USO DE CANABIDIOL (CBD) NO TRATAMENTO DE EPILEPSIA: REVISÃO DE LITERATURA

USE OF CANNABIDIOL (CBD) IN THE TREATMENT OF EPILEPSY: LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10392324


Autor: Luís Guilherme Cangussu Vasconcelos Silva;
Coautores: Francisco Norberto Netto; Lara Cabral Schiavoni, Marina Raquel Garuffe Norberto; Natalia Parreira Arantes


Resumo:

A epilepsia é clinicamente definida como um distúrbio cerebral grave que ocorre com maior frequência, independentemente da faixa etária e que pode se apresentar de diferentes formas e etiologias. Caracteriza-se pela predisposição permanente de gerar crises epilépticas que, por sua vez, está associada à consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais. No âmbito da neurociência, tem se discutido de forma recorrente, a possível contribuição do canabidiol (CBD) no tratamento de pacientes com epilepsia. Este estudo tem como objetivo revisar a literatura sobre o uso do CBD na terapêutica de doenças neurológicas, com ênfase no tratamento da epilepsia. Foi realizada uma revisão de literatura, utilizando-se artigos científicos publicados em português e inglês no período de 2015 a 2022, tendo como base de dados a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), a Coleção Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e a U.S. National Library of Medicine (PubMed). Dos estudos revisados, a maioria apontou efeitos positivos do CBD como composto adjuvante na redução das crises epilépticas entre pacientes com diversos tipos etiológicos de epilepsia, porém, conclui-se que ainda se carece de dados mais robustos no que se refere à segurança e efeitos adversos desse composto em longo prazo.

Palavras chave: Epilepsia; Crise epiléptica; Tratamento epilepsia; Canabidiol; CBD.

Abstract

Epilepsy is clinically defined as a severe brain disorder that occurs more frequently, regardless of age group, and that can present in different forms and etiologies. It is characterized by the permanent predisposition to generate epileptic crises, which, in turn, is associated with neurobiological, cognitive, psychological and social consequences. In the field of neuroscience, the possible contribution of cannabidiol (CBD) in the treatment of patients with epilepsy has been recurrently discussed. This study aims to review the literature on the use of CBD in the treatment of neurological diseases, with emphasis on the treatment of epilepsy. A literature review was carried out, using scientific articles published in Portuguese and English from 2015 to 2022, using the Virtual Health Library, the Scientific Electronic Library Online Collection (SCIELO) and the U.S. National Library of Medicine (PubMed). Of the studies reviewed, most pointed to positive effects of CBD as an adjuvant compound in the reduction of epileptic seizures among patients with different etiological types of epilepsy, however, it is concluded that there is still a lack of more robust data regarding safety and adverse effects of this compound in the long term.

Keywords: Epilepsy; Epileptic crisis; Epilepsy treatment; Cannabidiol; CBD.

Introdução

A epilepsia é clinicamente definida como um distúrbio cerebral grave que ocorre com maior frequência, independentemente da faixa etária e que pode se apresentar de diferentes formas e etiologias. Se caracteriza pela predisposição permanente de gerar crises epilépticas que, por sua vez, está associada à consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais.1

Constituem modificações temporárias do comportamento causadas pelo disparo desordenado, sincrônico e rítmico de vários neurônios. Tais modificações ocorrem devido a alterações encefálicas que geram atividade neuronal excessiva, devido a um estado de hiperexcitabilidade neuronal e hiper sincronismo, podendo se manifestar de diversas formas distintas, dependendo do estado de consciência do indivíduo e do comprometimento dos substratos neuronais envolvidos.2,3

Trata-se de uma doença crônica, frequentemente progressiva, e que está associada a alterações cognitivas significativas, conforme a frequência e gravidade das crises epilépticas.2 Além de afetar a independência, a saúde psicológica e o ajuste emocional dos pacientes.4

Recentemente houve um grande avanço na compreensão dos mecanismos fisiológicos subjacentes que levam à epilepsia. Isso fez com que fosse possível caracterizar as crises epilépticas em crises focais, quando limitadas a um hemisfério do cérebro; crises generalizadas, quando se originam em ambos os hemisférios; e, em crises de início desconhecido, referindo-se àquelas que não podem ser classificadas nem como focais e nem como generalizadas.5

Essas classificações contribuíram para melhor prescrição dos medicamentos antiepilépticos, permitindo ao médico prescrever os medicamentos que respondam com maior eficácia a cada tipo específico de epilepsia, de acordo com cada paciente e faixa etária.5

Estimativas apontam que existem cerca de 65 milhões de pessoas com epilepsia no mundo, sendo considerada a condição neurológica mais prevalente a nível global.5 Sendo o uso de medicamentos antiepilépticos a principal forma de tratamento.6

Além disso, cerca de 30% dos pacientes não respondem ao tratamento medicamentoso convencional, vivendo, portanto, com convulsões não controladas. São pacientes refratários ao tratamento, os quais são considerados como portadores de epilepsias resistentes aos medicamentos.4 Considera-se que um paciente tem epilepsia refratária ao tratamento, quando dois ou mais medicamentos antiepilépticos não conseguem a remissão das convulsões.6

Apesar dos avanços no desenvolvimento de medicamentos com novos mecanismos de ação, ainda não foi possível reduzir significativamente a porcentagem de pacientes com epilepsia refratária.7 Por outro lado, os procedimentos cirúrgicos, que poderiam ser alternativas importantes em até 25% desses casos, ainda é consideravelmente subutilizado.12

Essas lacunas no tratamento têm levado alguns pesquisadores a considerarem formas alternativas de tratamento, voltando suas atenções para plantas com efeitos medicinais, mas que, até então, estavam excluídas das pesquisas principais, como, por exemplo, a Cannabis sativa.8

A cannabis já era conhecida na Índia e China pelos seus efeitos medicinais há pelo menos 4.000 anos.9 Era usada para tratar uma variedade de problemas de saúde, incluindo constipação intestinal, dores, malária, epilepsia, tuberculose, entre outras doenças.3 Atualmente, sabe-se que a planta contém mais de 100 compostos terpenofenólicos, conhecidos como canabinóides. Sendo o delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol, também chamado de CBD, os dois principais componentes neuroativos.7

O THC é um agente psicoativo, e, seu papel no controle das crises é controverso, devido ao seu efeito de exacerbar a atividade das crises epilépticas. O CBD é um agente não psicoativo, cujas propriedades antiepilépticas vêm sendo demonstradas em diversos estudos.9 Estudos recentes revelaram que o CBD tem propriedades anticonvulsivantes em uma série de síndromes e etiologias de epilepsia.10

Este estudo tem como objetivo revisar a literatura sobre o uso do CBD na terapêutica de doenças neurológicas, com ênfase no tratamento da epilepsia.

Metodologia

Foi realizada uma revisão de literatura, utilizando-se artigos científicos disponíveis nas bases de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), da Coleção Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e da U.S. National Library of Medicine (PubMed), utilizando-se os descritores: Epilepsia, Crise epilética, Tratamento epilepsia, Canabidiol, CBD. Bem como, seus análogos em inglês: Epilepsy, Epileptic crisis, Epilepsy treatment, Cannabidiol, CBD.

O período de coleta dos dados foi de março a abril de 2022. Selecionou-se a partir dos seguintes critérios de inclusão: artigos em português e inglês publicados na íntegra no período entre 2015 e 2022. Os critérios de exclusão foram: resumos de artigos, artigos fora de recorte temporal e em outros idiomas que não fossem o português e o inglês.

A questão norteadora para a elaboração da pesquisa foi: quais são as evidências científicas mais recentes relativas ao uso do canabidiol (CBD) em pacientes com epilepsias.

Foram incluídas publicações que fornecessem dados sobre o uso de canabidiol (CBD) no tratamento de epilepsia, incluindo estudos retrospectivos e prospectivos, ensaios clínicos, revisões sistemáticas com ou sem meta-análise e artigos de revisão de literatura. Adicionalmente utilizou-se o livro Tratado de Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia (2ª edição) e a Nota Técnica Nº 02/2015 publicada pela Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso.

Foi realizada uma análise e comparação para a realização da revisão bibliográfica, a fim de delimitar e explicitar os benefícios do uso de CBD no que se referem à efetividade e a melhora progressiva do paciente epilético frente ao uso dessa substância.

Resultados e discussão

Na primeira fase da busca, utilizando-se os descritores epilepsia, tratamento, canabidiol (CBD) foram encontrados nas bases de dados um total de 2.921 artigos, compreendendo, 201 publicações disponíveis na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), 11 na base de dados Scielo e 2.709 na PubMed. Após a filtragem, com aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, restaram 480 estudos disponíveis com textos completos e gratuitos. Dentre estes, foram identificadas 396 publicações duplicadas, ou seja, se encontravam disponíveis tanto na base de dados da BVS quanto na base de dados da PubMed. Após a exclusão de 198 títulos duplicados, os títulos de 282 publicações restantes foram examinados quanto à sua elegibilidade, sendo selecionados entre estes, 18 artigos, compreendendo um artigo da SciELO, três da BVS e catorze da PubMed e mais 02 estudos adicionais incluindo o livro Tratado de Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia (2ª edição) e a Nota Técnica Nº 02/2015 da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso, para compor a amostra deste estudo conforme apresentado na figura 1.

Figura 1: Resultado da busca nas bases de dados.

Fonte: Silva, 2022.

No quadro 1 foram listados os 18 artigos disponíveis nas bases de dados que integraram este estudo, sendo compilado os seguintes dados: ano de publicação, nome do primeiro autor, País/Estado onde foi realizado, objetivos, metodologia utilizada e as principais conclusões dos autores. Observa-se com relação à metodologia utilizada pelos pesquisadores, a predominância de revisão de literatura, abrangendo 72% dos estudos analisados.

Quadro 1: Principais características dos estudos sobre o uso de canabidiol (CBD) em pacientes com epilepsia.

DataAutoresPaísObjetivosMétodoConclusâo
2015Brucki et al.Brasil.Preparar uma posição crítica sobre o uso do canabidiol e outros derivados da cannabis em doenças neurológicasRevisão de Literatura com análise críticaParecem existir evidências de efeitos benéficos dos canabinoides em alterações do sistema nervoso central e periférico, porém, seu uso em longo prazo ainda não é conhecido.
2016Dalic;
Cook
AustráliaRealizar um apanhado geral sobre a farmacologia do sistema endocanabinoide, os medicamentos baseados em Cannabis disponíveis para uso clínico, bem como o uso do canabidiol no tratamento das epilepsias em humanosRevisão de LiteraturaAinda que o uso de canabidiol para tratamento de epilepsias refratárias à farmacoterapia convencional não seja mais uma novidade, mais estudos ainda são necessários para indicar livremente o seu uso
2017Carvalho et al.BrasilRealizar um apanhado geral dos medicamentos baseados em Cannabis disponíveis para uso clínico e tem como enfoque o atual estado da arte do potencial terapêutico do canabidiol para tratamento da epilepsia.Revisão de LiteraturaMais estudos ainda são necessários para indicar livremente o uso de canabidiol para tratamento de epilepsias refratárias à farmacoterapia convencional. Por razões diversas, entre elas o número limitado de pacientes em cada um dos estudos clínicos, não se pode concluir com certeza a sua eficácia isolada ou se somente teria a capacidade de potencializar o efeito das outras drogas
2017Devinsky et al.Inglaterra/ EUARealizar um estudo randomizado, duplo-cego e controlado por placebo de canabidiol para tratar a epilepsia resistente a medicamentos na síndrome de Dravet.Estudo randomizado duplo-cego, controlado por placeboEste estudo mostrou que o canabidiol reduziu a frequência de convulsões entre crianças e adultos jovens com síndrome de Dravet durante um período de 14 semanas.
2017Matos et al.BrasilReunir dados bibliográficos que descrevam o perfil terapêutico do canabidiol (CBD) […] no tratamento dos transtornos psíquicos, em especial nas epilepsias refratárias.Revisão de LiteraturaO CBD representa uma alternativa promissora para pacientes epilépticos que não apresentam resposta aos tratamentos disponíveis, uma vez que ele pode impedir a ocorrência de danos cerebrais e consequentemente modificarem a história natural da doença.
2018Klotz et al.Alemanha e outrosMelhorar o conhecimento sobre o uso atual de CBD entre os médicos europeus que tratam crianças e adolescentes com epilepsia.Pesquisa transversal usando um questionário onlineO CBD é cada vez mais usado pelos médicos, mas a experiência individual permanece limitada. Existem opiniões muito diversas sobre o uso do CBD para tratar a epilepsia em crianças e adolescentes e visões muito diferentes sobre como gerenciar o tratamento com CBD.
2019Santos et al.BrasilEvidenciar a ampla aplicabilidade do CBD, averiguando os efeitos farmacológicos, toxicológicos e os mecanismos dessa substância no tratamento de convulsões, epilepsia  e demais doenças do sistema nervoso central.Revisão de LiteraturaAs propriedades terapêuticas do CBD precisam de mais pesquisas para: ampliar o conhecimento sobre essa substância, identificar sua janela terapêutica e conhecer melhor seu mecanismo de ação no tratamento de doenças neurológicas. Gerando maior segurança de administração do fármaco para pacientes e prescritores.
2019Franco;
Perucca
ItáliaRevisar os dados disponíveis para descrever as evidências científicas do CBD em Epilepsias Pediátricas.Revisão de LiteraturaCerca de metade dos pacientes incluídos nos estudos DS e LGS estavam recebendo terapia concomitante com clobazam, e nesses pacientes um aumento induzido por CBD nos níveis séricos do metabólito ativo norclobazam pode ter contribuído para melhores resultados de convulsões.
2019Laux et al.EUAEstabelecer a segurança e tolerabilidade do CBD em pacientes com epilepsias resistentes ao tratamento.Ensaio clínico (programa de acesso expandido)Os resultados desta análise provisória apoiam o CBD complementar como uma opção eficaz de tratamento em longo prazo em LGS ou DS.
2019Silvestro et al.ItáliaAvaliar o uso de CBD, além de drogas antiepilépticas comuns, na epilepsia grave resistente ao tratamento […].Revisão de LiteraturaOs resultados dos estudos científicos obtidos até agora sobre o uso do CBD em aplicações clínicas podem representar esperança para pacientes resistentes a todas as drogas antiepilépticas convencionais.
2020Williams; StephensReino UnidoDiscutir por meio de uma revisão pesquisas pré- clínicas realizadas na Universidade de Reading sobre o desenvolvimento do canabidiol como tratamento para epilepsias graves da infância.Revisão de LiteraturaÉ altamente provável que surjam áreas adicionais de utilidade terapêutica nos próximos anos para o CBD e talvez outros canabinóides derivados de plantas.
2020Raucci et al.ItáliaRevisar os dados disponíveis para descrever as evidências científicas do CBD em Epilepsias Pediátricas.Revisão de LiteraturaInvestigações sobre o CBD em idade pediátrica, melhor avaliação da incidência e prevalência de síndromes epilépticas relacionadas à idade, juntamente com maior conhecimento de seu curso natural e o desenvolvimento de novos desfechos podem fornecer algumas sugestões para melhorias futuras para a utilização terapêutica do CBD.
2020Espinosa- JovelColômbiaExaminar os aspectos epidemiológicos do uso de produtos à base de cannabis para o tratamento da epilepsia, com especial ênfase nos principais mecanismos de ação, indicações de uso, eficácia clínica e segurançaRevisão NarrativaExtratos de cannabis 100% purificados e enriquecidos com canabidiol estão sendo usados para tratar a epilepsia em humanos. Vários estudos abertos e ensaios clínicos controlados randomizados demonstraram a eficácia e segurança desses produtos.
2020Silva et al.BrasilRealizar uma tradução adaptada em inglês de ‘Análise crítica do papel do canabidiol no tratamento da epilepsia’, originalmente publicada em ‘Epilepsia Atual’Revisão de LiteraturaO papel do CBD no tratamento da epilepsia resistente a medicamentos é adjuvante e muitas vezes exagerado. Os efeitos adversos são geralmente leves e a taxa de descontinuação é baixa.
2021Von Wrede; Helmstaedte r, SurgesReino Unido/AlemanhaRevisar os dados de pesquisa disponíveis e as recomendações práticas para fornecer ao médico assistente as informações necessárias para aconselhar pacientes com epilepsia.Revisão de LiteraturaVários estudos mostraram resultados promissores no tratamento da síndrome de Dravet e síndrome de Lennox-Gastaut, bem como complexo de esclerose tuberosa. Mas a eficácia no tratamento de outras formas de epilepsia ainda está sob investigação
2021Strickland et al.EUAAvaliar associações transversais e longitudinais do uso de produtos artesanais de CBD com qualidade de vida, saúde mental, utilização de serviços de saúde e resultados específicos da epilepsia em uma grande coorte observacional de pessoas com epilepsia.Estudo de coorte observacionalOs usuários de CBD artesanal relataram tolerabilidade de medicamentos para epilepsia significativamente melhor, uso de menos medicamentos prescritos em geral e menor utilização de assistência médica em comparação com os controles.
2021Farrelly et al.IrlandaExplorar alvos moleculares subjacentes às capacidades anticonvulsivantes do canabidiol (CBD), canabidavarina (CBDV), delta-9- tetrahidrocanabivarina (Δ 9-THCV) e canabigerol (CBG).Revisão de LiteraturaA exploração de CBD, CBDV, Δ 9-THCV e CBG em ambientes pré-clínicos e clínicos podem orientar pesquisas futuras e ajudar na compreensão do papel dos fitocanabinóides no tratamento da epilepsia. Atualmente, muito mais pesquisas são necessárias nesta área para serem conclusivas.
2021Zilmer;
Olofsson
DinamarcaDescrever os resultados do tratamento com canabidiol em pacientes com epilepsia refratária grave, avalia o efeito da co-medicação com clobazam e compara os achados em pacientes de Dravet e Lennox-Gastaut com resultados em pacientes com outras epilepsias.Estudo de coorte retrospectivoO canabidiol é uma opção de tratamento em crianças e adultos jovens com epilepsia refratária grave que não as síndromes de Dravet e Lennox- Gastaut, mas a avaliação cuidadosa de seus efeitos é importante para diminuir o tratamento caso não haja efeito do tratamento. A co-medicação com clobazam aumenta a redução das convulsões

Fonte: Silva, 2022

A Cannabis sativa é uma planta medicinal milenar da qual já foram extraídos mais de 100 compostos.11 Sendo que, aproximadamente 60 deles correspondem aos componentes canabinoides.3. Dentre estes, os mais relevantes e estudados são o delta 9- tetraidrocanabinol (THC), responsável pelos efeitos psicoativos da planta, e o canabidiol, também conhecido como CBD e que é desprovido de efeitos psicoativos11

Estudos sobre os efeitos do THC na epilepsia têm mostrado resultados conflitantes. Há relatos de que seus efeitos são pró-convulsivantes, enquanto que o CBD tem uma eficácia antiepiléptica mais consistente.12

O CBD foi isolado da Cannabis sativa na década de 1940 e amplamente estudado a partir de então.13 No final do século XX, após a descoberta do sistema endocanabinoide e seu papel na epileptogênese e na neuromodulação, foram realizados vários estudos sobre o uso de canabinoides tanto em animais quanto em humanos.9

As propriedades antiepilépticas do CBD não foram até agora totalmente esclarecidas. Estudos revelaram que a maioria dos canabinoides exerce sua ação interagindo com os receptores canabinoides. Enquanto o CBD, ao contrário, mostra uma baixa afinidade por esses receptores, interagindo, no entanto, com vários outros sistemas de sinalização, principalmente antagonismo do receptor acoplado à proteína G 55 (GPR55), dessensibilização do potencial do receptor transitório dos canais vanilóides tipo 1 (TRPV1) e), inibição da recaptação de adenosina, entre outros.11,14 Sendo que, a sinalização mediada pelo potencial do receptor transitório vanilóide tipo 1 (TRPV1) pode ser a via mais relevante do seu efeito antiepiléptico.12

Nos últimos anos, o interesse clínico pelo CBD aumentou entre a comunidade científica devido ao seu perfil de segurança e propriedades neuroprotetoras em diversas doenças neurodegenerativas, incluindo Esclerose Lateral Amiotrófica, Parkinson e Doenças de Alzheimer.11 Bem como por suas propriedades anticonvulsivantes, analgésicas, ansiolíticas, antipsicóticas, antiinflamatórias, antieméticas e imunomoduladoras.14

No Brasil, estudo duplo-cego realizado no início da década de 1980, pelo grupo de estudos do pesquisador Dr. Carlini, envolvendo quinze pacientes com epilepsia generalizada secundária, que não respondiam mais ao tratamento convencional, onde oito deles receberam entre 200-300 mg/dia de CBD por via oral, revelou que 50% desses pacientes não tiveram crises epilépticas durante um período de quatro meses e meio de tratamento, e que outros 37,5% apresentaram, nesse período, melhora parcial das suas condições clínicas. Os pesquisadores sugeriram que o CBD poderia ser um adjuvante no tratamento da epilepsia.20

Vários estudos mais recentes têm demonstrado a segurança e eficácia do CBD na redução de convulsões para várias síndromes epilépticas específicas.15. Ensaio clínico randomizado multicêntrico realizado com pacientes com síndrome de Dravet resistente aos medicamentos, mostrou que entre os pacientes tratados com CBD houve redução de pelo menos 50% na frequência de crises epilépticas ao longo de um período de 12 semanas de tratamento com dosagem estável de CBD.16

Achados semelhantes foram encontrados em outro estudo, realizado com crianças e adultos com síndrome de Dravet ou síndrome de Lennox-Gastaut, que receberam CBD (Epidiolex) em doses de 2-10 mg/kg/dia, até o limite de tolerabilidade ou uma dose máxima de 25-50 mg/kg/dia, onde os resultados mostraram que houve uma redução consistente das principais convulsões motoras em 50% dos pacientes e nas convulsões totais em 44%, após 12 semanas de tratamento e durante o período de acompanhamento de 2 anos. Os pesquisadores sugeriram que o CBD pode ser uma opção de tratamento complementar eficaz em longo prazo para pacientes com esses tipos de síndromes.10

Mudanças recentes no status legal da cannabis medicinal em vários países tornaram o CBD mais acessível aos profissionais de saúde.17 A agência reguladora dos Estados Unidos – Food and Drug Administration (FDA) aprovou em 2013 o uso terapêutico do CBD nas pesquisas clínicas para tratamento de epilepsias em crianças que não reagiam ao tratamento convencional.8

Em 2018, após uma série de pesquisas pré-clínicas, a FDA aprovou o primeiro medicamento a base de óleo de CBD altamente purificado (Epidiolex) para o tratamento de convulsões associadas à síndrome de Dravet e à síndrome de Lennox-Gastaut. Sendo aprovado também, em 2019, pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA), com o nome de Epidyolex®.5,14

A síndrome de Dravet e a síndrome de Lennox-Gastaut são, entre as síndromes genéticas de epilepsia infantil, as mais difíceis de tratar, e, geralmente, são resistentes aos medicamentos anticonvulsivantes tradicionais. Em quatro ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos, de grupos paralelos, de terapia adjuvante, em que o CBD foi administrado em doses de 10 e 20 mg/kg/dia, divididas em duas administrações, foi demonstrado que seu efeito foi superior ao placebo na redução da frequência de crises de quedas em pacientes com síndrome de Lennox-Gastaut e crises epilépticas em pacientes com síndrome de Dravet.14

Estudo multicêntrico desenvolvido nos Estados Unidos com 23 pacientes, com média de idade de 10 anos, portadores de síndromes epiléticas heterogêneas não responsivas aos medicamentos tradicionais, ou que tiveram efeitos colaterais significativos com os medicamentos utilizados, no qual foi administrado o Epidiolex, sem que houvesse a retirada das medicações antiepilépticas, revelou nos resultados preliminares, que 39% desses pacientes obtiveram redução de 50% de suas crises epilépticas.18

Estudo de coorte retrospectivo, realizado na Dinamarca com 78 crianças e adultos jovens com epilepsia refratária grave, tratados com canabidiol off-label, revelou que 70,0% dos pacientes com síndromes de Dravet e Lennox-Gastaut, tiveram redução ≥ 50% nas convulsões em três meses.19

No Brasil, o conselho Federal de Medicina, embora admitindo que existissem resultados conclusivos quanto à segurança e eficácia do canabidiol para epilepsia, aprovou, por meio da resolução CFM Nº 2.113/2014, o uso compassivo do canabidiol para o tratamento de epilepsias em crianças e adolescentes refratários aos tratamentos convencionais21.

Em 2016, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso medicinal e produção de medicamentos à base de CBD e Tetraidrocanabinol (THC).8 Essas medidas representaram um grande avanço em relação às pesquisas futuras no país, sobretudo no que se refere a uma melhor compreensão de suas propriedades e potencial terapêutico.

Nos estudos analisados nesta revisão, verificou-se que os eventos adversos mais comuns associados ao uso do CBD, incluem diarreia, vômito, fadiga, pirexia, distúrbios do sono, sedação, alterações comportamentais, erupções cutâneas e resultados anormais nos testes de função hepática (aumento das trasaminases).14,16 Sugerido os pesquisadores que alguns efeitos adversos possam estar relacionados a interações com outras drogas antiepilépticas.16

Atualmente, o CBD pode ser sintetizado e extraído da Cannabis sativa. Diferentes fórmulas estão disponíveis, como por exemplos, o CBD purificado e o CBD de grau farmacêutico altamente purificado (com teor de THC inferior a 0,2%).13 O CBD farmacêutico é atualmente um medicamento de prescrição restrita e limitada apenas aos pacientes com as indicações específicas aprovadas.15

Pesquisa transversal usando um questionário online, realizada com cento e cinquenta e cinco médicos de oito países europeus diferentes, constatou que 45% deles já havia prescrito o CBD para tratamento da epilepsia na infância e adolescência. Os pesquisadores acreditam que embora as evidências clínicas para apoiar o uso do CBD sejam escassas, a crescente taxa de prescrição deste agente entre os médicos nos últimos anos está associada com um crescente interesse pela cannabis medicinal em geral e pelo CBD em particular, para o tratamento da epilepsia e de outras doenças neurológicas.17

Verifica-se que a maioria dos estudos pesquisados nesta revisão se refere aos efeitos anticonvulsivantes do CBD em pacientes com epilepsias refratárias ao tratamento medicamentoso convencional.13,16,18 Porém, concorda-se com Brucki et al. 18 ao mencionarem que, embora existam evidências de que comprovem o efeito antiepiléptico do CBD, algumas questões ainda precisam ser melhor evidenciadas, como por exemplos, a interações medicamentosas, uso prolongado com segurança, mecanismo de ação e efeitos colaterais.

Independentemente dos estudos pioneiros, muitas outras pesquisas posteriores comprovaram a importância do CBD em relação à epilepsia, e mesmo com a carência de publicações quanto à segurança do mesmo em longo prazo, a proibição quanto ao uso medicinal dos derivados da cannabis traz grande prejuízo às famílias, que de certa maneira, poderiam amenizar as crises epiléticas de seus familiares se houvesse autorização legal mais simplificada para comprar a droga em farmácias.

Conclusão

Foi demonstrado nos estudos que o uso do canabidiol (CBD) é potencialmente benéfico para diversos pacientes que não encontram em medicações tradicionais o necessário alívio de suas crises epilépticas. Entretanto, ainda não é possível avaliar todos os benefícios e os possíveis efeitos colaterais em longo prazo que o uso do canabidiol possa trazer para os pacientes com epilepsia.

Apesar dos estudos mostrarem os benefícios do CBD na redução das crises epilépticas, muitas famílias esbarram na proibição e/ou burocracia imposta pelo Estado em relação ao uso dessa substância, dada a forma como a Cannabis é vista socialmente. Embora não haja dúvidas que diversos avanços já foram alcançados no sentido de se permitir a utilização da mesma para realização de estudos científicos e até a fabricação de extratos no Brasil e em diversos outros países.

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