UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DO ESTÁGIO CURRICULAR OBRIGATÓRIO NO SERVIÇO DE SAÚDE OCUPACIONAL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202503091250


Professor Orientador: Dra. Renata Alessandra Evangelista1
Giulia Martins de Jesus Campos2


Resumo 

O trabalho aqui apresentado tem por finalidade relatar o Estágio Curricular Obrigatório em Atenção Básica (ECO-AB), especificamente Saúde do Trabalhador, realizado para a conclusão do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Catalão (UFCAT). O ECO/AB é ofertado no último ano da graduação de acordo com a grade curricular do curso, oportunizando o discente a correlacionar teoria e prática. Durante o estágio foi possível colocar em prática o que foi apreendido no curso e se descobrir como profissional diante das situações e responsabilidades nas quais o momento exigia. O estágio curricular permite o aprimoramento da prática cotidiana da enfermagem, bem como, o convívio com profissionais da mesma área de atuação que são relevantes para o crescimento pessoal e profissional. O objetivo deste artigo é descrever a experiência vivenciada de uma estagiária de enfermagem no período de fevereiro a junho de 2023 inserida em um Serviço de Saúde Ocupacional (SSO) na empresa John Deere Catalão. Durante o estágio foram realizadas inúmeras atividades, tais como, educação em saúde, consultas de enfermagem, prevenção e promoção da saúde. Assim sendo, constatamos que a experiência foi enriquecedora, visto que se trata de uma área que vem adquirindo cada vez mais espaço e reconhecimento, e que visa compreender as relações entre o trabalho e o processo saúde/doença. 

Palavras-chave

Saúde Ocupacional. Enfermagem. Promoção da saúde. 

INTRODUÇÃO

Buscando reduzir a desigualdade e promover um cuidado resolutivo e de qualidade, a Atenção Básica (AB) tem demonstrado ser uma importante estratégia para atingir esse objetivo. A equipe de saúde consegue conhecer toda a população que está sob o domínio da unidade, bem como suas condições de vida e trabalho, o que possibilita que sejam traçadas estratégias em saúde que atinjam as necessidades individuais e coletivas, bem como o acompanhamento de casos. Se tratando em saúde do trabalhador, as estratégias a serem desenvolvidas pelas unidades de saúde, devem atender às condições de vida e trabalho do usuário, sendo incorporada no trabalho a ser desenvolvido. (BRASIL, 2018)

No ponto de vista da atenção integral, os cuidados em saúde devem conter ações voltadas à promoção e proteção da saúde, vigilância, assistência e reabilitação. Especialmente aos profissionais inseridos dentro da atenção básica e estratégia em saúde da família, devem estar devidamente qualificados para conseguir promover um cuidado efetivo, levando em consideração os aspectos relacionados às condições de vida, saúde e doença, bem como o trabalho atual ou pregresso do usuário, visando implementar um plano terapêutico que seja adequado para a realidade do mesmo. Suas ações a depender devem incluir reabilitação, orientações sobre promoção e proteção da saúde, encaminhamentos trabalhistas e previdenciários. (BRASIL, 2018)

Deste modo, a saúde do trabalhador no que diz respeito a saúde pública tem por objetivo reconhecer as relações produção-consumo bem como o processo saúde-doença em especial dos trabalhadores (as). Neste momento o trabalho tem o poder de definir as condições de vida e saúde das pessoas e, a partir disso, as intervenções devem ser pensadas buscando transformar os processos produtivos, tornando-os promotores em saúde, e não o causador e de doenças e mortes, além de ter papel integralizado levando em conta suas especificidades. (BRASIL, 2018)

O Sistema Único de Saúde, comprometido com a vida e saúde dos trabalhadores, é inserido desde o início do processo produtivo de trabalho, independente da atividade exercida, pois o SUS considera como trabalhador (a), todos aqueles inseridos ao meio de trabalho, seja urbano ou rural, formal ou informal, público ou privado, assalariado, autônomo, avulso, temporário, cooperativado, aprendiz, estagiário, doméstico, aposentado e mesmo os desempregados. (BRASIL, 2018)

O serviço de Saúde Ocupacional, também podendo ser intitulado como segurança e saúde do trabalho, tem por objetivo prevenir riscos profissionais, bem como a promoção da saúde do trabalhador. O trabalho desenvolvido por uma equipe multidisciplinar, como enfermeiros do trabalho, médicos e técnicos em segurança devem adotar medidas a fim de identificar, avaliar e controlar os riscos existentes no local de trabalho, visando garantir um trabalho seguro e saudável. (PNSOC, 2020)

É evidente que a eficácia da saúde e segurança dos trabalhadores são fatores que contribuem positivamente para a sustentabilidade das empresas bem como para a economia nacional e regional. Sendo assim, o planejamento em saúde é de suma importância frente às organizações laborais, onde primeiramente é identificado possíveis problemas e necessidades dos colaboradores e posteriormente é trabalhado com a promoção da saúde no local de trabalho. (LARANJEIRA, 2016).

Silvério 2020, diz que ao executar suas atividades, o trabalhador está exposto a riscos específicos que cada área de atuação possui, como agentes químicos, físicos, biológicos e psicossociais. A atuação da enfermagem do trabalho se dá por meio de técnicas e métodos que visam garantir a promoção da saúde do trabalhador. Participam na recuperação de lesões, garantem a manutenção do bem-estar físico e mental, com atenção em doenças ocupacionais e não ocupacionais. 

É atribuído ao enfermeiro competências administrativas, que incluem o planejamento de atividades a serem desenvolvidas pela equipe, participação no planejamento de ações junto à Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) ou com os Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT). Organização de arquivos, prontuários e documentos do setor, como Programa de Proteção de Riscos Ambientais (PPRA), Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional (PCMSO), controle do estoque de insumos e materiais (TASSO, 2016).

Suas competências técnicas incluem a sistematização da assistência de enfermagem em saúde ocupacional, com objetivo na recuperação, proteção, preservação e reabilitação da saúde do trabalhador. Realizar testes de acuidade visual e curativos. Promover ações em educação em saúde, abordando temas atuais, relevantes e de interesse trabalhador, como conscientização sobre o uso correto do equipamento de proteção individual (EPI), hipertensão, diabetes, vacinação, tabagismo, alcoolismo, primeiros socorros e obesidade. Supervisionar e avaliar o tanto o trabalho que foi realizado, como a equipe que o executou (TASSO, 2016).

Suas ações na esfera da educação em saúde e em serviço visam o treinamento em relação a todos os processos que são executados pela equipe de enfermagem. Promover treinamentos a profissionais de áreas que estão relacionadas à saúde e segurança, como a CIPA. Manter-se atualizado das inovações científicas e tecnológicas da sua área em questão. Desenvolver e utilizar materiais educativos, como folders e cartazes, promover ações sociais, atividades lúdicas, com o intuito de proporcionar qualidade de vida e bem estar no local de trabalho (TASSO, 2016).

Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem (DCN-E) o estágio supervisionado de caráter obrigatório é ofertado nos dois últimos períodos de curso, abrangendo as mais variadas áreas de atuação, como hospitais, unidades básicas de saúde e ambulatórios. Esse processo deve ser acompanhado pelos docentes responsáveis, bem como pela equipe de enfermagem do serviço de saúde ao qual o discente foi designado. 

O estágio supervisionado permite que o educando exerça seu senso crítico reflexivo que foi sendo desenvolvido ao longo da graduação, relacionando teoria e prática, buscando assertividade diante do problema que lhe foi apresentado. O estagiário tem a oportunidade de estar em contato direto com a realidade dos serviços de saúde, bem como a saúde da população, contribuindo para o seu desenvolvimento pessoal e profissional. (RODRIGUES, 2012)

Considerando a importância do estágio supervisionado na formação de futuros profissionais da enfermagem, o presente estudo tem como objetivo descrever a experiência de uma discente de enfermagem, inserida no Serviço de Saúde Ocupacional (SSO) de uma multinacional na cidade de Catalão, situada no sudoeste do estado de Goiás. 

MÉTODO

O estágio curricular obrigatório foi realizado na empresa John Deere Catalão, localizada ao sudeste do estado de Goiás. Segundo o Instituto brasileiro de geografia e estatística (IBGE) a população estimada do município para o ano de 2021 era de 113.091 pessoas com área territorial de 3.826.370 km².

A unidade John Deere Catalão conta com 1228 funcionários. O horário comercial da unidade é de segunda a sexta das 07:30 á 18:00, e aos sábados 07:30 às 12:00. A unidade funciona pelo sistema de turnos, nos respectivos horários: Turno A: 05:30 – 15:00; Turno B: 16:00 – 01:40; Turno C: 23:00 – 06:00; Turno 2×2: 06:00 – 18:00 e 18:00 – 06:00. O horário de funcionamento do Serviço de Saúde Ocupacional (SSO) é a partir das 06:00 às 00:40. 

A estrutura do serviço de saúde ocupacional conta com uma recepção, sala de espera, banheiro unissex, uma sala destinada a arquivos de saúde, sala de enfermagem, sala de apoio a amamentação, consultório médico, ambulatório, sala de esterilização, expurgo, depósito de material de limpeza e duas saídas de emergência, sendo uma com acesso direto a fábrica, e outra com acesso direto a ambulância. A equipe multiprofissional é composta por duas enfermeiras do trabalho, uma técnica em enfermagem do trabalho, um médico do trabalho, e uma estagiária de enfermagem. 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Ao adentrar na unidade, o estagiário tem a oportunidade de conhecer o território ao qual está sob responsabilidade do serviço de saúde ocupacional, sendo essa etapa de grande importância, visto que conhecer o território permite que o profissional de saúde desempenhe suas atividades com maior eficácia. Trata-se de uma fábrica de máquinas agrícolas com diversos setores, profissionais de áreas distintas e um considerável número de funcionários, que estão expostos a diferentes riscos ocupacionais a depender da função em que o mesmo executa. 

É também na fase inicial, que o estagiário tem a oportunidade de conhecer a equipe e a rotina de trabalho em que foi inserido. Esta etapa evidenciou a importância de conhecer o público alvo, visto que a enfermagem do trabalho está em contato direto e constante com os funcionários, sendo importante estabelecer uma boa relação com diferentes áreas e conhecê-los de forma individualizada, permitindo que o enfermeiro desempenhe com êxito suas demandas. 

A equipe é composta por duas enfermeiras, as atividades foram divididas entre si de acordo com suas afinidades, e como estagiária foi possível acompanhar ambas nos desempenhos de suas atribuições. Inicialmente, pude acompanhar e observar, para que posteriormente eu mesma pudesse colocar em prática. Acompanhei um atendimento realizado no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Abertura de Comunicado de Acidente de Trabalho (CAT), pré-atendimento e lançamento de exames admissionais, periódicos, demissionais e mudança de risco ocupacional no sistema SOC, atualização e controle vacinal, organização dos arquivos de saúde contendo prontuários físicos e documentos ambulatoriais como PCMSO, gerenciamento de medicações e insumos utilizados no setor da saúde, atentando-se a validade e quantidade, gestão de liberação de óculos de segurança com grau, planejamento do ano fiscal e ordens de compra, teste de acuidade visual e assistência no processo de documentação para cadastro e certificação da Sala de Apoio a Amamentação junto ao Ministério da Saúde.

Além dessas atividades, também eram realizados atendimentos de enfermagem, curativos, atendimento assistencial na fábrica, encaminhamento de funcionários aos hospitais e administração de medicamentos, sendo essas demandas imprevistas da rotina de serviço.  

A educação em saúde é constantemente promovida. Além de treinamentos realizados entre a equipe de saúde, ela também era responsável pelo treinamento da Brigada de Emergência. Encontros quinzenais eram realizados, abordando temas variados como ressuscitação cardiopulmonar (RCP), aliando teoria e prática. Simulados em diversos pontos da fábrica também eram promovidos em conjunto com a Segurança do Trabalho, e em alguns casos com o Corpo de Bombeiros, ressaltando a importância do trabalho em equipe, fazendo do enfermeiro um profissional capaz de dialogar com diferentes áreas de atuação. 

Projetos também foram desenvolvidos pela equipe com participação efetiva da estagiária. O denominado “Projeto Conhecer” foi desenvolvido pensando na história de vida dos funcionários contratados como Pessoa com Deficiência (PCD), depois de realizada uma entrevista, sua história era divulgada nos meios de comunicação interna para que todos os demais tivessem a oportunidade de conhecer o seu colega de trabalho. No “Bate papo inclusão” eram realizados encontros com os PCD’s, sendo convidada uma pessoa da comunidade para tratar de um tema previamente escolhido por eles, como advogados e psicólogos. A “Roda de conversa sobre o autismo” foi desenvolvida pensando em funcionários e filhos de funcionários diagnosticados. Com o intuito de dar o devido suporte, auxílio e orientação necessária para se buscar um tratamento eficaz dentro da individualidade de cada um. 

As campanhas SIPAT, Setembro Amarelo, Outubro Rosa, Novembro Azul, Janeiro Branco, Semana da Saúde, e vacinação contra a gripe, também contaram com a participação da estagiária, desde seu planejamento até a execução. Foram desenvolvidas ações coletivas que abrangeram toda a fábrica, demandando participação dos funcionários para chegar ao objetivo final de cada campanha. 

Como parte do processo avaliativo, o discente elabora um projeto de intervenção. O projeto foi desenvolvido com os trabalhadores do setor de solda, sobre o uso do equipamento de proteção individual e como proceder em casos de emergências oculares. Na primeira fase do estudo, foram realizadas visitas diárias ao setor, buscando compreender a atividade laboral bem como a forma que é utilizado o EPI, identificando pontos a serem trabalhados, discutidos e melhorados, e que conectam com a forte política de segurança da empresa que tem como objetivo um trabalho seguro livre de acidentes. 

Nesta fase foi identificado que os equipamentos por vezes não eram utilizados da forma indicada, ou começavam a ser utilizados após o início da atividade, colocando-os em riscos de queimaduras oculares e de pele. Foi elaborado um momento de educação em saúde, com o uso de folder, ressaltando a importância de cada equipamento de proteção individual utilizado na solda, os riscos em que estão expostos quando não utilizados ou utilizados de forma incorreta, e como proceder em casos de emergência consigo ou com o colega de trabalho. Ao final, o momento foi dedicado a discutir e sanar eventuais dúvidas. 

O sucesso dos projetos desenvolvidos reforçaram que o bom relacionamento da equipe de saúde com os demais funcionários é essencial para o sucesso de cada campanha e ação de educação em saúde. 

CONCLUSÃO

A vivência desse estágio ressalta a importância da enfermagem no trabalho, que por vezes passa despercebida durante a graduação e até mesmo após a conclusão do curso. 

Ressalta a importância de um serviço integrado e interdisciplinar para uma atenção à saúde de qualidade, visto que, criar um bom relacionamento entre a equipe de saúde e os demais trabalhadores se mostrou imprescindível, e que o sucesso das ações da enfermagem depende da participação dos usuários, e os projetos desenvolvidos sempre contaram com grande participação e apoio das demais equipes. 

O acolhimento dos usuários de saúde foi amplamente discutido ao longo da graduação e a vivência desse estágio ressaltou sua importância, visto que o ambulatório era frequentemente procurado pelos colaboradores que enfrentavam momentos de dificuldades, o que possibilita ao enfermeiro intervir, orientar e buscar ajuda necessária para cada caso em particular, como consultas com psicólogo e médico do trabalho. 

O crescimento do mercado, com novas gerações de empresas e consequente criação de mais postos de trabalho, faz da enfermagem do trabalho uma área de atuação que também acompanha essa crescente. Sendo assim, ressalto a importância do maior contato com essa especialidade ao longo da graduação, desfazendo pré-conceitos equivocados e atraindo mais profissionais atuantes no mercado. 

REFERÊNCIAS

LARANJEIRA, Sara Marlene Pinho. O papel do enfermeiro do trabalho na saúde ocupacional. 2016. Tese de Doutorado.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Cadernos de Atenção Básica – Saúde do trabalhador e da trabalhadora, nº 41. Brasília, 2018. Disponível em: https://aps.saude.gov.br/biblioteca/visualizar/MTIxOA

PORTUGAL. Ministério da Saúde. Programa nacional de saúde ocupacional (PNSOC) 2020. Disponível em: https://ordemdosmedicos.pt/programa-nacional-de-saude-ocupacional-extensao-2018-2020/

RODRIGUES, L. M. S.; TAVARES, C. M. M. Estágio Supervisionado de Enfermagem na Atenção Básica: o planejamento dialógico como dispositivo do processo ensino – aprendizagem. Rev Rene, Rio de Janeiro. Setembro 2012. Disponível em:. Acesso em: 08 abr. 2016

SILVÉRIO, F. C.; MORAES, RS de. Enfermeiro do Trabalho: prevenção de riscos ergonômicos. Enfermagem Revista [Internet], v. 23, n. 1, 2020.

SILVA, K. C. C. et al. Sistematização da assistência de enfermagem: instrumento no processo de trabalho em saúde ocupacional. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, v. 19, n. 4, p. 535-540, 2021.

TASSO, Cristiane Akemmy et al. Assistência de enfermagem do trabalho: prevenção de doenças ocupacionais. Ciência & Inovação, 2016.


1Docente do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Catalão (UFCAT). E-mail: renata_evangelista@ufcat.edu.br
2Estudante de Enfermagem da Universidade Federal de Catalão (UFCAT). E-mail: mgiulia@discente.ufcat.edu.br