USE OF SODIUM GLUCOSE COTRANSPORTER 2 INHIBITORS IN THE MANAGEMENT OF HEART FAILURE
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202502271604
Luiz Henrique Brito Rocha 1
Larissa De Freitas Oliveira 2
Resumo
Introdução: Os inibidores do cotransportador de sódio-glicose tipo 2 (iSGLT2) têm se destacado como grande avanço no tratamento da insuficiência cardíaca (IC), oferecendo benefícios que vão além do controle glicêmico e proporcionando melhora hemodinâmica, metabólica, anti-inflamatória e cardiorrenal. No entanto, ainda há lacunas no conhecimento sobre o impacto de longo prazo dos iSGLT2 na remodelação cardíaca, no seu efeito em subgrupos específicos, como pacientes com IC aguda e doença renal avançada, e na melhor estratégia para combiná-los com outras terapias para IC. Objetivo: Levantar na literatura específica os artigos dos últimos cinco anos (2020 a 2025) para identificar os benefícios diretos dos iSGLT2 para pacientes com insuficiência cardíaca, além de avaliar os principais eventos adversos que limita o seu uso, as principais recomendações de estratégias de combinações com outras terapias para IC e identificar ainda quais são as lacunas que impedem o uso dessa classe medicamentosa na prática clínica. Metodologia: A pesquisa foi realizada utilizando bases de dados relevantes como PubMed, Scopus e Embase. A busca foi limitada a artigos publicados entre 2020 a 2025, para garantir a inclusão de dados recentes e relevantes, em inglês ou português. Resultados: Após avaliação e leitura de todos os artigos, foram incluídos 22 que atenderam aos critérios de inclusão, sendo esses publicados a partir de 2020 e tratando diretamente sobre o uso de inibidores do cotransportador de sódio-glicose tipo 2 (iSGLT2) no tratamento da insuficiência cardíaca (IC). Considerações finais: A literatura atual tem destacado que os iSGLT2 representam uma inovação fundamental no tratamento da IC, sendo uma das poucas terapias com benefícios consistentes em diferentes perfis de pacientes, incluindo aqueles com ICFEP, idosos e indivíduos com DRC. Seu perfil de eficácia, segurança e aplicabilidade ampla justifica sua incorporação universal no manejo da IC, reforçando seu papel como um dos pilares terapêuticos da insuficiência cardíaca na atualidade.
Palavras-chaves: Insuficiência cardíaca. Cotransportador de sódio-glicose tipo 2. Evento adverso. Benefício. Hospitalização. Morbimortalidade.
1 INTRODUÇÃO
A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica complexa caracterizada pela incapacidade do coração de bombear sangue de forma eficaz para suprir as demandas metabólicas do organismo, resultando em sintomas como fadiga, dispneia e retenção hídrica. A IC pode ser classificada em insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER, FEVE ≤ 40%) e insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEP, FEVE ≥ 50%), sendo esta última uma condição de difícil manejo, sem opções terapêuticas eficazes até o momento (STARR & PINNER, 2024).
Cerca de 64 milhões de pessoas no mundo são afetadas por IC, sendo essa uma das principais causas de internação hospitalar em idosos (LAN, et al. 2024). Estima-se que essa condição seja responsável por 5% das admissões hospitalares e contribua significativamente para a morbidade e mortalidade cardiovascular (BHANDARI, et al. 2024). Além do impacto na saúde dos pacientes, a IC impõe um alto custo socioeconômico devido a internações recorrentes, tratamentos prolongados e incapacidade funcional (GONZALEZ & DAVE, 2024).
Apesar dos avanços terapêuticos, os inibidores do sistema renina-angiotensina (IECA/BRA/ARNI) e os betabloqueadores (BB), que constituem o tratamento convencional da IC, não são suficientes para todos os pacientes. Enquanto esses medicamentos reduzem a mortalidade na ICFER, seu impacto na ICFEP é limitado (MAGED, et al. 2024). Contudo, o uso de antagonistas do receptor de mineralocorticoides (ARM), como a espironolactona, tem demonstrado benefícios modestos em ensaios clínicos, mas com alto risco de hiperpotassemia e insuficiência renal em pacientes vulneráveis (HEATH, et al. 2022; NEVES, et al. 2023).
Os inibidores do cotransportador de sódio-glicose tipo 2 (iSGLT2) surgiram inicialmente como uma terapia para o diabetes tipo 2 (DM2), promovendo redução da glicemia ao inibir a reabsorção renal de glicose e induzir sua excreção urinária (EPPERSON, et al. 2024). No entanto, ensaios clínicos observaram que os iSGLT2 reduziam significativamente o risco de hospitalização por IC, independentemente da presença de diabetes (ESCOBAR, et al. 2023; NASSIF & KOSIBOROD, 2019).
Os mecanismos pelos quais os iSGLT2 exercem seus benefícios na IC são multifatoriais e diferentes das terapias convencionais, indo além da simples redução da glicose plasmática. O principal efeito hemodinâmico dos iSGLT2 é a redução da pré e pós-carga, através da indução de uma diurese osmótica seletiva e natriurese, sem ativação compensatória do SRAA. Isso permite uma redução sustentável do volume intravascular e da congestão pulmonar e sistêmica, sem causar hipotensão significativa, o que é uma vantagem em relação aos diuréticos convencionais (NEVES, et al. 2023). Além disso, ao diminuir a sobrecarga volêmica, os iSGLT2 reduzem a pressão de enchimento ventricular, melhorando a função diastólica, especialmente na ICFEP (KOTIT, 2023).
Os principais benefícios dos iSGLT2 na IC são redução de hospitalizações; melhora da função cardíaca; proteção renal; efeitos anti-inflamatórios e antifibróticos; e perfil de segurança favorável (GHOSAL & SINHA, et al. 2023; JI, et al. 2023a; LAN, et al. 2024; MAGED, et al. 2024; ZHANG, et al. 2024). Os efeitos adversos dos iSGLT2 são geralmente leves e manejáveis, sendo as mais comuns infecções geniturinárias, hipotensão e, raramente, cetoacidose diabética euglicêmica (CLEMMER, et al. 202; EPPERSON, et al. 2024; KOTIT, 2023; MOADY, et al. 2023; RAO, 2022; ).
No geral, os iSGLT2 têm se destacado como grande avanço no tratamento da IC, oferecendo benefícios que vão além do controle glicêmico e proporcionando melhora hemodinâmica, metabólica, anti-inflamatória e cardiorrenal. Seu perfil de segurança favorável, associado à redução de hospitalizações por IC e melhora na qualidade de vida, tem justificado sua incorporação como terapia de primeira linha para pacientes com essa condição de saúde, independentemente da fração de ejeção ou presença de DM2 (GONZALEZ & DAVE, 2024). No entanto, ainda há lacunas no conhecimento sobre o impacto de longo prazo dos iSGLT2 na remodelação cardíaca, no seu efeito em subgrupos específicos, como pacientes com IC aguda e doença renal avançada, e na melhor estratégia para combiná-los com outras terapias para IC (BHANDARI, et al. 2024).
Desta forma, a presente revisão bibliográfica pretende levantar na literatura específica os artigos dos últimos cinco anos (2020 a 2025) para identificar os benefícios diretos dos iSGLT2 para pacientes com insuficiência cardíaca, além de avaliar os principais eventos adversos que limita o seu uso, as principais recomendações de estratégias de combinações com outras terapias para IC e identificar ainda quais são as lacunas que impedem o uso dessa classe medicamentosa na prática clínica.
2 METODOLOGIA
A pesquisa foi realizada utilizando bases de dados relevantes como PubMed, Scopus e Embase. A busca foi limitada a artigos publicados entre 2020 a 2025, para garantir a inclusão de dados recentes e relevantes, em inglês ou português. Os artigos foram selecionados inicialmente pelo tema através de estratégia de busca (“Heart Failure”[MeSH] OR “Cardiac Failure” OR “Congestive Heart Failure” OR “Heart Decompensation”) AND (“Sodium-Glucose Transporter 2 Inhibitors”[MeSH] OR “SGLT2 Inhibitors” OR “Empagliflozin” OR “Dapagliflozin” OR “Canagliflozin” OR “Ertugliflozin” OR “Sotagliflozin”) AND (“Therapeutics”[MeSH] OR “Treatment Outcome” OR “Hospitalization” OR “Mortality” OR “Ejection Fraction” OR “Diastolic Dysfunction”).
Os artigos incluídos foram os que estavam em formato completo disponibilizados, publicados em inglês ou em português. A triagem foi realizada em duas etapas: leitura de títulos e resumos em que foram excluídos estudos irrelevantes ao tema da pesquisa. Seguido de avaliação completa dos textos por único revisor, nessa etapa foram excluídos estudos duplicados e que não possuíam texto integral em português ou inglês. A extração de dados foi conduzida de forma padronizada para garantir a reprodutibilidade dos achados e minimizar o risco de viés. Foram coletadas informações essenciais de cada estudo incluindo-se características dos estudos, intervenções, comparações e desfechos avaliados. Diferentes tipos de dados foram analisados conforme a natureza do desfecho.
De acordo com a resolução 510 de 2016 do Conselho Nacional de Saúde, não serão registradas nem avaliadas pelo sistema Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/CONEP) pesquisas realizadas exclusivamente com textos científicos para revisões da literatura. Desta forma, o presente estudo está isento de necessidade de submissão a Plataforma Brasil para ser apreciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa.
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Após avaliação e leitura de todos os artigos, foram incluídos 22 nessa revisão bibliográfica que atenderam aos critérios de inclusão, sendo esses publicados a partir de 2020 e que relatasse diretamente sobre o uso dos inibidores do cotransportador de sódio-glicose tipo 2 (iSGLT2) no tratamento da insuficiência cardíaca (IC).
A literatura demonstrou que os iSGLT2 tem sido significativo no tratamento da IC, no qual contribui para redução de hospitalizações, melhora na qualidade de vida e proteção cardiorrenal. Além disso, evidências científicas recentes demonstram que os iSGLT2 são eficazes tanto na IC com fração de ejeção reduzida (ICFER) quanto na IC com fração de ejeção preservada (ICFEP) (Bhandari, 2024; Heath et al. 2022; Nassif et al. 2019; Starr, 2024; Rao et al. 2022).
Na ICFER (FEVE ≤ 40%), os ensaios clínicos DAPA-HF e EMPEROR-Reduced foram os primeiros a demonstrar benefícios claros dos iSGLT2 na redução de hospitalizações e mortalidade. O estudo DAPA-HF, um estudo fase 3, duplo-cego, controlado por placebo, que incluiu 4.744 pacientes, verificou uma redução de 26% no risco combinado de morte cardiovascular e hospitalização por IC (HR 0,74; IC 95%: 0,65–0,85), além de uma redução de 17% na mortalidade por todas as causas (HR 0,83; IC 95%: 0,71–0,97) (ESCOBAR, et al. 2023). O EMPEROR-Reduced mostrou que a empagliflozina reduziu em 25% o risco de hospitalização por IC e morte cardiovascular, mas não teve impacto significativo na mortalidade cardiovascular isolada. (HR 0,75; p < 0,001) (JI et al. 2023b; RAO, 2022).
Em estudo realizado por Packer et al. 2020 com 3.730 pacientes com insuficiência cardíaca e fração de ejeção ≤40%, os pacientes foram divididos em grupos de mpagliflozina (10 mg/dia) e placebo. Após um seguimento médio de 16 meses, os autores observaram uma redução de 25% no risco do desfecho primário no grupo da empagliflozina comparado ao placebo (HR 0,75; IC 95%: 0,65-0,86; p < 0,001) e redução de 31% nas hospitalizações por insuficiência cardíaca (HR 0,69; IC 95%: 0,59-0,81). Essas descobertas foram reforçadas pela literatura recente que demonstraram que os iSGLT2 reduzem a mortalidade cardiovascular nas hospitalizações por IC (KOTIT, 2023; MAGED, et al. 2024; MOADY, 2023).
De forma semelhante, o estudo DELIVER, que analisou a dapagliflozina em 6.263 pacientes com ICFEP, demonstrou uma redução de 18% no risco combinado de morte cardiovascular ou hospitalização por IC (HR 0,82; IC 95%: 0,73–0,92) e uma redução de 23% nas hospitalizações por IC (HR 0,77; IC 95%: 0,67–0,89) (BHANDARI et al, 2024; GONZALEZ, 2024).
Os benefícios dos SGLT2is na ICFER podem estar associado a mecanismo como a redução da sobrecarga de volume sem ativação compensatória do sistema renina-angiotensina; do aumento da cetogênese e maior utilização de ácidos graxos como fonte energética; da redução da atividade simpática e menor remodelamento cardíaco; e da redução da hiperfiltração e melhora da função renal a longo prazo (LORENZI, et al. 2023; NEVES et al. 2023; STARR et al. 2021).
Outro fato interessante é que os iSGLT2 demonstraram também benefícios metabólicos e renais. O estudo DAPA-CKD, que avaliou a dapagliflozina em pacientes com doença renal crônica (DRC) com e sem diabetes, evidenciou que o medicamento reduz a progressão da doença renal e diminuiu a mortalidade por todas as causas, um benefício que se estende também a pacientes com IC (CLEMMER, et al., 2023; NASSIF, 2019; NEVES, et al. 2023). Esse efeito nefroprotetor se deve à capacidade dos iSGLT2 de reduzir a hiperfiltração glomerular, protegendo contra a deterioração progressiva da função renal (ZHANG, et al. 2024).
Além disso, os iSGLT2 podem ser introduzidos precocemente na IC aguda. O estudo EMPULSE, que analisou o uso de empagliflozina em pacientes hospitalizados por IC aguda, demonstrou redução de hospitalizações subsequentes e melhora da qualidade de vida, demonstrando que essa classe de medicamentos pode ser iniciada com segurança ainda durante a internação (JI, et al. 2023a). No entanto, ainda há necessidade de mais evidencias científicas para determinar o impacto dos iSGLT2 nos desfechos de longo prazo em pacientes instáveis (LORENZI, et al. 2023).
Na população idosa os benefícios dos iSGLT2 também foram significativos. A literatura demonstra que essa população obtém os mesmos benefícios clínicos que os mais jovens, sem aumento significativo de eventos adversos graves (BHANDARI, et al. 2024; ESCOBAR, et al. 2023; GHOSAL & SINHA, 2023). Sendo que um dos principais benefícios dos iSGLT2 em idosos é a redução da congestão e melhora da função diastólica, que são particularmente relevantes para a ICFEP, condição essa mais prevalente na população idosa (MOADY, et al. 2023).
Contudo, apesar dos iSGLT2 ser bem tolerados, há um risco maior de hipotensão e desidratação devido à redução fisiológica da função renal e ao uso concomitante de outros diuréticos (KOTIT, 2023). No entanto, a literatura tem destacado que os iSGLT2 não aumentam significativamente o risco de hipotensão sintomática em comparação com placebo, e ajustes de diuréticos de alça podem ser necessários para evitar episódios de desidratação (EPPERSON, et al. 2024; JI, et al. 2023a; NEVES, et al. 2023; ZHANG, et al. 2024). Além disso, idosos com IC tratados com iSGLT2 apresentam menor declínio funcional e menor risco de internações prolongadas devido a complicações cardiovasculares (GONZALEZ & DAVE, 2024).
Todavia, a adoção clínica dos iSGLT2 ainda é desafiadora, especialmente entre pacientes sem DM2. A literatura demonstra que o uso de iSGLT2 na ICFER cresceu significativamente, mas a adoção na ICFEP ainda encontra desafios consideráveis (EPPERSON, et al. 2024; GONZALEZ & DAVE, 2024).
3.1 Comparação dos iSGLT2 com outras terapias para insuficiência cardíaca
Antes da introdução dos iSGLT2, o tratamento da IC era amplamente baseado em bloqueadores do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), betabloqueadores (BB), antagonistas do receptor de mineralocorticóides (ARM) e, mais recentemente, dos inibidores da neprilisina e do receptor de angiotensina (ARNI). Na ICFER, o tratamento convencional inclui IECA/BRA, ARNI, BB e ARM, todos comprovadamente eficazes na redução da mortalidade cardiovascular (CV) e hospitalizações. Na ICFEP, nenhuma classe de medicamentos havia demonstrado redução significativa de eventos cardiovasculares antes dos iSGLT2 (BHANDARI, et al. 2024; GONZALEZ & DAVE, 2024; STARR & PINNER, 2024).
Enquanto sacubitril/valsartana tem demonstrando benefícios adicionais aos IECA/BRA na ICFER, os iSGLT2 demonstraram eficácia adicional quando combinados com ARNI (Ji, et al. 2023a; Neves, 2023). Em relação ao impacto na mortalidade CV, os iSGLT2 demonstram reduções modestas quando comparados com os ARNI que tiveram uma redução mais pronunciadas na ICFER. Entretanto, na ICFEP, os iSGLT2 foram superiores aos ARNI, os quais não demonstraram redução significativa de mortalidade nessa população (KOTIT, 2023). Os iSGLT2 também apresentam melhor perfil de segurança, sendo bem tolerados em pacientes com doença renal crônica e com menor risco de hiperpotassemia, em comparação com ARM (ZHANG, et al. 2024).
Em relação aos efeitos diuréticos, observa-se que enquanto os diuréticos de alça reduzem rapidamente a sobrecarga de volume, eles ativam o SRAA, levando à retenção compensatória de sódio. Os iSGLT2 promovem diurese e natriurese sustentadas sem ativação do SRAA, reduzindo hospitalizações e evitando a deterioração da função renal (JI, et al. 2023b).
Na preservação da função renal, os iSGLT2 demonstraram superioridade sobre os inibidores do SRAA. No estudo CREDENCE, a canagliflozina reduziu a progressão da doença renal em pacientes com DM2 e doença renal crônica, um efeito também observado com dapagliflozina no estudo DAPA-CKD, independentemente da presença de IC (EPPERSON, et al. 2024).
Não obstante, Lan et al. (2024), observaram que sotagliflozina demonstrou superioridade na redução de hospitalizações e morte cardiovascular, enquanto dapagliflozina foi a mais eficaz na redução da mortalidade por todas as causas.
Neste sentido, observa-se que os iSGLT2 tem se destacado como um componente fundamental do tratamento da IC, tendo potencial para superar a maioria das terapias convencionais em aspectos críticos como redução de hospitalizações, impacto na ICFEP, segurança e proteção renal. Além disso, a combinação dos iSGLT2 com outras terapias como ARNI, BB e ARM pode maximizar os benefícios clínicos (BHANDARI, et al. 2024; STARR & PINNER, 2024).
3.2 Segurança e Efeitos Adversos
No geral, os iSGLT2 são bem tolerados, com um perfil de segurança favorável em comparação com outras classes de medicamentos para IC, mas algumas preocupações específicas precisam ser monitoradas, especialmente em pacientes com comorbidades como diabetes mellitus tipo 2 (DM2) e doença renal crônica (DRC) (BHANDARI, et al. 2024).
Um dos efeitos adversos mais relatados com o uso dos iSGLT2 é o aumento do risco de infecções do trato urinário (ITU) e infecções geniturinárias. Estudos demonstraram que o risco de infecções geniturinárias, incluindo candidíase vulvovaginal e balanite, é discretamente maior em pacientes que utilizam iSGLT2, especialmente em mulheres e indivíduos com histórico prévio dessas infecções (ESCOBAR, et al. 2023; JI, et al. 2023; LAN, et al., 2024). No entanto, esses eventos são geralmente leves a moderados e podem ser manejados com antifúngicos tópicos ou sistêmicos sem necessidade de descontinuação do tratamento (GHOSAL & SINHA, 2023).
Outro efeito adverso importante é a cetoacidose diabética euglicêmica, o risco é maior em pacientes com DM1, razão pela qual os iSGLT2 não são recomendados para essa população (MOADY, et al. 2023). Estudos como o EMPEROR-Reduced e o DAPA-HF demonstraram que a incidência desta condição em pacientes com IC é baixa, porém é recomendado precaução em situações de jejum prolongado, doenças graves e cirurgia, momentos em que os iSGLT2 devem ser temporariamente suspensos (JI, et al. 2023; KOTIT, 2023; LORENZI, et al. 2023; RAO, et al. 2022; STARR, et al. 2021).
A hipotensão e o risco de desidratação também são relevantes em pacientes com IC, especialmente naqueles que fazem uso concomitante de diuréticos de alça ou tiazídicos. O efeito natriurético e diurético dos iSGLT2 pode levar a uma redução discreta da pressão arterial, o que pode ser benéfico em pacientes hipertensos, mas pode causar sintomas como tontura e fadiga em pacientes mais sensíveis, especialmente idosos (JI, et al. 2023a; RAO, et al. 2022; STARR, et al. 2021; ZHANG, et al. 2024). O estudo DELIVER demonstrou que a dapagliflozina tem um impacto mínimo na pressão arterial sistólica, sendo que eventos de hipotensão sintomática são raros (ESCOBAR, et al. 2023; NEVES, et al. 2023). Contudo, em casos de pacientes que usam múltiplos agentes anti-hipertensivos, pode ser necessário o ajuste da dose de outros medicamentos para evitar quedas abruptas da pressão arterial (JI et al., 2023a; ESCOBAR, et al. 2023; COHEN, et al. 2023).
A função renal também deve ser monitorada em pacientes que iniciam iSGLT2, especialmente aqueles com taxa de filtração glomerular reduzida. Apesar dos iSGLT2 protegerem a função renal a longo prazo, uma redução transitória desta condição pode ser observada nas primeiras semanas de tratamento devido à diminuição da hiperfiltração glomerular (BHANDARI, et al. 2024; ESCOBAR, et al. 2023; STARR, et al. 2021; ZHANG, 2024). Esse efeito é semelhante ao observado com os inibidores do sistema renina-angiotensina (IECA/BRA/ARNI) e geralmente se estabiliza após algumas semanas (ESCOBAR, et al. 2023; JI, et al. 2023).
Inicialmente houve receio de que os iSGLT2 aumentava o risco de amputações, contudo, porém, esse efeito adverso não foi observado nos estudos sobre IC. No entanto, em estudo utilizando a canagliflozina em pacientes com DM2, houve um aumento da incidência de amputações, particularmente em pacientes com neuropatia periférica e doença vascular avançada (JI, et al. 2023b; RAO, 2022; STARR, et al. 2021). Todavia, essa preocupação não foi replicada em estudos com dapagliflozina e empagliflozina, sugerindo que esse risco pode ser específico da canagliflozina (STARR, et al. 2021).
Apesar dos efeitos adversos específicos, os iSGLT2 possuem algumas vantagens sobre outras classes de medicamentos para IC em termos de segurança. Diferentemente dos antagonistas do receptor de mineralocorticoides (ARM), os iSGLT2 não aumentam o risco de hiperpotassemia, tornando-os uma opção mais segura para pacientes com DRC (CLEMMER, et al. 2023; EPPERSON, et al. 2024). Além disso, enquanto os betabloqueadores podem causar bradicardia e exacerbação da fadiga em alguns pacientes, os iSGLT2 não possuem impacto direto na frequência cardíaca, o que pode ser vantajoso em pacientes idosos ou naqueles com frequência cardíaca baixa (CLEMMER, et al. 2023; EPPERSON, et al. 2024).
Desta forma, diante das evidências científicas, os iSGLT2 tem demonstrado um perfil de segurança altamente favorável, com efeitos adversos controláveis e benefícios que superam os riscos em quase todas as populações com IC. Apesar de ser essencial o monitoramento dos pacientes quanto a infecções geniturinárias, hipotensão e função renal, essas preocupações não devem impedir o uso desses agentes, especialmente considerando seu impacto positivo na mortalidade e hospitalizações por IC (LAN et al., 2024; STARR & PINNER, 2024).
3.3 Lacunas no conhecimento do iSGLT2 e perspectivas futuras
Uma das principais lacunas no conhecimento sobre os iSGLT2 é o impacto a longo prazo na mortalidade cardiovascular. Apesar da literatura demonstrar reduções significativas na mortalidade e hospitalizações na ICFER, os estudos para ICFEP não demonstraram reduções consistentes na mortalidade CV isolada (BHANDARI, et al. 2024; EPPERSON, et al. 2024; LORENZI, et al. 2023; NEVES, et al. 2023).
Outra questão relevante é à otimização da combinação dos iSGLT2 com outras terapias. Atualmente, as diretrizes recomendam que os iSGLT2 sejam utilizados em associação com outras classes terapêuticas, como bloqueadores do sistema renina-angiotensina (SRAA), antagonistas do receptor de mineralocorticoides (ARM) e inibidores da neprilisina e do receptor de angiotensina (ARNI) (Ghosal, 2023). No entanto, ainda não está claro se existe uma sequência ideal para a introdução dessas terapias ou se determinados perfis de pacientes se beneficiam mais de combinações específicas (CLEMMER, et al. 2023; EPPERSON, et al. 2024; JI, et al. 2023a; RAO, 2022; STARR, et al. 2021).
Além disso, ainda é pouco explorado o uso dos iSGLT2 na insuficiência cardíaca aguda. Estudos tem demonstrado que a introdução precoce da empagliflozina em pacientes hospitalizados por essa condição de saúde melhora a qualidade de vida e reduz novas hospitalizações (Moady, et al. 2023). No entanto, ainda há incerteza sobre a segurança e eficácia dos iSGLT2 na fase mais crítica da hospitalização, especialmente em pacientes instáveis que necessitam de suporte inotrópico ou vasopressor (KOTIT, 2023; PACKER, et al. 2020; RAO, et al. 2022).
Apesar dos estudos demonstrarem benefícios na progressão da DRC mesmo em pacientes sem IC diagnosticada, sugerindo que os efeitos nefroprotetores dos iSGLT2 podem ser aplicáveis a uma população mais ampla, sendo que poucos estudos relataram sobre os pacientes com taxa de filtração glomerular (TFG) menor que 25-30 mL/min/1,73m². Desta forma, não há evidências científicas se esses indivíduos também podem se beneficiar dos iSGLT2 sem aumentar o risco de eventos adversos, como cetoacidose diabética euglicêmica (EPPERSON, et al. 2024; ZHANG, et al. 2024).
Além disso, novas aplicações para os iSGLT2 estão sendo investigadas, incluindo seu uso em pacientes com IC associada à hipertensão pulmonar e insuficiência ventricular direita. Estudos como EMBRACE-HF sugerem que os iSGLT2 podem reduzir a pressão na artéria pulmonar, potencialmente beneficiando pacientes com hipertensão pulmonar associada à IC (MOADY, et al. 2023).
Tem sido avaliado também o impacto dos iSGLT2 na remodelação cardíaca e função diastólica. Apesar dos ensaios clínicos ter demonstrado melhora nos desfechos clínicos, ainda há poucos dados sobre os efeitos estruturais e celulares dos iSGLT2 no miocárdio (ESCOBAR, et al. 2023). Adicionalmente, há um crescente interesse no uso de biomarcadores para prever a resposta aos iSGLT2. Alguns estudos indicam que níveis elevados de NT-proBNP e troponina podem estar associados a maiores benefícios clínicos com o uso dos iSGLT2, mas esses achados ainda não foram incorporados às diretrizes de prática clínica (NEVES, et al. 2023).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As evidências científicas atuais consolidam os inibidores do cotransportador de sódio-glicose tipo 2 no tratamento da insuficiência cardíaca. Diferente das terapias convencionais, os iSGLT2 demonstraram benefícios clínicos robustos e independentes do controle glicêmico, reduzindo significativamente a hospitalização por IC, melhorando a qualidade de vida e promovendo proteção cardiorrenal tanto na IC com fração de ejeção reduzida (ICFER) quanto na IC com fração de ejeção preservada (ICFEP). Além disso, os efeitos benéficos dos iSGLT2 na IC foi observada também na população idosa. No que diz respeito à segurança, os iSGLT2 foram bem tolerados, com baixo risco de hipotensão, desidratação e efeitos adversos renais quando comparados a outras terapias para IC. As principais preocupações, como infecções geniturinárias e cetoacidose diabética euglicêmica, são manejáveis e não representam barreiras significativas à sua ampla utilização.
Contudo, apesar dos avanços, a adoção clínica dos iSGLT2 ainda enfrenta desafios, especialmente na ICFEP, no qual a sua prescrição ainda é inferior à observada na ICFER. O impacto a longo prazo dos iSGLT2 na mortalidade cardiovascular isolada e na remodelação cardíaca ainda carece de mais evidências científicas. Além disso, o uso na IC aguda e em pacientes com DRC avançada permanece pouco explorada na literatura.
Todavia, diante das evidências clínicas disponíveis, os iSGLT2 representam uma inovação fundamental no tratamento da IC, sendo uma das poucas terapias com benefícios consistentes em diferentes perfis de pacientes, incluindo aqueles com ICFEP, idosos e indivíduos com DRC. Seu perfil de eficácia, segurança e aplicabilidade ampla justifica sua incorporação universal no manejo da IC, reforçando seu papel como um dos pilares terapêuticos da insuficiência cardíaca na atualidade.
REFERÊNCIAS
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1 Residência média em Clínica Médica, Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências de Saúde. Secretaria de Saúde do Distrito Federal – Brasília e-mail: nome@provedor.com.br
2 Secretaria de Saúde do Distrito Federal – Brasília