou malformações congênitas, onde as técnicas convencionais apresentam limitações.

Estudos comparativos indicam que scaffolds carregados com CTMs promovem uma regeneração óssea mais rápida e eficiente do que os scaffolds sem células. Em um estudo com modelos animais, o uso de scaffolds de hidroxiapatita associados a CTMs derivadas de tecido adiposo resultou em uma formação óssea significativamente maior após 12 semanas de tratamento, em comparação aos scaffolds sem células. Além disso, a qualidade do tecido ósseo formado foi mais próxima do osso natural, com uma melhor vascularização e integração ao tecido circundante.

⁴Vantagens e desafios

Entre as principais vantagens do uso de CTMs e biomateriais na regeneração óssea estão a maior disponibilidade de células (especialmente no caso das CTMs derivadas de tecido adiposo), a redução da morbidade associada a enxertos ósseos autógenos e a possibilidade de personalização do tratamento por meio de scaffolds customizados. Além disso, as propriedades imunomoduladoras das CTMs ajudam a reduzir a inflamação e promovem um ambiente mais favorável à regeneração tecidual.

No entanto, ainda existem desafios a serem superados para que essa abordagem se torne amplamente aplicada na prática clínica. Um dos principais obstáculos é o controle da diferenciação das CTMs, que pode ser influenciada por fatores locais e sistêmicos no microambiente do defeito ósseo. Estudos apontam que o uso de fatores de crescimento, como BMP-2 (proteína morfogenética óssea), pode ser uma estratégia eficaz para direcionar a diferenciação das CTMs em osteoblastos, embora o custo elevado e a possibilidade de efeitos adversos, como a formação de osso ectópico, representem limitações.

Outro desafio é o desenvolvimento de biomateriais com propriedades ideais de biodegradabilidade e bioatividade. Scaffolds que se degradam muito rapidamente podem não fornecer suporte suficiente para a regeneração óssea, enquanto aqueles que se degradam lentamente podem interferir na remodelação óssea natural. Além disso, a necessidade de maior biocompatibilidade e controle sobre a liberação de fatores bioativos continua sendo um campo de pesquisa importante.

⁵Perspectivas futuras

As pesquisas atuais indicam que o futuro da regeneração óssea maxilofacial está intimamente ligado à combinação de tecnologias emergentes, como a bioimpressão 3D e a edição genética. A bioimpressão tem o potencial de criar scaffolds altamente personalizados, adaptados às necessidades específicas de cada paciente e de cada tipo de defeito ósseo. Além disso, avanços na edição genética, como o uso da tecnologia CRISPR, podem permitir a modificação de CTMs para otimizar sua capacidade osteogênica e melhorar a resposta regenerativa.

A engenharia de tecidos com células-tronco e biomateriais também está evoluindo para incluir o uso de materiais inteligentes, que respondem a estímulos do ambiente, como alterações de pH ou temperatura, para liberar fatores de crescimento de forma controlada e otimizar a regeneração óssea. Estudos estão explorando biomateriais que, além de suportar a regeneração, também possam monitorar o progresso da cura em tempo real, oferecendo feedback contínuo para ajustes no tratamento.

No cenário clínico, espera-se que o uso de CTMs e scaffolds biocompatíveis torne-se uma alternativa viável e amplamente disponível para o tratamento de defeitos ósseos maxilofaciais nos próximos anos. Com a evolução contínua das pesquisas e a melhoria das técnicas de fabricação e controle biológico, há uma expectativa de que as terapias regenerativas baseadas em células-tronco não apenas substituam os métodos tradicionais, mas também ofereçam soluções mais rápidas e eficazes para pacientes que necessitam de reconstruções complexas.

Conclusão

A utilização de células-tronco mesenquimais (CTMs) associadas a biomateriais no reparo de defeitos ósseos em cirurgias bucomaxilofaciais representa uma abordagem promissora e revolucionária, com potencial para superar as limitações dos métodos tradicionais de regeneração óssea, como enxertos autógenos. A capacidade das CTMs de se diferenciar em osteoblastos e promover a regeneração óssea, combinada com scaffolds projetados para suportar o crescimento celular, oferece uma nova solução para a reconstrução de defeitos complexos, especialmente em casos de grandes perdas ósseas ou ressecções tumorais.

Apesar dos avanços promissores, há uma série de desafios a serem enfrentados antes que essa abordagem se torne amplamente disponível na prática clínica. Entre eles, destaca-se a necessidade de controlar de maneira mais precisa a diferenciação das CTMs para garantir a formação óssea adequada, assim como o desenvolvimento de biomateriais com propriedades mais otimizadas, incluindo biodegradação controlada e capacidade osteocondutiva melhorada. Outro fator limitante é o alto custo de produção e a necessidade de infraestrutura laboratorial sofisticada, o que restringe o uso dessa tecnologia a grandes centros de pesquisa ou hospitais especializados.

Além disso, é imperativo que estudos clínicos randomizados e de longo prazo sejam conduzidos para avaliar não apenas a eficácia, mas também a segurança do uso de CTMs e biomateriais em cirurgias bucomaxilofaciais. A variabilidade nos resultados clínicos ainda é um fator que precisa ser considerado, uma vez que diferentes fontes de células-tronco e diferentes tipos de scaffolds podem influenciar diretamente os resultados regenerativos.

O futuro dessas terapias está intimamente ligado ao avanço da bioengenharia, incluindo o uso de tecnologias emergentes como a impressão 3D para fabricar scaffolds personalizados e a edição genética para aprimorar o potencial de diferenciação e regeneração das CTMs. Se essas barreiras forem superadas, o uso de células-tronco e biomateriais poderá não apenas melhorar os resultados estéticos e funcionais para pacientes, mas também reduzir significativamente o tempo de recuperação e as complicações pós-operatórias.

Portanto, a combinação de CTMs e biomateriais representa uma das fronteiras mais inovadoras da medicina regenerativa no campo da cirurgia bucomaxilofacial. Com o desenvolvimento contínuo de pesquisas e a padronização de protocolos, essa abordagem tem o potencial de transformar radicalmente a forma como tratamos defeitos ósseos complexos, oferecendo novas possibilidades para uma recuperação mais rápida e eficaz dos pacientes.


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ORCID: [0009-0008-4841-1673];¹
ORCID: [0009-0001-1991-6671];²
ORCID: [0009-0009-9063-2012];³
ORCID: [0009-0008-9139-870X]⁷.