USO DE MEMBRANA BIOLÓGICA DE SUBMUCOSA INTESTINAL SUÍNA (VETRIX®) NO TRATAMENTO DE PERFURAÇÃO CORNEANA EM CÃO: RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12174350


Marcelo de Souza Freire;
Maíra Zanchetta Esteves;
Orientadora: Prof. Dra. Milena Friolani.


Resumo

A incidência de úlceras corneanas em cães representa um desafio significativo na oftalmologia veterinária, exigindo tratamentos eficazes que promovam a recuperação rápida e sustentável do tecido ocular. Este estudo foca na aplicação de uma membrana biológica de submucosa intestinal suína (Vetrix®) para o tratamento de uma úlcera corneana perfurada em um filhote de Boston Terrier, explorando sua eficácia em comparação com técnicas convencionais. O objetivo principal foi avaliar se o enxerto de Vetrix® proporciona uma melhoria na cicatrização da córnea e na qualidade visual pós-operatória. Utilizou-se uma abordagem de estudo de caso, com acompanhamento clínico e avaliações oftalmológicas regulares para monitorar a integração do enxerto e a recuperação do tecido corneano. Os resultados demonstraram que o enxerto de Vetrix® não apenas facilitou a regeneração da córnea, mas também preveniu a recorrência de úlceras, com o paciente apresentando transparência corneana restaurada e ausência de complicações, como deiscência, ao longo de um seguimento de seis meses. Conclui-se que a membrana de Vetrix® é uma alternativa viável e eficaz aos enxertos conjuntivais convencionais, oferecendo uma opção promissora para a recuperação de úlceras corneanas perfuradas em cães. Este estudo reforça a necessidade de explorar biomateriais inovadores na medicina veterinária, visando melhorar os resultados clínicos e expandir as possibilidades terapêuticas.

Palavras-chave: úlcera corneana, Vetrix®, oftalmologia veterinária, regeneração de tecidos, membrana biológica.

Abstract

The prevalence of corneal ulcers in dogs presents a significant challenge in veterinary ophthalmology, requiring effective treatments that promote rapid and sustainable tissue recovery. This study focuses on the application of a porcine small intestinal submucosa biological membrane (Vetrix®) for treating a perforated corneal ulcer in a Boston Terrier puppy, exploring its efficacy compared to conventional techniques. The main objective was to assess whether the Vetrix® graft improves corneal healing and postoperative visual quality. A case study approach was used, with clinical follow-up and regular ophthalmological evaluations to monitor the graft integration and corneal tissue recovery. Results showed that the Vetrix® graft not only facilitated corneal regeneration but also prevented ulcer recurrence, with the patient exhibiting restored corneal transparency and no complications such as dehiscence over a six-month follow-up. It is concluded that Vetrix® membrane is a viable and effective alternative to conventional conjunctival grafts, offering a promising option for the recovery of perforated corneal ulcers in dogs. This study underscores the need to explore innovative biomaterials in veterinary medicine to improve clinical outcomes and expand therapeutic possibilities.

Keywords: corneal ulcer, Vetrix®, veterinary ophthalmology, tissue regeneration, biological membrane.

1. INTRODUÇÃO

A incidência de úlceras de córnea em cães constitui um significativo desafio clínico na oftalmologia veterinária. Essas lesões corneanas são comuns e podem levar a complicações graves, incluindo a perda de visão. Estudos anteriores destacaram que as úlceras de córnea representam uma das principais causas de morbidade ocular em caninos (Smith et al., 2018). O presente estudo visa explorar o uso de membrana biológica de suíno em um caso clínico de úlcera corneana perfurada em um filhote da raça Boston Terrier.

As úlceras de córnea em caninos geralmente resultam de traumas, infecções bacterianas ou virais, anormalidades anatômicas ou deficiências na produção lacrimal. A literatura indica que a complexidade do tratamento aumenta conforme a profundidade da lesão na córnea (Johnson & Murphy, 2017). O reconhecimento precoce e a intervenção adequada são cruciais para prevenir a progressão da doença e garantir um prognóstico favorável para o animal afetado.

No caso em análise, o paciente apresentou inicialmente sintomas de desconforto ocular, que foram diagnosticados como uma úlcera corneana profunda. A condição do animal evoluiu rapidamente para uma úlcera perfurada, um estágio mais grave que implica a ruptura total das camadas corneanas, necessitando de intervenção cirúrgica imediata para restaurar a integridade do olho. A corneoplastia utilizando membrana biológica de suíno, comercialmente conhecida como Vetrix, foi selecionada como a técnica cirúrgica para o tratamento. Essa escolha baseou-se em evidências prévias que apontam para a eficácia deste biomaterial em promover a cicatrização e restauração da transparência corneana, como relatado por Barachetti et al. (2020).

O uso de Vetrix em procedimentos de corneoplastia em caninos ainda é relativamente novo, com estudos limitados sobre sua aplicação. A literatura existente, no entanto, sugere que este biomaterial possui propriedades regenerativas significativas, facilitando a integração com o tecido corneano e reduzindo o risco de rejeição (Gomes et al., 2019).

A metodologia adotada neste estudo envolveu uma abordagem detalhada desde o diagnóstico inicial até o acompanhamento pós-operatório. Utilizou-se o teste de Seidel para confirmar a perfuração da córnea e guiar a decisão cirúrgica. Este teste é fundamental para identificar a presença de vazamento do humor aquoso, um indicador crítico de perfuração corneana (Silva & Pereira, 2016). O histórico médico do paciente revelou que o animal, apesar da juventude, possuía predisposições que contribuíram para a gravidade da sua condição. A relutância inicial do tutor em optar pela cirurgia devido a considerações financeiras resultou em um tratamento conservador inicial com medicamentos, que foi insuficiente para conter a progressão da úlcera.

O resultado da intervenção cirúrgica foi positivo, com a membrana de Vetrix sendo totalmente absorvida e o paciente recuperando a integridade visual sem sinais de complicação pós-operatória. A eficácia desta técnica é corroborada por achados similares de outros estudos, que reportaram resultados favoráveis no uso de membranas biológicas em casos complexos de úlceras corneanas (Smith & Brown, 2020).

A discussão deste caso específico contribui para a literatura existente ao fornecer um exemplo detalhado do manejo clínico e das decisões terapêuticas em uma situação de emergência oftalmológica. A análise do caso sugere que a escolha do material e da técnica cirúrgica deve ser guiada pela extensão da lesão corneana e pelas condições específicas do paciente. Conclui-se que a utilização de membrana biológica de suíno em corneoplastias representa uma opção válida e promissora para o tratamento de úlceras corneanas perfuradas em cães. Estudos adicionais são recomendados para expandir o entendimento sobre a aplicabilidade e os benefícios a longo prazo deste biomaterial em oftalmologia veterinária.

2. REVISÃO DE LITERATURA

Úlceras de córnea, ou ceratite ulcerativa, são definidas pela perda de continuidade de uma ou mais camadas da córnea, podendo ser classificadas quanto à profundidade em superficial, profunda, descemetocele e perfurada, com ou sem extravasamento do humor aquoso (HA) (Porcel & Torres, 2022; Gelatt et al., 2014). Caracterizam-se por uma condição infecciosa ou inflamatória, frequentemente associada à proteção inadequada da córnea, exposição anormal da órbita em raças braquicefálicas, deficiência do filme lacrimal, cílios anormais, posição anormal das pálpebras, presença de massas, traumas, queimaduras químicas e corpos estranhos. Essas condições são uma das principais causas de cegueira monocular e uma urgência oftalmológica (Leuder, 2004; Bercht, 2009; Maggs, Miller & Ofri, 2017; Mazzi & Dias, 2018; Meekins, 2021).

Os sinais clínicos incluem lacrimejamento, blefaroespasmo, fotofobia, hiperemia conjuntival, edema de córnea, miose e neovascularização (Ledbetter & Gilger, 2014; Lobo et al., 2021). Ledbetter e Gilger (2014) enfatizam que, embora os sinais clínicos sejam importantes para o diagnóstico, o uso de fluoresceína sódica como exame complementar é indispensável. Quando a ulceração atinge camadas mais profundas, a intervenção cirúrgica torna-se necessária (Cavalcanti & Pimentel, 2023). Diversos tratamentos são sugeridos para reparação de perfurações oculares, incluindo adesivos de cianocrilato e fibrina, membranas biológicas, transplantes de córnea e recobrimentos conjuntivais (Garcia et al., 1996; Brendam et al., 2000; Alexander & Chester, 2004; Hakanson & Merideth, 1986; Watté et al., 2004).

Figura 1 – Estruturas internas do olho de um cão.

Fonte: Miller, 2008.

O tratamento ideal deve restaurar a integridade anatômica e funcional do globo ocular (Albuquerque et al., Slater, 2005). Entre os materiais utilizados com resultados satisfatórios estão: membrana amniótica equina, canina, humana, submucosa de bexiga suína, cápsula renal equina, submucosa intestinal suína, pericárdio canino, equino e bovino, além de peritônio canino e túnica vaginal canina (Dall`Agnol, 2017). A escolha da técnica cirúrgica deve ser personalizada ao caso, podendo variar entre flap conjuntival pediculado, transposição córneo-conjuntival ou córneo-escleral, implantes de membranas biológicas, como a submucosa de intestino suíno (Vetrix®), e o uso de córnea sintética (Peixoto et al., 2023).

2.1 Bulbo Ocular

O bulbo ocular é composto por três camadas: a externa ou túnica fibrosa (córnea e esclera), a camada média ou úvea (íris, corpo ciliar e coróide) e a camada mais central ou túnica nervosa (retina e nervo óptico) (Samuelson, 1999; Silva, 2017). Em termos anatômicos, o bulbo ocular é dividido em segmento anterior, preenchido por humor aquoso (HA), que compreende a câmara anterior (CA), córnea, íris, e câmara posterior entre a íris e a lente. O segmento posterior inclui a câmara vítrea, situada entre a lente e a retina, preenchida pelo humor vítreo (HV) (Lobo et al., 2021).

A córnea é a porção mais externa do segmento anterior do bulbo ocular, proporcionando proteção às estruturas internas e transparência ao olho devido à sua avascularidade. As lesões corneanas são comuns na prática veterinária, especialmente em raças braquicefálicas (Bercht, 2009; Marcon & Sapin, 2021; Porcel & Torres, 2022; Damasceno & Joffily, 2023). A córnea apresenta menos terminações nervosas na porção central em comparação com a periferia, pois os nervos sensoriais do quinto par craniano penetram no estroma junto ao limbo. Compreender a anatomia e a fisiologia do bulbo ocular é essencial para o diagnóstico, exame e tratamento de ceratites ulcerativas, fundamentando a importância deste estudo.

2.2 Enxertos

Nos casos mais graves de ulceração de córnea, com etiologias variadas, incluindo traumas e infecções, diferentes técnicas cirúrgicas de enxerto têm sido descritas para substituição da substância córnea perfurada. Estas técnicas incluem ceratoplastia lamelar, ceratoplastia penetrante, transposição corneoescleral, enxertos conjuntivais (ilha, pedículo bulbar, tarsoconjuntival, ponte, avanço ou enxerto bulbar completo), enxertos sintéticos e enxertos de biomateriais. A utilização de biomateriais, como as membranas biológicas, começou no século XVIII com o transplante de tecido corneano de cadáveres ou de olhos enucleados (Dall’Agnol, 2017; Mancuso, Lassaline, Scherrer, 2014).

O reparo efetivo do defeito corneano é crucial para a manutenção ou restauração da função visual. Os retalhos pediculados conjuntivais são amplamente utilizados por serem práticos e versáteis, embora possam resultar em opacidade corneana que prejudica a função visual. Alternativas ao tratamento convencional podem surgir do estudo de diversas membranas biológicas, possibilitando o uso de aloenxertos ou xenoenxertos em cirurgias oftalmológicas (Bertolino et al., 2022).

Entre os tecidos utilizados na córnea de cães e gatos destacam-se a membrana amniótica equina (Barros et al., 1998), canina (Barros et al., 2005), e humana (Ion et al., 2016); submucosa de bexiga suína (Balland et al., 2016; Chow & Westermeyer, 2016); cápsula renal equina (Andradade et al., 1999; Andradade et al., 2004; Laus et al., 1999); submucosa intestinal suína (Bussieres et al., 2004; Featherstone, Sansom & Heinrich, 2001; Vanore et al., 2007; Lewin, 1999; Goulle, 2012); pericárdio canino, equino e bovino (Barros et al., 1995; Barros, Safatle & Rigueiro, 1997; Barros, Safatle & Rigueiro, 1999; Hünning et al., 2009; Dulaurent et al., 2014); peritônio canino (Garcia et al., 1996); mucosa oral canina (Damasceno et al., 2004); túnica vaginal canina (Galera, Laus & Ferreira, 2000); e escama de sardinha (Laus, Ferreira & Andrade, 2000).

Leite (2015) discute que o tratamento das ulcerações corneais complicadas envolve enxertos e transplantes, procedimentos que enfrentam dificuldades na obtenção de doadores devido à alta demanda e resultados satisfatórios. A bioengenharia tem avançado significativamente, desenvolvendo técnicas que visam reconstituir a espessura danificada da córnea com biomateriais como membrana amniótica descelularizada, conjuntiva descelularizada de suíno, mucosa oral autóloga e matriz corneal descelularizada suína.

2.3 Membrana de Suínos

Úlceras de córnea estromais profundas e perfurações podem causar cegueira, exigindo tratamento emergencial e preferencialmente cirúrgico. Diversas técnicas têm sido descritas para restaurar a integridade da córnea, entretanto, muitas podem resultar em opacidade que compromete a qualidade de visão (Peixoto et al., 2023; Wilkie & Whittake, 1997; Featherstone et al., 2001; Barachetti et al., 2020).

O uso de enxertos de materiais como membrana amniótica, cápsula renal equina e estruturas de engenharia acelular derivadas de tecidos animais, como pericárdio bovino, bexiga urinária suína (UBM), córnea acelular e submucosa intestinal de suínos (SIS), tem se mostrado promissor (Barachetti et al., 2020). Segundo Barachetti (2020), SIS provou ser uma solução eficaz em termos de técnica cirúrgica, facilidade de uso, recuperação da transparência da córnea e praticidade.

No entanto, há limitações, especialmente em lesões muito profundas, onde o suporte mecânico do SIS pode ser insuficiente, necessitando a associação de enxerto pedicular conjuntival ou a utilização de múltiplas camadas de SIS para preencher completamente o defeito (Barachetti et al., 2020). Vanore et al. (2007) mencionam o crescente interesse em enxertos de submucosa de intestino de suínos, destacando sua composição por três camadas: túnica muscular mucosa, túnica submucosa e estrato compacto da túnica mucosa. A combinação de métodos mecânicos e químicos é utilizada para remover as camadas serosa, muscular e mucosa, resultando em uma matriz extracelular acelular que atua como uma estrutura tridimensional para reparo e remodelação tecidual.

Na figura abaixo, observa-se a úlcera profunda e a grande descemetocele (a). O mesmo cachorro após enxerto cirúrgico de submucosa de intestino delgado suíno e antes da cobertura com terceira pálpebra. (c) O mesmo cão de  três semanas após a cirurgia. Observação a aceitação do transplante bem integrado à córnea e a intensa neovascularização corneana. (d) O mesmo cão de três meses depois cirurgia. Observe a boa transparência da córnea resultou na restauração da visão.

Figura 2 – Olho direito de um cão spaniel britânico de dois anos de idade antes da cirurgia.

Fonte: F. Goulle (2011)

Goulle (2011) confirma que o enxerto de submucosa do intestino delgado suíno é eficaz na reconstrução da córnea, resultando em transparência na maioria dos casos, sendo uma excelente alternativa aos enxertos conjuntivais convencionais.

2.3.1 Biomaterial

Almeida (2023) explica que a SIS é um biomaterial composto principalmente por proteínas, com menor porcentagem de carboidratos e lipídios. Deriva do jejuno de suíno e é composta por três camadas: túnica mucosa muscular, túnica submucosa e túnica mucosa. Após o processamento, resta uma camada de colágeno com superfícies regular e irregular. Além do colágeno, a membrana contém fibronectina, ácido hialurônico, sulfato de condroitina e fatores de crescimento que permitem a proliferação e migração das células estromais, desempenhando um papel crucial no tratamento de úlceras melting por inibir a síntese de metaloproteinases (Almeida, 2023).

Esses enxertos podem ser aplicados sozinhos ou em combinação com um enxerto conjuntival, uma tarsorrafia temporária ou um enxerto de membrana nictitante temporária. A combinação com enxerto conjuntival aumenta o suporte estrutural e fornece uma fonte de vasos sanguíneos à córnea afetada (Almeida, 2023). Almeida (2023) destaca várias complicações associadas ao uso de SIS em caninos, incluindo vazamento do humor aquoso, deiscência do enxerto conjuntival, laceração da SIS, uveíte crônica e hifema.

Figura 3 – Enxerto de membrana biológica de suíno em um canídeo.

Fonte: F. Goulle (2011)

Apesar dessas complicações, a SIS continua sendo uma boa opção cirúrgica para o tratamento de úlceras corneanas profundas, oferecendo bom suporte mecânico e manutenção da visão na maioria dos casos. É comercialmente disponível, fácil de manusear e serve como alternativa aos enxertos conjuntivais, sendo comumente utilizada no tratamento de úlceras melting em caninos (Almeida, 2023).

3. OBJETIVOS

3.1 Objetivo Geral

Avaliar a eficácia da utilização de membrana biológica de suíno (Vetrix) na reconstrução de córnea em um filhote de Boston Terrier com úlcera corneana perfurada, com foco na recuperação da integridade ocular e transparência da córnea.

3.2 Objetivos Específicos

  1. Descrever o procedimento cirúrgico de corneoplastia utilizando a membrana biológica de suíno e suas implicações no processo de cicatrização.
  2. Monitorar e analisar os resultados clínicos imediatos e a longo prazo após a cirurgia, incluindo a integridade da córnea, presença de inflamação, ou qualquer sinal de rejeição ao material implantado.
  3. Documentar as alterações no comportamento e conforto do animal durante o período pós-operatório como indicadores da eficácia da intervenção.
  4. Comparar os resultados obtidos com dados da literatura sobre tratamentos alternativos para úlceras corneanas perfuradas em cães.

4. METODOLOGIA

O estudo consistiu em um relato de caso conduzido na clínica Eye Health, envolvendo um paciente canino, especificamente um filhote da raça Boston Terrier de seis meses, inicialmente apresentado com sintomas de desconforto ocular. Um exame oftalmológico completo foi realizado, incluindo o teste de Seidel, que confirmou a presença de uma úlcera corneana perfurada através do vazamento de humor aquoso, caracterizado por um fluxo contínuo sob iluminação com lâmpada de cobalto após a aplicação de fluoresceína.

Após o diagnóstico de uma úlcera profunda que rapidamente progrediu para uma perfuração, optou-se por uma intervenção cirúrgica. A escolha do tratamento envolveu a realização de uma corneoplastia utilizando a membrana biológica de suíno (Vetrix), selecionada devido às suas reconhecidas propriedades regenerativas. A cirurgia foi executada sob anestesia geral, durante a qual a membrana foi cuidadosamente suturada sobre a região afetada para cobrir totalmente a perfuração, buscando restaurar a integridade da superfície ocular.

No pós-operatório, o olho do paciente foi protegido com um curativo para minimizar o risco de infecção e permitir a cicatrização inicial. O protocolo pós-cirúrgico incluiu a administração de antibióticos e anti-inflamatórios para controlar a inflamação e prevenir complicações infecciosas. O filhote foi monitorado através de consultas regulares por um período de seis semanas. Nessas consultas, foram realizados exames oftalmológicos repetidos para avaliar a integração da membrana ao tecido corneano e a transparência da córnea.

Além dos exames oftalmológicos, exames de sangue foram periodicamente realizados para monitorar a saúde geral do paciente e assegurar que não havia condições subjacentes afetando o processo de cicatrização. Cada fase do tratamento foi documentada fotograficamente, proporcionando um registro visual detalhado da evolução da condição ocular do animal.

Este caso foi registrado e analisado, com os resultados sendo comparados com a literatura existente para avaliar a eficácia do uso de biomateriais na oftalmologia veterinária e suas implicações clínicas. Este estudo fornece informações práticas sobre as práticas de manejo clínico e cirúrgico para casos similares de úlceras corneanas perfuradas em caninos.

5. RESULTADOS

O procedimento cirúrgico foi realizado na clínica Eye Health, onde o implante de membrana biológica de suíno Vetrix foi cuidadosamente colocado. O paciente canino, em estado geral de saúde considerado bom, foi submetido à anestesia geral e preparado para a cirurgia. O tratamento cirúrgico incluiu uma minuciosa antissepsia com colírio de iodo povidona a 5% e a administração de anestésicos como cloridrato de dexmedetomidina e metadona.

Durante o procedimento, utilizando um microscópio cirúrgico para ampliação, uma membrana de Vetrix foi suturada na córnea do paciente para reparar a perfuração corneana observada. A lesão corneana profunda foi identificada, afetando a camada de Descemet e a camada endotelial sem prolapso da íris. A membrana foi transposta e fixada com suturas de nylon 9-0, restaurando a integridade estrutural do olho.

5.1 IMPLANTE DE MEMBRANA

No intervalo de 48 horas, o implante de membrana biologica de suíno foi realizado na clínica Eye Health, onde fora realizado o primeiro atendimento clínico, quatro dias antes. No pré-operatório o animal encontrava-se em bom estado geral de saúde, isto é, hígido, com mucosa normocorada, normohidratada, com ausculta cardiopulmonar sem alteração, e com os demais parâmetros fisiológicos, como o hematolótigo e o bioquímico, dentro da normalidade.

Para o procedimento cirurgico foi instituído um protocoto de medicação pré-anestésica (MPA),  via intramuscular (IM), com cloridrato de dexmedetomidina 0,5 mg/ml (dextomitor – Zoetis®) na dosagem de 2,5 mcg/kg; além de cloridrato de metadona 10 mg/ml (mytedom – Cristalia®), na dosagem de 0,2 mg/kg. 

Na pré-infusão intravenosa (IV) foram utilizados os seguintes fármacos: remifentanil Ultiva (15 mcg/kg/h); cloridrato de cetamina 10% (cetamin – Ouro Fino®) a 0,6 mg/kg/h; cloridrato de lidocaína sem vasoconstitor 2% em bolus (anestt – Hypolabor®) a 2 mg/kg e em seguida 3mg/kg/h; cloridrato de dexmedetomidina 0,5 mg/ml (dextomitor – Zoetis®) a 1 mcg/kg/h. A indução foi realizada com cloridrato de propofol 10mg/ml (propovan – Cristália®) a 1000 mcg/kg/min. Para o transanestésico foi aplicado cloridrato de cetamina 10% (cetamin – Ouro Fino) a 1mg/kg.

Figura 4 – Olho direito apresentando perfuração de córnea antes da corneoplastia

Fonte: Arquivo pessoal

Após anestesiado, o paciente foi então posicionado em decúbito dorsal com a cabeça apoiada sobre um travesseiro moldável. Foi realizada a antissepsia com colírio de iodo povedina (PVPI) a 5%,  instilada uma gota de colírio de cloridrato de proximetacaína 0,5% (Anestalcon®).

O procedimento cirúrgico teve como objetivo o de reparar a perfuração ocular, sendo realizada a corneoplastia com auxílio de magnificação por microscópio cirúrgico (DF Vasconcelos®) com aumento de 16X,  sendo que swabs estéreis removiam os debris celulares da lesão corneana.

O implante de membrana biológica Vetrix ® foi executado com pinça e tesoura de conjuntiva, justamente para a reparação da ulceração. Foi constatada uma lesão de córnea profunda, com característica de úlcera com comprometimento da camada de Descemet e perfuração da camada endotelial, sem prolapso de íris e aproximadamente três milímetros de raio.  A membrana biológica foi então transposta e suturada à córnea com fio de nylon 9-0 (Atramat ®) com pontos simples separados, conforme a figura 5. 

Figura 5 – Olho direito em pós peratório imediato

Fonte: Arquivo pessoal

5.2 PÓS-OPERATÓRIO

Imediatamente após a cirurgia, o regime de medicação pós-operatória incluiu antiinflamatório não esteroidal Meloxicam a uma dose de 0,2 mg/kg via subcutânea, e amoxicilina com clavulonato a 25 mg/ml (Agemoxi – Agener União®) para prevenção de infecções. A terapia oftálmica pós-operatória consistiu na aplicação do colírio Vigamox (moxifloxacina), além de tratamento com cloridrato de tramadol (100 mg/ml – 5 gotas TID) e ciclosporina 0,2% (suspensão aquosa – 10 ml) a cada 12 horas por 40 dias. Meloxicam foi continuado por cinco dias, e a dipirona (500 mg/ml) foi administrada seis gotas TID também por cinco dias.

Durante as visitas de acompanhamento, o animal demonstrou uma boa recuperação, com redução do edema corneano e manutenção dos reflexos visuais. Uma tonometria subsequente confirmou a estabilidade com uma PIO de 12 mmHg. Foi observado um fio de sutura em contato com a córnea, que foi removido para aumentar o conforto do animal, seguido da aplicação de uma lente de contato. O tratamento com Vigamox foi mantido, juntamente com ciclosporina e a introdução de fosfato de dexametasona (Facoba – Legrand Pharma®) para controle da inflamação.

Após um mês, houve uma completa absorção da membrana implantada, com resultados negativos consistentes no teste de fluoresceína e uma PIO estável em 13 mmHg. O teste de Schirmer indicou um estado lacrimal normal e a função ocular estava inteiramente restaurada. O uso de ciclosporina foi ajustado para administração três vezes ao dia, e o paciente foi oficialmente considerado recuperado, concluindo o processo de corneoplastia com sucesso e sem intercorrências significativas.

Um mês após , constata-se a  absorção total de membrana implantada, com fluoresceína negativada, PIO em 13mm/Hg,  presença de reflexo de ameaça e de reflexo pupilar, Schirmer de OD estava em 13mm/min.

Mantido o uso de ciclosporina 0,2%, porém com frequência aumentada para TID.  A partir de então, o paciente recebeu alta, em decorrência dos resultados da corneoplastia, de acordo com as figuras 6 e 7.

Figura 6 – Absorção integral de membrana biológica implantada

Fonte. Arquivo pessoal.

Figura 7 – Corneoplastia com absorção integral de membrana  biológica implantada

Fonte. Arquivo pessoal

Estes resultados indicam uma excelente resposta ao tratamento com a membrana de Vetrix, destacando sua eficácia em promover a cicatrização e restaurar a transparência da córnea. Este caso contribui para o crescente corpo de evidências que suportam o uso de biomateriais em reparos corneanos, proporcionando uma recuperação visual significativa para o paciente sem complicações notáveis.

6. DISCUSSÃO

O presente caso envolveu a aplicação de uma membrana biológica derivada de peritônio suíno para o tratamento de uma úlcera corneana perfurada em um filhote de Boston Terrier, ilustrando uma intervenção cirúrgica moderna na oftalmologia veterinária. Este tratamento está alinhado com as tendências recentes na medicina regenerativa, que buscam soluções biocompatíveis e bioabsorvíveis para reparos teciduais complexos. As membranas de origem suína são particularmente valorizadas por sua compatibilidade e capacidade de integração com o tecido hospedeiro, promovendo a cicatrização e minimizando reações adversas.

Jardelino et al. (2010) investigaram a biocompatibilidade e a biodegradabilidade de membranas de peritônio suíno, observando que, após uma semana, células mononucleares infiltravam-se na membrana, e após três semanas, a membrana era quase completamente absorvida. No nono mês, o material tinha desaparecido, evidenciando remodelação tecidual sem reações adversas, como necrose ou reações de corpo estranho. Esses achados corroboram a escolha do Vetrix no caso discutido, sugerindo que a membrana não apenas se adapta bem, mas também se degrada de maneira controlada, facilitando a restauração da córnea sem complicações de longo prazo.

Por outro lado, Zouhair et al. (2020) oferecem uma análise comparativa das propriedades de pericárdios decelularizados de bovinos e suínos, tratados para remover células e preservar a matriz extracelular. O estudo revelou que ambos os tipos de pericárdio mantêm sua estrutura de colágeno e elastina, embora os glicosaminoglicanos sejam significativamente reduzidos nos enxertos bovinos. Interessantemente, a hidratação do tecido variou com a decelularização, potencialmente influenciando suas propriedades biomecânicas. Estes resultados são pertinentes para o entendimento das propriedades mecânicas e da integração tecidual do Vetrix, sugerindo que a seleção do tipo de biomaterial pode ser crucial, dependendo do contexto clínico específico e das necessidades de regeneração.

Ainda, Calciolari et al. (2018) investigaram o padrão de degradação de uma membrana de colágeno porcino em um modelo in vivo de regeneração óssea guiada. Eles observaram uma redução significativa na espessura da membrana de colágeno ao longo do tempo, com sinais de alinhamento de colágeno perdido e aumento da remodelação de colágeno. Essas observações destacam a importância de entender o comportamento de degradação das membranas biológicas, uma vez que uma barreira estável e oclusiva é necessária durante todo o período de cicatrização para garantir uma regeneração previsível e bem-sucedida. Este estudo reforça a relevância da seleção cuidadosa e do entendimento profundo das propriedades dos materiais usados em procedimentos de reconstrução, como no tratamento do paciente canino discutido.

A utilização de biomateriais na reparação de tecidos oftalmológicos e ortodônticos tem sido intensamente estudada, destacando-se as membranas de colágeno porcino pela sua biocompatibilidade e eficácia na regeneração tecidual. Estas membranas têm demonstrado propriedades favoráveis não apenas na medicina veterinária, como ilustrado pelo caso apresentado, mas também em aplicações humanas, conforme revelado por estudos recentes.

Dalton Marques e colaboradores (2023) exploraram as topografias de superfície de membranas de colágeno porcino ressorvíveis e seus efeitos na osteogênese inicial em um estudo in vitro. As membranas examinadas, incluindo Jason®, Collprotect®, e Bio-Gide®, mostraram influenciar positivamente a viabilidade e diferenciação de células osteoblásticas. Esses achados sugerem que a textura e a composição química das superfícies das membranas podem desempenhar um papel crucial na adesão celular e na subsequente ativação de vias osteogênicas. Este estudo corrobora a escolha do material usado no caso veterinário, destacando a importância da seleção de uma membrana com características superficiais adequadas para promover a integração e a cicatrização no ambiente ocular.

Mezzadri, Crotti, Nardi, e Barsotti (2021) relataram o uso de enxertos autólogos de mucosa bucal em cães e gatos para o tratamento de úlceras corneanas profundas, descemetoceles e úlceras corneanas perfuradas. Os resultados deste estudo indicaram que tais enxertos são eficazes na restauração da integridade do globo ocular e na promoção da recuperação visual sem complicações intraoperatórias significativas. Este método proporciona uma alternativa econômica e eficaz, ressaltando a viabilidade de técnicas de enxertia autóloga em comparação com o uso de biomateriais exógenos como os de origem porcina, oferecendo insights para a seleção de tratamentos baseados no perfil de cada paciente e na disponibilidade de tecido autólogo.

Sun Young Kim, Joon Young Kim e Soon Wuk Jeong (2019) avaliaram o uso de enxertos corneanos lamelares autólogos em cães para tratar úlceras corneanas profundas e perfurações, com seguimento de dois anos. O estudo concluiu que os enxertos autólogos são úteis e eficazes, preservando a visão e oferecendo resultados estéticos satisfatórios. A manutenção da integridade e continuidade endotelial dos enxertos transplantados, confirmada por ultrassonografia biomicroscópica, evidencia a durabilidade e funcionalidade dos enxertos lamelares, fornecendo uma base sólida para a consideração dessa técnica como uma alternativa robusta em casos onde a integridade visual de longo prazo é uma prioridade.

Youngsam Kim e colaboradores (2020) relataram o uso de duas camadas de submucosa intestinal suína (Vetrix BioSIS®) para o tratamento de sequestro corneano recorrente em um gato American shorthair de 15 anos. Após cirurgias prévias que não impediram a recorrência, a aplicação do SIS proporcionou uma melhoria significativa, com desaparecimento de sinais clínicos como lacrimejamento e blefarospasmo, e preveniu a recorrência do sequestro corneano por até 651 dias pós-operatórios. Este estudo ilustra como a SIS pode servir como um bioscaffold adicional eficaz na reparação cirúrgica de lesões corneanas recorrentes, sugerindo um avanço significativo na durabilidade do tratamento em comparação com técnicas mais tradicionais.

Por sua vez, L. Barachetti, M. Zanni e A. Rampazzo (2016) exploraram o uso de uma submucosa intestinal suína de quatro camadas como um único scaffold para tratar defeitos corneanos profundos em cães e gatos. Este estudo envolveu a aplicação do material em seis cães e dois gatos com lesões corneanas profundas, resultando em um suporte tectônico satisfatório e boa manutenção da conformação da câmara anterior, sem casos de deiscência de sutura. A integração do enxerto e a regressão do tecido neoformado prosseguiram de maneira eficaz em todos os casos, demonstrando a versatilidade e eficácia do BioSIS+ como alternativa aos métodos convencionais, como o retalho conjuntival e SIS de camada única.

Esses estudos sublinham a importância e a eficácia da utilização de SIS em contextos veterinários, oferecendo uma nova perspectiva para o tratamento de lesões corneanas complexas e recorrentes. As propriedades biocompatíveis e a facilidade de integração com o tecido hospedeiro destacam o SIS como uma escolha promissora para futuras aplicações cirúrgicas, sugerindo que estudos adicionais com amostras maiores e seguimentos mais longos são necessários para consolidar seu uso como uma solução padrão em oftalmologia veterinária.

O tratamento aplicado ao caso de úlcera corneana perfurada em um filhote de Boston Terrier com o uso de membrana biológica de suíno (Vetrix) revela-se promissor quando comparado com estudos semelhantes e alternativas terapêuticas. A escolha desta abordagem foi fundamentada na necessidade de uma solução que promovesse não apenas a cicatrização rápida, mas também a integração e biocompatibilidade com o tecido hospedeiro, características essenciais para o sucesso a longo prazo em oftalmologia veterinária.

Os estudos de Youngsam Kim et al. (2020) e L. Barachetti et al. (2016) demonstram a eficácia de membranas de SIS em prevenir recorrências de lesões corneanas e em manter a integridade estrutural do olho. No caso do gato American shorthair tratado por Kim et al., a aplicação de SIS após ceratectomia superficial mostrou-se eficaz na eliminação dos sinais clínicos e prevenção de recorrências por um período prolongado, uma observação alinhada com os resultados obtidos no nosso caso, onde a rápida absorção da membrana e a ausência de complicações corroboram a escolha do material.

Barachetti e colaboradores também destacaram a versatilidade do SIS na reparação de defeitos corneanos profundos em uma variedade de pacientes, proporcionando um suporte tectônico adequado e evitando complicações comuns como a deiscência de sutura. Em nosso estudo, a escolha de Vetrix foi igualmente eficaz, proporcionando um suporte estrutural que permitiu a recuperação da transparência corneana e funcionalidade visual sem recidiva da úlcera ou reações adversas.

A comparação com a aplicação de membranas como Jason®, Collprotect® e Bio-Gide® explorada por Dalton Marques e colaboradores (2023) também revela pontos em comum, particularmente no que diz respeito à promoção da osteogênese. Embora nosso caso envolva regeneração corneana, a capacidade de diferentes membranas de colágeno porcino de facilitar a diferenciação celular e promover a recuperação tecidual é uma propriedade fundamental que transcende as especificidades do tecido alvo, destacando o potencial desses biomateriais em diversas aplicações regenerativas.

A discussão também ressalta a importância de considerar a origem e o processamento dos biomateriais, como evidenciado nos estudos de Mezzadri et al. (2021), onde enxertos autólogos de mucosa bucal foram usados com sucesso em condições comparáveis. Enquanto nosso caso não utilizou tecido autólogo, a eficácia do Vetrix em funções semelhantes sugere que as membranas de SIS podem oferecer uma alternativa viável e menos invasiva em muitos cenários clínicos.

Concluindo, a utilização de membrana biológica de suíno no tratamento de úlceras corneanas perfuradas em nosso paciente canino demonstrou ser uma abordagem eficaz, segura e promissora, alinhada com as tendências atuais em medicina veterinária regenerativa. O sucesso deste caso e a comparação com outros estudos reforçam o valor das membranas de SIS como uma solução superior para reparos corneanos, incentivando investigações futuras que possam expandir seu uso para um espectro ainda mais amplo de aplicações clínicas.

7. CONCLUSÃO

A escolha da terapêutica mais adequada em cirurgias corneanas deve sempre priorizar os melhores resultados funcionais e estéticos. As técnicas que empregam a transposição corneoconjuntival e o enxerto de membrana biológica de suíno demonstraram ser altamente eficazes na preservação do bulbo ocular e na restauração da qualidade visual. Embora a base estatística para a avaliação desses resultados ainda esteja em desenvolvimento, a submucosa do intestino delgado provou ser um biomaterial alternativo de valor inestimável, destacando-se por sua acessibilidade e facilidade de preservação.

Esta técnica, como ressaltado por diversos pesquisadores e especialistas, é amplamente reconhecida na oftalmologia veterinária, particularmente no tratamento de perfurações corneanas profundas. O caso abordado neste estudo exemplifica a eficácia dessa abordagem, demonstrando sua viabilidade em face da prevalência epidemiologicamente significativa de perfurações corneanas na prática clínica.

Portanto, o uso da membrana biológica de submucosa intestinal suína Vetrix® emerge como uma alternativa viável e eficaz na reconstrução corneana em pequenos animais. A decisão de empregar este método no tratamento da lesão corneana do olho direito de um cão da raça Boston Terrier de oito meses foi fundamentada na precisão e nos resultados positivos observados. Os resultados alcançados estão alinhados com as evidências de estudos anteriores, incluindo um estudo retrospectivo com 106 pacientes, que documentaram a transparência corneana, a ausência de deiscência e uma cicatrização eficaz.

Esses benefícios tornam o Vetrix® uma excelente alternativa aos enxertos conjuntivais tradicionais, recomendando-se sua consideração como opção preferencial para situações similares na prática veterinária. A integração desta técnica em futuros protocolos cirúrgicos pode potencialmente elevar os padrões de cuidado, oferecendo resultados mais previsíveis e satisfatórios para animais com lesões corneanas severas.

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