UMA VARIAÇÃO ATÍPICA DA ARTÉRIA E VEIA OBTURATÓRIAS EVIDENCIADA POR LÁTEX

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10359572


Letícia dos Santos Pessanha e Peçanha1


Resumo:

A artéria obturatória é usualmente um ramo da divisão anterior da artéria ilíaca interna, sendo essa de extrema importância para os cirurgiões por sua grande variabilidade anatômica com relação à sua origem. A artéria obturatória pode originar-se de ramos pouco frequentes como: artéria ilíaca comum, artéria ilíaca externa, artéria glútea inferior, artéria pudenda interna (ou tronco comum entre as duas artérias), artéria ileolombar ou mesmo da artéria glútea superior. Nesse contexto, torna-se fundamental o estudo da anatomia vascular pélvica, tendo em vista os muitos relatos na literatura que descrevem fraturas pélvicas associadas a hemorragia e lesões iatrogênicas, com especial atenção à variação arterial “corona mortis”. O presente estudo tem por objetivo apresentar um caso de variação arterial do Instituto de Anatomia da Universidade Severino Sombra em que a artéria obturatória se originou da artéria ilíaca externa, além de descrever a sua relevância na prática cirúrgica. Observou-se através da técnica de coloração por látex em um cadáver masculino pertencente ao laboratório de anatomia da Universidade Severino Sombra a presença de duas artérias obturatórias, sendo uma dessas ramo da artéria ilíaca externa. A artéria obturatória de maior calibre se apresentava cruzando a borda superior da pelve e adentrando o canal obturatório, sendo ramo da artéria ilíaca externa. Encontrava-se também sua veia homônima, a qual saía do canal obturatório e ia em direção à veia ilíaca externa. A presença de vasos na parte posterior do canal inguinal, como a anastomose entre a artéria obturatória e a artéria epigástrica inferior, sempre implicam em riscos. Nesse sentido, nota-se a grande importância do estudo de variações anatômicas, buscando sempre o conhecimento de vasos incomuns, principalmente na parte posterior do canal inguinal onde é local de vários procedimentos cirúrgicos, visto que pode causar complicações perigosas durante cirurgias na região do anel femoral ou intervenções laparoscópicas.

Palavras-chave: Artéria obturatória. Veia obturatória. Coloração por Látex. Variações anatômicas.

Introdução:

A artéria ilíaca interna (AII) é um dos dois ramos terminais da artéria ilíaca comum.[1] A artéria obturatória (AO) é usualmente um ramo da divisão anterior da AII,[1,2,3] sendo essa de extrema importância para os cirurgiões por sua grande variabilidade anatômica com relação à sua origem.[4] A AO segue antero-inferiormente sobre a fáscia obturatória, até atingir o forame obturatório,[2,4] geralmente é inferior ao nervo obturatório e superior à veia obturatória, embora não funcionem em paralelo entre si.[2,4,5]. Após passar pelo forame obturatório se divide em ramo anterior e ramo posterior,[2,4] A divisão anterior irriga os músculos adjacentes e a divisão posterior emite um ramo acetabular que irriga a gordura acetabular e o ligamento da cabeça do fêmur.[4]

A origem da AO pode sofrer algumas variações, como foi documentada em 41,4% dos casos da ilíaca comum ou divisão anterior do ilíaco interno, em 25% do epigástrico inferior, em 10% do glúteo superior, em 10% do glúteo interno / pudenda interno, em 4,7% de glúteo inferior, em 3,8% de pudenda interna e em 1,1% de artéria ilíaca externa,[5,6]  sendo essa última a situação do relato deste estudo.

Estes vasos são muitas vezes envolvidos em variações anatômicas que afetam suas origens e caminhos, sendo assim estudos tão cuidadosos são necessários para garantir o sucesso antes de procedimentos vasculares e ortopédicos.[2] Um bom conhecimento da anatomia vascular pélvica retropúbica é de fundamental importância para profissionais médicos pélvicos interessados ​​nessa topografia, como anatomistas, radiologistas e cirurgiões que fazem reparos de hérnias femorais e obturatórias, cirurgiões pélvicos e cirurgiões laparoscóspicos, visto que a própria AO ou sua artéria de origem podem ser lesadas durante uma intervenção cirúrgica.[4-6]

Objetivo

O cadáver humano é provavelmente um modelo ideal para explorar a anatomia cirúrgica.Nesse contexto, torna-se fundamental o estudo da anatomia vascular pélvica, tendo em vista os muitos relatos na literatura que descrevem fraturas pélvicas associadas a hemorragia e lesões iatrogênicas, com especial atenção à variação arterial “coroa mortal”. O presente estudo tem por objetivo apresentar um caso de variação arterial do Instituto de Anatomia da Universidade Severino Sombra(USS) em que a AO se originou da artéria ilíaca externa(AIE), além de descrever a sua relevância na prática cirúrgica.

Relato de caso

Durante o curso de dissecação realizado no Instituto de Anatomia da USS por alunos membros da liga de Anatomia humana, foi observado em uma hemipelve esquerda masculina a presença de variação anatômica quanto a vascularização da região. Foi dissecada duas artérias e duas veias obturatórias que para melhor estudo foram preenchidas com Látex de coloração azul referente a artéria e vermelho para a veia.(Figura 1) A AO de maior calibre(AO-1), ilustrado na Figura 2, se apresentava cruzando a borda superior da pelve e adentrando o canal obturatório, sendo ramo da AIE. Posteriormente a ela encontrava-se sua veia homônima(VO-1), a qual saía do canal obturatório em direção à veia ilíaca externa. O outro ramo da AO(AO-2) passa antero-inferiormente pela parede lateral da pelve em direção ao canal obturatório, sendo um dos ramos anteriores da AII. Sua veia homônima(VO-2) encontrava-se posteriormente a ela, saindo do canal obturatório e indo em direção à veia ilíaca interna.

Discussão

Normalmente, a AO surge de um ramo do tronco anterior da AII e segue em direção a parede lateral da pelve em direção ao canal obturatório.[3] Porém, de acordo com a literatura, a AO pode originar-se de ramos pouco frequentes como: artéria ilíaca comum, artéria ilíaca externa, artéria glútea inferior, artéria pudenda interna (ou tronco comum entre as duas artérias), artéria ileolombar ou mesmo da artéria glútea superior.[2]

Corona mortis(CM) ou coroa mortal é definida como a conexão arterial ou venosa entre os ramos anastomóticos da artéria obturatória e da artéria epigástrica inferior sobre o ramo superior da pube.[7-11] Esta variante anatômica possui interesse clínico e cirúrgico, pois está suscetível a lesões iatrogênicas durante reparos de hérnias, procedimentos ginecológicos e ortopédicos e, ainda, pode ser lesada em fraturas de pube ou acetábulo. A literatura também relata a dificuldade em realizar hemostasia da CM e o fato dessa variação anatômica apresentar circulação colateral entre a AIE e a AII.[7-12]

Observou-se em um cadáver masculino pertencente ao laboratório de anatomia da USS a presença de uma variação incomum, a peça apresentava duas artérias obturatória sendo uma dessas ramo da artéria ilíaca externa a qual cruzava a borda superior da pelve e seguia em direção ao canal obturatório, enquanto o outro ramo pertencente a AII seguia antero-inferiormente a parede lateral da pelve também em direção ao canal obturatório. Para melhor estudo e compreensão dos vasos pélvicos foram coloridas pelo método de látex segundo a analogia das iniciais azul referente a artéria e vermelho referente a veia, contrário do que é apresentado em livros textos de forma a fugir um pouco do padrão, mas sem prejudicar a avaliação das peças.

Nota-se a importância do conhecimento sobre a AO, pois ela pode causar complicações perigosas durante processos cirúrgicos na região do anel femoral ou intervenções laparoscópicas, devido a sua trajetória anômala e a presença de veia obturatória supranumerária.[2] Na peça estudada percebe-se que as veias homônimas as artérias estudadas seguem os mesmos trajetos das suas respectivas artérias.

A presença de vasos na parte posterior do canal inguinal podendo ser ou não variantes da AO, como a anastomose entre a AO e a artéria epigástrica inferior (AEI), sempre implicam em riscos. Uma artéria obturatória anômala ramo da AIE durante cirurgias da pelve perto do ramo púbico superior pode ser considerada uma fonte de hemorragia durante procedimentos como cirurgias ginecológicas e urológicas, hernioplastia inguinal extraperitoneal, herniorrafia laparoscópica.[1,2,13]

Nos casos em que havia um ramo da AEI posteriormente ao canal inguinal não acreditaram ser uma lesão importante decorrente da CM devido ao reduzido calibre da artéria. Desse modo, não era fonte de grandes hemorragias.[13] O diâmetro e a trajetória dessa artéria anastomótica podem variar.[14] No cadáver dissecado pelos membros da liga de anatomia da faculdade de medicina, o calibre da AO ramo da AIE apresentava um calibre considerável o qual poderia ter sido de grande risco para complicações hemorrágicas.

Conclusão O presente estudo relatou uma variação da AO descrito em relatos anteriores, porém de fundamental importância para exploração cirúrgica da região inguinal, objetivando reduzir os riscos de iatrogenias.  Nesse sentido, nota-se a grande importância do estudo de variações anatômicas, buscando o conhecimento de vasos incomuns, principalmente na parte posterior do canal inguinal onde é local de vários procedimentos cirúrgicos.

Referências:
[1]  Nayak SB, et al. Clinical importance of a star shaped branch of internal iliac artery and unusual branches of an abnormal obturator artery: rare vascular variations. J. vasc. bras. 2016; 2(15): 168-72.

[2] GOKE K, PIRES LAS, LEITE TFO,  CHAGAS, CAA. Rare origin of the obturator artery from the external iliac artery with two obturator veins. J. vasc. bras. [online]. 2016; 3(15): 250-53.

[3] Al Talalwah W. A new concept and classification of corona mortis and its clinical significance. Chinese Journal of Traumatology. 2016;19(5):251-254.

[4]Heins FF, Silva JML, Nakashima PSP, et al. Artéria Obturatória: Variabilidade Anatômica e Morfometria de sua Origem à Bifurcação da Artéria Ilíaca Comum. Revista de Saúde (Vassouras). 2011; 2(2): 13-8.

[5] NAGABHOOSHANA, S et al.Anatomical variation of obturator vessels and its practical risk: a case report from an anatomic study.J. vasc. bras. [online]. 2008; 3(7): 275-77.

[6] PAI, Mangala M. et al.Variability in the origin of the obturator artery.Clinics [online]. 2009; 9(64): 897-901.

[7] Karakurt L, Karaca I, Yilmaz E, Burma O, Serin E. Corona mortis: incidence and location. Arch Orthop Trauma Surg. 2002; 122(3):163-4.

[8] Okcu G, Erkan S, Yercan HS, Ozic U. The incidence and location of corona mortis: a study on 75 cadavers. Acta Orthop Scand. 2004; 75(1):53-5.

[9] Lorenz JM, Leef JA. Embolization of postsurgical obturator artery pseudoaneurysm. Semin Intervent Radiol. 2007; 24(1):68-71.

[10] Darmanis S, Lewis A, Mansoor A, Bircher M. Corona mortis: an anatomical study with clinical implications in approaches to the pelvis and acetabulum. Clin Anat. 2007; 20(4):433-9.

[11] Pellegrino A, Damiani GR, Marco S, Ciro S, Cofelice V, Rosati F. Corona mortis exposition during laparoscopic procedure for gynecological malignancies. Updates Surg. 2014; 66(1):65-8.

[12] Goke K, Pires LAS, Tulio TFO, Chagas CAA. Rare origin of the obturator artery from the external iliac artery with two obturator veins. J Vasc Bras. 2016; 15(3):250-3.

 [13] Gusmão, LCBD, et al. “COROA MORTAL”: ANATOMIA E IMPORTÂNCIA NAS HERNIORRAFIAS INGUINAIS. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. 2004; 1(31): 48-8.

[14] Leite TFO, Pires LAS, Goke K, Silva JG, Chagas CAA. Corona Mortis: descrição anatômica e cirúrgica em 60 hemipelvis cadavéricas. Rev Col Bras. 2017; 6(44): 553-59.


Letícia dos Santos Pessanha e Peçanha – Médica pela Universidade Vila Velha – email: leticia_spessanha@outlook.com1