UM ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO DAS NOTIFICAÇÕES DE CASOS DE HANSENÍASE NOS ÚLTIMOS 4 ANOS NO ESTADO DO PIAUÍ

AN EPIDEMIOLOGICAL STUDY OF REPORTS OF LEPROSY CASES IN THE LAST 4 YEARS IN THE STATE OF PIAUÍ.

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202506161534


Eva Mariane Pereira Milanez1
Rose Cléia Costa da Silva2
Profa. Msc. Kelly Beatriz Vieira Oliveira3
Profa. Msc. Keylla da Conceição Machado4


RESUMO

A hanseníase é uma doença infecciosa crônica causada pelo Mycobacterium leprae, que, apesar de tratável, ainda representa um grave problema de saúde pública no Brasil, especialmente em regiões marcadas por desigualdades sociais e acesso precário à saúde. Este estudo teve como objetivo analisar o perfil epidemiológico dos casos de hanseníase notificados no estado do Piauí entre os anos de 2020 e 2024, com base em variáveis como sexo, raça/cor e escolaridade. Trata-se de um estudo quantitativo, descritivo, baseado em dados secundários extraídos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan Net), acessado por meio da plataforma do DATASUS. Os resultados revelaram um total de 6.141 casos notificados no período, com maior prevalência no sexo masculino (71,94%), o que reforça a necessidade de estratégias específicas voltadas à saúde do homem. Em relação à raça/cor, os grupos mais afetados foram os pardos e pretos, evidenciando a persistência de desigualdades raciais no acesso à prevenção, diagnóstico e tratamento. A escolaridade mostrou-se um importante determinante social da doença: mais da metade dos casos ocorreram entre indivíduos analfabetos ou com até a 4ª série incompleta do ensino fundamental (1.618 casos).Entre as mulheres, o maior número de notificações concentrou-se entre as pardas com ensino médio completo (197 casos), enquanto entre os homens, os pardos com ensino médio também lideraram as estatísticas (176 casos). Observou-se ausência de registros entre indígenas do sexo feminino e ausência de casos entre pessoas amarelas analfabetas ou com ensino superior, indicando possíveis lacunas na cobertura e subnotificação em populações específicas. A análise aponta que a hanseníase permanece como uma doença negligenciada, cujos determinantes extrapolam o campo biomédico, envolvendo fatores sociais, raciais, econômicos e culturais. Conclui-se que o enfrentamento efetivo da hanseníase exige não apenas a ampliação do diagnóstico e tratamento, mas também políticas públicas intersetoriais que combatam o estigma, promovam equidade e garantam acesso integral à saúde para as populações mais vulneráveis.

Palavras-chave: Hanseníase. Epidemiologia. Saúde pública. Prevalência. Piauí.

ABSTRACT

Leprosy is a chronic infectious disease caused by Mycobacterium leprae, which, despite being treatable, still represents a serious public health problem in Brazil, especially in regions marked by social inequalities and poor access to healthcare. This study aimed to analyze the epidemiological profile of leprosy cases reported in the state of Piauí between 2020 and 2024, based on variables such as sex, race/color, and education. This is a quantitative, descriptive study based on secondary data extracted from the Notifiable Diseases Information System (Sinan Net), accessed through the DATASUS platform. The results revealed a total of 6,141 cases reported in the period, with a higher prevalence in males (71.94%), which reinforces the need for specific strategies aimed at men’s health. In terms of race/color, the most affected groups were mixed race and black people, highlighting the persistence of racial inequalities in access to prevention, diagnosis, and treatment. Education proved to be an important social determinant of the disease: more than half of the cases occurred among illiterate individuals or those who had completed only the 4th grade of elementary school (1,618 cases). Among women, the highest number of notifications was among mixed race individuals who had completed high school (197 cases), while among men, mixed race individuals with high school education also led the statistics (176 cases). There was an absence of records among indigenous women and an absence of cases among illiterate Asian people or those with higher education, indicating possible gaps in coverage and underreporting in specific populations. The analysis indicates that leprosy remains a neglected disease, the determinants of which go beyond the biomedical field, involving social, racial, economic, and cultural factors. It is concluded that effective combating leprosy requires not only expanding diagnosis and treatment, but also intersectoral public policies that combat stigma, promote equity and guarantee full access to health for the most vulnerable populations.

Keywords: Leprosy. Epidemiology. Public health. Prevalence. Piauí.

1 INTRODUÇÃO

A hanseníase, também conhecida como lepra, é uma doença infecciosa crônica causada pelo bacilo Mycobacterium leprae. Afeta principalmente a pele, os nervos periféricos e, em alguns casos, outros órgãos. Tem uma longa história no Brasil, datando do período colonial. A doença foi identificada pelos primeiros colonizadores e se espalhou pelo país ao longo dos séculos. No início do século XX, a hanseníase era uma grande preocupação de saúde pública, especialmente em regiões mais isoladas e empobrecidas (Neves, 2023).

Na década de 1920, o governo brasileiro começou a implementar medidas para controlar a doença, incluindo a criação de instituições especializadas para o tratamento e isolamento de pacientes. O governo também começou a realizar campanhas de conscientização e a promover a pesquisa científica. Somente em 1940, com o desenvolvimento de novos tratamentos, surge um novo tratamento a sulfonamida, utilizada no combate à doença. No entanto, o estigma associado à hanseníase, junto com a falta de acesso a cuidados médicos em muitas áreas, dificultou o controle completo da doença. (Jesus, 2023).

Apesar desses avanços, o Brasil ainda enfrenta desafios significativos na luta contra a hanseníase. O país é um dos que têm alta carga da doença no mundo, e a hanseníase continua a ser um problema de saúde pública em algumas regiões, particularmente nas áreas mais pobres e menos acessíveis. O controle da hanseníase no Brasil envolve não apenas o tratamento das pessoas afetadas, mas também a educação para reduzir o estigma e aumentar a conscientização sobre a doença (Neves, 2023).

Nos últimos anos, os esforços têm se concentrado em melhorar o diagnóstico precoce, aumentar a cobertura dos serviços de saúde, e promover campanhas para combater o estigma associado à doença. As estratégias atuais visam reduzir a incidência de novos casos e assegurar que todos os pacientes recebam o tratamento adequado e oportuno (Coelho, 2024).

Segundo Neves (2023) no Brasil, o levantamento epidemiológico busca entender a frequência e a localização dos casos, além de identificar tendências e padrões ao longo dos anos. Isso é feito coletando e analisando dados de notificações de casos novos e recidivas que são registrados em sistemas de saúde pública como DATASUS, esse monitoramento é essencial para notificar os avanços da doença, avaliar a eficácia dos programas de controle e definir estratégias para reduzir a incidência e a prevalência da hanseníase no país.

Diante dos aspectos apresentados, verifica-se que a vigilância epidemiológica da hanseníase é um dos aspectos fundamentais diante das políticas públicas de saúde, tem como finalidade controlar e reduzir a incidência e prevalência da doença. Embora a hanseníase seja curável, seu diagnóstico e tratamento precoce é essencial para evitar sequelas permanentes e a transmissão da doença (Lima, 2024).

Conforme Rezende (2023) a os primeiros sinais da doença se manifestaram entre os povos Asiáticos e africanos os quais apresentavam como sintomas iniciais manchas na pele de cor clara ou avermelhadas. E como era desconhecida e não existiam estudos, a mesma ficou conhecida como lepra. A doença também tem como características a perda da sensibilidade ao toque e conforme a doença avança, podem ocorrer lesões cutâneas, enfraquecimento muscular e deformidades, especialmente em mãos e pés.

Costa (2025) destaca que no Brasil a Hanseníase é dividida da seguinte maneira, conforme o sistema de Madrid (1953): formas clínicas:  Indeterminada (I), Tuberculóide (T), Dimorfa (D) e Virchowiana (V).  Essas formas são agrupadas, para fim de tratamento, em dois tipos: Paucibacilares-PB (I e T) e Multibacilares – MB (D e V).  

A hanseníase é uma doença curável, mas que pode causar graves incapacidades físicas se não tratada precocemente. Portanto, as estratégias de controle visam principalmente a detecção precoce dos casos e a eliminação da fonte de infecção, além da reabilitação e apoio aos pacientes com incapacidades. E o tratamento da hanseníase é baseado no uso de poliquimioterapia (PQT), que é a combinação de antibióticos eficazes contra o Mycobacterium leprae (Lima, 2024).

O tratamento é gratuito e oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. A terapia consiste em um regime de múltiplos medicamentos, geralmente administrados durante um período de seis meses a um ano, dependendo da forma clínica da doença. A adesão ao tratamento é crucial para evitar complicações e reduzir a transmissão. Mas, além do tratamento é viável que seja realizado campanhas educativas informativas, pois é uma estratégia importante para a prevenção da hanseníase.

A disseminação de informações sobre os sinais e sintomas da doença, bem como sobre a importância da busca imediata por atendimento médico, é fundamental para evitar o diagnóstico tardio e a propagação da doença. As campanhas de conscientização também devem abordar mitos e preconceitos em torno da hanseníase, pois a doença ainda é estigmatizada em muitas comunidades (Almeida, 2023).

Considerando que essa doença é um problema de saúde pública que ainda persiste, em que há dificuldade em reduzir o número de casos devido à baixa procura por ajuda de um profissional, o presente trabalho teve por objetivo determinar a evolução do número de casos de hanseníase no Brasil nos últimos 5 anos. Assim, como os objetivos gerais que busca determinar a evolução do número de casos de hanseníase no Piauí nos últimos 5 anos, analisar a variação anual no número de casos de hanseníase notificados no Brasil ao longo da última décadas, identificar as regiões geográficas com maior incidência de hanseníase, verificando padrões de distribuição espacial dos casos no país e avaliar o perfil demográfico dos casos notificados, incluindo idade, sexo, e grupo socioeconômico, para caracterizar as populações mais afetadas (Barros, 2023).

Neste sentido, apesquisa tem grande relevância, pois trata-se de um problema significativo de saúde pública, com alta carga de casos, especialmente em regiões vulneráveis no caso do estado do Piauí. Embora tenham sido feitos avanços no diagnóstico e tratamento, a persistência da doença e o estigma associado ainda desafiam a eficácia dos programas de controle. Diante disso, esta pesquisa fornecerá dados atualizados e detalhados sobre a distribuição e os padrões da hanseníase, ajudando a aprimorar estratégias de prevenção, otimizar recursos e orientar políticas públicas mais eficazes para o combate à doença.

Para tanto, conforme a relevância apresentada o trabalho se destaca por discutir uma situação social importante e ao abordar essa temática promove um impacto positivo na saúde pública, contribuindo para futuros trabalhos que possam delinear ações que reduza as desigualdades no acesso ao tratamento e aprimorando as políticas de saúde. Dessa forma, será possível realizar abordagens mais eficientes e humanizadas no combate à hanseníase no Estado.

2 MATERIAL(IS) E MÉTODOS
2.1. Tipo de Estudo     

Este estudo adotou uma abordagem quantitativa e descritiva, com isso, foi feito um levantamento de dados secundários, utilizando como fonte principal o Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), disponível no banco de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS).

2.2. População e Amostra     

A população do estudo é composta por homens e mulheres, adultos e idosos residentes no estado do Piauí que apresentaram registros de hanseníase no período de janeiro de 2020 a dezembro de 2024. A amostra foi constituída por todos os casos notificados no banco de dados do DATASUS no referido período. Os dados foram segmentados conforme as variáveis disponíveis na plataforma, como sexo, faixa etária, raça/cor e escolaridade, possibilitando uma análise abrangente dos casos e de sua distribuição entre diferentes grupos populacionais.

2.3. Coleta de Dados

A coleta de dados foi realizada por meio da plataforma oficial do DATASUS, abrangendo o período de janeiro de 2020 a dezembro de 2024. Foram extraídas informações relativas ao total de casos de hanseníase, bem como a distribuição desses casos por ano, sexo, faixa etária, raça/cor e escolaridade. Também foram considerados os registros conforme as regiões de saúde do estado do Piauí. A coleta incluiu todos os casos registrados na base de dados, sem exclusões, respeitando a totalidade dos registros disponíveis no sistema.

2.4. Análise dos Dados

A análise dos dados foi realizada por meio de estatísticas descritivas, utilizando frequências absolutas e relativas, além de medidas de tendência central e dispersão, quando aplicável. Foram elaboradas tabelas que possibilitam a visualização clara dos padrões de ocorrência da hanseníase no período analisado. A análise permitiu identificar variações nos dados conforme sexo, faixa etária, raça/cor, escolaridade e região de residência, evidenciando a distribuição dos casos e possibilitando inferências quanto às populações mais afetadas e às características epidemiológicas da doença no estado do Piauí entre 2020 e 2024.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para a realização da análise dos dados sobre os casos de hanseníase no estado do Piauí, foram consideradas as variáveis de sexo masculino e feminino no período compreendido entre os anos de 2020 e 2024. Essa segmentação permitiu observar a distribuição da doença entre os gêneros ao longo dos últimos cinco anos, possibilitando identificar possíveis padrões, tendências e desigualdades que possam orientar ações de vigilância em saúde e políticas públicas voltadas ao enfrentamento da hanseníase na região, (Tabela 1).

Tabela 1: Casos notificados de hanseníase 2020 a 2024

Com base nos dados apresentados sobre os casos de hanseníase no estado do Piauí entre os anos de 2020 e 2024, é possível traçar um panorama preocupante tanto do ponto de vista epidemiológico quanto social. No total, foram registrados 6.141 casos da doença nesse período, sendo a maioria entre indivíduos do sexo masculino, que representaram 71,94% dos casos, enquanto o sexo feminino respondeu por 28,06%.

A predominância masculina nos registros chama atenção e sugere possíveis fatores culturais, sociais e de acesso aos serviços de saúde. Em todos os anos observados, a proporção de homens diagnosticados com hanseníase foi superior à das mulheres, com o ponto mais alto em 2020 (77,18%) e o mais baixo em 2022 (67,31%). Essa diferença pode estar relacionada à menor procura dos homens pelos serviços de saúde, o que pode levar a diagnósticos mais tardios ou à subnotificação entre as mulheres em certos contextos sociais.

Segundo Lima (2024) as mulheres podem apresentarem um sistema imunológico mais eficaz que os homens, o que pode caracterizar como um ponto positivo em relação ao contágio da doença e comprovando os dados apresentados.  Dessa maneira, também pode ser justificado os casos notificados em homens devido a exposição em áreas endêmicas, devido a alguns fatores como trabalhos ao ar livre, agrícolas ou manuais, com maior risco de exposição.

É possível que homens estejam mais expostos a fatores de risco ocupacionais ou ambientais que favorecem o contágio da hanseníase, especialmente em regiões onde o saneamento básico é precário e as condições de vida são desfavoráveis. Contudo, ao analisar a série histórica, observa-se que o número total de casos variou entre os anos.

Em 2020, houve 1.086 notificações, número que aumentou até atingir o pico em 2023, com 1.341 casos, antes de recuar ligeiramente em 2024. Essa oscilação pode estar relacionada tanto à melhora ou piora na vigilância epidemiológica e capacidade de diagnóstico quanto a fatores externos, como o impacto da pandemia da COVID-19, que comprometeu o acesso a serviços de saúde e possivelmente afetou o registro de novos casos em 2020.

Rezende (2023) atribui o aumento de casos de hanseníase no Brasil a covid-19 entre 2019 e 2021, houve uma queda de 34,2% no número de casos diagnosticados, passando de 27.864 para 18.318 notificações. Esse declínio foi atribuído à interrupção das atividades de saúde pública durante a pandemia, como isolamento social e restrição de serviços, que dificultaram o diagnóstico precoce e o tratamento adequado da hanseníase e consequentemente o aumento de casos. Em 2021, 11,2% dos 18.318 novos pacientes identificados já apresentavam lesões graves nos olhos, mãos e pés no momento do diagnóstico, indicando detecção tardia da doença.

Complementa ainda (Almeida, 2023) que a persistência de casos em números elevados demonstra que a hanseníase continua sendo um problema relevante de saúde pública no Piauí. A distribuição desigual entre os sexos também reforça a necessidade de estratégias diferenciadas de prevenção e diagnóstico. Campanhas educativas e ações de busca ativa podem ser direcionadas especialmente à população masculina, com foco em promover o autocuidado, o conhecimento sobre os sinais da doença e a redução do estigma.

Neste sentido, é essencial fortalecer a rede de atenção básica, capacitar profissionais para o diagnóstico precoce e garantir o acesso ao tratamento adequado, que é gratuito e disponível pelo SUS. A hanseníase, embora tenha cura, ainda carrega um forte estigma social, e o diagnóstico tardio pode resultar em incapacidades físicas permanentes.

Os dados apontam para um cenário em que a hanseníase permanece como desafio importante no estado do Piauí, com forte concentração de casos entre homens. Políticas públicas específicas, associadas ao fortalecimento da atenção primária e à promoção da equidade no acesso aos serviços de saúde, são fundamentais para enfrentar essa realidade. A erradicação da hanseníase como problema de saúde pública passa necessariamente pelo enfrentamento das desigualdades sociais e pela ampliação do diagnóstico e tratamento precoce para toda a população.

            Tabela 2: Comparativo número de casos entre raças

A tabela apresenta a distribuição de 4.111 casos segundo as categorias de raça/cor e sexo. Os dados revelam importantes disparidades entre os diferentes grupos analisados. Em relação à raça/cor, o grupo com maior número de casos registrados foi o de pessoas amarelas, totalizando 911 ocorrências, o que representa 18,15% do total geral. Em seguida aparecem os grupos pardos (865 casos, 17,23%) e pretos (845 casos, 16,83%). O grupo indígena contabilizou 809 casos (16,12%), enquanto o menor número de ocorrências foi observado entre pessoas brancas, com 681 casos (13,57%).

Jesus (2023) em seus estudos destaca que a hanseníase continua sendo um importante problema de saúde pública no Brasil, especialmente entre populações vulneráveis. O autor ressalta que a incidência da doença apresenta variações significativas entre os diferentes grupos raciais, evidenciando desigualdades históricas e estruturais no acesso à saúde. Dados epidemiológicos indicam maior prevalência da hanseníase entre pessoas negras e pardas, o que reflete, em grande parte, a interseção entre determinantes sociais da saúde, como pobreza, baixa escolaridade e condições precárias de moradia, com fatores raciais. Esse cenário aponta para a necessidade de políticas públicas mais equitativas, que considerem as especificidades raciais e sociais na prevenção, diagnóstico e tratamento da doença.

No que se refere à distribuição por sexo, observa-se uma predominância de casos entre homens, que somam 2.442 registros, o equivalente a aproximadamente 59,4% do total. Já as mulheres correspondem a 1.669 casos, ou cerca de 40,6%. Ao verificar as informações de raça/cor com o sexo, nota-se que em todos os grupos raciais os homens apresentam maior número de casos do que as mulheres. A diferença mais expressiva ocorre no grupo branco, onde os homens representam cerca de 64,6% dos casos. No grupo amarelo, embora ainda haja predominância masculina, a diferença é menos acentuada, com os homens respondendo por cerca de 56,3%.

Complementa Costa (2025) que a menor incidência proporcional de determinadas doenças entre pessoas brancas no Brasil pode ser explicada por fatores sociais, econômicos e estruturais historicamente desiguais. Pessoas brancas, em média, têm maior acesso a condições de vida mais favoráveis, como moradia adequada, saneamento básico, alimentação de melhor qualidade e, principalmente, serviços de saúde preventiva e curativa. Esses privilégios estão enraizados em um contexto de desigualdade racial que afeta o acesso de populações pardas e indígenas a esses mesmos direitos. Além disso, fatores como discriminação no atendimento médico, barreiras geográficas para povos indígenas e maior exposição a ambientes insalubres contribuem para o agravamento da vulnerabilidade dessas populações, refletindo-se em uma maior incidência de doenças. Esses dados podem indicar desigualdades estruturais e possíveis diferenças de exposição ou acesso a serviços entre os grupos raciais e de gênero. A predominância de casos entre homens, observada de forma consistente em todos os grupos raciais, também merece atenção e pode refletir fatores comportamentais, sociais ou ocupacionais.

Tabela 3: Comparativo de casos de hanseníase por escolaridade

Fonte:  Elaborado pelos autores (2025), com base nos dados do Sinan Net.

Os dados apresentados refletem a distribuição de casos de hanseníase no estado do Piauí entre os anos de 2020 e 2024, considerando os diferentes níveis de escolaridade. A análise desses números permite compreender como a escolaridade está associada à incidência da doença, evidenciando que os indivíduos com menor nível de instrução estão mais suscetíveis.

Ao observar os dados, percebe-se que os maiores números de casos concentram-se nas categorias de analfabetos e daqueles com 1ª a 4ª série incompleta do ensino fundamental, que juntos somam 1.618 casos no período analisado, correspondendo a mais da metade dos registros. Esse panorama revela a íntima relação entre hanseníase e fatores socioeconômicos, onde a baixa escolaridade se destaca como um dos elementos mais relevantes. De acordo com Barros (2023), indivíduos com escolaridade reduzida enfrentam maiores dificuldades de acesso às informações sobre saúde, o que compromete a prevenção, o diagnóstico precoce e o tratamento, além de perpetuar o ciclo de transmissão da doença.

Em 2020, por exemplo, observa-se que a maior concentração de casos estava entre indivíduos com 1ª a 4ª série incompleta do ensino fundamental (136 casos) e analfabetos (85 casos), somando 221 casos apenas nesses dois grupos. Esse dado evidencia como a baixa escolaridade impacta diretamente na vulnerabilidade social e no risco de adoecimento.

No ano de 2021, houve um aumento expressivo, sobretudo entre aqueles com escolaridade entre 1ª a 4ª série incompleta (158 casos) e analfabetos (101 casos), mantendo o padrão de maior incidência entre os menos escolarizados. Esse crescimento reforça a necessidade de estratégias de saúde pública que considerem, além do enfrentamento da doença, políticas educativas e de inclusão social.

Em 2022, percebe-se que o grupo com 1ª a 4ª série incompleta do ensino fundamental atingiu seu maior número no período, com 189 casos, seguido de um aumento também significativo nas faixas de escolaridade entre 5ª a 8ª série incompleta (114 casos). Esse crescimento em grupos de escolaridade um pouco mais elevada pode indicar que, embora a maior parte dos casos ainda esteja relacionada à baixa escolaridade, a doença também atinge indivíduos com trajetórias escolares um pouco mais longas, o que exige uma ampliação nas estratégias de enfrentamento.

No ano de 2023, a tendência se mantém, com 166 casos na faixa de 1ª a 4ª série incompleta, além de 83 casos entre analfabetos e 118 casos entre aqueles com 5ª a 8ª série incompleta, reafirmando o perfil socialmente vulnerável da maioria dos acometidos.

Por fim, em 2024, observa-se uma leve redução em algumas faixas, mas os dados seguem elevados, com destaque para 144 casos na escolaridade de 1ª a 4ª série incompleta e 82 entre analfabetos. Apesar de pequenas oscilações nos números ao longo dos anos, o padrão se mantém: quanto menor a escolaridade, maior a incidência de hanseníase.

Diante desses dados, é possível afirmar, conforme Costa (2025), que a incidência da hanseníase continua fortemente associada à exclusão social e educacional. A baixa escolaridade, além de refletir um contexto de vulnerabilidade social, limita o acesso às informações sobre prevenção e tratamento da doença, perpetuando o ciclo da hanseníase nas populações mais desfavorecidas.

Nesse contexto, Coelho (2023) defende que as políticas públicas devem ir além da assistência médica, promovendo ações integradas de educação, inclusão social e enfrentamento das desigualdades. Só assim será possível romper o ciclo que associa hanseníase, pobreza e baixa escolaridade, contribuindo efetivamente para o controle e a eliminação da doença.

De forma geral, os dados demonstram uma evolução positiva na busca pela equidade de gênero no campo educacional. A redução das disparidades ao longo dos anos é um reflexo das políticas públicas e das mudanças sociais que têm promovido maior inclusão, além de refletir uma mudança nas mentalidades e atitudes em relação ao papel das mulheres na educação e na sociedade em geral.

Ao realizar à análise dos dados epidemiológicos de hanseníase notificados no período de 2020 a 2024, apresenta-se a seguir um recorte específico voltado para a população feminina, considerando diferentes categorias raciais (branca, preta, amarela e parda). A Tabela 4 foi elaborada com base nas informações extraídas do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan Net), contemplando o número de diagnósticos registrados anualmente entre mulheres com diferentes níveis de escolaridade.

 O objetivo da exposição dos dados é evidenciar as possíveis desigualdades raciais e sociais no acesso ao diagnóstico e tratamento da hanseníase, além de permitir a identificação de padrões que possam contribuir para o aprimoramento das políticas públicas de saúde. A partir desses dados, será realizada uma análise crítica e comparativa entre os grupos, com base na literatura apresentada nesse estudo.

Tabela 4 – Número de Diagnósticos em Mulheres por Raça (2020–2024)

Fonte:  Elaborado pelos autores (2025), com base nos dados do Sinan Net.

A análise dos dados apresentados na Tabela 4 revela um cenário de crescimento contínuo na notificação de casos de hanseníase entre mulheres de diferentes raças no período de 2020 a 2024. Esse aumento é particularmente evidente entre as mulheres pardas, que se mantêm como o grupo com maior número de diagnósticos ao longo de todo o período, totalizando 432 casos, sendo 197 apenas entre aquelas com ensino médio completo.

Esse achado é coerente com a observação de Barros et al. (2024), que apontam uma correlação direta entre condições de vulnerabilidade social e a incidência de hanseníase, principalmente em regiões mais pobres, com baixa cobertura da atenção básica e escassa oferta de serviços especializados.

A predominância de notificações em mulheres pardas e pretas evidencia, de forma expressiva, o impacto das desigualdades sociais e raciais no enfrentamento das doenças negligenciadas. Como destaca Neves (2023), o levantamento epidemiológico é uma ferramenta crucial não apenas para quantificar a doença, mas para revelar padrões estruturais de exclusão e iniquidade no acesso à saúde. Essas mulheres, muitas vezes situadas à margem do sistema, enfrentam múltiplas barreiras desde a dificuldade de deslocamento até a ausência de informação adequada, o que contribui para o atraso no diagnóstico e, por consequência, para o agravamento do quadro clínico.

Por outro lado, o crescimento nos números de notificações também pode ser interpretado de maneira positiva, sinalizando uma possível ampliação da capacidade de identificação de casos pela rede de atenção à saúde. Coelho (2024) indica que, nos últimos anos, as campanhas de conscientização e capacitação de profissionais de saúde, aliadas à descentralização do atendimento, têm contribuído para que a hanseníase seja diagnosticada mais precocemente. Isso se reflete no aumento das notificações, especialmente a partir de 2021, com a retomada progressiva dos serviços de saúde após o impacto inicial da pandemia da COVID-19.

É importante destacar que, conforme observa Lima (2024), a notificação precoce e o início imediato do tratamento são fatores decisivos para evitar sequelas e interromper a cadeia de transmissão da doença. No entanto, para que isso ocorra de forma equânime, é necessário romper com os padrões históricos de desigualdade que afetam especialmente mulheres negras e pardas. Como complementa Costa (2025), as formas clínicas da hanseníase mais severas — Dimorfa e Virchowiana — são frequentemente encontradas em populações que enfrentam barreiras prolongadas para o diagnóstico, o que reforça a necessidade de intervenções específicas para essas comunidades.

No caso das mulheres brancas, observa-se um crescimento expressivo nos diagnósticos ao longo dos anos, totalizando 89 casos entre 2020 e 2024. Ainda que em menor intensidade do que no grupo pardo, esse aumento pode estar associado à maior escolaridade, à maior inserção em contextos urbanos e à maior facilidade de acesso aos serviços de saúde, como relatam Almeida (2023). Essa população tende a buscar atendimento com mais frequência e, muitas vezes, consegue acessar serviços especializados com menos obstáculos, o que favorece o diagnóstico precoce.

Já entre as mulheres amarelas, que apresentaram os menores números no período analisado (apenas 4 registros), é possível levantar duas hipóteses: uma menor representatividade demográfica no Estado do Piauí, ou uma possível subnotificação. Além disso, cabe destacar que não há registros de casos entre mulheres amarelas analfabetas nem entre aquelas com ensino superior completo. Segundo Jesus (2023), a subnotificação é um problema recorrente em populações historicamente invisibilizadas, o que dificulta a construção de políticas públicas específicas e eficazes. A ausência de estratégias voltadas para essa população, aliada à escassez de dados, perpetua um ciclo de invisibilidade que precisa ser rompido com mais ações afirmativas.

Também é importante ressaltar que não foram encontrados registros de casos de hanseníase em mulheres indígenas em nenhuma categoria de escolaridade entre os anos de 2020 e 2024. Essa ausência pode tanto indicar um cenário positivo quanto mascarar uma situação de invisibilidade epidemiológica, exigindo atenção e investigação por parte dos serviços de saúde.

Por fim, o aumento nos registros também pode refletir uma maior conscientização sobre a doença, fruto de campanhas de sensibilização da população e dos profissionais de saúde. Como afirmam Rezende (2023) e Paula (2023), essas campanhas são estratégias fundamentais para enfrentar o estigma e promover a detecção precoce. A hanseníase ainda carrega um forte peso simbólico e cultural, que muitas vezes impede que as pessoas busquem atendimento no início dos sintomas. A superação desse obstáculo passa pela educação em saúde, associada ao fortalecimento dos serviços de atenção básica e vigilância epidemiológica.

Assim, os dados analisados acima demonstram não apenas a evolução quantitativa dos casos, mas revelam também aspectos qualitativos da realidade social e sanitária das mulheres afetadas pela hanseníase. A partir desses resultados, é possível compreender que, mais do que uma doença infecciosa, a hanseníase é um marcador social que denuncia as fragilidades do sistema de saúde e a necessidade urgente de políticas públicas mais justas, humanas e inclusivas.

O aumento contínuo nas notificações pode ser interpretado sob duas perspectivas: por um lado, como destaca Coelho (2024), o crescimento pode sinalizar um avanço no diagnóstico precoce e no alcance das ações de vigilância epidemiológica, com a expansão das políticas públicas de rastreamento sendo um fator positivo. Por outro lado, os altos números mantidos ao longo dos anos revelam a persistência da hanseníase como um problema de saúde pública no Brasil, sobretudo entre grupos racializados e de baixa renda, como as mulheres pardas e pretas.

Almeida (2023) reforçam que, entre as mulheres, a busca por atendimento médico tende a ser mais proativa, o que pode explicar a predominância feminina nos registros em relação aos homens, como será visto na Tabela 5. No entanto, essa maior presença nas unidades de saúde não anula os desafios enfrentados por essas mulheres, que muitas vezes têm o diagnóstico retardado devido à negligência institucional, à falta de campanhas educativas eficazes e à permanência do estigma social.

A Tabela 5 apresenta a distribuição dos casos notificados de hanseníase entre homens, também considerando todas as categorias de escolaridade, no período de 2020 a 2024. Assim como na tabela anterior, os dados foram organizados por raça/cor (branca, preta, amarela e parda), permitindo observar a variação dos registros ao longo dos anos. Essa exposição possibilita o aprofundamento da análise das desigualdades sociais e raciais no enfrentamento da hanseníase entre o público masculino, além de facilitar a comparação com os dados do público feminino. A sistematização dos registros em tabela visa contribuir para o embasamento de políticas públicas mais eficazes e direcionadas à realidade das populações mais afetadas.

Tabela 5 – Diagnósticos em Homens (Todas as categorias de escolaridade) por Raça (2020–2024)

A Tabela 5 apresenta os dados de diagnósticos de hanseníase em homens entre os anos de 2020 e 2024, revelando uma evolução semelhante à observada entre as mulheres, com um padrão de crescimento constante, especialmente entre os homens pardos, que representam o grupo com o maior número de casos em todos os anos. Ao todo, esse grupo acumulou 519 diagnósticos no período, com destaque para os 176 casos registrados entre homens com ensino médio completo.

Essa concentração reforça as observações de Barros (2024) sobre a prevalência da hanseníase em comunidades marginalizadas, particularmente nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, onde o acesso aos serviços de saúde é historicamente limitado.

Comparando os dados masculinos com os femininos, nota-se que, embora os números totais não sejam drasticamente diferentes, os homens tendem a apresentar diagnósticos tardios, o que compromete o controle da doença. Segundo Coelho (2024), isso se deve ao fato de que muitos homens evitam procurar os serviços de saúde, por questões culturais e pela ausência de campanhas voltadas especificamente ao público masculino. A negligência no cuidado preventivo contribui para a manutenção da cadeia de transmissão da hanseníase.

Outro ponto relevante é o estigma social que ainda cerca a doença, afetando diretamente a adesão ao tratamento e a busca por atendimento. Conforme Lima (2024), a desinformação e o preconceito atuam como barreiras silenciosas, especialmente entre os homens, que muitas vezes são condicionados a não demonstrar vulnerabilidade ou procurar ajuda médica, o que impacta negativamente nos índices de diagnóstico precoce.

Em relação aos homens pretos, os números também são expressivos, totalizando 130 casos entre 2020 e 2024, com destaque para as faixas de analfabetismo e ensino médio. Já entre os homens brancos, foram registrados 82 casos, concentrados especialmente nas categorias de ensino médio e analfabetismo.

Essa distribuição confirma que, embora o racismo estrutural afete todas as populações não brancas, há uma sobreposição de vulnerabilidades entre os homens pardos, que, em geral, vivem em regiões com baixa cobertura de saneamento, precária infraestrutura urbana e menor escolaridade, conforme também aponta Costa (2025).

No grupo amarelo masculino, os registros foram os mais baixos, com apenas 6 casos distribuídos em diferentes faixas de escolaridade, sendo nenhum caso registrado no nível superior. Essa baixa incidência pode estar relacionada a uma menor representatividade demográfica no estado ou ainda a uma subnotificação causada pela invisibilidade nos registros oficiais, como discutido por Jesus et al. (2023).

O caso dos homens indígenas também chama atenção: houve apenas 1 registro no período (analfabeto), e nenhum diagnóstico foi registrado nas demais categorias de escolaridade, o que pode refletir tanto o isolamento geográfico quanto a exclusão das políticas de vigilância em saúde.

Portanto, os dados da Tabela 5 evidenciam que, embora os números entre homens sejam levemente menores do que entre as mulheres, os desafios enfrentados por essa população são igualmente complexos. Esses desafios incluem barreiras culturais, falta de campanhas direcionadas, racismo estrutural e ausência de políticas afirmativas para populações invisibilizadas.

Torna-se urgente o desenvolvimento de estratégias específicas de educação em saúde e fortalecimento da atenção básica, de modo a garantir acesso equitativo, humanizado e livre de estigmas ao diagnóstico e tratamento da hanseníase entre os homens

4 CONCLUSÃO

O estudo desenvolvido ao longo deste trabalho teve como finalidade compreender, por meio de uma abordagem quantitativa e descritiva, o comportamento epidemiológico da hanseníase no estado do Piauí, com ênfase nas notificações de casos entre os anos de 2020 e 2024. Através da análise dos dados obtidos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan Net), foi possível identificar padrões relevantes de distribuição da doença entre diferentes grupos raciais, níveis de escolaridade e gêneros, revelando, de forma evidente, a influência dos determinantes sociais no processo saúde-doença.

Os dados apontam para um crescimento contínuo no número de casos notificados ao longo dos cinco anos analisados, com destaque para a população parda, que concentrou o maior número de registros tanto entre homens quanto entre mulheres. Tal resultado corrobora os apontamentos de Barros (2024), que relacionam a alta incidência da hanseníase com as condições socioeconômicas precárias, acesso limitado aos serviços de saúde e deficiências na atenção básica, fatores esses que ainda afetam de maneira mais intensa grupos racializados, especialmente nas regiões Norte e Nordeste do país.

No recorte por gênero, a análise revelou uma ligeira predominância de notificações entre as mulheres. Essa diferença pode estar associada à maior procura por serviços de saúde por parte do público feminino, conforme destacado por Almeida et al. (2023), além da maior sensibilidade das políticas de atenção primária para atender esse grupo. Contudo, isso não significa que as mulheres estejam menos vulneráveis. Ao contrário, os dados mostram que as mulheres pardas e pretas continuam entre as mais afetadas, sendo vítimas de um duplo processo de invisibilidade: o da pobreza e o do racismo estrutural, que impacta diretamente no acesso à informação, ao diagnóstico precoce e ao tratamento adequado.

Entre os homens, os dados revelam uma tendência semelhante de crescimento nos diagnósticos, embora os números sejam ligeiramente inferiores aos das mulheres. A literatura, como apontam Coelho (2024) e Lima (2024), reforça que os homens costumam buscar menos os serviços de saúde e, muitas vezes, somente o fazem em estágios mais avançados da doença, o que compromete o controle da transmissão e aumenta o risco de sequelas permanentes. Além disso, o estigma social associado à hanseníase ainda é um grande obstáculo, especialmente entre os homens, que culturalmente têm dificuldade em reconhecer a necessidade de cuidado e apoio médico.

Outro ponto relevante identificado neste estudo é a subnotificação entre a população amarela e a ausência de registros entre os indígenas. Essas lacunas evidenciam a necessidade urgente de maior sensibilidade dos sistemas de informação em saúde, que ainda apresentam falhas importantes na inclusão de minorias étnicas.

Como defendem Jesus (2023), a invisibilidade estatística dessas populações contribui para a perpetuação da negligência e impede a construção de políticas públicas eficazes voltadas à equidade.

O aumento nos registros nos últimos anos pode também ser reflexo da retomada gradual dos serviços de saúde após a pandemia da COVID-19, que, como salientam Paula (2023), impactou fortemente as ações de vigilância epidemiológica e interrompeu por um período significativo o fluxo de atendimento, dificultando o diagnóstico precoce de várias doenças, inclusive da hanseníase. A partir de 2021, observa-se uma recuperação progressiva nas notificações, que pode ser interpretada como um sinal positivo de reestruturação do sistema de saúde.

Entretanto, apesar dos avanços observados, os dados reforçam que a hanseníase continua sendo uma doença negligenciada no Brasil, com forte caráter social, marcada por desigualdades estruturais históricas. O tratamento oferecido pelo SUS, baseado na poliquimioterapia, é eficaz e gratuito, mas o seu sucesso depende diretamente de ações integradas que envolvam não apenas a oferta de medicamentos, mas também estratégias educativas, combate ao estigma, formação continuada de profissionais da saúde e políticas públicas territorializadas, sensíveis às necessidades específicas de cada grupo populacional.

Este estudo, ao evidenciar a persistência da hanseníase como problema de saúde pública no Piauí, reforça a importância do fortalecimento da vigilância epidemiológica e da ampliação das ações de prevenção, diagnóstico e tratamento. Além disso, destaca a relevância de que futuras pesquisas aprofundem a análise das interseccionalidades entre raça, gênero, escolaridade e território, a fim de subsidiar políticas públicas que promovam justiça social e contribuam efetivamente para a erradicação da hanseníase.

Por fim, conclui-se que a eliminação da hanseníase como problema de saúde pública no Brasil só será possível mediante o enfrentamento das desigualdades sociais, o fortalecimento do SUS e o compromisso contínuo com a promoção da equidade em saúde. Que este trabalho sirva como subsídio para a formulação de estratégias mais eficazes, humanas e integradas, comprometidas com a dignidade dos sujeitos afetados e com a superação das barreiras que ainda impedem o pleno acesso ao direito à saúde.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Marcos Lima et al. Perfil epidemiológico da hanseníase em um estado brasileiro. Brazilian Journal of Health Review, v. 6, n. 5, p. 20042-20051, 2023.

BARROS, Ian da Costa Araújo et al. Caracterização de casos e indicadores epidemiológicos e operacionais da hanseníase: análise de séries temporais e distribuição espacial, Piauí, 2007-2021. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 33, p. e2023090, 2024.

COELHO, Evelyn Eidri Ackermann; MARCHIORO, Felipe Henrique Fagundes; DE OLIVEIRA, Clarissa Vasconcelos. PERFIL CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICO DE PACIENTES DIAGNOSTICADOS COM HANSENÍASE NO ESTADO DO PARANÁ NO PERÍODO DE 2013 A 2023. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 10, n. 7, p. 1837-1848, 2024.

COSTA, Helen Cristina Lima; DE MELO IRMÃO, José Jenivaldo; DE MELO, Andrea Gomes Santana. Hanseníase: epidemiologia e clínica em área de média endemicidade. Revista JRG de Estudos Acadêmicos, v. 8, n. 18, p. e081908-e081908, 2025.

JESUS, Isabela Luísa Rodrigues de et al. Hanseníase e vulnerabilidade: uma revisão de escopo. Ciência & Saúde Coletiva, v. 28, p. 143-154, 2023.

LIMA, Alessandra Santos Vieira; RODRIGUES, Luriany Nunes; CALEGARI, Camila Cristina Daluia. Caracterização dos pacientes sobre o abandono ao tratamento da hanseníase e suas causas: revisão integrativa. REVISTA SAÚDE MULTIDISCIPLINAR, v. 16, n. 1, 2024.

NEVES, Karine Vila Real Nunes et al. Histórico clínico autorreferido de casos mal classificados de hanseníase no Estado do Mato Grosso, Brasil, 2016-2019. Cadernos de Saúde Pública, v. 39, p. e00279421, 2023.

PAULA, Elisabeth Pereira Lopes; DE CARVALHO, Helen Matos; DE CASTRO ORNELLAS, Bruna. PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DA HANSENÍASE APÓS A PANDEMIA DA COVID-19. Revista Contemporânea, v. 3, n. 11, p. 23630-23652, 2023.

REZENDE, Guilherme Magalhães. Hanseníase: um retrato da realidade brasileira. 2023. Revista Multidisciplinar em Saúde. V. 4, Nº 3, 2023.

COSTA, Helen Cristina Lima; DE MELO IRMÃO, José Jenivaldo; DE MELO, Andrea Gomes Santana. Hanseníase: epidemiologia e clínica em área de média endemicidade. Revista JRG de Estudos Acadêmicos, v. 8, n. 18, p. e081908-e081908, 2025.


1Graduanda do Curso em Bacharelado em Farmácia da Faculdade CET.
E-mail: marianemilanez1@hotmail.com

2Graduanda do Curso em Bacharelado em Farmácia da Faculdade CET.
E-mail: rosecleiacosta73@gmail.com