UMA PROPOSTA DE POLÍTICA NACIONAL JUDICIÁRIA COM PARTICIPAÇÃO SOCIAL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202503181613


Bruno Calado de Araújo1


RESUMO 

Com  a  articulação  das  seguintes  categorias:  política  pública  (definição  e  características),  participação  social  (conceito,  institucionalização  e  instrumentos  de  efetivação)  e  administração  judiciária  (atividade-meio  do  Poder  Judiciário),  é  defendida  a  tese  da  possibilidade  de  elaboração  de  uma  Política  Nacional  Judiciária,  indicando-lhe  os  pressupostos  constitucionais  e  elementos  gerais,  no  sentido  de  enfrentar  o  problema  político  da  administração,  finanças  e  orçamentos  dos  Tribunais.  Tal  política  nacional,  marcada  pela  participação  social,  deve  ser  instituída  por  uma  lei  ordinária  e  regulamentada  por  resolução  do  Conselho  Nacional  de  Justiça.  O  ensaio  foi  orientado  pela  pesquisa  documental  e  bibliográfica,  com  objetivo  descritivo  e  conclui  pela  possibilidade  de  elaboração  e  implementação  de  uma  Política  Nacional  Judiciária,  de  forma  não  disruptiva  e  alinhada  com  a  Constituição de 1988 e demais normas infraconstitucionais. 

Palavras-chave:  Política  pública.  Participação  social.  Justiça.  Poder  Judiciário. Administração judiciária. 

INTRODUÇÃO 

Escrever  sobre  uma  política  nacional  relativa  ao  Poder  Judiciário  é  uma  oportunidade  de  construir  propostas  que  tragam  uma  nova  visão  ou  contribuições  originais  a  respeito  do  Estado brasileiro 

Nesse  sentido,  defendemos  a  tese  de  uma  política  pública  nacional  que  incida  na  administração,  finanças  e  orçamento  do  Poder  Judiciário  e  que  seja  marcada  pela  participação  social. 

Para  tanto,  estabelecemos  quatro  objetivos  a  serem  enfrentados:  o  primeiro  deles  é  o  de  identificar  a  política  pública  como  categoria,  traçando  suas  principais  características  e,  a  partir  da  análise  e  da  comparação  entre  várias  “políticas  nacionais”,  estabelecer  os  principais  elementos de uma política pública de caráter nacional. 

Por  outro  lado,  precisamos  reconhecer  as  diferenças  entre  as  expressões  que  aparentam  semelhança,  mas  tratam  de  categorias  completamente  diferentes.  Dessa  forma,  importa  esclarecer  que  estamos  tratando  de  “justiça” –   porém,  longe  do debate de  ideias  travado  no  curso  de  Sandel  (2011)2   .  Aqui, a   referida expressão   compreende três   perspectivas  diferentes de percepção acerca do Poder Judiciário3 . 

Estamos  falando  dele,  então  como  elemento  de  um  “sistema  de  justiça”,  como  órgão  jurisdicional e no papel de administrador público. 

A  partir da   investigação desses   elementos,  podemos  traçar  as  linhas  gerais  de  uma  política nacional voltada para a questão da administração judiciária. 

Trata-se,  portanto,   de  uma  pesquisa  de caráter   bibliográfico  e  documental,  cujo  objetivo é descritivo (SEVERINO, 2007, p. 122-123). 

1. POLÍTICA PÚBLICA 

O  conceito  de  política  pública  é  basilar  para  a  apresentação  de  uma  proposta  de  política  pública  nacional.  Precisamos  estabelecer  sua  definição  e  características  para,  a  partir  de tais elementos, começar a estruturar a tese proposta. 

1.1 Definição e Características 

A  trajetória  do  conceito  de  “política  pública”  é  de  longa  data  e,  de  acordo  com  Schmidt  (2018,  p.  121)  sua  “afirmação  na  literatura  ocorreu  na  década  de  1950,  no  contexto  de um Estado ativo, interventor na economia e na vida social dos países capitalistas centrais”. 

Não  pretendemos  realizar  uma  revisão  da  literatura  a  respeito  do  conceito  de  política  pública,  mas  localizar  uma  definição  e  a  partir  dela  desenvolver  o  trabalho  de  construção  duma proposta de política pública de âmbito nacional. 

Uma  primeira  definição,  de  caráter  mais  genérico  é  oferecida  por  Souza  (2008,  p.  26),  para quem política pública é um  campo  de  conhecimento  que  busca,  ao  mesmo  tempo,  ‘colocar  o  governo  em  ação’  e/ou  analisar  essa  ação  (variável  independente)  e,  quando  necessário,  propor  mudanças  no rumo ou curso dessas ações (variável dependente)  (grifamos). 

Em  termos  reducionistas,  essa  primeira  definição  nos  dá  a  primeira pista  da definição  de  política  pública,  isto  é,  implica  em  ação  governamental  –  seja  de  forma  inicial  ou  através  de mudanças no curso dessa mesma ação adotada. 

Entretanto,  não  nos  basta  uma  definição  em  que  a  política  pública  se  reduz  a  algo  que  simplesmente  impulsione  a  ação  governamental.  Na  busca  de  um  conceito  mais  robusto,  encontramos a definição de Schmidt (2018, p. 127) para quem política pública é 

um  conjunto  de  decisões  e  ações  adotadas  por  órgãos  públicos  e  organizações  da  sociedade,  intencionalmente  coerentes  entre  si,  que,  sob  coordenação  estatal,   destinam-se a  enfrentar um problema político ( grifamos). 

Nela,  percebemos  que  as  “ações  governamentais”  do  conceito  anterior  foram  contempladas  como  “conjunto  de  ações  e  decisões”  e  qualificadas,  com  a  articulação  de  características que podemos decompor da seguinte forma: 

a) adotadas por órgãos públicos e organizações da sociedade; 

b) intencionalmente coerentes entre si; 

c) sob coordenação estatal; 

d) destinam-se a enfrentar um problema político. 

Uma  vez  estabelecida  a  definição  de  política  pública,  passemos  à  análise  das  principais  características  desse  “conjunto  de  ações  e  decisões”  sob  a  coordenação  estatal.  Antes,  porém,  cumpre  destacar  que  a  política  pública  não  é  constituída  por  ações  isoladas  –  ainda  que  importantes  –  mas  por  um  conjunto  de  ações  e  decisões  (SCHMIDT,  2018,  p.  127)  e, conforme dito anteriormente, intencionalmente coerentes entre si. 

A  primeira  característica  é  a  coordenação  estatal,  ou  seja,  ainda  que  não  esteja  atuando  na  execução  direta  da  política  pública  (quando  delegada  a  organizações  sociais  ou  privadas),  o controle e a coordenação dos trabalhos cabe sempre ao poder público. 

A  segunda,  talvez  a  mais  importante,  seja  relativa  à  teleologia  da  política  pública,  ou  seja, pertinente ao seu propósito: a resolução de um “problema político”. 

Schmidt  (2018,  p.  122-124)  apresenta  uma  descrição  das  características  do  problema  político,  que  também  adotaremos  para  fins  deste  estudo.  Para  o  autor,  os  problemas  políticos  assim  o  são  porque  emergem  de  demandas  sociais,  que  são  vinculadas  “à  visão  ideológica  predominante,  aos  compromissos  assumidos  pelo  pelos  governantes  no  processo  eleitoral,  às  pressões  dos  grupos  sociais  e  corporações  econômicas,  à  cultura  política  vigente,  entre  outros  fatores”  (SCHMIDT,  2018,  p.  122)  e,  dessa  forma,  as  respostas  a  essas  demandas  “estão  intimamente  associadas  ao  contexto  sócio-histórico  ao  qual  pertence  o  Estado”  (SCHMIDT, 2018,  p.  123).  O  problema  político,  então,  advém  da  própria  sociedade  e  de  seus  fatores  econômicos,  culturais  e/ou  sócio-históricos.  Além  disso,  são  públicos ( que afetam a  todas  as  pessoas)  ou  coletivos  dizem  respeito  a  uma  parcela  da  sociedade,  a  um  segmento  social ( SCHMIDT, 2018, p. 123). 

Pensando  na  tipologia  da  política  pública  de  âmbito  nacional,  podemos  dizer  que  é  constitutiva,  pois  define  os  “procedimentos  gerais  da  política,  determinam  as  regras  do  jogo,  as  estruturas  e  os  processos  da  política  (…)”  (SCHMIDT,  2018,  p.  129).  Nesse  mesmo  sentido,  Bucci  (2019,  p.  813)  argumenta  que  a  criação  de  órgãos  e  serviços  é  função  constitutiva, na taxonomia das formas de ação política. 

1.2 Elementos de Políticas Públicas Nacionais 

Schmidt  (2018,  p.  128)  afirma  que  uma  política,  ao  invés  de  um  plano  ou  programa,  “dispõe  sobre  princípios,  objetivos  e  diretrizes  relativas  à  gestão,  estabelece  responsabilidades  do  poder  público  e  da  sociedade,  elenca  meios  e  recursos,  explicitando  a  forma de atuação governamental em determinada área” (grifamos). 

Podemos  extrair,  então,  os  seguintes  itens  que  compõem,  basicamente,  uma  política  pública: 

a) princípios; 

b) objetivos e 

c) diretrizes. 

Porém,  nas  palavras  do  autor,  estamos  tratando  de  políticas  públicas  em  um  determinado contexto, numa determinada área ou segmento. 

Pergunta-se,  então:  quais  seriam  os  elementos  de  uma  política  pública  nacional?  E  qual a forma de materialização, ou seja, se existe, é prevista em suporte normativo? Qual? 

Para  responder  às  perguntas  acima,  o  primeiro  passo  metodológico  foi  buscar  identificar  uma  quantidade  razoável  de  documentos  que  instituíram  políticas  nacionais,  para  buscar-lhes os elementos essenciais. 

Selecionamos  aleatoriamente  a  seguinte  amostra  de  políticas  nacionais,  instituídas  nos  últimos quarenta anos, aproximadamente (entre 1981 e 2018): 

a) Segurança Pública (Lei nº  13.675/2018); 

b) Resíduos sólidos (Lei nº 12.305/2010); 

c) Pessoas em situação de rua (Decreto nº 7.053/2009); 

d) Promoção da saúde (Portaria de Consolidação nº 2/2017) 

e) Idoso (Lei nº 8.842/1994); 

f) Participação social (Decreto nº 8.243/2014, revogado); 

g) Meio ambiente (Lei nº 6.938/1981); 

h) Trabalhador e trabalhadora (Portaria nº 1.823/2012) 

i) Enfrentamento à violência contra as mulheres (Cartilha, 2011). 

j) Atenção integral à saúde do homem (Cartilha. 2008). 

A  partir  da  análise  das  disposições  gerais,  ou  seja,  dos  elementos  apontados  por  Schmidt (2018), elaboramos o seguinte quadro, ordenado por data: 

 Quadro 1 – Elementos de Políticas Públicas Nacionais

Política Pública Suporte Ano Princípios Objetivos Diretrizes Instrumentos 
Meio ambiente Lei 1981 
Idoso Lei 1994 
Saúde do homem Cartilha 2008 
Pessoas em situação de rua Decreto 2009 
Resíduos sólidos Lei 2010 
Enfrentamento à violência  contra as mulheres Cartilha 2011 
Trabalhador e trabalhadora Portaria 2012 
Participação social Decreto 2014 
Promoção da saúde Portaria 2017 
Segurança Pública Lei 2018 

O  resultado  da  análise  e  comparação  foi  a  confirmação  da  presença  dos  elementos  “princípios”,  “objetivos”  e  “diretrizes”,  que  compõem  as  disposições  gerais  das  políticas  públicas nacionais analisadas e aparecem com recorrência. 

Porém,  identificamos  um  quarto  elemento,  os  “instrumentos”,  que  estão  presentes  em  algumas  políticas  nacionais  (notadamente  as  instituídas  por  lei  ordinária)  e  têm  a  finalidade  de efetivar todo o conteúdo previsto nos elementos anteriores. 

Dessa  forma,  temos  os  seguintes  elementos  gerais  integrantes  de  uma  política  nacional: 

a) Princípios ,  que  estabelecem  o  núcleo  da  política  pública,  norteadores  dos  demais  elementos; 

b) Objetivos , que são ações de caráter geral e que  podem ser mensurados por metas; 

c) Diretrizes ,  que  estabelecem  os  parâmetros  das  ações  a  serem  desempenhadas,  a  serem pormenorizadas na regulamentação; 

d) Instrumentos ,  para  garantir  a  ocorrência  e  permitir  a  efetivação  da  política  nacional no plano fático. 

Além  dos  elementos,  é  importante  notar  o  instrumento  de  afirmação  das  mencionadas  políticas  nacionais,  ou  seja,  são  instituídas  por  lei  ordinária  em  4  casos  (40%  da  amostra)  e  as  demais  formas  normativas  (decreto  e  portaria),  em  20%  cada.  Ou  seja,  em  80%  dos  casos,  as  políticas  nacionais  revestem-se  de  caráter  normativo  e  em  apenas  20%  são  apenas  cartilhas,  cujo conteúdo é apenas orientativo. 

2. PARTICIPAÇÃO SOCIAL 

Em  princípio,  poderíamos  abordar  diretamente  a  questão  dos  campos  de  atuação  do  Poder  Judiciário,  pressupondo  a  participação  popular  nos  processos  de  formulação  de  políticas públicas. 

Porém,  a  prudência  insiste  em  rechaçar  os  “acordos  de  cavalheiros”,  “apertos  de  mãos”  ou,  contemporaneamente,  a  crença  pueril  de  que  em  um  Estado  Democrático  de  Direito  a  participação  social  lhe  é  subjacente,  quando  está  em  jogo  a  questão  decisória  acerca  dos problemas políticos a serem enfrentados pelo poder público. 

Dessa  forma,  trataremos  da  inserção  da  participação  social  em  uma  política  nacional  como algo essencial, porém, tratada de forma explícita e institucionalizada. 

2.1 Conceito e Institucionalização 

Não  pretendemos  problematizar  a  discussão  que  existe  na  literatura  especializada  a  respeito  da  democracia,  em  que  são  debatidas  e  confrontadas  as  formas  representativa,  participativa  e  deliberativa.  Cumpre  apenas  distingui-las,  de  forma  articulada  com  a  necessidade da sua respectiva institucionalização. 

De  início,  podemos  dizer  que  a  representação  já  ocorre  na  maior  parte  das  vezes  e  num  grande  número  de  espaços.  Seja  no  parlamento  ou  no  Poder  Executivo,  o  modelo  geral  é  o  do  afastamento  do  contato  direto,  da  população  em  geral,  com  o  processo  decisório  –  que,  na  verdade, é um processo de poder. 

Por  outro  lado,  o  modelo  participativo  busca  ampliar  o  envolvimento  da  sociedade  civil e, nas palavras de Fonseca (2019, p. 94) se a sua institucionalização 

pode  gerar  relações  de  dominação,  despolitização  e  uso  instrumental  das  novas  instituições,  também  é  verdade  que  a  atuação  de  tais  instituições  pode  gerar  dinâmicas  inovadoras,  culminando  com  processos  de  democratização  interna  das  estruturas  do  Estado,  com  a  promoção  de  novas  capacidades  estatais  e fortalecimento daquelas já existentes . (grifamos). 

Então,  a  institucionalização  de  uma  política  nacional  –  de  caráter  participativo  no  âmbito  do  Poder  Judiciário  –  pode  permeabilizar  internamente  o  referido  Poder  às  demandas  da sociedade civil. 

O  foco  do  modelo  deliberativo,  por  sua  vez,  “situa-se  mais  na  qualidade  do  processo  deliberativo  em  si  do  que  na  quantidade  de  cidadãos  que  foram  incluídos  no  mecanismo”  (FONSECA,  2019,  p.  32).  Podemos  dizer,  então,  que  o  deliberativo  contém  em  si  o  modelo  participativo,  porém,  essa  mesma  participação  social  seria  limitada  pelo  aspecto  qualitativo  do processo decisório. 

Por  isso,  defendemos  o  modelo  participativo  para  a  adoção  de  política  pública  nacional  da  qual  estamos  tratando,  pois  apresenta  uma  possibilidade  muito  maior  de  participação  da  sociedade  como  um  todo  e  que  respeita  as  garantias  constitucionais  das  instituições,  tais  como  a  autonomia  e  a  independência.  O  modelo  deliberativo,  a  seu  turno,  poderia  trazer  confrontos  diretos  com  essas  mesmas  garantias  e  talvez,  para  ser  implementado,  poderia  ensejar  uma  mudança  de  desenho  institucional  ou  até  mesmo  uma  reconfiguração da arquitetura institucional. 

Fonseca (2019, p. 29) descreve os pressupostos para a participação social: 

Para  que  a  participação  social  seja  ato  contínuo  e  aberto  a  todos  os  cidadãos,  é  fundamental  que  as  oportunidades  para  participar  sejam  múltiplas  tanto  no  espaço  como  no  tempo.  Desse  modo,  as  formas  participativas  devem  estar  presentes  em  múltiplas  arenas,  seja  no  Estado  ou  na  sociedade  civil,  em  suas  múltiplas  acepções .  (grifamos). 

Trataremos,  mais  adiante,  das  múltiplas  oportunidades  de  participação,  ao  lidarmos  dos institutos de efetivação da participação social. 

Mas  não  basta  optar  pela  participação  social:  é  preciso  garantir  a  sua  continuidade  e,  nesse sentido, Fonseca (2019, p. 19) leciona que: 

A  institucionalização  da  participação,  por  sua  vez,  corresponde  a  uma  tentativa  de  reduzir  a  vulnerabilidade  das  experiências  participativas  e  aumentar  sua  perenidade ,  visto  que,  muitas  vezes,  tais  experiências  terminam  por  ser  dependentes  da  vontade  política  do  gestor  e  são  frequentemente  afetadas  por  mudanças  de  governo (grifamos). 

Institucionalizar  significa,  em  outras  palavras,  proteger  uma  política  pública  participativa  da  mudança  de  governos,  gestões  ou  mesmo  da  “vontade  política”  em  determinadas  circunstâncias  adversas.  Garante,  ainda,  um  fortalecimento  do  processo  decisório  para  além  da  representatividade  e  canalizador  de  oportunidades  para  a  sociedade  civil integrá-lo. 

Nesse  sentido,  de  forma  geral  há  o  incremento  da  accountability  vertical,  ou  seja,  do  controle  social,  na  qual  “a  sociedade  civil  e  a  imprensa  sancionam  (por  meio  de  denúncias  e  exposição  pública)  agentes  estatais  eleitos  ou  não  eleitos”  (ROBL  FILHO,  2013,  p.  30)  e,  de  forma  específica  para  o  caso  pontual  do  Poder  Judiciário,  há  o  reforço  também  da  accountability  judicial  institucional,  que  diz  respeito  às  “informações  e  às  justificações  sobre  ações  institucionais  (administração,  orçamento,  relações  com  outros  poderes),  assim  como  a  sanção pela realização de processos institucionais inadequados” (ROBL FILHO, 2013, p. 31). 

2.2 Instrumentos de Efetivação 

Compreendendo  a  participação  social  como  elemento  necessário  de  uma  política  pública  nacional,  precisamos  tirá-la  do  campo  teórico  e  abstrato  e  trazê-la  para  a  realidade  concreta, de forma a efetivar seu propósito. 

Nesse  sentido,  constituem  verdadeiras  “interfaces  socioestatais”,  na  medida  em  que  promovem,  de  acordo  com  Lüchmann  (2020,  p.  23)  “um  processo  interativo  e  comunicativo  que  envolve  diálogo,  contestação  de  significados,  controle,  autoridade  e  poder”  entre  o  Estado  (no  caso,  o  Poder  Judiciário)  e  a  sociedade  civil.  A  autora  apresenta  os  seguintes  tipos  de  interfaces  socioestatais,  que  compreendemos  como  instrumentos  de  efetivação  da  participação  social,  quando  analisou  a  estrutura  do  governo  municipal  de  Florianópolis:  Conselho  de  Políticas;  Orçamentos  Participativos,  Conferências,  Conselhos  consultivos,  Audiências  públicas,  consultas  públicas,  facebook  e  blogs,  prefeitura  nos  bairros,  reuniões  com  grupos  de  interesse,  mesas  de  negociação,  ouvidorias,  pesquisas  de  satisfação  de  usuários, ouvidorias, denúncias (LÜCHMANN, 2020, p. 28-29). 

Dos  instrumentos  apontados,  destacamos  –  pela  pertinência  temática  –  as  seguintes  interfaces: 

a) conferências :  “encontros  periódicos  que  reúnem  setores  sociais  e  governamentais para  a  discussão  e  apresentação  de  propostas  e  diretrizes  em  sua  respectiva  área  de  política” (LÜCHMANN, 2020, p. 28); 

b) audiências  públicas :  “consultas  abertas  à  população  promovidas  pelo  poder  público  diante  de  uma  temática  específica,  em  geral  vinculada  a  um  processo  decisório,  como  a  aprovação  de  uma  obra,  ou  a  elaboração  de  uma  determinada  política  pública.  São  obrigatoriamente presenciais” (LÜCHMANN, 2020, p. 28); 

c) pesquisas  de  satisfação  dos usuários :   “disponibilização  de  questionários ( online  e presenciais),  de  avaliação  dos  serviços  oferecidos  aos  usuários,  utilizando  os  resultados  para  subsidiar ações de melhoria nos serviços” (LÜCHMANN, 2020, p. 29). 

Além  da  pertinência,  estão  diretamente  conectadas  a  uma  proposta  de  política  pública  nacional  de  grande  amplitude  e,  ao  mesmo  tempo,  que  possa  ser  institucionalizada  e  concretamente possível. 

3. SISTEMA DE JUSTIÇA, JURISDIÇÃO E ADMINISTRAÇÃO JUDICIÁRIA 

Estabelecido  o  parâmetro  inicial  (política  pública  nacional  com  participação  social),  o  próximo passo é estabelecer a relação dele com o Poder Judiciário. 

Nesse  sentido,  precisamos  compreender,  inicialmente,  que  o  referido  Poder  é  passível  de três formas distintas de percepção: 

a) Enquanto  elemento  de  um  sistema,  com  a  participação  necessária  e  definida  na Constituição; 

b) Enquanto um dos três Poderes do Estado brasileiro e 

c) Enquanto gestor público. 

Sabendo  de  qual  forma  estamos  tratando,  temos  o  fechamento  do  parâmetro  e,  consequentemente, podemos avançar e elaborar uma proposta de política pública nacional. 

3.1 Justiça como Sistema 

Partindo  de  um  conceito  simples  de  sistema,  apresentado  por  Ferreira  (2010,  p.  703),  que  o  compreende  como  “disposição  das  partes  ou  elementos  do  todo,  coordenados  entre  si,  e  que  formam  estrutura  organizada”  podemos  concluir,  a  partir  da  leitura  do  texto  constitucional,  que  o  “sistema  de  justiça”  não  compreende  apenas  o  Poder  Judiciário  e  seus  respectivos ramos – mas todas as funções essenciais à justiça. 

Nesse  sentido,  Silva  (1997,  p.  549),  explicando  o  brocardo  jurídico  “nemo  iudex  sine  actore”4    , avança na questão e nos diz que 

Esta  velha  máxima,  que  significa,  ao  pé  da  letra,  que  não  há  juiz  sem  autor,  exprime  muito  mais  do  que  um  princípio  jurídico,  porque  revela  que  a  Justiça,  como  instituição  judiciária,  não  funcionará  se  não  for  provocada ,  se  alguém,  algum  agente (autor, aquele que age), não lhe exigir que atue. 
(…) 
Nisso  se  acha  a  justificativa  das  funções  essenciais  à  justiça ,  compostas  por  todas  aquelas  atividades  profissionais  públicas  ou  privadas,  sem  as  quais  o  Poder  Judiciário  não  pode  funcionar  ou  funcionará  muito  mal .  São  procuratórias  e  propulsoras da atividade jurisdicional (…) (grifamos). 

Dessa  forma,  portanto,  notamos  que  não  apenas  os  órgãos  do  Poder  Judiciário,  como  também  cada  uma  das  elencadas  pela  Constituição  como  “funções  essenciais  à  justiça”  (Ministério  Público,  Advocacia  Pública,  Advocacia  e  Defensoria  Pública)  fazem  parte  de  um  sistema que podemos denominar de “sistema de justiça”. 

Neste  ponto,  percebemos  também  o  seguinte:  ainda  que  todas  as  funções  gravitem  na  órbita  do  Poder  Judiciário  como  elementos  impulsionadores  da  atividade  estatal,  esse  próprio  Poder também é um elemento, de caráter central. 

O  foco  aqui  é  a  articulação  sistêmica  entre  o  Poder  Judiciário  (percebido  como  um  elemento) e as referidas “funções essenciais”. 

Indo  mais  além,  podemos  enxergar  que  o  problema  político  aqui  está  imbricado  com  a  própria  articulação  desse  sistema.  Ou  seja,  a  problemática  surge  a  partir  das  relações  entre  o  Poder  Judiciário,  centro  do  sistema,  e  cada  uma  das  funções  essenciais  –  inclusive  entre  elas  mesmas. 

3.2 Jurisdição como Atividade-Fim 

Carneiro  (2007,  p.  6)  apresenta  um  conceito  tradicional  de  jurisdição,  afirmando-a  como  “a  atividade  pela  qual  o  Estado,  com  eficácia  vinculativa  plena,  elimina  a  lide,  declarando e/ou realizando o direito em concreto”. 

Por  outro  lado,  a  doutrina  contemporânea  apresenta  uma  perspectiva  um  pouco  diferente,  a  exemplo  de  Neves  (2018,  p.  59),  que  define  jurisdição  como  a  “atuação  estatal  visando  à  aplicação  do  direito  objetivo  ao  caso  concreto,  resolvendo-se  com  definitividade  uma  situação  de  crise  jurídica  e  gerando  com  tal  solução  a  pacificação  social”.  Desse  conceito,  notamos  a  essência  da  jurisdição:  atuação  do  Estado,  atuando  sobre  uma  determinada situação (chamada de “crise jurídica”  )  de forma definitiva, “dizendo o Direito”. 

Não nos  interessa o   debate  processualístico,  mas  detectar  a  essência da  jurisdição,  que  emerge a partir dos dois conceitos, oriundo dos seguintes elementos: 

a) ação  estatal em  caráter de  monopólio,  através  da  aplicação,  declaração  ou  realização do direito; 

b) cujo respeito é de obrigação às partes envolvidas e 

c) a pacificação social. 

Porém,  podemos  aprofundar  a  questão,  a  partir  da  análise  de  Cintra,  Grinover  e  Dinamarco  (2011,  p.  149),  na  qual  os  autores  nos  apresentam  três  perspectivas  da  jurisdição,  ou seja, como poder, função e atividade: 

Como  poder ,  é  manifestação  do  poder  estatal,  conceituado  como capacidade  de  decidir  imperativamente  e  impor  decisões .  Como  unção ,  expressa  o  encargo  que  têm  os  órgãos  estatais  de  promover  a  pacificação  de  conflitos  interindividuais,  mediante  a realização  do  direito  justo  e  através  do  processo .  E  como atividade ,  ela  é  o  complexo  de  atos  do  juiz  no  processo ,  exercendo  o  poder  e  cumprindo  a  função  que a lei lhe comete (grifamos). 

Então,  diante  do  poder  (capacidade  ou  possibilidade ),  da  função  (encargo  ou  tarefa )  e  da  atividade  (complexo  de  atos  ou  modo  de  fazer ),  podemos  dizer  que  a  jurisdição  é  a  atividade-fim  (ou  seja,  a  principal  atividade)  do  Poder  Judiciário  a  partir  da  perspectiva  do  encargo.  De  outra  forma,  podemos  afirmar  que  a  atividade-fim  do  Poder  Judiciário  é  o  de  promover a pacificação social, por meio do direito justo e através do respectivo processo. 

Podemos  enxergar  que  o  problema  político  aqui  diz  respeito  precipuamente,  então,  ao  conjunto  de  normas  que  estabelecem  não  apenas  quais  são  os  direitos  materiais,  como  também as que desenham toda a arquitetura processual. 

3.3 Administração Judiciária como Atividade-Meio 

A  administração  judiciária  está  ligada  à  atividade  interna  dos  Tribunais,  no  sentido  de  proporcionar  subsídios  para  a  consecução  da  atividade-fim  do  Poder  Judiciário,  ou  seja,  o  exercício  da  jurisdição.  Dessa  forma,  podemos  dizer  que  é  uma  “atividade-meio”,  como  campo específico da Administração. Nesse sentido, Procopiuck (2013, p. 297) leciona que 

A  Administração  Judiciária  surge  como  uma  das  especializações  do  campo  da  gestão  e  historicamente  tem  buscado  alternativas  para  modernização  da  organização e das práticas dos tribunais ( grifamos). 

Além  de  se  caracterizar  como  administração  pública,  o  Poder  Judiciário  está  no  mesmo  conjunto  das  demais  organizações  públicas,  conforme  esclarece  Procopiuck  (2013,  p. 295): 

A  Administração  Judiciária,  se  vista  de  modo  amplo,  não  se  diferencia  da  aplicada  nos  demais  tipos  de  organização.  O  objeto  de  trabalho  está  relacionado  a  métodos  de  planejamento,  gestão  de  recursos  humanos,  gestão  orçamentário-financeira,  gestão  de  tecnologia  da  informação,  gestão  patrimonial,  gestão  de  processos,  gestão de operações  e assim por diante (grifamos). 

Procopiuck  (2013,  p.  297)  nos  alerta  também  para  a  dificuldade  existente  no  Poder  Judiciário, para a mudança e, consequentemente, para a permeabilidade à participação social: 

De  modo  geral,  comparadas  com  as  estruturas  do  Poder  Executivo,  as  do  Poder  Judiciário  são  bastante  reduzidas;  logo,  se  considerada  apenas  esta  dimensão,  sua  administração  e  condução  de  reformas  tenderiam  a  ser  relativamente  simples.  Contudo,  a  história  demonstra  que  as  dificuldades  de  alteração  das  estruturas  administrativas  judiciais  são  menos  dependentes  do  tamanho  de  seu  aparato  administrativo  e  operacional  do  que  de  valores  e  práticas  institucionalizados  ao  longo de séculos ( grifamos). 

Uma  das  possíveis  respostas  a  essa  dificuldade  é  apontada  por  Santos  (1989,  p.  51),  que  compreende  a  administração  judiciária  como  campo  da  sociologia  judiciária  e,  nesse  sentido, nos aponta para uma percepção dessa administração como instância política, 

inicialmente  propugnada  pelos  cientistas  políticos  que  viram  nos  tribunais  um  subsistema  do  sistema  político  global,  partilhando  com  este  a  característica  de  processarem  uma  série  de  inputs  externos  constituídos  por  estímulos,  pressões,  exigências  sociais  e  políticas  e  de,  através  de  mecanismos  de  conversão,  produzirem  outputs  (as  decisões)  portadoras  elas  próprias  de  um  impacto  social  e  político  nos  restantes subsistemas. 

O  objeto  das  demandas  desse  subsistema  político  não  precisam  corresponder,  necessariamente,  a  conflitos  de  interesse  ou  crises  jurídicas.  As  pressões  sociais  sobre  a  forma  como  é  empregado  o  orçamento  dos  Tribunais  pode  ser  um  input ,  que  vai  gerar  o  correspondente  output  através de uma decisão. 

E  a  diferenciação  entre  a  atividade-fim  e  a  atividade-meio  do  Poder  Judiciário  está  justamente  no  caráter  do  processo  decisório,  positivado  na  Constituição  de  1988,  em  seu  art.  93  (disposições  gerais),  quando  trata  das  duas  formas  de  decisão  do  Poder  Judiciário: 

jurisdição,  no inciso IX e  decisões administrativas,  no inciso X: 

“Art. 93 (…)
IX – todos  os  julgamentos  dos  órgãos  do  Poder  Judiciário  serão  públicos,  e  fundamentadas  todas  as  decisões,  sob  pena  de  nulidade,  podendo  a  lei  limitar  a  presença,  em  determinados  atos,  às  próprias  partes  e  a  seus  advogados,  ou  somente  a  estes,  em  casos  nos  quais  a  preservação  do  direito  à  intimidade  do  interessado  no  sigilo não prejudique o interesse público à informação; 
X – as  decisões  administrativas  dos  tribunais  serão  motivadas  e  em  sessão  pública,  sendo  as  disciplinares  tomadas  pelo  voto  da  maioria  absoluta  de  seus  membros  (grifamos). 

Cumpre  observar  que  essas  decisões  administrativas  integram  a  autonomia  administrativa,  financeira  e  orçamentária  garantida  pela  Constituição,  em  seu  art.  99  (administrativa e financeira) e em seu parágrafo primeiro (orçamentária). 

Porém,  a  autonomia  não  é  irrestrita:  existem  deveres  (constitucionalmente  previstos  como  princípios)  no  “caput”  do  art.  37  da  Constituição,  ou  seja,  o  exercício  deve  ser  nos  parâmetros da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. 

Podemos  dizer,  então,  que a  administração  judiciária –   atividade-meio –   é  objeto  de  uma  (ou  mais)  políticas  públicas  e  estabelecer  a  seguinte  diferenciação  entre  as  três  categorias  apresentadas: 

 Quadro 2 – Perspectivas do Poder Judiciário

CATEGORIA FUNDAMENTO  NORMATIVO OBJETO PROBLEMA  POLÍTICO 
SISTEMA DE  JUSTIÇA Constituição Articulação  sistêmica  entre  o  Poder  Judiciário  e  as  funções  essenciais  da  justiça Articulação  interinstitucional 
JURISDIÇÃO Constituição e  demais normas  infraconstitucionais Atividade-fim  dos  órgãos  do Poder Judiciário Definição das normas de  direito material e  processual 
ADMINISTRAÇÃO  JUDICIÁRIA Constituição Atividade-meio  do  Poder  Judiciário Administração, Finanças  e Orçamento 

Fonte: Elaborado pelo autor

Destacando  cada  um  dos  aspectos  e,  principalmente,  cada  um  dos  problemas  políticos  advindos  das  perspectivas,  podemos  focalizar  o  objeto  de  uma  política  nacional  com  participação social a partir do enfrentamento de um ou mais problemas apresentados. 

Reforçamos  que,  na  questão  da  administração  judiciária,  estão  destacadas  a  administração,  finanças  e  orçamento  como  “problema  político”  a  ser  enfrentado  por  uma  política  pública  nacional.  Rodrigues  (2022,  p.  31)  o  denomina  “política  judiciária”,  pois  compreende  “todas  as  questões  administrativas  e  organizacionais  do  Judiciário,  ou  seja,  suas  estruturas internas”. 

Nesse  sentido,  pretendemos  enfrentar  o  problema  político  (ou  “política  judiciária”)  da  administração  judiciária  a  partir  de  uma  política  nacional,  articulada  com  a  participação  social,  ou  seja,  a  elaboração  de  uma  estrutura  teórico-normativa  de  uma  Política  Nacional  Judiciária com participação da sociedade civil. 

4. POLÍTICA NACIONAL JUDICIÁRIA 

Depois  de  estabelecer  a  definição  de  política  pública,  elencar  os  elementos  de  uma  política  pública  de  âmbito  nacional  e  perceber  a  diferença  entre  “Sistema  de  Justiça”,  “jurisdição”  e  “administração  judiciária”,  chegou  o  momento  de  articularmos  uma  proposta  de  política  pública  nacional  para  a  administração  judiciária  –  justamente  por  defender  a  tese  de  que  esta  última  é  um  problema político,  passível  de  ser  enfrentado  por  políticas  públicas ( Schmidt, 2018, p. 127) e com participação social. 

A  proposta  a  ser  apresentada  não  tem  o  objetivo  de  ser  disruptiva6 ,  mas  o  de  trabalhar  articulada com  os   instrumentos  constitucionais  e  legislativos  em vigor   no  país,  inclusive sem   alterar qualquer desenho institucional. 

Neste   momento  também  é  importante  esclarecer  que  não  estamos  tratando  das “Políticas   Judiciárias Nacionais”,   implementadas  pelo  Conselho  Nacional  de  Justiça ( CNJ) que pode ser entendida, nos dizeres do próprio Conselho7 , como 

todo  ato  ou  ação  instituído  pelo  CNJ,  de  caráter  contínuo  ou  de  vigência  determinada,  que  impulsione  o  desenvolvimento  pelos  órgãos  do  Poder  Judiciário  de  programas,  projetos  ou  ações  voltadas  a  temáticas  que  perpassam  pelos  grandes  desafios  da  justiça  brasileira  e  encontram-se  alinhados  à  Estratégia  Nacional  do  Poder  Judiciário ,  instituída  Resolução  CNJ  nº  325,  de  24  de  junho  de  2020  (grifamos). 

Analisando  de  forma  crítica,  as  políticas  implementadas  são  de  extrema  relevância  (vide,  por  exemplo,  a  Política  Judiciária  Nacional  de  Enfrentamento  à  Violência  Contra  as  Mulheres,  Resolução  nº  254/2018,  do  CNJ ) ,  porém,  são  na  verdade  um  conjunto  de  ações  tomadas  individualmente.  Não  é  apenas  um  jogo  de  palavras:  quando  tratamos  de  “políticas  judiciárias  nacionais”,  estamos  abordando  as  políticas  judiciárias  de  forma  individualizada,  cada  qual  com  suas  particularidades.  O  que  lhe  atribui  o  caráter  nacional  é  a  possibilidade  de  implementação em todo o território brasileiro. 

Por  outro  lado,  uma  “política  nacional  judiciária”  vai  tratar  da  forma  mais  ampla  possível,  abstraindo  os  casuísmos  de  cada  possível  política  judiciária  a  ser  implementada  para  cada  um  dos  problemas  políticos  a  serem  enfrentados  pelos  Tribunais,  relativos  à  administração judiciária. 

4.1 Conceito e Objetivo Geral 

Uma  Política  Nacional  Judiciária  (doravante  denominada  PNJ)  é  uma  resposta  à  questão  da  administração  judiciária  com  a  respectiva  participação  social,  ou  seja,  é  de  forma  concreta  um  documento  que  incide  no  campo  da  autonomia  do  Poder  Judiciário  –  seja  na  esfera  administrativa,  financeira  ou  orçamentária.  Seu  objetivo  principal  não  é  cercear  a  autonomia,  mas  atuar  nos  campos jurídicos  positivados  que  lhe  dizem  respeito.  Dito  de  outra  forma,  não  quer  reduzir  a  autonomia  do  Poder  Judiciário,  mas  sim  permitir  uma  maior  participação  social  em  seus  meandros  administrativos  (como  gerencia  a  máquina  pública),  financeiros  (como,  onde  e  o  quanto  gasta)  e  orçamentários  (quanto  recebe  e  onde  pretende  empregar os recursos). 

4.2 Pressupostos Constitucionais 

Considerando  que  “pressupostos”  são  os  elementos  que  não  apenas  antecedem  a  própria  existência  da  coisa  em  si  –  mas  que  também  lhe  garantem  a  existência  –  podemos  afirmar  tranquilamente  que  a  Constituição,  ao  longo  de  seu  corpo,  apresenta-os,  possibilitando  a  implementação da PNJ. 

O  primeiro  deles  está  contido  no  artigo  5º  da  Constituição,  no  inciso  XXXIII  e  é  o  direito à informação: 

Art. 5º (…) 
XXXIII  –  todos  têm  direito  a  receber  dos  órgãos  públicos  informações  de  seu  interesse  particular,  ou  de  interesse  coletivo  ou  geral,  que  serão  prestadas  no  prazo  da  lei,  sob  pena  de  responsabilidade ,  ressalvadas  aquelas  cujo  sigilo  seja  imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (grifamos). 

O  segundo  também  está  previsto  no  mesmo  artigo  5º,  porém,  no  inciso  LXXIII  e  diz  respeito  não  apenas  à  legitimidade  para  demandar  em  juízo,  mas  parte  legítima  para  fiscalizar  os atos lesivos ao Estado (que envolve o próprio Poder Judiciário), em caráter proativo: 

Art. 5º (…) 
LXXIII  –  qualquer  cidadão  é  parte  legítima  para  propor  ação  popular  que  vise  a  anular  ato  lesivo  ao  patrimônio  público  ou  de  entidade  de  que  o  Estado  participe,  à  moralidade  administrativa,  ao  meio  ambiente  e  ao  patrimônio  histórico  e  cultural,  ficando  o  autor,  salvo  comprovada  má-fé,  isento  de  custas  judiciais  e  do  ônus  da  sucumbência (grifamos). 

No  entanto,  é  no  artigo  37  da  Constituição  em  que  temos  um  verdadeiro  rol  de  pressupostos,  quando  abordamos  o  Poder  Judiciário  pela  perspectiva  da  administração  judiciária. 

Aqueles  de  caráter  geral  estão  previstos  no  “caput”  do  art.  37,  notadamente  quanto  à  publicidade  e  à  eficiência.  Além  disso,  encontramos  o  pressuposto  da  avaliação  de  políticas  públicas  no  mesmo  artigo  37,  em  seu  §  16,  que  determina  também  a  divulgação  da  avaliação  realizada: 

Art. 37 (…) 
§  16.  Os  órgãos  e  entidades  da  administração  pública,  individual  ou  conjuntamente,  devem  realizar  avaliação  das  políticas  públicas ,  inclusive  com  divulgação  do  objeto  a ser avaliado e dos resultados alcançados,  na forma  da lei (grifamos). 

Na  qualidade  de  prestador  de  serviço  público,  encontramos  os  que,  nesse  sentido,  obrigam o Poder Judiciário: 

Art. 37 (…) 
§  3º  A  lei  disciplinará  as  formas  de  participação  do  usuário  na  administração pública direta e indireta  , regulando especialmente: 
I-  as  reclamações  relativas  à  prestação  dos  serviços  públicos  em  geral,  asseguradas  a  manutenção  de  serviços  de  atendimento  ao  usuário  e  a  avaliação  periódica,  externa  e interna, da qualidade dos serviços;
II-  o  acesso  dos  usuários  a  registros  administrativos  e  a  informações  sobre  atos  de  governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII. (grifamos) 

Ou  seja,  os  pressupostos  constitucionais  para  a  implementação  de  uma  Política  Nacional  Judiciária  inúmeros,  encontram-se  ao  longo  do  texto  constitucional  e,  dentre  os  que  analisamos, podemos resumi-los em: 

a) Direito à informação dos órgãos públicos; 

b) Anulação de ato lesivo ao patrimônio público; 

c) Publicidade da administração pública; 

d) Divulgação dos resultados de avaliação das políticas públicas; 

e) Participação do usuário, na administração pública direta. 

Assim,  os  pressupostos  da  política  nacional  judiciária,  permeada  pela  participação  social,  está  no  fato  de  que  a  administração  judiciária  deve  prestar  informações  e  a  prática  de  atos  lesivos  a  seu  patrimônio  podem  ser  questionados  por  qualquer  cidadão  ou  cidadã.  Além  disso,  os  atos  daquela  administração  devem  ser  públicos  (quando  não  houver  sigilo  imposto  por  lei)  e  os  Tribunais  devem  divulgar  os  resultados  de  políticas  públicas  que  venham  a  implementar,  com  a  respectiva  participação  dos  usuários.  Entenda-se,  portanto,  as  expressões  “qualquer cidadão ou cidadã” e “usuários” como sinônimos de “sociedade civil”. 

4.3 Condições de Implementação e Elementos 

Na  Resolução  Nº  325,  de  29  de  junho  de  2020,  do  CNJ,  que  trata  da  Estratégia  Nacional  do  Poder  Judiciário  2021-2026,  foram  estabelecidos  “macrodesafios  do  Poder  Judiciário”  e,  dentre  eles,  destacamos  os  seguintes  macrodesafios  e  suas  respectivas  descrições, inseridos em suas perspectivas: 

 Quadro 3 – Macro-desafios do Poder Judiciário

PERSPECTIVA MACRO DESAFIO DESCRIÇÃO 
Sociedade FORTALECIMENTO  DA  RELAÇÃO  INSTITUCIONAL  DO  PODER  JUDICIÁRIO  COM A SOCIEDADE Refere-se  à  adoção  de  estratégias  de  comunicação  e  de  procedimentos  objetivos,  ágeis  e  em  linguagem  de  fácil  compreensão,  visando  à  transparência  e  ao  fortalecimento  do  Poder  Judiciário  como  instituição  garantidora  dos  direitos (…) (grifamos). 
Processos Internos APERFEIÇOAMENTO DA  GESTÃO  ADMINISTRATIVA  E  DA  GOVERNANÇA  JUDICIÁRIA Formulação,  implantação  e  monitoramento  de  estratégias  flexíveis  e  aderentes  às  especificidades  locais,  regionais  e  próprias  de  cada  segmento  de  justiça  do  Poder  Judiciário,  produzidas  de  forma  colaborativa  pelos  órgãos  do  Poder  Judiciário,  magistrados,  servidores,  pela  sociedade  e  pelos  atores  do  sistema  de  justiça  (…) (grifamos) 
Aprendizagem e  Crescimento APERFEIÇOAMENTO DA  GESTÃO  ORÇAMENTÁRIA  E  FINANCEIRA (…)  Envolve  estabelecer  uma  cultura  de  adequação  dos  gastos  ao  atendimento  das  necessidades  prioritárias  e  essenciais  dos  órgãos  da  justiça,  para  se  obter  os  melhores  resultados  com  os  recursos  aprovados  nos  orçamentos  (grifamos). 

Fonte: Conselho Nacional de Justiça(2020)

Note-se que os três macrodesafios dizem respeito a: 

a) relação institucional com a sociedade; 

b) gestão administrativa e 

c) gestão orçamentária e financeira. 

Analisados  em  conjunto,  constituem  a  “administração  judiciária”  e  da  forma  como  estão colocados, sintetizam também o problema político da administração judiciária. 

Além  disso,  o  CNJ  já  utilizou  interfaces  socioestatais,  tais  como  a  Consulta  Pública  a  respeito  das  propostas  de  Macrodesafios  para  a  Estratégia  Nacional  do  Poder  Judiciário  2021-2026 ,  além  dos  Encontros  Nacionais,  previstos  na  Resolução  nº  325  de  29/06/2020,  do  referido Conselho. 

Dessa  forma,  é  evidente  que,  de  forma  esparsa,  já  existe  no  âmbito  do  Poder  Judiciário  o  tratamento  à  administração,  às  finanças  e  ao  orçamento  dos  Tribunais  –  inclusive  com  participação social. Não é nenhuma novidade. 

Porém,  é  possível  avançar  no  enfrentamento  dessa  questão,  através  dos  esforços  concentrados  na  PNJ,  que  pode  nortear  as  ações  do  Poder  Judiciário  como  um  todo.  E  pensando  nos  elementos  de  uma  política  nacional,  vistos  anteriormente,  podemos  estruturar  uma  proposta  de  PNJ  compreendendo  a  administração  judiciária  como  problema  político  de  responsabilidade  do  Poder  Judiciário,  permeada  pela  participação  popular  e  que  abarca  as  atividades administrativas, financeiras e orçamentárias dos Tribunais.  Seus princípios (o núcleo de toda a PNJ), poderiam ser os seguintes: 

a.1) participação e controle social; 

a.2) transparência, responsabilização e prestação de contas; 

a.3)  celeridade  e  acessibilidade  na  elaboração,  disponibilização  e  prestação  de  informações. 

Pensando em seus objetivos gerais, teríamos a seguinte configuração: 

b.1)  promover  e  consolidar  a  participação  social  na  administração  judiciária  nacional,  através  da  adoção  de  mecanismos  participativos  nas  funções  administrativa,  financeira  e  orçamentária dos Tribunais brasileiros; 

b.2)  aprimorar  a  relação  do  Poder  Judiciário  com  a  sociedade  civil,  respeitando  a  autonomia e a independência garantidas pela Constituição; 

b.3) elevar a responsividade do Poder Judiciário; 

b.4)  elevar  a  transparência  dos  gastos,  investimentos,  orçamentos  e  prestação  de  contas dos Tribunais. 

Quanto  às  diretrizes,  ou  parâmetros  das  ações  a  serem  realizadas,  poderiam  ser  as  seguintes: 

c.1)  implementação  do  maior  número  de  instrumentos  de  participação  e  controle  social previstos nesta Lei; 

c.2) paridade representativa, entre a sociedade civil e o Poder Judiciário; 

c.3)  promoção  da  cultura  de  responsabilidade  administrativa,  financeira  e orçamentária do Poder Judiciário; 

c.4)  utilização  de  linguagem  acessível  à  população  em  geral  em  todas  as  publicações  e  comunicações; 

c.5) fortalecimento da participação social na administração judiciária. 

E,  por  fim,  seus  instrumentos  de  efetivação  (ou  interfaces  socioestatais)  estão  listados  e descritos a seguir: 

d.1)  Conferência  Nacional  Judiciária:  reunião  periódica  de  debate,  de  formulação  e  de  avaliação  sobre  temas  específicos  da  administração  judiciária,  com  a  participação  do  Poder  Judiciário  e  da  sociedade  civil,  que  contempla  a  etapa  estadual,  para  propor  diretrizes  e  ações  acerca do tema tratado; 

d.2)  Conferência  Estadual Judiciária:  reunião  periódica  de  debate,  de  formulação  e  de  avaliação  sobre  temas  específicos  da  administração  judiciária,  com  a  participação  do  Poder  Judiciário e da sociedade civil, para propor diretrizes e ações acerca do tema tratado; 

d.3)  Consulta  Pública  Administrativa,  Financeira  e  Orçamentária:  instrumento  de  caráter  consultivo,  aberto  a  qualquer  interessado,  que  visa  a  receber  contribuições  por  escrito  da  sociedade  civil  sobre  determinado  assunto  da  administração  judiciária,  na  forma  definida  no  seu  ato  de  convocação,  com  registro  das  contribuições  e  deliberações  no  Portal  da  Transparência Administrativa, Financeira e Orçamentária. 

d.4)  Portal  da  Transparência  Administrativa,  Financeira  e  Orçamentária:  sítio  eletrônico,  no  qual  constam  atualizados  –  em  tempo  real  –  todas  as  obras  em  andamento,  bem  como  todos  os  gastos,  investimentos  e  orçamentos  realizados  pelos  Tribunais.  O  portal  deverá  manter todas as informações produzidas pelo período mínimo de cinco anos. 

d.5)  Prestação  de  Contas  Anual:  relatório  anual,  publicado  pelos  Tribunais  em  sítio  eletrônico  próprio,  com  a  descrição  de  todas  as  obras  e  ações  administrativas  desenvolvidas,  bem  como  de  todos  os  gastos,  investimentos  e  orçamentos  realizados,  em  linguagem  simples  e acessível à sociedade civil em geral; 

d.6)  Grau  de  Satisfação  dos(as)  Jurisdicionados(as):  pesquisa  anual  realizada  pelos  Tribunais,  na  qual  –  a  partir  de  perguntas  fechadas  –  a  sociedade  civil  pode  exprimir  a  satisfação  com  a  administração  da  respectiva  Corte.  As  pesquisas  deverão  permanecer  registradas  e  de  acesso  público  no  Portal  da  Transparência  Administrativa,  Financeira  e  Orçamentária do Tribunal pelo prazo mínimo de cinco anos. 

Cumpre  destacar  que  os  instrumentos  de  efetivação  devem  ser  estruturados,  implementados  e  monitorados  pelo  Conselho  Nacional  de  Justiça,  a  partir  do  documento  final  de cada Conferência Nacional Judiciária. 

A  forma  de  institucionalização  da  PNJ  é  a  de  lei  ordinária,  com  início  de  seu  processo  legislativo  na  Câmara  dos  Deputados.  Publicada  como  lei,  não  está  suscetível  à  vulnerabilidade  inerente  a  atos  normativos  tais  como  decretos,  portarias  ou  congêneres.  Vincularia,  então,  a  administração  judiciária  de  todos  os  Tribunais  brasileiros  a  uma  norma  de  caráter cogente. 

Sua  regulamentação,  com  o  detalhamento  do  Plano,  é  de  responsabilidade  do  Conselho  Nacional  de  Justiça,  através  da  edição  de  Resolução  específica.  Se  necessário  for,  em  caráter  complementar,  o  Conselho  poderá  elaborar  outros  instrumentos,  tais  como  orientações e instruções, por exemplo. 

CONCLUSÕES 

O  conjunto  de  atividades  de  administração,  finanças  e  orçamento  dos  Tribunais  (administração  judiciária)  é  um  problema  político  e,  como  tal,  passível  de  ser  objeto  de  uma  política nacional que os enfrente de maneira uniforme, marcada pela participação social. 

Não  desconhecemos  as  dificuldades  existentes  para  a  permeabilidade  do  Poder  Judiciário  brasileiro  à  participação  social,  bastando  lembrar  de  todo  o  debate  –  que  durou  mais  de  uma  década  –  a  respeito  de  uma  reforma  e  da  própria  criação  e  instalação  do  Conselho Nacional de Justiça. 

A  proposta  que  apresentamos  não  é  disruptiva  e  não  traz  em  seu  bojo  qualquer  necessidade  reformista:  ela  pode  ser  implementada  a  partir  da  estrutura  normativa  e  concreta  existente.  Basta  apenas  um  projeto  de  lei  que  siga  as  diretrizes  aqui  traçadas,  enfrentando  –  enquanto política pública nacional – o problema político da administração judiciária. 

Entretanto,  poderíamos  ampliar  de  forma  ainda  mais  abrangente  a  participação  social  na  política  de  administração  judiciária,  a  partir  da  alteração  do  desenho  institucional  do  Conselho  Nacional  de  Justiça,  contemplando  a  alteração,  por  exemplo,  de  sua  composição  –  com  o  aumento  do  número  de  Conselheiros(as)  oriundos(as)  da  sociedade  civil  sem  vínculo  com o mundo jurídico. 

Nesse  sentido,  haveria  impacto  direto  na  PNJ,  uma  vez  que  estaria  sob  a  tutela  de  um  grupo  social,  em  princípio,  heterogêneo  e  não  necessariamente  vinculados  ao  Direito.  Contabilidade,  Administração,  História,  Antropologia,  Sociologia  –  ou  mesmo  ciências  exatas  e biológicas – poderiam compor o mosaico de constituição dos quadros do CNJ. 

Note-se  que,  para  tanto,  haveria  a  necessidade  de  alteração  a  partir  de  uma  Proposta  de  Emenda  à  Constituição  (PEC),  que  demandaria  um  esforço  e  mobilização  político-legislativo  muito maior do que a implementação da PNJ através de projeto de lei ordinária. 

Por  outro  lado,  além  da  administração  judiciária,  o  sistema  de  justiça  e  a  própria  jurisdição  (atividade-fim  do  Poder  Judiciário)  também  são  categorias  com  seus  respectivos  problemas  políticos.  Dessa  forma,  poderíamos  pensar  também  em  uma  “política  nacional  do  sistema  de  justiça”  e  em  outra,  que  poderia  ser  denominada  “política  nacional  do  exercício  da  jurisdição”. 

Ampliando  ainda  mais  a  percepção  dos  problemas  políticos,  não  é  difícil  percebê-los  como  faces  distintas  de  uma  mesma  questão,  que  poderíamos  denominar  de  “justiça”.  Dito  de  outra  forma,  a  “Justiça”  poderia  ser  encarada  não  apenas  como  atividade  e  encarnação  nos  Tribunais, mas a soma de toda a estrutura e articulação estatal interligada ao Poder Judiciário. 

Analisando  dessa  forma, concluímos  também  pela  possibilidade  de  uma  “Política  Nacional  de  Justiça”,  que  enfrentaria  conjuntamente  cada  um  dos  problemas  políticos:  sistema de justiça, jurisdição e administração judiciária. 


2O  debate  trazido  por  Sandel  (2011,  p.  28)  apresenta  a  “justiça”  como  qualidade  de  uma  sociedade  (“sociedade  justa”),  a  partir  da  distribuição  dos  bens  que  valoriza,  dando  a  cada  um  o  que  lhe  é  devido  –  pensando  a  “justiça”  em  três  diferentes  sentidos,  ou  seja,  a  partir  da  maximização  do  bem-estar,  do  respeito  à  liberdade  ou  do  cultivo  à  virtude.  Nossa  compreensão,  aqui,  é  mais  simples  e  correlaciona  a  palavra  “justiça”  tão  somente  ao  Poder  Judiciário.

3Não  desconhecemos  a  classificação  apresentada por   Zaffaroni  (1995,  p.  55),  na  qual  afirma  que  as  funções  contemporâneas  assinaladas  aos  tribunais  são: decisão   de conflitos,   controle  de  constitucionalidade e   autogoverno).  Porém,  para fins   deste estudo,   aglutinamos  a  decisão  de  conflitos  e  o  controle  de  constitucionalidade no   exercício da   jurisdição,  mantivemos  o autogoverno   e  ampliamos a  percepção   do Poder   Judiciário  para  além  de  si  mesmo  – como  elemento   de um   sistema  que envolve   diversos  atores  constitucionalmente reconhecidos.

4“Não há juiz sem autor”, conforme explicado em seguida pelo Prof. José Afonso da Silva.

5Para  o  referido  autor,  a  expressão  “crise  jurídica”  substitui  o  “conflito  de  interesses”,  pois  nem  sempre  a  solução do Estado será para um conflito entre as partes.

6Não  tem  o  objetivo  de  propor  uma  ruptura  com  o  modelo  atual  de  desenho  institucional,  seja  do  Poder  Judiciário  ou,  mais  especificamente,  do  Conselho  Nacional  de  Justiça  (CNJ)  –  responsável,  como  ver-se-á  adiante, pela implementação e regulamentação da Política Nacional Judiciária.

7CONSELHO   NACIONAL  DE  JUSTIÇA.  Painel  de  Políticas Judiciárias   Nacionais.   Disponível  em  <https://www.cnj.jus.br/gestao-da-justica/politicas-judiciarias-nacionais-programaticas/painel-de-politicas-judici  arias-nacionais/>  Acesso em 04 de dez. de 2023.

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1Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direito,  da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.