REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202410070932
Giovanna Letícia Dias Melo;
Orientador: Rafael de Souza Bueno
RESUMO
INTRODUÇÃO: A utilização de fármacos da classe dos benzodiazepínicos é extremamente útil na medicina moderna, principalmente ao se considerar a ampla aplicação de tais medicações. No entanto, pelos efeitos relacionados com a ação rápida desses fármacos, foi observado uso indiscriminado, especialmente a população idosa. OBJETIVO: Apresentar as dificuldades relacionadas ao processo de desprescrição de benzodiazepínicos em idosos em uma unidade básica de saúde da cidade de Anápolis-GO, durante o período entre março de 2023 e julho de 2024. RESULTADOS E DISCUSSÃO: Assim como foi possível observar seus benefícios relativos e transitórios; as adversidades dos benzodiazepínicos se tornaram evidentes e associadas com difícil processo de desprescrição. CONCLUSÃO: Nota-se que a dificuldade é de modo geral e através disso a melhor estratégia é ter mais cautela no manejo de comorbidades em idosos.
Palavras-chave: Benzodiazepínicos; Desprescrição; Desmame; Idosos; Atenção primária.
ABSTRACT
INTRODUCTION: The use of benzodiazepine drugs is extremely useful in modern medicine, especially considering the broad application of these medications. However, due to the rapid action of these drugs, indiscriminate use could be obser Benzodiazepines; Deprescribing; Tapering; Elderly; Primary careved, particularly among the elderlypopulation. OBJECTIVE: To present the challenges related to the process of deprescribing benzodiazepines in the elderly at a primary healthcare unit in the city of Anápolis-GO, during the period from March 2023 to July 2024. RESULTS AND DISCUSSION: While the relative and temporary benefits of benzodiazepineswere noticed, the difficulties associated with their adverse effects and the challenging deprescribing process became evident. CONCLUSION: It is clear that the difficulty is widespread, and the best strategy is to exercise more caution when managing comorbidities in the elderly.
Keywords: Benzodiazepines; Deprescribing; Tapering; Elderly; Primary care.
1 INTRODUÇÃO
Os benzodiazepínicos são fármacos psicotrópicos de uso controlado por meio da Portaria nº344, de 12 de maio de 1998. Dentre seus principais efeitos, destacam-se as funções sedativas, ansiolíticas, de combate a insônia e anticonvulsivantes. Em contrapartida, os efeitos adversos se ressaltam principalmente em pacientes idosos e aqueles vítimas de polifarmácia. (Leonardi; Azevedo; Oliveira, 2017; Fiorreli; Assini, 2017)
Os efeitos colaterais desses medicamentos podem levar a prejuízos na memória, tonturas, zumbidos, agressividade, desinibição, diminuição da atividade psicomotora e dependência. Essa última é um fator importante a ser considerado antes da prescrição, visto que ocorre mesmo em doses terapêuticas; com diferentes graus de severidade, a depender da doses, tempo de uso e potência do fármaco (de Oliveira et. al., 2017).
Com o avanço da idade, aumenta-se o risco de polifarmácia devido a maior prevalência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), levando ao consequente aumento da possibilidade de interações medicamentosas. Considerando essa realidade, a Sociedade Americana de Geriatria, estabeleceu as medicações potencialmente inapropriadas (MPI) para idosos, que podem ser avaliadas por diferentes ferramentas e escalas auxiliando não somente quanto à possibilidade de uso, mas também quanto às possíveis interações e efeitos colaterais. (Oliveira et.al., 2020)
Dentre as ferramentas possíveis para avaliação e triagem das MPI destacam-se a Screening Tool of Older Persons’ Prescriptions (STOPP) e os critérios de Beers. No Brasil os critérios de Beers são amplamente utilizados, sendo sua última atualização em 2019. Apesar da facilidade e qualidade dos estudos para estabelecimento dos critérios, ainda se observa no Brasil, relevante desconsideração dos mesmos (Praxedes et. al., 2021).
Com base nessas informações, observa-se a necessidade de cautela no tratamento de idosos com DCNT, principalmente com relação a interações medicamentosas e efeitos adversos. Portanto, o objetivo desse relato é apresentar como a prescrição de benzodiazepínicos interfere na rotina do paciente idoso e principalmente a dificuldade de desmame nessa população.
2 OBJETIVOS
Este estudo tem como objetivo apresentar a dificuldade encontrada no desmame de drogas farmacêuticas da classe benzodiazepínicos na população idosa além de correlacionar teoria e prática e os conhecimentos que foram desenvolvidos ao longo da residência de medicina de família e comunidade e realizar uma revisão bibliográfica sobre o tema.
3 MATERIAIS E MÉTODO(S)
Se trata de relato de experiência realizado com bases nos dados clínicos obtidos durante a residência de medicina da família e comunidade em unidades básicas de saúde em Anápolis/GO. A observação dos casos ocorreu devido à recorrência de situações envolvendo a necessidade de desmame de idosos que utilizam benzodiazepínicos. Para construção do presente relato, foi utilizado referencial teórico obtido nas plataformas acadêmicas PubMed, Google Acadêmico e Scientific Eletronic Library Online (Scielo).
Foram selecionados artigos publicados a partir do ano 2000 até 2024. Como descritores foram utilizados os termos “Benzodiazepínicos”, “Desmame” e “Idosos” Como critério de inclusão foram selecionados os artigos que se relacionaram aos descritores selecionados. E como critérios de exclusão foram retirados artigos que apesar de falar sobre o desmame de benzodiazepínicos tinham como público-alvo outras faixas etárias que não pessoas acima de 60 anos.
As unidades básicas de saúde funcionam em dois regimes de atendimento: agendado e demanda espontânea. Os agendamentos abordam casos de acompanhamento longitudinal, abrangendo principalmente as doenças crônicas não transmissíveis. A demanda espontânea advém de pacientes sem agendamento, mas que precisam de atendimento rápido devido a problemas mais urgentes
Os atendimentos para desmame são feitos de forma quinzenal e programados dessa maneira para que seja possível avaliar os pacientes. Essas reavaliações acontecem nesse intervalo devido ao esquema de retirada utilizado funcionar com a modificação das doses a cada 15 dias. Assim sendo possível acompanhar tanto a eficiência quanto a dificuldade do paciente nesse processo.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A residência de medicina de família e comunidade tem as Unidades Básicas de Saúde como maior campo de aprendizagem e sua implementação trouxe diversas melhorias para a população no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente se considerarmos o cuidado continuado, proporcionando uma atenção especializada e humanizada para cada paciente (Herrera, 2018).
Justamente por proporcionar esse cuidado continuado, foi possível perceber nas atuações ao longo dos dois anos de residência sobre a compartimentalização do cuidado. A maioria dos pacientes com multimorbidade chega advinda de consultas com diversos especialistas sem programação ou alinhamento entre os médicos assistentes. Nota-se então como a assistência continuada pode colaborar para o acompanhamento adequado de cada paciente.
Dentre essas observações, ficou evidente o alto índice de utilização de medicações potencialmente inapropriadas (MPI) na população idosa. É aventada a hipótese que a dependência perante os benzodiazepínicos pode estar relacionada com prescrições abundantes dessa classe, em sua maioria realizadas de forma errônea. E um agravante de tal situação é a dificuldade apresentada pelos pacientes em aceitar iniciar o esquema de desmame e quando aceitam a dificuldade de seguir no esquema. (Gorzoni; Fabbri; Pires, 2012).
Ao se avaliar os efeitos adversos possíveis através da utilização dos benzodiazepínicos, Oliveira et.al. 2020 aponta a associação desses com quadros de declínio cognitivo, deficiências de ordem psicomotoras, aumento do risco de doença de Alzheimer, aumento do risco de queda; dentre outros agravos possíveis. Esse mesmo autor conduziu um estudo denominado Projeto Bambuí para avaliação da população idosa do município que deu nome ao projeto. De acordo com as conclusões do estudo, observou-se que a desprescrição dessas medicações tem trazido benefícios para os pacientes (Oliveira et. al, 2017).
Com o avanço farmacêutico e a chegada dos novos antidepressivos – que têm mostrado maior segurança na área da geriatria – a substituição da prescrição dos benzodiazepínicos se torna facilitada. No entanto, a dificuldade do desmame permanece presente. Existem duas complicações que se destacam ao longo da vivência desses dois anos de residência. A primeira, a dificuldade do paciente em aceitar a retirada da droga e a segunda, a síndrome de abstinência (Leonardi; Azevedo; Oliveira, 2017).
Conforme apresentado com Fiorreli e Assini (2017), há fornecimento de orientações insuficiente acerca do uso de benzodiazepínicos por parte dos prescritores. Com isso, pacientes descrevem uso prolongado desses medicamentos por cerca de dois a oito anos, com ignorância dos efeitos colaterais atrelados. Outra situação apresentada é a prescrição sem reavaliação do paciente, não avaliando a clínica e a necessidade de permanecer com tal droga.
Em consonância com esse estudo, a vivência dentro da Unidade Básica de Saúde possibilitou o contato com idosos fazendo uso de benzodiazepínicos por longo prazo, sem orientações sobre a real necessidade ou efeitos colaterais relacionados. Foi possível realizar o desmame de parte desses pacientes com resistência inicial. No entanto, ao longo do processo, a reversão de alguns efeitos colaterais foi condição facilitadora. Deve-se ressaltar que durante a desprescrição, o principal impedimento foi à síndrome de abstinência.
Quanto à necessidade do uso de benzodiazepínicos, na ausência de melhores opções, existem aqueles de ação curta ou intermediária, que podem ser mais recomendados, como o lorazepam e alprazolam; apesar dos riscos de dependência permanecerem. Na rotina de atendimentos na UBS, foi possível ainda observar que os pacientes que passaram a utilizar outras classes substitutas tiveram boa adesão aos tratamentos, com melhores respostas terapêuticas (Lima et.al, 2017).
A prescrição de benzodiazepínicos necessita de maior controle por parte das agências de regulação, uma vez que muitos usuários obtêm o fármaco sem receita médica. Tal situação foi constatada com frequência na prática clínica, quando o paciente relatava o início do uso por indicação de um amigo ou familiar, e conseguindo obter o medicamento sem receita. Casos como esses foram os mais complexos na tentativa de realização do desmame, por dificuldade de convencer o paciente que a aplicabilidade da medicação deveria se estabelecer na individualidade do mesmo e não na experiência de outrem (Freire et. al, 2022).
Ao longo da experiência, foi possível notar que para além dos protocolos, a compreensão da realidade do paciente, assim como seu letramento em saúde, deve ser de grande valia na hora da tomada de decisão. O processo de desmame reavaliado a cada 15 dias facilitou a desprescrição. Sendo assim, a adaptação do acompanhamento estabelecida de acordo com o caso, corrobora com o objetivo a ser atingido.
5 CONCLUSÕES
Esse trabalho permitiu revisar o uso de benzodiazepínicos por idosos e os fatores envolvidos na desprescrição, proporcionando uma melhor compreensão do tema. Além disso, relatou-se a experiência da residência médica, alinhando-a com os estudos, o que favoreceu o aprendizado e ajudou a melhorar a situação de desmame dessas medicações.
Ao longo desses dois anos, de prescrever medicamentos que afetavam a qualidade de vida dos pacientes foi uma das experiências mais interessantes, visto a melhora significativa apresentada por eles após tal conduta. Essa vivência facilitou a compreensão das novas formas de tratamento, apresentadas constantemente nos meios acadêmicos.
Além disso, é possível compartilhar com a comunidade acadêmica a experiência dos casos acompanhados e como essa assistência tem grande impacto na qualidade de vida dos pacientes. Dessa forma, espera-se que este relato de experiência sirva como complemento para outros profissionais que lidam com situações similares, além de proporcionar uma reflexão válida sobre o cuidado com as prescrições para idosos. A leitura dos artigos, que corroboraram para a elaboração deste trabalho, também incrementou o conhecimento dos autores sobre o tema.
REFERÊNCIAS
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Brasil. Portaria nº344, de 12 de maio de 1998. Ministério da Saúde e Secretaria de Vigilância em Saúde, 1998.
DE OLIVEIRA, Henrique Souza Barros et al. Utilização dos critérios de Beers para avaliação das prescrições em idosos portadores de doenças crônicas vinculados a um plano de saúde. Revista Brasileira de Ciências do Envelhecimento Humano, v. 14, n. 3, 2017.
FREIRE, Marina de Borba Oliveira et al. Utilização de benzodiazepínicos em idosos brasileiros: um estudo de base populacional. Revista de saúde Pública, v. 56, p. 10, 2022.
FIORELLI, Katiana; ASSINI, Fabricio Luiz. A prescrição de benzodiazepínicos no Brasil: uma análise da literatura. ABCS Health Sciences, v. 42, n. 1, 2017.
GORZONI, Milton Luiz; FABBRI, Renato Moraes Alves; PIRES, Sueli Luciano. Medicamentos potencialmente inapropriados para idosos. Revista da Associação Médica Brasileira, v. 58, n. 4, p. 442-446, 2012.
HERRERA, Sávia Denise Silva Carlotto. Residência de medicina da família e comunidade promove melhoria na atenção básica de saúde?. 2018. 130fl. Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde) – Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde. Universidade Federal do Tocantins, Palmas.
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LIMA, Hallyson Santos Morais et al. Uso de benzodiazepínicos em idosos: uma revisão integrativa.2017. 47f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em farmácia). Universidade Federal de Campina Grande, Cuité, 2017.
OLIVEIRA, Aline Luiza Marcondes Lopes et al. Aumento da utilização de benzodiazepínicos entre idosos mais velhos: Projeto Bambuí. Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 23, p. e200029, 2020.
PRAXEDES, Marcus Fernando da Silva et al. Prescrição de medicamentos potencialmente inapropriados para idosos segundo os Critérios de Beers: revisão sistemática. Ciência & Saúde Coletiva, v. 26, p. 3209-3219, 2021.