USO IRRACIONAL DE ANOREXÍGENOS ASSOCIADO ÀS DOENÇAS CARDIOVASCULARES EM PACIENTES COM OBESIDADE: UMA REVISÃO

IRRATIONAL USE OF ANOREXIGENS ASSOCIATED WITH CARDIOVASCULAR DISEASES IN PATIENTS WITH OBESITY: A REVIEW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7255548


Matheus da Silva Ferreira1
Brenda Santos de Farias2
Izabella Chagas de Freitas3
Maria Caroline de Jesus Silva4


RESUMO

O uso irracional de anorexígenos é um problema mundial, no Brasil, há preocupação quanto ao elevado número de pessoas obesas que fazem uso prolongado desses fármacos e buscam o emagrecimento instantâneo, contudo, estudos demonstram associação do uso desses medicamentos com doenças cardíacas. Os anorexígenos apresentam, dentre outros efeitos colaterais, o comprometimento cardiovascular que, em comorbidade com a obesidade, representam um sério risco de morte. Sendo assim, esta pesquisa busca entender de que forma o uso irracional do Femproporex está associado à ocorrência de doenças cardiovasculares em pacientes obesos. Será utilizado para composição do presente estudo os artigos disponíveis na fonte de dados das bibliotecas virtuais da Scielo e Bireme, como critérios de inclusão, artigos em português, relacionados à obesidade, uso irracional de fármaco, perda de peso, doenças cardiovasculares e o uso indiscriminado de anorexíegenos proibidos pela Vigilância Sanitária em 2011, como critérios de não inclusão, os artigos que não atendam ao tema proposto e estejam publicados em outro idioma, ou ainda, não estejam disponíveis em sua integralidade.

Palavras-chave: Anorexígenos. Doenças Cardiovasculares. Obesidade. Uso irracional.

ABSTRACT

The irrational use of anorectics is a worldwide problem, in Brazil, there is concern about the high number of obese people who make prolonged use of these drugs and seek instant weight loss, however, studies show an association between the use of these drugs and heart disease. Anorectics present, among other side effects, cardiovascular impairment, which, in comorbidity with obesity, represent a serious risk of death. Therefore, this research seeks to understand how the irrational use of Femproporex is associated with the occurrence of cardiovascular diseases in obese patients. The articles available in the data source of the Scielo and Bireme virtual libraries will be used for the composition of this study, as inclusion criteria, articles in Portuguese, related to obesity, irrational drug use, weight loss, cardiovascular diseases and indiscriminate use of anorectics prohibited by the Health Surveillance in 2011, as non-inclusion criteria, articles that do not meet the proposed theme and are published in another language, or are not available in their entirety.

Keywords: Anorectic. Cardiovascular diseases. Obesity. irrational use.

1 INTRODUÇÃO

Os registros de obesidade no mundo datam do período paleolítico (há mais de 25 mil anos), mas atingiu proporções epidêmicas principalmente no final do século XX, com o aumento de produtivos alimentícios com percentuais de gordura elevados, sendo consumidos diariamente, sem que houvesse uma preocupação para com aspectos nutricionais nem com a prática regular de exercícios físicos (HALPERN, 1999). 

O tratamento medicamentoso da obesidade só pode prescrito por um médico, precedido de mudança de hábitos alimentares e prática regular de atividades físicas para melhores resultados (MARTINS et al., 2012). As propagandas na mídia incentivam o consumo irracional de substâncias anorexígenas, que prometem um emagrecimento instantâneo, quase milagroso, sem efeitos colaterais e de forma econômica, levando a um consumo excessivo, no entanto, repreende-se veementemente essa ação, no que pese à preservação da saúde (GODOY-MATOS et al., 2009). Além disso, a cultura do emagrecimento e do “corpo perfeito” permeia a cabeça das pessoas, também alienadas pela ideia do padrão europeu de beleza, em especial, aquelas que apresentam algum grau de obesidade (WITT; SCHNEIDER, 2011). Desta forma, utilizam como solução para o emagrecimento os anorexígenos, que agem na supressão de apetite, como alternativa de tratamento em casos de sobrepeso (ANDRADE; COSTA, 2021).

Nesse contexto, surgem diversos fármacos da família das drogas sintéticas (anfetaminas) que são indicados em caso de tratamento clínico da obesidade. No entanto, há de se considerar que literatura recomenda que a indicação desses fármacos seja decorrente de uma série de exames e análise do histórico do paciente, uma vez que possuem diversos efeitos colaterais que podem acabar prejudicando ainda mais o indivíduo que faz uso desses fármacos (ANDRADE; COSTA, 2021). Um dos fármacos mais utilizados é o Femproporex, também conhecido como Perphoxene, que teve seu uso proibido no Brasil em 2011 (mas que voltou a ser possível sua comercialização em 2014), justamente por apresentar efeitos adversos, a quem faz uso contínuo, no que concerne ao coração (AMARAL; LAGUARDIA; CARDOSO, 2017). 

A associação entre o uso do Femproporex e as doenças cardiovasculares tem sido alvo de estudos no Brasil desde sua proibição em 2011. Nesse giro, acredita-se que o Femproporex causa alterações significantes na estrutura cardiovascular e seja responsável pelo acometimento de infarto e outras patologias associadas, quando seu uso se torna prolongado (DUARTE et al., 2020). A busca do entendimento do risco cardíaco com o uso dessa anfetamina levou à questão norteadora desse projeto: “De que forma o uso indiscriminado de anorexígeno contribui com o acometimento de doenças cardiovasculares em indivíduos com obesidade?”. Sabe-se que a identificação dos limites de seu uso, dosagem e administração correta fazem parte do contexto da assistência farmacêutica, dessa forma, devem ser realizados maiores estudos relacionados a esta temática para maior esclarecimento das pessoas que fazem uso prolongado do fármaco e estejam na zona de risco.

Conforme o exposto, o presente estudo emerge da necessidade de orientar aos usuários de anorexígenos quanto aos riscos cardiovasculares a que estão exposto, a partir de seu uso prolongado.

O objetivo primário é compreender de que forma o uso irracional de anorexíegenos está associado à ocorrência de doenças cardiovasculares em pacientes obesos. Os objetivos secundários são: a) apresentar os principais riscos associados ao uso de anorexígenos em pacientes com obesidade; b) relacionar o uso de anorexígenos à obesidade e doenças cardiovasculares; c) analisar se a equipe multidisciplinar pode contribuir com a redução do uso irracional de anorexígenos entre indivíduos obesos.

METODOLOGIA

Para a realização deste estudo de revisão bibliográfica, foram realizadas buscas nas bibliotecas virtuais da Scielo, Lillacs e Bireme, nos artigos em português, com os seguintes descritores: “anorexígeno”, “obesidade”, “doenças cardiovasculares”, isoladamente, ou em combinação, tendo como critérios de inclusão: artigos disponíveis na íntegra, publicados nos últimos 10 anos, que abordavam o tema “uso irracional de anorexígenos por indivíduos obesos associados a doenças cardiovasculares”. Como critérios de não inclusão: artigos em língua estrangeira, relatos de casos, teses, dissertações ou que fosse relacionado ao tratamento não medicamentoso da obesidade.

Figura 1. Fluxograma para elaboração da pesquisa

Fonte: Próprios autores (2022)

Após a busca na biblioteca virtual da Bireme, foram encontrados 9 artigos e 4 artigos disponíveis na Scielo, utilizando-se os descritores “obesidade”, and “anorexígeno”, and “doenças cardiovasculares”; após a identificação dos artigos duplicados, restaram 13 estudos disponíveis, no entanto, feita a leitura dos títulos, pode-se eliminar os estudos de caso, dissertação e tese, resultando na seleção de 10 artigos originais e de revisão de literatura;  na sequência, foram retirados os textos disponíveis parcialmente ou mediante pagamento, restando 10 artigos disponíveis na íntegra; em seguida, optou-se por eliminar 6 estudos que fugiam do escopo do trabalho, sendo assim,  fez-se a seleção dos artigos conforme os critérios de inclusão e não inclusão; seguiu-se para o processo de elegibidade do artigo, restando, por fim, 4 estudos, considerados conforme a síntese qualitativa (3 artigos) e quantitativa (1 artigo).

Tabela 1. Estudos sobre o uso irracional de anorexígenos associados a doenças cardiovasculares e obesidade no Brasil

Autor/AnoTítuloTipo de EstudoObjetivoResultadosConclusão
NAVARINI, M. M.; DEUSCHLE, V. C. K. N.; DEUSCHLE, R. A. N., 2014.Estudo transversal da dispensação de anorexígenos sintéticos em farmácias comunitárias do município de Cruz Alta – Rio Grande do SulEstudo TransversalAvaliar a frequência de prescrições de inibidores de apetite em farmácias comunitárias de Cruz Alta, Rio Grande do Sul, BrasilOs resultados sugeriram a existência de alto consumo de anorexígenos, possivelmente relacionado à atual preocupação com os padrões estéticos, o que ressalta a importância do controle rigoroso sobre a comercialização dessas substâncias.Os achados deste estudo sugerem que o consumo de anorexígenos na população estudada possivelmente está ligado a motivações estéticas, cujos padrões atuais atingem principalmente as mulheres.
Mota et al., 2014Há irracionalidades no consumo de inibidores de apetite no Brasil? Uma análise farmacoeconométrica de dados em painelTrata-se de um estudo farmacoeconométrico, em que foi utilizado um modelo de regressão linear dinâmico de dados em painel das capitais brasileiras e do Distrito Federal nos anos de 2009 a 2011.Analisar os determinantes do consumo de inibidores de apetite (anfepramona, femproporex, mazindol e sibutramina) por meio da estimação de um modelo dinâmico de dados em painel para as capitais brasileiras e do Distrito Federal (DF) no período de 2009 a 2011Os resultados revelam que o consumo de inibidores de apetite não acompanhou a distribuição geográfica dos indivíduos com excesso de peso e com obesidade nas unidades estudadas.Os estudos farmacoeconométricos podem ser úteis para identificar situações de riscos relacionados com a utilização de medicamentos, oferecendo informações adicionais sobre aspectos relativos ao consumo de medicamentos até então não observados em uma dada região
MARTINS et al., 2012.Dispensações de psicotrópicos anorexígenos no município de Juiz de Fora, Minas Gerais, BrasilFoi realizado estudo observacional descritivo, de corte transversal retrospectivo, abrangendo o município de Juiz de Fora.Verificar o consumo de medicamentos psicotrópicos anorexígenos na população de Juiz de Fora, Minas Gerais, durante o ano de 2009, por meio da análise de frequências de suas dispensações.O cenário mostra a dispensação de anorexígenos como problema relevante de saúde coletiva e indica a necessidade de reavaliação dos critérios de monitoramento de sua prescrição, dispensação e consumo.Há preocupação com o uso não racional de medicamentos anorexígenos, independente da condição de doença
AMARAL, V. M., 2015MÍDIA E RISCO À SAÚDE:  o caso dos emagrecedoresAnálise qualitativa dos textos, foi feita com base nos postulados centrais da Semiologia dos Discursos SociaisAnalisar como os sentidos sobre risco foram construídos pelos jornais diários  durante a cobertura noticiosa  da controvérsia relativa aos emagrecedores, considerando esses dois momentos antagônicosOs resultados apontam para uma linearidade na forma como a imprensa escrita enquadra a controvérsia dos emagrecedores: como uma questão ‘política’ e não científica; sem aprofundar as discussões epidemiológicas relativas ao perfil de segurança/risco dos medicamentosO discurso do risco está presente na maioria dos textos, mas não assume o centro da cena discursiva, dando lugar a uma cobertura ‘política’ que privilegia os conflitos de interesse entre os atores envolvidos, os embates travados com a autoridade sanitária e as contradições do processo. As controvérsias científicas relacionadas ao risco de utilização dos emagrecedores restam suprimidas do debate midiático.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Apesar de a obesidade ser um problema de saúde pública e o uso irracional de fármacos com promessas de emagrecimento ser considerado um risco real à saúde e às doenças cardiovasculares, devido ao seu caráter estimulante, e ser um assunto de grande repercussão mundial, há poucos estudos relacionados aos problemas cardíacos a partir do uso prolongado de anorexígenos no Brasil.

A literatura é unânime ao afirmar que o uso dos anorexígenos se intensifica com o objetivo do emagrecimento instantâneo por via medicamentosa, principalmente, nos meses que antecedem o verão, no Brasil e, ainda, sugere que esse uso se deva à propagação na mídia e redes sociais  e da exaltação da “cultura do corpo”, que tem impactos representativos no campo psicológico da pessoa com obesidade e até mesmo de pessoas que estão acima do peso, sem que observem os problemas decorrentes do uso irracional desses fármacos considerados milagrosos. 

Na Carneiro, Guerra Júnior e Acurcio (2008) as drogas anorexígenas tipo-anfetamina não atuam apenas diminuindo o apetite, isso se demonstra conforme sua ação estimulante central e no sistema cardiovascular. Todos os simpaticomiméticos imitam os efeitos da adrenalina, noradrenalina e dopamina, substindo a sensação que a atividade física proporciona aos praticantes, além de dar uma falsa sensação de emagrecimento.

Amaral, Laguardia e Cardoso (2017) reallizaram um estudo a respeito do processo de transição entre a proibição e a inusitada autorização da comercialização dos anorexígenos à base de anfetamina (anfrepramona, mazindol e femproporex). Os autores supracitados reforçam que a Vigilância Sanitária (BRASIL, 2011) apontou um crescimento dos casos de doenças cardiovasculares de 16% nas pessoas obesas que faziam uso constante dessas substâncias e uma perda ínfima (5%) do peso corporal, refletindo que houveram interesses políticos na liberação desses fármacos em 2014, visto o desprezo pelo risco apresentado em seu uso irracional.

Navarini et al. (2014) apontam em seu estudo que o consumo de inibidores de apetite foi mais prevalente no sexo feminino, e representou 82% do total. Um dado alarmante, que possivelmente está associado à preocupação das pessoas com os padrões estéticos idealizados pela sociedade contemporânea. Os resultados sugeriram ainda,  a existência do alto consumo de anorexígenos, ressaltando, assim, a importância do controle rigoroso sobre a comercialização dessas substâncias, visto a sua associação com doenças cardiovasculares e risco de hipertensão.

Mota et al. (2014) sugerem que o uso irracional dos anorexígenos proibidos pela Anvisa em 2011, é um grave problema de saúde pública no Brasil e constituem danos como “baixos resultados terapêuticos, empobrecimento do indivíduo (despesas grandes e desnecessárias), surgimento de reações adversas e erros de medicação e aumento da morbidade e óbito”. Os autores ainda acreditam que o uso irracional acaba impactando o sistema de saúde pública brasileiro, uma vez que o sobrecarrega com casos que poderiam ser evitados se os pacientes não fossem adeptos ao uso indiscriminado de substâncias anorexígenas que podem impactar, dentre outras coisas, o coração.

Martins et al. (2012) corroboram com os estudos de Mota et al. (2014), avaliando que o uso de psicotrópicos anorexígenos é um problema de saúde coletiva, e indicam a necessidade de reavaliação das políticas públicas de enfrentamento ao uso irracional desse fármacos, bem como, os critérios de monitoramento de sua dispensação e consumo no país. Os autores notificam a necessidade do uso de anorexígenosa partir da prescrição médica, de forma a evitar problemas de ordem crônica, como doenças cardiovasculares, hipertensão e diabetes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se considerar que a obesidade no Brasil é um problema de saúde pública, dessa forma, o uso irracional de fármacos anorexígenos com o fito de emagrecer o indivíduo obeso, instantâneamente, sem esforço e sem mudanças significativas na cultura alimentar, é utópico e pode trazer riscos à saúde. Sabe-se que os anorexígenos são usados no tratamento medicamentoso da obesidade, no entanto, deve ser prescrito pelo médico, uma vez que a literatura demonstra que há associação entre o uso irracional de anorexígenos e doenças cardiovasculares.

As mulheres são as mais afetadas pelo mito do corpo perfeito, sendo a mídia responsável pela propagação do ideário de beleza feminina europeu, influenciando as pessoas obesas a buscar alternativas medicamentosas (e não medicamentosas), através da automedicação, para que consigam alcançar o padrão estabelecido pela sociedade. Acredita-se que o uso irracional de medicamentos também possa impactar o sistema de saúde brasileiro, na medida em que o sobrecarrega, devido ao aumento da morbidade e óbito, a partir da automedicação indevida.

Apesar de a literatura ser abundante no que pese ao tratamento medicamentoso da obesidade, há poucos estudos em português e no Brasil que tratem a respeito das doenças cardiovasculares relacionadas à obesidade e ao uso irracional de fármacos. Espera-se que outros estudos sejam realizados a fim de evidenciar os problemas de saúde concernentes à automedicação e à obesidade.

REFERÊNCIAS

AMARAL, Vanessa Melo do; LAGUARDIA, Josué; CARDOSO, Janine Miranda. O discurso do risco na controvérsia dos emagrecedores: uma análise da cobertura de imprensa nos anos de 2011 e 2014. Reciis – Rev Eletron Comun Inf Inov Saúde, vol. 11, n.3, jul.-set., 2017.

BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Relatório integrado sobre a eficácia e segurança dos inibidores de apetite. Brasília, 2011.

MARTINS, Eduardo Luiz  Mendonça et al. Dispensações de psicotrópicos anorexígenos no município de Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, vol. 17, n. 12, p. 3331-3342, 2012.

MOTA, Daniel Marques et al. Há irracionalidades no consumo de inibidores de apetite no Brasil? Uma análise farmacoeconométrica de dados em painel. Ciência & Saúde Coletiva, v. 19, n. 05 , p. 1389-1400, 2014.

NAVARINI, Marcieli Maria; DEUSCHLE, Viviane Cecilia Kessler Nunes and DEUSCHLE, Regis Augusto. NorbertCross-sectional study of the dispensation of synthetic anorectic drugs in community pharmacies in the city of Cruz Alta – State of Rio Grande do Sul. Brazilian Journal of Pharmaceutical Sciences, v. 50, n. 4, p. 737-740, 2014.


1Professor do curso de Farmácia da Uninassau.

2, 3, 4Alunas do curso de Farmácia, Uninassau, 8º semestre.