REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8237370
Isabela Peixoto Leite Rodrigues
Juliane Almeida da Silva
Teresinha Guerreiro Cervi Angstmam
RESUMO
Introdução: A doença por coronavírus 2019 (COVID-19) causada pela infecção por SARS-CoV-2 se espalhou rapidamente pelo mundo e se tornou uma emergência internacional de saúde pública. Com o surto da doença, houve um aumento significativo nas admissões para cuidados intensivos trazendo implicações importantes para a transfusão de sangue. No entanto, não foram criados protocolos específicos para indicações de transfusão para a COVID-19, sendo assim, os médicos seguem as recomendações gerais de transfusão. Em contrapartida ao aumento da demanda transfusional, os hemocentros mundiais registram uma queda na oferta de hemocomponentes, podendo refletir com um déficit no suporte aos pacientes críticos. Portanto, o objetivo principal dessa pesquisa foi avaliar a demanda de hemocomponentes e a mortalidade de pacientes hospitalizados nas unidades de tratamento intensivo (UTIs) com SARS-CoV-2. Metodologia: Estudo observacional retrospectivo de pacientes com SARS-CoV2, admitidos nas UTIs do Hospital do Coração e do Hospital de campanha do Ambulatório Médico de Especialidades, com diagnóstico confirmado por PCR-RT ou teste de antígeno e que receberam transfusão durante a internação no período de julho de 2020 a julho de 2021. Os dados foram tabulados e analisados através da ferramenta de análise estatística descritiva do Excel. Resultados: Foram identificados 2616 internações e 509 óbitos por COVID-19 nas duas instituições. Desses, 180 pacientes ficaram internados em UTI e receberam transfusão sanguínea no período supracitado. A média de transfusões por paciente foi de 2,1 (± 1,6) e a média da quantidade de bolsas por paciente foi de 3,7 (±3,7), sendo 757 o total de bolsas transfundidas no período. O hemocomponente mais transfundido foi o concentrado de hemácias 173 bolsas (85,2%), seguido de 20 (9,8%) de plasma fresco congelado e 10 (4,9%) de concentrado de plaquetas. Os tipos sanguíneos encontrados foram 71 (39,4%) eram do grupo sanguíneo A Rh(D) positivo, 67 (37,2%) O Rh (D) positivo, 19 (10,5%) B Rh(D) positivo, 10 (5,5%) O Rh(D) negativo, 7 (3,8%) A Rh(D) negativo, 3 (1,6%) AB Rh(D) positivo, 3 (1,6%) B Rh(D) negativo, e nenhum paciente AB Rh(D) negativo. As principais indicações das transfusões foram anemia, sangramento e consumo. A mortalidade encontrada foi de 68,3% enquanto a geral foi de 19,4%. Conclusão: A demanda transfusional gerada pela COVID-19 foi abaixo do esperado. No entanto, altas taxas de mortalidade foram encontradas. Pacientes que necessitaram de transfusão eram mais idosos e possuíam múltiplas comorbidades. Não houve relação de suscetibilidade e severidade associado ao tipo sanguíneo.
Palavras-chave: COVID-19. SARS-COV2. Transfusão. Pacientes críticos. Hemocomponentes.
ABSTRACT
Introduction: The coronavirus disease 2019 (COVID-19) caused by SARS-CoV-2 infection has spread rapidly worldwide and become an international public health emergency. With the outbreak of the disease, there has been a significant increase in admissions to intensive care units (ICUs), bringing important implications for blood transfusion. However, specific protocols for transfusion indications for COVID-19 have not been established, and doctors follow general transfusion recommendations. In contrast to the increased transfusion demand, blood centers worldwide report a decrease in the supply of blood components, which may result in a deficit in supporting critically ill patients. Therefore, the main objective of this research was to evaluate the demand for blood components and the mortality of hospitalized patients in intensive care units (ICUs) with SARS-CoV-2. Method: A retrospective observational study was conducted on patients with SARS-CoV-2 admitted to the ICUs of the Heart Hospital and the Field Hospital of the Medical Outpatient Specialties, with a confirmed diagnosis by PCR-RT or antigen test, who received transfusion during hospitalization from July 2020 to July 2021. The data were tabulated and analyzed using Excel’s descriptive statistical analysis tool. Results: In our results, 2616 hospitalizations and 509 deaths from COVID-19 were identified in the two institutions. Among them, 180 patients were admitted to the ICU and received blood transfusion during the period. The mean number of transfusions per patient was 2.1 (± 1.6), and the mean number of units per patient was 3.7 (± 3.7), with a total of 757 units transfused during the period. The most transfused blood component was packed red blood cells, with 173 units (85.2%), followed by 20 units (9.8%) of fresh frozen plasma and 10 units (4.9%) of platelet concentrate. The blood types found were 71 (39.4%) A Rh(D) positive, 67 (37.2%) O Rh (D) positive, 19 (10.5%) B Rh(D) positive, 10 (5.5%) O Rh(D) negative, 7 (3.8%) A Rh(D) negative, 3 (1.6%) AB Rh(D) positive, 3 (1.6%) B Rh(D) negative, and no AB Rh(D) negative patients. The main indications for transfusions were anemia, bleeding, and consumption. The found mortality was 68.3%, while the overall mortality was 19.4%. Conclusion: It was concluded that the transfusion demand generated by COVID-19 was lower than expected. However, high mortality rates were found. Patients who required transfusion were older and had multiple comorbidities. There was no association between blood type and susceptibility or severity.)
Keywords: Covid-19. Sars-Cov2. Transfusion. Critically ill patients. Blood components.
1. INTRODUÇÃO
A pandemia da doença por coronavírus 2019 (COVID-19) já resultou em mais de 768.560.000 casos confirmados e mais de 6.952.000 de óbitos em todo mundo (“WHO Coronavirus (COVID-19) Dashboard”, ). Os coronavírus pertencem à subfamília Orthocoronavirinae da família Coronaviridae, na ordem Nidovirales e podem causar doenças respiratórias, digestivas e do sistema nervoso em humanos e muitos outros animais (GORBALENYA et al., 2020a). As partículas do coronavírus são esféricas com um diâmetro de aproximadamente 80 a 160 mm. A superfície do envelope é coberta com proteína spike (S), as proteínas de membrana (M) e proteínas do envelope (E) estão localizadas entre as proteínas S. O RNA genômico e a proteína do nucleocapsídeo fosforilado (N) formam um nucleocapsídeo espiral, que está localizado dentro do envelope (JIN et al., 2020; LI et al., 2020). O genoma do coronavírus é composto por um RNA de fita única positiva variando de 26 Kb a 32 Kb de comprimento, constituindo o mais longo genoma conhecido entre os vírus de RNA (LU et al., 2020). Este genoma codifica 16 proteínas não-estruturais (nsp1-16) envolvidas na replicação e transcrição viral; quatro proteínas estruturais principais (S, M, N e P) e oito proteínas acessórias (3a, 3b, p6, 7a, Tb 8b, 9b e ORF14), as quais desempenham um papel importante na montagem das partículas virais (YANG et al., 2020).
Os coronavírus são divididos em quatro gêneros: α, β, γ e δ, segundo suas características genéticas e antigênicas. Entre eles, coronavírus α e β infectam apenas mamíferos, enquanto γ e δ infectam principalmente aves, embora alguns também possam infectar mamíferos (WOO et al., 2012; CUI; LI; SHI, 2019; YANG et al., 2020). A maioria dos coronavírus não causam doenças graves em humanos, com exceção do coronavírus da Síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV) e do coronavírus da Síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV). O causador da pandemia da COVID-19, baseado na sua filogenia, foi denominado SARS-CoV2. Diferente do SARS-CoV e do MERS- CoV em genética e epidemiologia, o SARS-CoV-2 é um novo β-coronavírus (GORBALENYA et al., 2020b; YANG et al., 2020).
A COVID-19 pode se apresentar com uma variedade de manifestações clínicas. As mais comuns no início da doença são: febre, dispneia, tosse seca, anorexia, mialgia e fadiga. Após a admissão hospitalar, complicações mais graves como síndrome do desconforto respiratório agudo, arritmias e choque, podem ocorrer, sendo estas mais frequentes em idosos e naqueles com comorbidades associadas (WANG et al., 2020).
Foram observadas alterações nos parâmetros hematológicos dos pacientes quando admitidos no hospital em comparação à sua internação nas unidades de terapia intensiva (UTI). Dentre elas, elevações na contagem de plaquetas, leucócitos e neutrófilos. Por outro lado, observaram-se reduções na contagem de linfócitos, eritrócitos, hemoglobina e volume corpuscular médio. Anemia foi observada em 46% dos pacientes (URBANO; COSTA; GERALDES, 2022).
Além disso, alterações em parâmetros de coagulação também foram identificadas. De acordo com Tang et al., 2020, pacientes hospitalizados que foram a óbito apresentaram valores mais elevados de dímero-D e de tempo de protrombina em relação aos sobreviventes. Também observaram que 71,4% dos pacientes no grupo de óbitos se encaixaram nos critérios diagnósticos de Coagulação intravascular disseminada (CIVD), após 4 dias de internação hospitalar (TANG et al., 2020).
Os dados relacionados a demanda de terapia transfusional ainda são controversos e preliminares, portanto, são necessários mais estudos para elucidar com mais precisão qual a real necessidade e indicação de transfusão sanguínea em pacientes com COVID-19 em estado crítico. Além do que, não há protocolos específicos de transfusão sanguínea em pacientes com COVID-19, portanto os médicos seguem as recomendações gerais de transfusão (BERZUINI et al., 2020; DOYLE et al., 2020; STANWORTH et al., 2020).
Concomitantemente, as medidas de isolamento social propostas na pandemia geraram um impacto significativo no suprimento dos hemocentros nacionais e internacionais, ao reduzir as doações de sangue (GRANDONE et al., 2020; STANWORTH et al., 2020; MAGALHÃES et al., 2021).
Considerando que não há um protocolo específico para terapia transfusional em pacientes com COVID-19 e que essa possui apresentações clínicas graves e associadas a diversas complicações, é importante compreender a demanda transfusional desses pacientes. Principalmente se considerado o cenário supracitado de redução na oferta de hemocomponentes. Dessa forma, esse estudo pode nortear pesquisas futuras que contribuam para criação de protocolos específicos de transfusão; estimar a demanda transfusional para auxiliar a criação políticas e ações que recrutem doadores de sangue; compreender os desfechos clínicos nos pacientes transfundidos.
Portanto, o principal objetivo dessa pesquisa é avaliar a demanda de hemocomponentes em pacientes hospitalizados por SARS-CoV2 nas UTIs, reconhecer as indicações das transfusões, o grupo sanguíneo ABO/RhD dos pacientes, a quantidade de hemocomponentes necessitada, as comorbidades presentes, os dados sociodemográficos, os parâmetros clínicos e laboratoriais de gravidade, bem como, avaliar a mortalidade nos pacientes transfundidos e comparar com a mortalidade geral com COVID-19.
2. METODOLOGIA
Foi realizado um estudo observacional retrospectivo de pacientes infectados com SARS-CoV2, admitidos em unidades de terapia intensiva (UTI) do Hospital do Coração e do Hospital de campanha do Ambulatório Médico de Especialidades (AME), ambos do Grupo Santa Casa da Misericórdia do município Franca, São Paulo. Foram incluídos na pesquisa pacientes com diagnóstico de COVID-19 confirmado por PCR-RT ou teste de antígeno, que realizaram transfusão de hemocomponentes durante a internação em UTI no período de julho de 2020 a julho de 2021. Foram excluídos do estudo pacientes sem diagnóstico de COVID-19 comprovado laboratorialmente e/ou que receberam a transfusão em ambiente de enfermaria.
Foram avaliados os pedidos de transfusão de hemocomponentes na Agência transfusional do Hospital do Coração e do Núcleo de Hemoterapia de Franca durante o período referido. A partir desses pedidos, foram obtidos os dados referentes a tipagem sanguínea do paciente, quantos e quais componentes foram solicitados e a indicação das transfusões; essas divididas em: concentrado de hemácias, concentrado de plaquetas e plasma fresco congelado.
Com os dados de identificação dos pacientes, obtidos a partir do pedido de transfusão, foi realizada uma busca no prontuário eletrônico do sistema Tasy, das bases de dados do Grupo Santa Casa de Misericórdia de Franca, de onde foram extraídos dados sociodemográficos de idade, sexo e cor; o histórico de comorbidades; a evolução médica, para identificar em qual dia de internação foi realizada a transfusão, e o desfecho clínico do paciente. Bem como, foram analisados os seguintes parâmetros de gravidade: necessidade de ventilação mecânica; dímero-D; proteína C reativa; uso de drogas vasoativas; contagem de plaquetas e valor da hemoglobina na data da realização da transfusão. A partir da base de dados do Grupo Santa Casa de Misericórdia de Franca, também foram coletados os dados referentes ao total de internações e de óbitos por COVID-19 no mesmo período.
Os dados supracitados foram tabulados e analisados através da ferramenta de análise de estatística do programa Excel. Foram utilizadas técnicas de estatística descritiva para calcular frequência absoluta e relativa para as variáveis categóricas e medidas de posição – média, mediana, moda, valor mínimo e máximo – e de variabilidade (desvio padrão) para as variáveis numéricas. Foram calculadas as taxas de mortalidade tanto da população da pesquisa, quanto da população geral. Foram calculados o risco relativo e a razão de chances (odds ratio – OR) de óbito na população exposta à transfusão em comparação com a população geral internada por COVID-19.
Este trabalho foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Municipal de Franca, da Fundação Santa Casa da Misericórdia de Franca e da Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto.
3. RESULTADOS
No período de julho de 2020 a julho de 2021, no hospital de Campanha do AME verificou-se 261 internações e 75 óbitos e, no hospital do Coração, 2355 internações e 434 óbitos por COVID-19.
Foram identificados 180 pacientes que ficaram internados nas instituições supracitadas, em leito de UTI, com resultado positivo para Sars-CoV2 e que receberam transfusão de hemocomponentes durante o período estudado. A média de transfusões por paciente foi de 2,1 (± 1,6) e a média da quantidade de bolsas por paciente foi de 3,7 (±3,7), sendo 757 o total de bolsas transfundidas no período.
Em relação ao tipo de hemocomponente, 173 (85,2%) foi de concentrado de hemácias, 20 (9,8%) de plasma fresco congelado e 10 (4,9%) de concentrado de plaquetas. Quanto à classificação dos grupos sanguíneos ABO/Rh (D), 71 (39,4%) eram do grupo sanguíneo A Rh(D) positivo, 67 (37,2%) O Rh (D) positivo, 19 (10,5%) B Rh(D) positivo, 10 (5,5%) O Rh(D) negativo, 7 (3,8%) A Rh(D) negativo, 3 (1,6%) AB Rh(D) positivo, 3 (1,6%) B Rh(D) negativo, e nenhum paciente AB Rh(D) negativo foi identificado. (Tabela 1).
As indicações das transfusões foram variadas sendo a principal a anemia 134 (58,6%), seguida de sangramento 26 (11,3%) e consumo 25 (10,8%) após. Outras indicações foram instabilidade hemodinâmica 19 (8,2%), hemodiálise 13 (5,6%), queda de hemoglobina 4 (1,7%), choque 6 (2,6%), programação cirúrgica 2 (0,8%) e discrasia sanguínea 1 (0,4%). (Tabela 1).
Tabela 1 – Análise de Frequência dos Parâmetros Transfusionais
Parâmetros | Freq Absoluta | Freq Relativa | Porcentagem (%) | |
Hemocomponente | ||||
CH | 173 | 0,85 | 85,20% | |
PFC | 20 | 0,1 | 9,80% | |
CP | 10 | 0,05 | 5% | |
Total | 203 | 1 | 100% | |
Tipagem | ||||
A+ | 71 | 0,39 | 39,44 | |
A- | 7 | 0,03 | 3,89 | |
B+ | 19 | 0,10 | 10,56 | |
B- | 3 | 0,01 | 1,67 | |
O+ | 67 | 0,37 | 37,22 | |
O- | 10 | 0,05 | 5,56 | |
AB+ | 3 | 0,01 | 1,67 | |
AB- | 0 | 0 | 0 | |
Total | 180 | 1 | 100% | |
Indicações | ANEMIA | 134 | 0,583 | 58,26 |
SANGRAMENTO | 26 | 0,113 | 11,30 | |
CONSUMO | 25 | 0,109 | 10,87 | |
INSTABILIDADE | 19 | 0,083 | 8,26 | |
DIÁLISE | 13 | 0,057 | 5,65 | |
QUEDA HB | 4 | 0,017 | 1,74 | |
CHOQUE | 6 | 0,026 | 2,61 | |
DISCRASIA SANGUÍNEA | 1 | 0,004 | 0,43 | |
PROGRAMAÇÃO CIRÚRGICA | 2 | 0,009 | 0,87 |
Desses 180 pacientes, 92 (51,1%) eram do sexo feminino e, 88 (48,8%) do sexo masculino. Acerca da raça dos pacientes, 117 (65%) eram da cor branca, 44 (24,4%) amarelos e 19 (10,5%) negros. (Tabela 2) A média de idade foi de 60,9 (±14,7) anos.
Muitas comorbidades foram encontradas, hipertensão arterial estava presente em 106 (58,8%) pacientes, diabetes mellitus em 56 (31,1%), obesidade em 38 (21,1%), tabagismo em 30 (16,6%), 14 (7,7%) apresentavam doença renal crônica, 11 (6,1%) apresentavam doença pulmonar obstrutiva crônica e mesmo número tinham dislipidemia, hipotireoidismo estava presente em 10 (5,5%) pacientes, 9 (5%) tinham insuficiência cardíaca, 8 (4,4%) tinham histórico de infarto agudo do miocárdio e o mesmo número de pacientes apresentavam depressão; 7 (3,8%) pacientes tiveram acidente vascular encefálico prévio, 6 (3,3%) tinham sobrepeso, 5 (2,7%) eram etilistas e 19 (10,5%) não possuíam nenhuma comorbidade relatada. (Tabela 2).
Tabela 2 – Dados dos pacientes
Dados | Freq Absoluta | Freq Relativa | Porcentagem (%) | |
Sexo | ||||
Feminino | 92 | 0,51 | 51,11 | |
Masculino | 88 | 0,49 | 48,89 | |
Total | 180 | 1,00 | 100,00 | |
Cor | Branca | 117 | 0,65 | 65 |
Amarela | 44 | 0,24 | 24,44 | |
Negra | 19 | 0,11 | 10,56 | |
180 | 1 | 100 | ||
Comorbidades | HAS | 106 | 0,31 | 31,36 |
DM | 56 | 0,17 | 16,57 | |
DPOC | 11 | 0,03 | 3,25 | |
Obesidade | 38 | 0,11 | 11,24 | |
Tabagismo | 30 | 0,09 | 8,88 | |
Etilismo | 5 | 0,01 | 1,48 | |
Sobrepeso | 6 | 0,02 | 1,78 | |
DRC | 14 | 0,04 | 4,14 | |
DLP | 11 | 0,03 | 3,25 | |
ICC | 9 | 0,03 | 2,66 | |
IAM | 8 | 0,02 | 2,37 | |
AVC | 7 | 0,02 | 2,07 | |
Depressão | 8 | 0,02 | 2,37 | |
Hipotireoidismo | 10 | 0,03 | 2,96 | |
Sem comorbidades | 19 | 0,06 | 5,62 |
Com relação aos parâmetros de gravidade analisados, 164 (91,1%) pacientes estavam em ventilação mecânica e 116 (64,4%) estavam em uso de droga vasoativa. (Tabela 3).
Em relação aos achados laboratoriais, o valor médio de hemoglobina foi de 7,2 g/dL (±1,1); a média da contagem plaquetária foi de 181.148/mm3 (±92.888); a proteína C reativa teve uma média de 122,1 mg/dL (±79,3); e o dímero-D apresentou uma média de 2,8 ug/dL (± 2,2). O dímero-D não foi dosado em todos os pacientes, além disso, seu valor médio está subestimado pois alguns laboratórios apresentam como resultado máximo valores superiores a 4 ug/dL. (Tabela 4).
Dos 180 pacientes incluídos no estudo, 123 (68,3%) foram a óbito. (Tabela 3). A demanda transfusional dos pacientes incluídos no estudo em relação ao total de internações foi de 6,9%. A taxa de mortalidade geral, incluindo ambas as instituições analisadas, foi de 19,4%. Em relação à população transfundida, o risco relativo do paciente exposto à transfusão de falecer foi de 3,5 e a razão de chances foi de 8,9. Logo, os pacientes expostos a transfusão apresentaram um maior risco de óbito em comparação com a população geral.
Tabela 3 – Parâmetros de Gravidade e Mortalidade
Parâmetros | Freq Absoluta | Freq Relativa | Porcentagem (%) | |
VM | ||||
SIM | 164 | 0,91 | 91,11 | |
NÃO | 16 | 0,09 | 8,89 | |
Total | 180 | 1 | 100 | |
DVA | SIM | 116 | 0,64 | 64,44 |
NÃO | 64 | 0,36 | 35,56 | |
Total | 180 | 1 | 100 | |
Desfecho | Óbito | 123 | 0,68 | 68,33 |
Alta | 57 | 0,32 | 31,67 | |
Total | 180 | 1 | 100 |
Tabela 4 – Análise estatística das variáveis numéricas
Média | Mediana | Moda | Desvio-padrão | Mínimo | Máximo | |
Quantidade de Bolsas/paciente | 3,72 | 3 | 2 | 3,76 | 1 | 44 |
Dímero-D (ug/ml) | 2,8 | 2,18 | 4 | 2,23 | 0,21 | 8,07 |
Idade | 60,9 | 63 | 67 | 14,78 | 21 | 92 |
Proteína C reativa (mg/dL) | 122,18 | 120,05 | 30,2 | 79,34 | 2,7 | 472 |
Contagem Plaquetas/mm3 | 181148,4 | 159500 | 134000 | 92888,9 | 42000 | 461000 |
Hemoglobina (g/dL) | 7,21 | 7,1 | 7,5 | 1,18 | 3,3 | 14,3 |
Número de transfusões por paciente | 2,1 | 2 | 1 | 1,6 | 1 | 10 |
4. DISCUSSÃO
A pandemia da COVID-19 causou grande impacto nos sistemas de saúde do mundo todo. Associado a ela, veio o isolamento social, que no contexto da hemoterapia, reduziu o número de doações aos bancos de sangue. Por outro lado, houve uma redução na demanda de hemocomponentes devido ao cancelamento de cirurgias eletivas e liberação de leitos de enfermaria para receber futuros pacientes com COVID-19 (NGO et al., 2020).
Nosso estudo demonstrou uma demanda transfusional 6,9%, uma demanda baixa quando comparada a esse estudo de Cable et. al. (2019) que mostrou uma demanda transfusional de 30-50% em pacientes internados em ambiente de UTI por outras enfermidades clínicas. Outros estudos corroboram a baixa necessidade de transfusão em pacientes infectados com SARS-CoV2, Barriteau et al. (2020), observou uma taxa de necessidade transfusional de 13,4%. De acordo com Dalmazzo et al. (2021), em um estudo retrospectivo em que analisaram 16 hospitais brasileiros, a demanda transfusional foi em torno de 10%. Porém, quando necessária, a transfusão sanguínea estava associada a formas mais severas da COVID-19 e a maiores taxas de mortalidade (LIPPI; MATTIUZZI, 2020; DALMAZZO et al., 2021) resultado esse também obtido no nosso estudo, que avaliou uma taxa de mortalidade de 68,3% dos pacientes incluídos no estudo, comparada com uma taxa de 19,4% da mortalidade geral por COVID-19, o que demonstrou uma maior probabilidade de óbito nos pacientes transfundidos.
O principal hemocomponente transfundido nos pacientes com COVID-19, tanto nesse estudo quanto em outros, foi o concentrado de hemácias (DALMAZZO et al., 2021; GRANDONE et al., 2022). De acordo com Kronstein-Wiedemann et al., (2022), a infecção pelo SARS-CoV2 desregula o metabolismo da hemoglobina e do ferro, se associando portanto a uma diminuição do turnover celular dos eritrócitos. O que justifica os baixos valores de hemoglobina encontrados no nosso estudo e da principal indicação ser anemia. Entretanto, apesar da recomendação de diretrizes brasileiras e mundiais indicarem transfusão de CH com valores de hemoglobina (Hb) inferiores a 7 g/dL para pacientes clinicamente estáveis (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014; “Red Blood Cell Transfusion: A Clinical Practice Guideline From the AABB *”, ), a média de Hb observada no nosso estudo foi acima de 7 g/dL, demonstrando que grande parte dos pacientes estavam clinicamente instáveis. Um estudo mostrou que valores de corte de hemoglobina mais baixos para transfusão foram associados com maiores taxas de mortalidade em pacientes hospitalizados por pneumonia (RAHIMI-LEVENE et al., 2018).
No estudo de Dalmazzo et al., (2021) , realizado no Brasil, observou uma média de unidades de hemocomponentes transfundida de 9,8 bolsas por paciente, uma média maior que a observada no nosso estudo. Porém, a amostra de pacientes do outro estudo foi muito maior que a nossa.
Em relação ao tipo sanguíneo, na população geral brasileira a frequência dos fenótipos ABO mais prevalentes são A e O (MINISTÉRIO DA SAÚDE, SECRETARIA DE ATENÇÃO ESPECIALIZADA À; SAÚDE, DEPARTAMENTO DE ATENÇÃO ESPECIALIZADA E TEMÁTICA., 2022). Sendo predominantemente o fenótipo A na população caucasiana. Nosso estudo encontrou um número superior de pacientes do grupo sanguíneo A Rh(D) positivo e, também, a cor mais prevalente foi a branca, seguido desse, o segundo foi O RhD positivo. Portanto, a prevalência de grupos sanguíneos nesse estudo foi similar à da população geral brasileira. Conforme observado no estudo de Domènech-Montoliu et al., (2023), não há correlação com suscetibilidade e vulnerabilidade em nenhum grupo sanguíneo específico. Em contrapartida, Shibeeb Khan (2022) mostrou que pode haver associação de maior severidade em pacientes do grupo A e fator protetor em pacientes do grupo O, porém as evidências são fracas e vários fatores confundidores influenciam nos resultados.
Assim como encontrado na população da nossa pesquisa, diversos estudos apontam que doenças crônicas como hipertensão arterial, diabetes mellitus, doenças cardiovasculares, obesidade, tabagismo, idade avançada, entre outras, estão associadas a formas mais severas e a maiores taxa de mortalidade. Tais comorbidades estão associadas a maior risco de tempestade de citocinas e a imunodepressão, o que favorece a ocorrência de maiores complicações relacionadas à infecção pelo SARS-CoV2 e a maior necessidade de ventilação mecânica, uso de droga vasoativa e logo, internação em UTI (DESSIE; ZEWOTIR, 2021). Ademais, pacientes com altos valores de dímero-D (maiores que 1 ug/ml) e de provas inflamatórias, como proteína C reativa e procalcitonina tiveram maior risco de morte intra-hospitalar, o que também foi encontrado na nossa pesquisa (ZHOU et al., 2020; ZHANG et al., 2023). Nos resultados da nossa pesquisa observamos altos valores de dímero-D, com uma média de 2,8 ug/dL, essa média está subestimada, pois vários pacientes não tiveram o dímero-D dosado e além disso, muitos laboratórios apresentam o resultado como superior a 4 ug/dL e não sua dosagem quantitativa real. Outros estudos demonstraram a relação de valores altos de dímero-D a maior severidade da doença causada pelo corona vírus (DÜZ; BALCI; MENEKŞE, 2020; BATTAGLINI et al., 2022). Esse marcador também foi associado a complicações da COVID-19 como coagulopatias, eventos trombóticos e coagulação intravascular disseminada (ASAKURA; OGAWA, 2021).
Nossa pesquisa apresentou algumas limitações como a baixa amostra populacional analisada e um viés de seleção. A alta taxa de mortalidade de pacientes e a relação observada entre necessidade transfusional e mortalidade, pode estar relacionada não só a transfusão, mas também por termos analisados pacientes internados em UTI, já em estado grave, com múltiplas comorbidades. Apesar disso, nosso estudo pode contribuir para futuras pesquisas compreenderem melhor o perfil dos pacientes que necessitaram de transfusão durante a pandemia da COVID-19.
5. CONCLUSÃO
A demanda transfusional gerada pela doença causada pelo corona vírus foi abaixo do esperado. Considerando o contexto de isolamento social e a diminuição das doações de sangue nos hemocentros do país, a repercussão da pandemia poderia ter sido ainda mais catastrófica. A necessidade transfusional foi associada a maior severidade da doença e a maiores taxas de mortalidade. Não houve relação entre a classificação ABO/RhD e a suscetibilidade e severidade da doença. Os pacientes que mais necessitaram de transfusão sanguínea eram idosos e possuíam múltiplas comorbidades, principalmente hipertensão arterial, diabetes mellitus e obesidade. A presente pesquisa buscou analisar o perfil dos pacientes que necessitaram de transfusão sanguínea durante a internação em UTI e avaliar qual foi essa demanda. Contudo, nossa amostra populacional foi pequena e novos estudos são necessários para melhor compreensão da utilização de hemocomponentes durante a pandemia, com a finalidade de nortear os profissionais de saúde em caso de novos surtos da COVID-19 ou de futuras emergências de saúde mundiais.
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