USE OF PROBIOTICS IN THE TREATMENT OF CHILDREN WITH AUTISTIC SPECTRUM DISORDER: AN INTEGRATIVE REVIEW
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202408181316
Jenifer dos Reis Mendes1; Gabriela dos Santos Reis Costa2; Valentina Pereira Xavier3; Luísa Beatriz Averbach Lopes Pacheco4; Maria Gabriella da Silva Pedrosa5; Thamires Silva Borges6; Laisy da Cruz Corrêa7; Raimunda Gerlane Lima Maia8; Manuela Ferreira Simões da Silva9; Thamires Vieira Santos de Miranda10.
RESUMO
Introdução: Nos últimos anos, houve aumento na prevalência do Transtorno do Espectro Autista (TEA) no mundo. Entre os principais sintomas apresentados pelo portador, estão os neurológicos e digestivos, por isso as intervenções nutricionais são terapias promissoras para o tratamento. A literatura sugere que crianças com TEA apresentam disbiose intestinal e, em virtude do funcionamento do eixo microbiota-intestino-cérebro, o desequilíbrio de bactérias intestinais pode impactar nas funções cerebrais. Objetivo: Analisar os efeitos do uso de probióticos em crianças e adolescentes portadores do Transtorno do Espectro Autista. Métodos: Trata-se de uma revisão integrativa de literatura, a qual foi baseada na leitura e análise crítica de artigos científicos publicados entre Março de 2013 a Março de 2024. Utilizaram-se descritores em inglês indexados no DeCs e MeSH: Autism Spectrum Disorder, Autism Disorder and Probiotics. Foram incluídos, nesta revisão, estudos de coorte e ensaios clínicos, realizados com crianças e adolescentes, com idade mínima de 1 ano e máxima de 17 anos, com diagnóstico de autismo e em uso de probióticos. Resultados: Os sete estudos clínicos incluídos nesta revisão, mostraram efeitos benéficos dos probióticos Lactobacillus, Bifidobacterium e Streptococcus em crianças e adolescentes com autismo. Com melhora dos sintomas gastrointestinais e comportamentais, além da redução de peso e gravidade do autismo. Os efeitos adversos foram leves e passageiros. Considerações finais: Probióticos mostraram efeitos positivos nos sintomas do autismo e distúrbios gastrointestinais de crianças e adolescentes, sendo uma terapia promissora. Entretanto, é necessário mais estudos clínicos e investigação dos efeitos a longo prazo.
Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista. Probióticos. Microbiota intestinal
ABSTRACT
Introduction: In recent years, there has been an increase in the prevalence of Autism Spectrum Disorder (ASD) in the world. Among the main symptoms presented by the sufferer are neurological and digestive ones, which is why nutritional interventions are promising therapies for treatment. The literature suggests that children with ASD have intestinal dysbiosis and, due to the functioning of the microbiota-gut-brain axis, the imbalance of intestinal bacteria can impact brain functions. Objective: To analyze the effects of using probiotics in children and adolescents with Autism Spectrum Disorder. Methods: This is an integrative literature review, which was based on the reading and critical analysis of scientific articles published between March 2013 and March 2024. Descriptors in English indexed in DeCs and MeSH were used: Autism Spectrum Disorder, Autism Disorder and Probiotics. This review included cohort studies and clinical trials, carried out with children and adolescents, aged between1 and 17 years old, diagnosed with autism and using probiotics. Results: The seven clinical studies included in this review showed beneficial effects of Lactobacillus, Bifidobacterium and Streptococcus probiotics in children and adolescents with autism. With improvement in gastrointestinal and behavioral symptoms, in addition to reducing weight and severity of autism. Adverse effects were mild and temporary. Conclusion: Probiotics have shown positive effects on the symptoms of autism and gastrointestinal disorders in children and adolescents, being a promising therapy. However, more clinical studies and investigation of long-term effects are needed.
Keywords: Autism Spectrum Disorder. Probiotics. Gut microbiota
1 INTRODUÇÃO
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é caracterizado por uma desordem do neurodesenvolvimento que causa déficits na fala, comunicação e interação social (Onore; Careaga; Ashwood, 2012). Apesar dos constantes avanços da comunidade científica, ainda não há uma etiologia bem definida para o TEA e sim um consenso entre os especialistas de que o autismo é determinado por um conjunto de aspectos genéticos, ambientais e disfunções do Sistema Nervoso Central (SNC) (Steffen et al., 2020).
De acordo com o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), em 2023, uma a cada 36 crianças possuía autismo nos Estados Unidos. No Brasil, não se tem números de prevalência, mas de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, a estimativa era de cerca de dois milhões de indivíduos com autismo.
Embora os principais problemas associados ao autismo sejam déficits cognitivos e alterações comportamentais, frequentemente os portadores apresentam desordens gastrointestinais como constipação e diarreias, que além de impactarem na capacidade de absorção e digestão de nutrientes, influenciam no comportamento, desencadeando diminuição da capacidade de concentração, irritabilidade e agressividade (Adams et al., 2011; Brandão et al., 2022). Dessa forma, as intervenções nutricionais estão entre as terapias mais promissoras para amenizar sintomas clínicos e comportamentais (Cupertino et al., 2019).
A literatura supõe que crianças com autismo apresentam disbiose intestinal (Abdellatif et al., 2020) devido às evidências de que a composição da microbiota intestinal e metabólitos microbianos se encontram alterados nesse contexto (Finegold, 2011; Strati et al., 2017; Shaaban et al., 2018), e isso contribui para a etiologia do transtorno. Diante disso, a microbiota intestinal tem se destacado como alvo potencial para o tratamento.
Atualmente, alguns dos tratamentos disponíveis envolvem fármacos psicoestimulantes, antipsicóticos atípicos e antidepressivos, que proporcionam alívio parcial dos sintomas (Sharma; Gonda; Tarazi, 2018), assim como podem desencadear reações adversas como sedação, ganho de peso e sintomas extrapiramidais (Portela; Souza; Lima, 2022). Portanto, faz-se necessária a busca por outros recursos terapêuticos, como suplementos nutricionais, com destaque para os probióticos.
Os probióticos são microrganismos vivos não patogênicos, utilizados para prevenção e tratamento de patologias, reparo da microbiota intestinal e em distúrbios do metabolismo (Oliveira; Almeida; Bomfim, 2017). Evidências mostram efeitos benéficos da suplementação de probióticos à saúde humana, sendo Lactobacillus e Bifidobacterium os gêneros mais utilizados, com potencial efeito nas doenças do neurodesenvolvimento (Gonçalves et al., 2020).
Além disso, essas bactérias são capazes de modular a microbiota intestinal e influenciar nas funções cognitivas, atuando na síntese de importantes neurotransmissores do SNC, diminuindo a gravidade dos sintomas gastrointestinais e comportamentais do autismo (Brandão et al., 2022; Gonçalves et al., 2020; Shaaban et al., 2017; Wang et al., 2020).
Nesse sentido, considerando a hipótese de que o uso de probióticos pode ser uma alternativa para o tratamento de transtornos neurológicos, com reações adversas menos significativas, o objetivo da presente revisão é analisar os efeitos do uso de probióticos em crianças e adolescentes portadores do Transtorno do Espectro Autista.
2 MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo, sob forma de revisão integrativa de literatura, a qual foi baseada na leitura e análise crítica de artigos científicos publicados entre o período de Março/2013 a Março/2024.
Foi realizada uma pesquisa online nas bases de dados US National Library of Medicine National of Health (PudMed), Scientific Electronic Library Online (Scielo), Science Direct e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), combinando os seguintes descritores indexados no Descritores em Ciências da Saúde (DeCs) e Medical Subject Headings (MeSH): Autism Spectrum Disorder, Autism Disorder and Probiotics, com uso do operador booleano AND e OR (Autism Spectrum Disorder OR Autism Disorder AND Probiotics). Os idiomas foram restritos ao inglês, português e espanhol. Os artigos foram selecionados após a leitura do título e ano de publicação. A pergunta norteadora utilizada para compor a presente revisão foi: Quais os efeitos da suplementação de probióticos na sintomatologia de crianças e adolescentes com autismo?
Foram considerados estudos de coorte e ensaios clínicos realizados nos últimos 11 anos, em crianças e adolescentes com idade mínima de um ano e máxima de 17 anos, com diagnóstico de autismo e em uso de probióticos. Foram excluídos estudos em que observou-se uso concomitante de outro tipo de medicação ou suplementação nutricional e estudos realizados com crianças e adolescentes com outros distúrbios do SNC. Após a leitura dos títulos e resumos dos estudos, os que atenderam aos critérios de inclusão foram selecionados para leitura completa. Os estudos selecionados foram expostos em um quadro para análise. As variáveis consideradas em relação aos estudos foram: autor, ano de publicação, país de origem, tipo de estudo, número e características da amostra. Para variáveis associadas ao uso de probióticos, foi verificado a espécie, seu tempo e modo de administração, além da escala utilizada para avaliação e principais resultados dos autores.
3 RESULTADOS
O processo de seleção dos estudos foi apresentado no Quadro 1. Com o levantamento bibliográfico, foram encontradas 2.078 publicações. Por fim, após aplicação dos critérios de elegibilidade, sete estudos originais, publicados nos últimos 11 anos, foram incluídos nesta revisão (Quadro 2).
Quadro 1. Fluxograma do processo de seleção dos estudos
Em relação ao tipo de estudo, foram selecionados quatro ensaios clínicos randomizados (57,1%), dois não randomizados (28,5%) e um coorte prospectivo (14,2%), realizados na Eslováquia, Itália, China, Egito e Estados Unidos.
As características das amostras envolvidas nos estudos são crianças e adolescentes com idade mínima de um ano e seis meses e máxima de 17 anos com diagnóstico de TEA. No estudo de Arnold et al. (2019), alguns indivíduos incluídos relataram comorbidades relacionadas, como problemas gastrointestinais e ansiedade. Ao todo, 271 crianças e adolescentes foram incluídos nos estudos analisados nesta revisão, sendo a maioria do gênero masculino.
Os participantes dos estudos receberam probióticos para consumir durante um período mínimo de quatro semanas e máximo de oito meses. Seis estudos (85,7%) utilizaram misturas de cepas, com no mínimo três espécies e no máximo oito. Em um estudo (14,2%) houve a utilização de somente uma cepa. A concentração das cepas bacterianas foram 3×10¹⁰, 10×10⁹, 100×10⁶, 450 bilhões e 900 bilhões Unidade Formadora de Colônia por grama (UFC/g) de probiótico, sendo administrado de uma a três vezes ao dia, com comida ou líquidos. Nos estudos de Tomova e Cavanaugh a concentração de UFC não foi informada.
Em todos os artigos houve a utilização de probióticos compostos com o gênero de bactéria Lactobacillus (100%) das espécies acidophilus, rhamnosus, plantarum, casei, delbrueckii subsp., bulgaricus, fermentum, salivarius e gasseri, além do gênero Bifidobacterium, utilizado em seis artigos (85,7%) das espécies longum, infantis e breve, e por último Streptococcus da espécie thermophilus, utilizado em três artigos (42,8%).
Um total de seis estudos (85,7%) utilizaram escalas e formulários de avaliação para verificar a gravidade do autismo, além dos sintomas comportamentais e cognitivos, como a ABC-T, CBCL, ADOS, SNAP-IV, CARS, ADI e RBS-R. Também foi descrita a utilização da escala 6-GSI, que avalia os sintomas gastrointestinais, e ATEC, que avalia a eficácia de intervenções para o autismo. Todas as escalas estão descritas no Quadro 1.
Todos os estudos evidenciaram efeitos positivos com a suplementação de probióticos nos sintomas associados ao TEA. Os autores relataram melhora dos sintomas gastrointestinais (Arnold et al., 2019; Guidetti et al., 2022; Shaaban et al., 2017; Santocchi et al., 2020), mudança no perfil da microbiota intestinal, com proliferação de microrganismos benéficos (Cavanaugh et al., 2024; Shaaban et al., 2017; Tomova et al., 2015), perda de peso (Shaaban et al., 2017), além de melhora dos sintomas comportamentais (Guidetti et al., 2022; Liu et al., 2019), com redução da pontuação em escalas como ATEC e ADOS (Santocchi et al., 2020; Shaaban et al., 2017) e melhora da ansiedade (Arnold et al., 2019).
Quanto aos efeitos adversos, nenhum efeito grave foi descrito, apenas leves e transitórios. Houve relato de diarréia em 42,8% dos estudos (Arnold et al., 2019; Santocchi et al., 2020; Shaaban et al., 2017), além de dor abdominal (28,5%) (Santocchi et al., 2020; Shaaban et al., 2017), distensão abdominal (28,5%) (Arnold et al., 2019; Shaaban et al., 2017) e erupções cutâneas (14,2%) (Shaaban et al., 2017). Guidetti et al. (2022) relataram que houve piora dos sintomas gastrointestinais em três crianças durante a primeira semana, mas foi estabilizado. No estudo de Liu et al. (2019), os indivíduos não apresentaram efeitos adversos. Em dois estudos (28,5%) os autores não informaram se houve efeitos adversos (Cavanaugh et al., 2024; Tomova et al., 2015).
Quadro 2. Síntese de artigos selecionados
Siglas e abreviações: ↑ (aumento); ↓ (diminuição); UFC (Unidade Formadora de Colônia); TEA (Transtorno do Espectro Autista); ATEC (Autism Treatment Evaluation Checklist); CGI-S (Clinical Global Impression-Severity); CGI-I (Clinical Global Impression-Improvement); ABC-T (Autism Behavior Checklist-Taiwan); 6-GSI (GI Severity Index); CBCL (Child Behavior Checklist); SRS (Escala de Responsividade Social); SNAP-IV (versão chinesa da Escala Swanson, Nolan e Pelham-IV); PedsQL (Pediatric Quality of Life Inventory – Gastrointestinal); PRAS-ASD (Parent-Rated Anxiety Scale – Autistic Spectrum Disorder); CSHQ (Children’s Sleep Habits Questionnaire); PSI (Parenting Stress Index); PEP (Perfil Socioeducativo); ASRS (Avaliação do Espectro do Autismo); ADOS-CSS (Autism Diagnostic Observation Schedule-Calibrated Severity Score); GMDS-ER (Griffiths Mental Development Scales-Extended Revised); SCQ (Questionário de Comunicação Social); RBS-R (Escala de Comportamentos Repetitivos Revisada); CARS (Childhood Autism Rating Scale); ADI (Autism Diagnostic Interview).
Fonte: Autoria própria
4 DISCUSSÃO
Embora seja escassa a quantidade de estudos que avaliam exclusivamente os efeitos dos probióticos sem terapias associadas, os estudos incluídos nesta revisão apresentaram resultados positivos com a suplementação em crianças e adolescentes com TEA. Quando comparado aos tratamentos convencionais, com fármacos psicoestimulantes e antipsicóticos atípicos, os efeitos adversos do uso de probióticos são leves e transitórios, como visto nos resultados desta revisão.
O TEA é um transtorno de amplo espectro que abrange vários aspectos do desenvolvimento de um indivíduo (Liu et al., 2019). Como dito anteriormente, apesar de ser um distúrbio do neurodesenvolvimento, que afeta o comportamento e cognição, os portadores apresentam diversos problemas gastrointestinais (Brandão et al., 2022; Tomova et al., 2015). Na literatura, há a hipótese de que crianças com autismo possuem disbiose intestinal e isso contribui para manifestações como diarreia, constipação, flatulência, dor abdominal, distensão e obesidade (Abdellatif et al., 2020; Shaaban et al., 2017).
Em seus estudos, Tomova et al. (2015) e Cavanaugh et al. (2024) analisaram a composição das fezes de crianças e adolescentes com autismo e compararam com as de crianças neurotípicas antes e após intervenção com probióticos. Foi detectada uma diminuição significativa da relação Bacteroides/Firmicutes e aumento da quantidade de Lactobacillus spp, além da tendência a níveis elevados de Desulfovibrio spp. Esse achado se relaciona com a gravidade do autismo na pontuação da subescala de comportamento restrito/repetitivo da Entrevista de Diagnóstico de Autismo (ADI), confirmando a correlação entre a gravidade do autismo e a gravidade da disfunção gastrointestinal.
Essa correlação também foi vista por Adams et al. (2011), onde concluíram que crianças com autismo mais grave, possivelmente apresentam sintomas gastrointestinais mais graves e vice-versa. Shaaban et al. (2017) notaram que, após suplementação de probióticos, as melhoras nos sintomas gastrointestinais foram correlacionadas com a amenização da gravidade do autismo, com diminuição no escore 6-GSI e ATEC. Santocchi et al. (2020) relataram uma possível ligação entre os sintomas gastrointestinais e comportamentais e a suplementação de probióticos atuando na disbiose, com possibilidade de reduzir o sofrimento causado pelos distúrbios do Trato Gastrointestinal (TGI) e, consequentemente, melhorar o processo de integração multissensorial.
Cavanaugh et al. (2024) encontraram uma menor diversidade na microbiota intestinal de crianças com autismo, quando comparado com as neurotípicas. Esse achado evidencia uma composição da microbiota intestinal alterada, o que pode justificar os frequentes sintomas gastrointestinais apresentados pelos portadores do TEA.
Outras pesquisas realizadas com amostras fecais de crianças com TEA mostraram a presença de maiores quantidades de bactérias do gênero Clostridium difficile, responsável por causar diarreias (Finegold, 2011), e níveis reduzidos de bactérias do gênero Bifidobacterium, que auxiliam no fortalecimento do sistema imune e são as principais responsáveis pela produção de ácido lático (Shaaban et al., 2017).
Além dos distúrbios do TGI, o desequilíbrio da microbiota intestinal promove alterações no sistema imunológico e metabólico, podendo favorecer o desenvolvimento de doenças autoimunes e neurológicas, além de obesidade e diabetes mellitus tipo 2 (Sabino; Belém, 2020). Um achado importante desta revisão foi relatado por Shaaban et al. (2017), em que 60% das crianças participantes da pesquisa estavam acima do peso e após três meses de intervenção com cepas dos gêneros Lactobacillus e Bifidobacterium, esses indivíduos apresentaram perda de peso e redução significativa do Índice de Massa Corporal (IMC).
A composição da microbiota determina os níveis de Ácidos Graxos de Cadeia Curta (AGCC), como acetato, butirato e propionato. Essas substâncias são produzidas como produtos de fermentação de bactérias, como as do gênero Bacteroides, e desempenham papel modulatório no eixo microbiota-intestino-cérebro (Wang et al., 2020). Finegold et al. (2010) verificaram que Bacteroides foram encontradas em níveis elevados em sujeitos com autismo grave. Esse achado aponta a influência da microbiota intestinal na etiologia do TEA.
Quando em quantidades adequadas, os AGCC auxiliam na manutenção da integridade da barreira intestinal, produção de muco e defesa contra inflamação (Abdellatif et al., 2020). Já em quantidades elevadas, o propionato tem efeito neuroinflamatório e pode desempenhar um importante papel na etiologia das características bioquímicas do autismo (El-Ansary; Bacha; Kotb, 2012).
A literatura descreve o eixo microbiota-intestino-cérebro como uma rede de comunicação bidirecional entre o TGI e o SNC, ligando centros emocionais e cognitivos do cérebro com as funções intestinais (Carabotti et al., 2015). Além do nervo vago, a comunicação entre o cérebro e intestino ocorre via sistema endócrino, por meio do eixo Hipotálamo-Hipófise-Adrenal (HPA), via sistema imunológico, por meio de citocinas e via funções metabólicas, a partir dos AGCC (Bonaz; Bazin; Pellissier, 2018).
A existência desse eixo pode justificar a correlação entre a gravidade dos sintomas gastrointestinais e a gravidade dos sintomas comportamentais como encontrado nesta revisão. Além disso, níveis alterados de metabólitos podem ser encontrados no sangue e na urina de crianças com TEA, muitos originados de bactérias, como os AGCC (Srikantha; Mohajeri, 2019).
As alterações na microbiota intestinal podem resultar na desregulação de neurotransmissores, assim relacionando-se a mudanças no comportamento, com influência no humor, dor e cognição, demonstrando a importância da via de comunicação bidirecional entre o cérebro e intestino (Borre et al., 2014; Wang et al., 2020).
Mazurek et al. (2013) notaram que crianças com autismo e problemas gastrointestinais apresentam taxas mais altas de ansiedade e hiper responsividade sensorial. Arnold et al. (2019) verificaram que, após intervenção probiótica durante 19 semanas, houve melhora dos sintomas intestinais e ansiedade, avaliada através da escala PRAS-ASD.
Como visto, os microrganismos intestinais afetam as funções metabólicas e imunológicas, modificam a expressão gênica e têm influência importante no desenvolvimento cerebral e comportamental. Como exemplo, tem-se as cepas de Lactobacillus rhamnosus e Bifidobacterium que são capazes de sintetizar importantes neurotransmissores do SNC como dopamina, noradrenalina, serotonina, triptofano e ácido gama-aminobutírico (GABA) (Brandão et al., 2022; Wang et al., 2020).
Os achados desta revisão mostraram que, após suplementação de probióticos, houve proliferação de bactérias benéficas à saúde humana, como Lactobacillus e Bifidobacterium (Cavanaugh et al., 2024; Shaaban et al., 2017; Tomova et al., 2015), além da melhora de sintomas gastrointestinais como diarreia, constipação, dor abdominal, flatulência e cheiro das fezes (Arnold et al., 2019; Guidetti et al., 2022; Santocchi et al., 2020; Shaaban et al., 2017).
Dessa forma, com a existência do eixo microbiota-intestino-cérebro, que pode ser influenciado por bactérias do trato gastrointestinal, a modulação da microbiota intestinal proporcionada pelos probióticos, possibilita a modulação das funções cognitivas e comportamentais (Cupertino et al., 2019), assim, melhorando significativamente a qualidade de vida de indivíduos com TEA.
Para avaliar os efeitos do Lactobacillus plantarum PS128 em crianças com autismo, Liu et al. (2019) utilizaram escalas que avaliam problemas comportamentais (ABC-T), comunicação, interações sociais e comportamentos repetitivos (SRS), comportamentos agressivos, ansiedade e problemas sociais (CBCL), TDAH e TDO (SNAP-IV), além do questionário CGI-I para determinar a melhora dos sintomas gastrointestinais. Após quatro semanas de intervenção, relataram melhora dos sintomas do autismo, principalmente os associados a comportamentos disruptivos e hiperatividade/impulsividade.
Outros autores também notaram melhora em sintomas cognitivos. Os indivíduos expostos ao uso de probióticos, apresentaram melhora na comunicação, linguagem e fala, com redução significativa nos escores das escalas ADOS e ATEC (Guidetti et al., 2022; Santocchi et al., 2020; Shaaban et al., 2017). Assim como Li et al. (2021), que observaram uma relevante redução nos escores ATEC de crianças que utilizaram probióticos combinados com Análise do Comportamento Aplicada (ABA) durante três meses.
Além disso, Liu et al. (2019) verificaram maior benefício dos probióticos nas crianças mais novas, ressaltando a importância do diagnóstico e intervenções precoces. Miller et al. ( 2021) notaram que o rastreamento do autismo aos 18 meses pode identificar crianças portadoras do TEA quando seus sintomas são mais leves e mais suscetíveis a intervenção. Vale ressaltar que os primeiros 1.000 dias de vida representam o período mais crítico do neurodesenvolvimento, além de ocorrer o desenvolvimento da colonização de bactérias do TGI.
Os probióticos são utilizados para prevenção e tratamento de patologias, reparo da microbiota intestinal e em distúrbios do metabolismo (Oliveira; Almeida; Bomfim, 2017). As cepas dos probióticos modificam a composição da microbiota colonizadora e são capazes de estabilizar a barreira epitelial, aumentando a produção de muco, estimulando a imunidade da mucosa e sintetizando antioxidantes (Shaaban et al., 2017).
Em virtude da via de comunicação bidirecional entre o intestino e o cérebro, os probióticos também são relacionados como agentes terapêuticos com ação eficaz no alívio dos sintomas de distúrbios neurológicos (Park; Im, 2022).
Referente aos efeitos adversos, os autores afirmam que a suplementação de probióticos é segura para crianças com autismo (Arnold et al., 2019). Os efeitos descritos foram leves, não sendo necessário interromper a intervenção, como relatou Shaaban et al. (2017). Já Liu et al. (2019) afirma que não houve relato de qualquer intolerância gastrointestinal ou respostas alérgicas durante a pesquisa.
No estudo de Santocchi et al. (2020), dois participantes apresentaram dor abdominal e diarreia durante os 10 primeiros dias, mas continuaram com a suplementação. No geral, não houve relato de nenhum malefício relacionado a intervenção com probióticos. Entretanto, alguns autores não informaram se houve alguma reação ou se a suplementação é segura para crianças (Cavanaugh et al., 2024; Tomova et al., 2015).
Os achados desta revisão mostram efeitos positivos dos probióticos nos sintomas comportamentais e gastrointestinais de crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista. Além disso, foi possível perceber a influência da microbiota intestinal na fisiopatologia e sintomas do TEA. Todavia, fatores limitantes foram identificados, como a quantidade escassa de estudos originais encontrados nas bases de dados, além da pequena amostra e curto período de tempo de intervenção em alguns estudos incluídos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os sintomas comportamentais e gastrointestinais impactam de forma significativa a qualidade de vida dos indivíduos com TEA, assim como os fármacos antipsicóticos e antidepressivos utilizados para o tratamento. Com a presente revisão, pode-se concluir que os probióticos compostos por cepas de Lactobacillus, Bifidobacterium e Streptococcus, utilizados no período mínimo de quatro semanas e máximo de oito meses, apresentam efeitos benéficos em crianças e adolescentes com autismo.
Apesar das reações adversas, descritas como leves quando comparadas aos tratamentos convencionais, o uso de probióticos reduziu de forma significativa os sintomas gastrointestinais e comportamentais, mostrando-se como uma terapia alternativa e promissora para redução da gravidade do autismo. Entretanto, vale ressaltar a importância da necessidade de mais estudos clínicos, com amostras maiores e investigação dos efeitos a longo prazo.
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¹Nutricionista graduada pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) – Campus I. e-mail: jenifermendes.nutri@gmail.com
²Nutricionista graduada pela Universidade da Amazônia (UNAMA). e-mail: gabrielareisc@hotmail.com
³Discente de nutrição da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). e-mail: valentina.xavierp@gmail.com
⁴Nutricionista graduada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). e-mail: luisabeatriz.alp@gmail.com
⁵Nutricionista graduada pelo Centro Universitário da Vitória de Santo Antão (UNIVISA). e-mail: pedrosamaria1999@gmail.com
⁶Nutricionista graduada pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). e-mail: thamiresborgesnut@gmail.com
⁷Nutricionista graduada pela Universidade Federal do Pará (UFPA). e-mail: laisycorrea@gmail.com
⁸Nutricionista graduada pelo Instituto Federal Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). e-mail: gerlannemaia28@gmail.com
⁹Nutricionista graduada pelo Centro Universitário Maurício de Nassau (UNINASSAU). e-mail: manuelasimoesnutri@gmail.com
10Nutricionista graduada pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). e-mail: thamiresvsm.nutri@gmail.com