USO DO ESCORE DE ESTRATIFICAÇÃO DE PRIORIDADES DE COELHO E SAVASSI NA ORGANIZAÇÃO DA AGENDA DE VISITAS DOMICILIARES: IMPACTO NA PRIORIZAÇÃO DE IDOSOS VULNERÁVEIS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202503251848


Joao Vitor Araujo Menezes


Resumo

O escore de estratificação de prioridades de Coelho e Savassi (ERF-CS) é uma ferramenta da Estratégia Saúde da Família (ESF) que classifica famílias por risco, auxiliando na organização das agendas de visitas domiciliares. Esta revisão analisa como o ERF-CS impacta a priorização de visitas a famílias com idosos vulneráveis na atenção primária à saúde (APS). Foram revisados artigos publicados entre 2004 e 2025 nas bases SciELO e PubMed, com descritores como “escala Coelho-Savassi”, “visitas domiciliares” e “idosos”. Os resultados mostram que o escore identifica eficazmente famílias com idosos em risco, aumentando a frequência de visitas, mas sua aplicação enfrenta desafios como sobrecarga das equipes e dados desatualizados. Conclui-se que o ERF-CS pode melhorar o cuidado aos idosos, desde que apoiado por estratégias de gestão e capacitação.

Palavras-chave: Medicina de Família e Comunidade, Atenção Primária à Saúde, Escala de Coelho-Savassi, Visitas Domiciliares, Idosos Vulneráveis.

Introdução

A atenção primária à saúde (APS) é a base do Sistema Único de Saúde (SUS), com a Estratégia Saúde da Família (ESF) desempenhando um papel essencial no cuidado longitudinal às comunidades¹. As visitas domiciliares (VDs) são uma prática central da ESF, especialmente para populações vulneráveis como idosos, que frequentemente apresentam condições crônicas, fragilidade ou dependência². No Brasil, o envelhecimento populacional tem aumentado a demanda por cuidados domiciliares, desafiando as equipes a priorizar recursos de forma eficaz³.

O escore de estratificação de risco familiar de Coelho e Savassi (ERF-CS), proposto em 2004, classifica famílias em níveis de vulnerabilidade (R0 a R3) com base em sentinelas de risco da Ficha A do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), como presença de idosos ou acamados⁴. Originalmente desenvolvido para orientar VDs, o escore visa direcionar as equipes às famílias mais necessitadas⁵. Apesar de seu potencial, há evidências limitadas sobre seu impacto específico no cuidado aos idosos⁶.

Esta revisão examina como o ERF-CS organiza a agenda de visitas domiciliares na APS, com foco na priorização de famílias com idosos vulneráveis, analisando sua eficácia, desafios e implicações para a ESF.

Metodologia

Esta revisão narrativa foi realizada entre janeiro e março de 2025, com o objetivo de avaliar o uso do ERF-CS na priorização de visitas domiciliares a famílias com idosos vulneráveis. A busca foi conduzida nas bases SciELO e PubMed, utilizando os descritores “escala Coelho-Savassi”, “estratificação de risco”, “visitas domiciliares”, “atenção primária”, “saúde da família” e “idosos”, combinados com os operadores booleanos “AND” e “OR”.

Foram incluídos artigos publicados entre 2004 e 2025, em português ou inglês, que abordassem o ERF-CS, visitas domiciliares ou cuidados a idosos na APS, com relevância para a organização de agendas. Excluíram-se estudos sem dados empíricos ou sem foco na ESF. Dos 45 artigos identificados, 10 foram selecionados após triagem de títulos, resumos e textos completos. Os dados foram organizados em: (1) eficácia na priorização, (2) barreiras à implementação e (3) recomendações para otimização.

Resultados

O ERF-CS demonstrou eficácia na priorização de visitas domiciliares a famílias com idosos vulneráveis. Um estudo brasileiro destacou que a presença de idosos é uma sentinela de risco que eleva a pontuação do escore, direcionando VDs a essas famílias⁴. Em outro trabalho, a aplicação do ERF-CS em uma USF aumentou a frequência de visitas a idosos com doenças crônicas em 20%, comparado a uma abordagem não estruturada⁷. A literatura também sugere que o escore facilita a identificação de idosos acamados ou com mobilidade reduzida, populações frequentemente negligenciadas em sistemas de demanda espontânea⁸.

No entanto, barreiras à implementação foram consistentes. A desatualização dos dados da Ficha A, base do ERF-CS, comprometeu a acurácia da estratificação em 25% dos casos analisados em um estudo⁵. A sobrecarga das equipes, um desafio recorrente na ESF¹, foi relatada como limitante, com profissionais priorizando demandas emergenciais em detrimento do uso sistemático do escore⁹. Além disso, a falta de capacitação para interpretar o ERF-CS foi citada como um obstáculo em contextos com alta rotatividade de pessoal⁶.

Discussão

O escore de Coelho e Savassi emerge como uma ferramenta estratégica na organização da agenda de visitas domiciliares na APS, especialmente ao priorizar famílias com idosos vulneráveis, um grupo cuja relevância cresce com o envelhecimento populacional no Brasil³⁻⁷. A presença de idosos como uma sentinela de risco no ERF-CS reflete sua sensibilidade às necessidades dessa população, como condições crônicas múltiplas, fragilidade ou dependência, frequentemente associadas à necessidade de cuidados contínuos²⁻⁴. A capacidade do escore de aumentar a frequência de visitas a esses grupos, como observado em um incremento de 20% em um estudo⁷, sugere que ele pode melhorar a longitudinalidade e a integralidade do cuidado, princípios fundamentais da ESF¹. Esse impacto é particularmente relevante para idosos acamados ou com mobilidade reduzida, que dependem das VDs para acessar serviços de saúde⁸, evitando complicações como úlceras de pressão ou descompensações de doenças crônicas que poderiam levar a internações evitáveis.

No entanto, a eficácia do ERF-CS na priorização de idosos vulneráveis é limitada por barreiras operacionais e estruturais que merecem análise detalhada. A desatualização dos dados da Ficha A, relatada como um problema em 25% dos casos⁵, compromete a confiabilidade do escore, especialmente em comunidades onde a rotatividade de famílias ou a falta de registro sistemático é comum. Por exemplo, um idoso recém-acamado pode não ser identificado como R3 se os dados não forem atualizados, resultando em atrasos no atendimento domiciliar. Esse desafio reflete uma fragilidade histórica nos sistemas de informação do SUS, onde a transição para ferramentas como o e-SUS APS ainda não resolveu completamente as lacunas do SIAB⁵⁻¹⁰. A qualidade dos dados é, portanto, um ponto crítico que exige não apenas melhorias tecnológicas, mas também um compromisso das equipes em manter registros consistentes.

A sobrecarga das equipes de saúde, outro obstáculo significativo¹⁻⁹, revela uma tensão inerente à ESF: a necessidade de equilibrar demandas emergenciais (e.g., casos agudos) com atividades planejadas, como a aplicação do ERF-CS. Em contextos de alta demanda, as equipes podem relegar o escore a um segundo plano, optando por priorizações informais baseadas na experiência clínica ou na pressão da comunidade⁶. Esse comportamento é agravado pela falta de pessoal ou pela rotatividade de profissionais, que dificultam a internalização do instrumento como parte da rotina. A capacitação insuficiente, destacada em diversos estudos⁶⁻⁹, amplifica esse problema, pois equipes não treinadas podem interpretar erroneamente as sentinelas de risco ou subutilizar o escore, reduzindo seu potencial de direcionar VDs aos idosos mais vulneráveis.

Comparado a abordagens não estruturadas, o ERF-CS oferece uma vantagem clara ao sistematizar a priorização⁷, mas sua aplicação poderia ser otimizada por estratégias complementares. A integração com tecnologias digitais, como o e-SUS APS⁵⁻¹⁰, poderia automatizar a atualização dos dados e facilitar o cálculo do escore, reduzindo o esforço manual e permitindo que as equipes se concentrem no planejamento das visitas. Por exemplo, um sistema digital que alerte automaticamente sobre famílias R3 com idosos poderia melhorar a resposta às necessidades emergentes, como a identificação de um idoso com piora súbita de saúde. Internacionalmente, ferramentas preditivas baseadas em dados têm mostrado sucesso na priorização de cuidados a populações vulneráveis⁷, sugerindo que o ERF-CS poderia se beneficiar de uma abordagem semelhante no contexto brasileiro.

Além disso, o impacto do escore na equidade em saúde merece consideração. Ao focar em idosos vulneráveis, o ERF-CS tem o potencial de reduzir disparidades no acesso ao cuidado, especialmente em áreas rurais ou periféricas onde os idosos enfrentam barreiras geográficas ou sociais⁸. No entanto, se as barreiras de implementação não forem abordadas, o instrumento corre o risco de beneficiar desproporcionalmente áreas urbanas com melhores recursos, ampliando desigualdades regionais³⁻¹⁰. Pesquisas futuras devem explorar o efeito do ERF-CS em desfechos específicos dos idosos, como taxas de internação ou controle de doenças crônicas, e testar intervenções como capacitação intensiva ou digitalização para superar os desafios identificados⁶⁻⁹.

Conclusão

O escore de Coelho e Savassi é eficaz na organização da agenda de visitas domiciliares na APS, priorizando famílias com idosos vulneráveis e melhorando o acesso a cuidados essenciais na ESF. No entanto, desafios como dados desatualizados, sobrecarga das equipes e falta de capacitação limitam seu potencial. Recomenda-se atualizar os sistemas de informação, oferecer treinamento contínuo e explorar a integração com tecnologias digitais para otimizar o uso do ERF-CS, fortalecendo o cuidado aos idosos no SUS.

Referências

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