USO AMBULATORIAL DO CANABIDIOL NO TRATAMENTO DE ANSIEDADE E DEPRESSÃO EM ADULTOS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202412071337


Francisco Vladimir Oliveira Almeida¹


RESUMO:

A humanidade busca o alívio e tratamento de sintomas há milhares de anos com os substratos de Cannabis sativa, ainda que seu mecanismo de ação não tenha sido esclarecido apenas em meados do século XX.Devido às suas características, o uso de canabinoides exógenos atraiu alto interesse científico e o canabidiol (CBD) tem demonstrado efeitos promissores no tratamento de transtornos do humor. Objetivos: Trata-se de uma revisão integrativa narrativa da literatura para descrever as evidências do uso do canabidiol no tratamento ambulatorial de transtornos depressivo-ansiosos em adultos. Metodologia: Serão incluídos no estudo artigos presentes na bases de dados PUBMED e SCIELO que se relacionem com o tema, excluindo-se os estudos que envolvam menores de 18 anos e estudos que envolvam outros transtornos mentais na mesma amostra. Resultados: O canabidiol demonstra-se benéfico no tratamento da depressão e ansiedade, o que possibilitará a mudança em fluxogramas e protocolos de tratamento dessas doenças, impactando diretamente na vida daqueles que sofrem com essas condições.

Palavras-chaves: Canabidiol, ansiedade, depressão, tratamento, adultos

INTRODUÇÃO:

O presente estudo faz parte de um trabalho em desenvolvimento, vinculado à Dissertação de Mestrado do autor no Programa de Pós-Graduação de Ciências da Saúde da Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS). A pesquisa aborda o uso ambulatorial do canabidiol (CBD) no tratamento de ansiedade e depressão em adultos, contribuindo para a ampliação do conhecimento sobre as aplicações clínicas dessa substância no contexto da saúde mental. O estudo visa, não apenas sistematizar as evidências científicas disponíveis, mas também fomentar debates e avanços na compreensão do potencial terapêutico do CBD, alinhando-se aos esforços contemporâneos de buscar abordagens inovadoras e eficazes no manejo de transtornos de humor.

A Cannabis sativa é uma planta cujo uso humano data de cerca de 4.000 a.C., na China. Cordas, papeis e roupas eram parte das manufaturas produzidas através de seu cultivo. Entre outros usos, é de interesse destacar seu uso medicinal, primeiramente datado por volta de 2.700 antes de Cristo (Zuardi, 2006). A variedade de indicações chama a atenção: dor reumática, constipação, malária e até distúrbios do sistema reprodutor feminino. Nos acrescenta Zuardi:

In India, the medical and religious use of cannabis probably began together around 1000 years B.C. The plant was used for innumerous functions, such as: analgesic (neuralgia, headache, toothache), anticonvulsant (epilepsy, tetanus, rabies), hypnotic, tranquilizer (anxiety, mania, hysteria), anesthetic, anti-inflammatory (rheumatism and other inflammatory diseases), antibiotic (topical use on skin infections, erysipelas, tuberculosis), antiparasite (internal and external worms), antispasmodic (colic, diarrhea), digestive, appetite stimulant, diuretic, aphrodisiac or anaphrodisiac, antitussive and expectorant (bronchitis, asthma). (Zuardi, 2006).

Fato é que a humanidade busca o alívio e tratamento de sintomas há milhares de anos com os substratos de Cannabis, ainda que seu mecanismo de ação não tenha sido esclarecido apenas em meados do século XX.

A partir de 1965, estudos mais aprofundados compreenderam melhor a composição química da planta, levando ao aumento do interesse científico internacional sobre o assunto (Zuardi, 2006). Contudo, é nos anos 1990 que é descrita pela primeira vez a existência de receptores endógenos de substâncias derivadas de Cannabis e a existência do primeiro canabinoide endógeno, a anandamida. A descoberta é de grande envergadura, pois foi descoberto um novo sistema neural: o sistema endocanabinoide (eCB) (Martin BR, 1999).

Good correlation was found between the pharmacological potencies of cannabinoids in several animal behavioral tests and their affinity for the cannabinoid brain receptor. The receptor, now named CBi, was cloned shortly thereafter. It was shown to belong to the seven transmembrane domain receptor family. A peripheral cannabinoid receptor (CB2) was later cloned from a human promyelocytic leukaemic line (HL60).

O eCB é composto pelos receptores CB1R e CB2R, uma complexa rede neuronal de sinalização, ligantes canabinoides endógenos, além das enzimas responsáveis pela síntese e degradação desses canabinoides (Rezende, 2023).

Figura 1 – Disposição dos receptores CB1 e CB2 pelo corpo humano

Fonte: Rezende, 2023, p. 2

Sua atividade biológica varia entre excitatória e inibitória, a depender de suas múltiplas combinações entre receptor-ligante e a interação com outros sistemas neurais. Devido às suas características, o uso clínico de canabinoides exógenos atraiu alto interesse científico. Entre as moléculas atualmente estudadas, o canabidiol (CBD) tem demonstrado efeitos promissores na neurologia, oncologia e na saúde mental4.

No que tange seu uso em psiquiatria, o CBD tem apresentado evidências moderadas no controle de transtornos do humor, como ansiedade e depressão4, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)5, entre outras patologias5. Contudo, os diversos estudos sobre o tema apontam a necessidade estabelecimento de consensos e protocolos para seu uso.

Pela ausência de efeitos psicoativos e na cognição, segurança, boa tolerabilidade, ensaios clínicos com resultados positivos e o amplo espectro de ações farmacológicas, o CBD parece ser o canabinoide isoladamente mais próximo de ter seus achados iniciais translacionados para a prática clínica. De modo particular, os resultados do CBD como antipsicótico e ansiolítico parecem estar bem estabelecidos. (Crippa, 2010).

A saúde mental tem ganhado maior espaço a cada dia na compressão de sua importância para a saúde pública. A cada dia surgem novos estudos, medicamentos e pesquisas que visam atenuar o sofrimento de quem vive com doenças psíquicas. Nesse sentido, o surgimento do CBD apresenta um potencial terapêutico promissor. Contudo, o uso médico ainda é recente devido ao grande estigma e legislações proibicionistas contra a Cannabis sativa. As evidências hoje presentes na literatura ainda carecem de maior análise no seu conjunto.

Existem estudos clínicos experimentais que demonstraram benefícios em ansiedade e depressão. Algumas revisões da literatura também seguem no mesmo sentido, porém ainda sem o direcionamento para uso ambulatorial em adultos. A  literatura atual ainda carece de maior produção diante do potencial terapêutico já demonstrado. O estabelecimento de uma análise qualificada do conjunto da produção científica sobre o uso do canabidiol em transtornos depressivo-ansiosos se faz mais necessária a cada dia.

Assim, o presente estudo é uma revisão narrativa da literatura sobre o uso de canabidiol no tratamento ambulatorial de adultos com transtorno depressivo-ansiosos que visa contribuir para a compreensão e manejo de tais doenças e para uma melhor qualidade de vida para quem sofre com seus efeitos.

Metodologia

Trata-se de um estudo de revisão narrativa da literatura. Foi feita a análise de artigos publicados e indexados nas bases de dados SCIELO e PUBMED que abordam o tratamento ambulatorial de adultos com transtornos depressivo-ansiosos com o uso de canabidiol. Incluem-se ensaios clínicos randomizados, revisões da literatura, estudos de coorte, estudos caso-controle, bem como artigos de referência, de maneira a adequadamente delimitar a abrangência da pesquisa mantendo a profundidade inerente ao tema.

Com este estudo, busca-se descrever as evidências do uso do canabidiol no tratamento de transtornos depressivo-ansiosos em adultos para averiguar o benefício no controle de sintomas, recidivas e melhora da qualidade de vida. Também quer-se compreender se o uso do canabidiol é superior às medicações de primeira linha no tratamento de tais condições ou se há diferenças no efeito observado entre homens e mulheres adultos. Para tanto, é preciso analisar os benefícios e efeitos adversos mais comumente observados no tratamento de transtornos depressivo-ansiosos com canabidiol; descrever o perfil epidemiológico que melhor se beneficia do tratamento com canabidiol para transtornos depressivo-ansiosos; e estabelecer critérios de indicação para o uso de canabidiol no tratamento de transtornos depressivo-ansiosos.

A modalidade de pesquisa dispensa submissão ao comitê de ética em pesquisa, conforme a sua resolução 510/20168. Contudo, a submissão de protocolo e a metodologia empregada considera a necessidade de um compromisso ético com a ciência e a submissão do protocolo de pesquisa minimiza os riscos relacionados. Após a seleção dos artigos, será realizada a análise dos dados encontrados, seguida da reflexão e escrita científica dos resultados encontrados.

Faz-se necessários destacar os riscos envolvidos na metodologia proposta, como o risco de viés de seleção de artigos que corroboram a hipótese escolhida  ou o risco de interpretação equivocada dos resultados, o que pode levar o leitor do trabalho a uma prática clínica inadequada ou a difusão de informações imprecisas. A redução do risco se dará pelo seguimento rigoroso da metodologia proposta de maneira a mitigar os riscos apresentados.

Desenvolvimento

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais na sua 5a edição (DSM-V), define o sentimento de ansiedade como a resposta emocional decorrente da antecipação de uma ameaça futura e o medo como a resposta emocional decorrente de uma ameaça presente. Tais conceitos apenas embasam um conceito mais complexo, o de transtorno de ansiedade, definido como “…transtornos que compartilham características de medo e ansiedade excessivos e perturbações comportamentais relacionadas”10, entre os quais se enquadram a ansiedade generalizada, transtorno obsessivo compulsivo (TOC), transtorno do pânico, entre outros.

Por sua vez, depressão é um termo necessariamente empregado para se referir a uma condição considerada patológica. Chamada de Depressão Maior,é diagnosticada, conforme o DSM-V, com base nos seguintes critérios:

Obrigatório: humor deprimido ou a perda do interesse ou prazer em grande parte do dia, quase todos os dias durante o período das duas semanas.

Somado ao humor deprimido, tem de haver a presença, ainda, de pelo menos 4 dos sintomas seguintes:

  1. Desânimo acentuado, ou anedonia.
  2. Redução ou aumento do apetite, com ganho ou perda de peso em 1 mês;
  3. Alterações do sono: hipersonia ou insônia;
  4. Pessimismo associado a sentimentos de culpa e/ou inutilidade;
  5. Baixa autoestima;
  6. Agitação psicomotora ou retardo;
  7. Ideação suicida e pensamentos constantes sobre a morte;
  8. Prejuízo da concentração com dificuldades para pensar.10

Ansiedade e depressão são condições clínicas de primeira importância na atualidade e a cada ano ganham ainda maior relevância. Não somente por sua importância no estado de saúde daqueles que sofrem com tais condições, como também do ponto de vista da saúde pública global. Entre as causas desse fenômeno está o desenvolvimento acelerado da medicina a partir do aprimoramento do método científico nas ciências da saúde, mas não somente. Também tem sido observado que as dinâmicas impostas pelas relações de trabalho no mundo contemporâneo tem contribuído para uma verdadeira epidemia de ansiedade e depressão.

A pandemia causada pela COVID-19 a partir do ano de 2019 também foi fator relevante no desenvolvimento de ansiedade e depressão pelos brasileiros.

De 45.161 brasileiros respondentes, verificou-se que, durante a pandemia, 40,4% (IC95% 39,0;41,8) se sentiram frequentemente tristes ou deprimidos, e 52,6% (IC95% 51,2;54,1) frequentemente ansiosos ou nervosos; 43,5% (IC95% 41,8;45,3) relataram início de problemas de sono, e 48,0% (IC95% 45,6;50,5) problema de sono preexistente agravado. (Barros, 2020).

Estudos têm apresentado benefícios no uso do CBD em substituição e em associação a inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) em pacientes adultos com transtornos graves de ansiedade. A redução e o controle de tremores, agitação psicomotora e fissura foram observadas em relatos de caso com adultos na dose de 20mg/dia.11

Também foram observados melhora de sintomas ansiosos em idosos com diagnóstico de demência vascular, alzheimer e demências não especificadas. Contudo, ainda é inconclusivo o desfecho a longo prazo nesses indivíduos.11

Por outro lado, os benefícios observados no tratamento de depressão maior, ainda que presentes, foram menos expressivos nos estudos analisados. Uma possível explicação é a de que o uso concomitante dos ISRS pode confundir a análise do desfecho em indivíduos oligossintomáticos, uma vez que o uso dos ISRS já é bem estabelecido.

Considerações Finais

As evidências atuais sobre o uso do canabidiol (CBD) no tratamento de ansiedade e depressão em adultos demonstram seu potencial terapêutico, com benefícios consistentes em ensaios clínicos e revisões da literatura. A ausência de efeitos psicoativos e a boa tolerabilidade tornam o CBD uma opção promissora, especialmente para pacientes que não respondem adequadamente aos tratamentos convencionais ou apresentam efeitos colaterais adversos significativos. Contudo, a tradução desses achados para a prática clínica ainda enfrenta desafios relacionados à escassez de consensos terapêuticos e à necessidade de protocolos bem estabelecidos para seu uso em diferentes contextos de saúde.

Os resultados desta pesquisa, ao explorar de forma integrada a literatura existente, destacam não apenas os benefícios potenciais do CBD, mas também as lacunas ainda presentes no conhecimento científico. Entre essas lacunas, estão a identificação de subgrupos populacionais que melhor respondem ao tratamento, a compreensão dos mecanismos específicos de ação do CBD nos transtornos depressivo-ansiosos e a avaliação comparativa de sua eficácia frente às terapias de primeira linha atualmente disponíveis. O aprofundamento dessas questões é crucial para consolidar o papel do CBD como ferramenta clínica no manejo de transtornos de saúde mental.

A presente pesquisa contribui para ampliar a discussão sobre o uso de canabinoides em saúde pública, abordando os estigmas e restrições que historicamente permeiam seu uso médico. O avanço de legislações e políticas públicas que permitam maior acesso ao CBD é essencial para viabilizar novos estudos e oferecer alternativas terapêuticas mais seguras e eficazes para a população. Assim, o estudo reforça a importância de integrar ciência, inovação e ética no desenvolvimento de estratégias para melhorar a qualidade de vida de pessoas com ansiedade e depressão, propondo um modelo de cuidado mais abrangente e humanizado.

Referências Bibliográficas

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¹Médico pela Escola Superior de Ciências da Saúde – ESCS
Mestrando em Ciências da Saúde pela ESCS
fv.medicinadf@gmail.com