UM BREVE ENSAIO HISTÓRICO SOBRE A CONSTITUIÇÃO DA LINGUÍSTICA COMO DISCIPLINA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10247281942


Adna Gomes de Araújo Fonseca[1]


RESUMO

A Linguística Histórica é uma área da Ciência Linguística que realiza pesquisas sobre fatos linguísticos que acontecem na comunicação humana ao longo da história. Com isso, baseia-se em estudos que são fundamentados em teorias de autores consagrados nos meios acadêmicos. Deste modo, este artigo visa realizar uma breve trajetória histórica da consolidação da Linguística como ciência, tendo como objeto de estudo a linguagem humana. Para tanto, valeu-se de uma pesquisa bibliográfica realizada em livros digitalizados disponibilizados em arquivos PDF, assim como sites de revistas eletrônicas vinculadas a universidades nacionais e internacionais, contribuindo com artigos atualizados com os últimos estudos realizados em todo o mundo. Alguns resultados podem ser visualizados, revelando que a Linguística percorreu um longo caminho até consolidar-se como ciência. Desta maneira, desde o seu início com Ferdinand Saussure, se mostrou ser um campo fértil de estudos, ocupando o centro de estudos das ciências humanas. Com isso, conclui-se que assim como a língua muda com o tempo, os estudos linguísticos também estão mudando na atualidade. Por isso, mesmo com áreas de estudo divergentes o seio dela, ainda se configura como Linguística que estuda as diversas variedades da fala e da escrita.

Palavras chaves: Linguística Histórica; Linguagem Humana, Ferdinand Saussure

1 INTRODUÇÃO

 As primeiras reflexões sobre a linguagem humana datam de bem antes da consolidação da Linguística como ciência, pois pensadores como Platão e Aristóteles já registravam as suas ideias nos seus escritos. Contudo, foi a partir do “Course de Linguistique General”, de Ferdinand de Saussure, no início do século XIX, que os estudos linguísticos foram reconhecidos como científicos de fato. Portanto, existe muito a revisar sobre estas ideias que geraram o vasto conhecimento que se possui hoje sobre este fenômeno tão interessante.

 Deste modo, os estudos anteriores ao século XIX são fundamentais para o desenvolvimento desta área de pesquisa como disciplina de estudo da linguagem humana. Então, o Curso de Linguística Geral de Ferdinand Saussure se aplica ao contexto da linguagem humana como um todo, onde o “Geral” quer dizer que este curso não se restringe a apenas uma língua, mas ao estudo de qualquer uma falada no mundo.

O estudo dos fenômenos linguístico que aconteceram no passado é essencial para o desenvolvimento de uma consciência mais plena da Linguística como ciência. Deste modo, é possível conhecer as mudanças que aconteceram nas línguas ao longo do tempo, assim como as reflexões que alguns pensadores deixaram registradas nos seus textos escritos ao longo do tempo. Por conseguinte, este artigo se faz necessário para a comunidade linguística e a comunidade de fala que está inserida na sociedade.

Desta maneira, acredita-se que se um estudante de Letras tiver uma base histórica bem sólida sobre a teoria linguística produzida antes do Século XIX, teria menos dificuldades em entender as pesquisas atuais e produzir pesquisas inéditas no futuro. Portanto, artigos como estes devem ser produzidos com mais frequência, visto que poucos se encontram disponíveis nas produções acadêmicas dos últimos tempos. Assim, cogita-se que se mais pesquisadores estivem envolvidos em pesquisas como estas, os professores em serviço na atualidade não teriam conhecimentos tão superficiais sobre a sua área e sem uma metodologia de ensino com base científica.

Alguns questionamentos orientam o percurso desta pesquisa, entre os quais podem-se enumerar: Como a Linguística constituiu-se como disciplina? Quais foram os principais fenômenos linguísticos que aconteceram antes do século XIX? De que maneira o linguista genebrino, Ferdinand de Saussure contribuiu para a consolidação da Linguística como ciência? Qual é a importância do estudo da Linguística Histórica para os estudantes de Pós-graduação em formação na atualidade?

Como metodologia de pesquisa foi adotada uma revisão teórica em fontes bibliográfica digitalizadas e disponibilizadas em arquivos PDF pelos professores da disciplina, História do Pensamento Linguístico, além de outros artigos de revistas eletrônicas vinculadas a universidades públicas e particulares do Brasil e do mundo. Desta maneira, foram consultados os registros de Colombat, Puech e Fournier (2010), para compor uma base teórica que possa acessar a memória histórica produzida por estes autores. Finalmente, as aulas muito produtivas do professor Edicarlos contribuíram para que a confecção deste artigo fosse possível.

Por este motivo, este artigo tem como objetivo principal, fazer um breve histórico da constituição da linguística como disciplina, apontando os estudos desde os tempos da Gramatização do século XVII, quando o contexto científico era muito diferente do que é a Linguística hoje. Desta sorte, realizar um percurso crítico dos fenômenos linguísticos inovadores e essenciais para a consolidação da linguística como científica.

2 A CONSTITUIÇÃO DA LINGUÍSTICA COMO DISCIPLINA

 A Linguística Histórica estuda a evolução da linguagem humana desde séculos anteriores à existência da linguística como ciência, pois as línguas ditas clássicas eram estudadas pelos pensadores que tinham interesse nestas línguas. De acordo com Faraco (2005, p. 43), os períodos de maior reflexão sobre a linguagem conferem um caráter sistemático aos estudos feitos por filósofos que se interessavam pelos fenômenos linguísticos. Então, a ciência contemporânea é um resultado das reflexões que aconteceram ao longo da história. Assim, o que parece relativamente fácil hoje, já foi difícil de entender em tempos remotos.

 De acordo com Auroux (1988, p. 44), o Curso de Linguística Geral trouxe um método de estudos de todas as línguas em geral, o que deu à disciplina mais reputação no âmbito das ciências humanas. Deste modo, este autor atribui sentidos a essa generalidade expressa pelos autores deste curso, as quais causam, tanto desentendimentos entre as linguísticas diversas, quanto afinidades. Além disso, o sentido é bem diferente daquele utilizado pelas gramáticas gerais do século XVII, as quais tinham outro contexto científico. Contudo, foi a gramatização das línguas que trouxe grandes avanços nos estudos da linguagem.

 Em vista disso, a Linguística só passa a ter um status de ciência por causa que este retoma as ideias que autores anteriores a Saussure já tinham refletido. Porém, segundo Dosse (1993, p. 12), a reivindicação da linguística como ciência apenas aconteceu depois da existência do Curso de Linguística Geral, o que lhe rendeu o título de ciência piloto das ciências humanas a partir do século XIX. Deste modo, a definição do objeto de estudo desta ciência se torna mais claro a partir da concepção de Língua e Fala deste gênio da linguagem.

 Nas considerações de Chiss e Puech (1994, p. 41), o Curso de Linguística Geral representa para a humanidade, um domínio de conhecimento e de memória científica, a qual se revela de grande valia no começo dos estudos sobre a linguagem. Deste modo, para destes autores, para uma disciplina se estabelecer como tal são necessários três fundamentos de conhecimento. Sendo assim, o primeiro é uma filiação empírica em uma escola ou corrente filosófica. Em segundo lugar seria exigida uma divisão disciplinar de forma diacrônica, definindo um campo de pesquisa. Enfim, a figura de um fundador que legitime e defina seu objeto de estudo. Logo, a figura de Saussure foi essencial para a fundamentação da linguística, definindo o seu objeto e deixando definidos estudos futuros.

3 FENÔMENOS LINGUÍSTICOS ANTES DO SÉCULO XIX

 De acordo com autores como Câmara Jr. (1975, p. 12), os estudos relacionados ao fenômeno da linguagem remetem a tempos da Antiguidade Clássica, dividindo em estudos paralinguísticos e filológicos. Além disso, era preconizado um interesse pelos aspectos biológicos da linguagem humana, procurando separar o que é certo e o que pode ser considerado equivocado do ponto de vista das regras linguísticas e do funcionamento físico do corpo. Deste modo, os traços linguísticos a serem valorizados, eram os da fala das classes sociais mais superiores, taxando com errados os traços que fugiam à regra da gramática da elite.

 Nas considerações de Coseriu (1980, p. 12), as ideias de sincronia e diacronia já eram discutidas por Harris, no século XVIII, além de Gabelentz e Dittrich, no século XIX). Além do mais, a noção de significante e significado já era cogitada por Aristóteles se referindo ao que está na voz e ao que está na alma, deixando clara uma analogia ele a dicotomia concebida por Saussure. Enfim, a ideias de metalinguagem já era concebida por Santo Agostinho nos seus escritos de ensinamentos religiosos.

 Coseriu (1980, p. 6) ainda aponta que as noções de Língua e Fala e Competência e Performance, já eram incluídas nos estudos gramaticais que se preocupavam apenas com normas de falar padrão e não incluíam as diferentes formas de falar das pessoas nos seus estudos. Deste modo, Hegel já concebia um “falar” que tinha um “sistema” que o normatizava, junto a Gabelentz que visualizava o “falar” e a sua “faculdade da linguagem”. Além do mais, a Arbitrariedade do signo já era preocupação para Boécio, que segundo Coseriu tinha a ideia concebida de que o signo seria arbitrário.

 De acordo com Faraco (2004, p. 28), as concepções de Saussure apenas eram possíveis por causa dos estudos que já tinham sido feitos antes da sua obra do Curso de Linguística Geral. Então, o que ele fez foi um apanhado de tudo que já tinha sido registrado como digno de estudo pelo nobre e genial linguista genebrino. Entretanto, foi apenas a partir dos estudos histórico-comparatistas, que a linguagem passa a ser tratada de forma científica, estabelecendo-se assim o princípio da imanência para fundamentar as suas pesquisas futuras.

4 OS AVANÇOS DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS NO SÉCULO XIX

 Em vista do exposto, pode-se deduzir que a função de Saussure foi a de finalizar o processo de reconhecimento da língua como um sistema de signos independentes. Para fazer isto, foi preciso um apanhado sistemático dos estudos de William Jones, com as suas comparações entre o Sânscrito e o Latim. A este respeito, Faraco (2004, p. 29) postula que este fato simboliza o começo da Linguística com estudo científico da linguagem humana, entusiasmando pesquisadores a se dedicar mais aos estudos da linguagem.

 Por conseguinte, o método histórico-comparativo de pesquisar a linguagem se mostrou muito importante para as pesquisas linguísticas da atualidade. Conteúdo, segundo Câmara Jr. (1975, p. 47), mesmo com alguns opositores entre os linguistas, as pesquisas foram ganhando prestígio até atingir o status de prestígio nas ciências humanas. Deste modo, a estruturalismo de Saussure representa a maior revolução científica que as ciências humanas já vivenciaram. Por isso, a partir da segunda metade do século XIX as pesquisas linguísticas passaram a seguir o paradigma de Saussure como método de estudo.

 De acordo com Pezatti (2004, p. 166), a visão funcionalista aborda os estudos linguísticos como fenômenos sincrônicos e diacrônicos, explicando a estrutura linguística em relação aos aspectos funcionais, cognitivos e psicológicos. Desta maneira, no começo do século XX, a elaboração de frases se relaciona com a intenção que o falante quer transmitir. Por este motivo foram concebidas as funções da linguagem como a função referencial, a outra é a função da exteriorização psíquica, sendo a função do apelo a derradeira. Contudo, estudos posteriores vão além destas funções, investigando as estruturas linguísticas com as suas relações internas que mantêm com os seus elementos que fundamentam os parâmetros do discurso.

 Nas considerações de Martelotta (2003, p. 19), a função teleológica de função é a síntese da pesquisa sobre estruturas linguísticas e as suas interligações com os seus elementos internos. Com isso, o estruturalismo ainda considera a intenção como parte integrante e participativa na elaboração do discurso. Desta maneira, os funcionalistas enfatizam a relevância que a participação do falante tem na hora de construir os enunciados numa determinada situação. Assim, este processo de sistematização das línguas levou à mudança na comunicação oral, buscando uma padronização mais prestigiada na fala.

 Neste sentido, Neves (1994, p. 23) aponta que as teorias funcionalistas visualizam o objeto de pesquisa da Linguística, como algo que só a verdadeira linguística pode estudar. Nesta lógica, o que interessa para eles é a forma como os seres humanos se comunicam por meio de uma língua natural qualquer. Além disso, estes pesquisadores se interessam pelo estudo dos recursos utilizados para aumentar a competência linguística em situações reais de uso da língua. Enfim, com uma instrumentalização linguística, o indivíduo é capaz de solucionar problemas e realizar coisas através das palavras.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Em vista do exposto neste artigo, foi constatado que a Linguística se consolidou como ciência de forma progressiva, desde os tempos Aristotélicos e Platônicos, quando a linguagem já era motivo de preocupação destes pensadores. Deste modo, deste a gramatização, ao Curso de Gramática Geral de Saussure, muitas teorias já tinham sido elaboradas visando explicar a linguagem humana. Por isso, não se pode dar o mérito apenas a Ferdinand de Saussure por ter recapitulado todo este conhecimento, mas a mentes pensantes que já tinham concebido conceitos fundamentais para a Linguística contemporânea.

 Por isso, pode-se declarar abertamente que os estudos relacionados à História do Pensamento Linguístico, é de enorme relevância para os acadêmicos de Letras e Pós-graduandos em processo de formação, pois conferem uma base para entender a linguística da atualidade. Desta forma, os conceitos vão amadurecendo a medida que o tempo histórico vai passando, o que facilita a aprendizagem do que a linguística contemporânea vem revelando nos últimos tempos.

 Em vista disso, é oportuno motivar outros pesquisadores a produzir conhecimento sobre a Linguística Histórica, visto que ao se pesquisar na internet, nota-se a dificuldade de encontrar artigos que retratem a história das línguas e dos seus pensadores. Por isso, ao escrever um artigo como este, está-se resgatando uma memória que deve ficar cada vez mais viva na produção dos novos trabalhos científicos que estão sendo confeccionados nas universidades públicas e privadas do Brasil. Finalmente, a linguagem é um dos fenômenos mais belos e interessantes do planeta terra, visto que é exclusiva dos seres humanos e possui uma variedade infinita de configurações.

REFERÊNCIAS

AUROUX, S. A Revolução Tecnológica da Gramatização. Campinas, SP: Unicamp, 2009.

CÂMARA JR , Joaquim Mattoso. História da linguística. Petrópolis: Vozes, 1975.

CHISS, J.-L. e PUECH, C. Saussure et la constitution d’um domaine de mémoire pour la linguistique moderne. Langages, Paris, n. 114,p. 41-53,jun. 1994.

COLOMBAT, B.; FOURNIER, J.-M. e PUECH, C. (2010). Histoire des idées sur le langage et les langues. Paris: Klincksieck.

COSERIU, Eugenio. Premissas históricas da linguística moderna. In: _________. Lições de linguística geral. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980.

DOSSE, F. História do estruturalismo. v 1 O campo do signo. São Paulo: Perspectiva, 1993.

FARACO, Carlos Alberto. Linguística histórica: uma introdução ao estudo da história das línguas. São Paulo: Parábola Editorial, 2005[1950].

MARTELOTTA, Mário Eduardo; AREAS, Eduardo Kenedy. A visão funcionalista da linguagem no século XX. In : CUNHA, Maria Angélica Furtado da et alii (orgs.). Linguistica funcional : teoria e prática. Rio de Janeiro : DP&A, 2003.

NEVES, Maria Helena de Moura. Uma visão geral da gramática funcional. Alfa: Revista de linguística, São Paulo, v. 38, p. 109-127, 1994.

PEZATTI, Erotilde Goreti. O funcionalismo em linguística. In : MUSSALIM, Fernanda e BENTES, Anna Christina (orgs.) Introdução à linguística: fundamentos epistemológicos. São Paulo: Cortez, 2004, p. 166.


[1] Mestranda do 1° período do Programa de Mestrado em Letras e Literatura, da Universidade Federal do Tocantins. E-mail: Araujo.adna@mail.uft.edu.br