ÚLCERA GENITAL DE LIPSCHUTZ: RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10240212051835


Antônio Chambô Filho
Luiza Mesquita Barbosa
Mirna Santana Oliveira


RESUMO

Introdução: A Úlcera de Lipschutz é uma afecção idiopática rara, não sexualmente transmissível, que acomete especialmente mulheres adolescentes e jovens, sexualmente inativas. O diagnóstico é clínico, de exclusão, e muitas vezes sub diagnosticada e tratada de forma errônea por profissionais de saúde. Objetivo: Relatar um caso de Úlcera de Lipschutz associada a dengue. Relato do caso: Paciente do sexo feminino, 15 anos com o relato de mialgia, febre (39°), cefaleia e diarreia de início há três dias do atendimento. Ao ser examinada, a vulva apresentava-se com múltiplas úlceras com fundo purulento, em espelho, doloridas ao toque, além de pequenos lábios levemente edemaciados e hiperemiados. Observou-se à palpação, dois linfonodos inguinais de aproximadamente 1 cm, bilateralmente. Ainda no pronto socorro paciente apresentou febre (38,9°). Conclusão: Relato de caso de Úlcera de Lipschutz em paciente de faixa etária pediátrica, condição idiopática rara, muitas vezes sub diagnosticada e tratada de forma errônea.

Palavras chave: Úlcera genital. Dengue. Lipschutz. Idiopática.

INTRODUÇÃO

A Úlcera de Lipschutz, também conhecida como Úlcera Genital Aguda, é uma afecção idiopática rara, não sexualmente transmissível, que acomete especialmente mulheres adolescentes e jovens, sexualmente inativas (virgens ou com ausência de contato sexual nos três meses anteriores). É uma condição de caráter autolimitado, que cursa com resolução espontânea em duas a seis semanas sem deixar cicatrizes, mas que pode reincidir (1,2).

Descrita em 1912 por Benjamin Lipschutz como uma condição adquirida por transmissão não sexual caracterizada por úlceras genitais dolorosas e com pontos de necrose (7).

O diagnóstico da Úlcera de Lipschutz é clínico, de exclusão, e é uma patologia muitas vezes sub diagnosticada e tratada de forma errônea por profissionais de saúde, o que tem impacto, inclusive, emocional para as pacientes e seus familiares.

As úlceras clássicas da afecção apresentam-se com aparecimento súbito, são dolorosas, geralmente com mais de um centímetro de diâmetro, profundas, com bordas vermelho-violácea e fundo necrótico. Envolvem preferencialmente os pequenos lábios, mas pode se expandir a grandes lábios, períneo, vestíbulo e parte inferior da vagina. Além disso, uma característica marcante é a parcial simetria, “úlceras que se beijam” (3,4).

A maioria das pacientes relatam dor intensa e disúria, associadas a sintomas prodrômicos como febre, mal-estar e amigdalite. Pode haver também sinais associados como edema próximo a úlcera e linfadenopatia inguinal (4,5).

A causa ainda é desconhecida. Acredita-se que antígenos microbianos, desencadeiam uma resposta imune citotóxica, que leva a uma vasculite local, ou que a úlcera seja a manifestação clínica de uma reação de hipersensibilidade a uma infecção viral ou bacteriana, com deposição de complexo imune nos vasos dérmicos, ativação do complemento, microtrombos e subsequente necrose tecidual (2,4,6).

O diagnóstico diferencial é extenso e inclui infecções sexualmente transmissíveis (IST’s), como a infecção pelo vírus herpes simples (HSV), causa mais comum de herpes genital, que se apresenta geralmente com erosões menores e superficiais, em um padrão policíclico. Inclui, também, causas não infecciosas, como a síndrome de Behçet, causada por vasculite sistêmica, com episódios de remissão e exacerbação, caracterizada por ulceração genital e oral dolorosa e uveíte (1,4).

Do ponto de vista dos exames complementares, testes sorológicos para infecções sexualmente transmissíveis devem ser realizados. No hemograma completo espera-se encontrar linfocitose com presença de linfócitos atípicos e nos testes de função hepática é importante atentar-se para elevação das enzimas hepáticas (1,4).

O tratamento tem como objetivo inibir exacerbações, controle álgico e prevenir infecção secundária. O controle da dor é realizado com o uso de anestésicos tópicos e analgésicos orais, para ulceração superficial ou dor leve. O uso de corticoide tópico ou um curso curto de corticosteroides orais podem ser úteis na redução da inflamação e da dor. É recomendado banhos de assento em água morna para limpeza suave e desbridamento das úlceras; Pacientes com suspeita de infecção bacteriana ou celulite vulvar devem ser tratadas com antibióticos sistêmicos (1,4).

Este estudo, observacional e de braço único, tem como objetivo relatar um caso sobre Úlcera de Lipschutz associado a dengue e difundir conhecimento sobre a afecção aos profissionais de saúde, para que reduza o subdiagnóstico e assim as pacientes acometidas tenham adequado manejo clínico e psicológico.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória, registrado na Plataforma Brasil com Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 82148324.0.0000.5065.

OBJETIVO

Este estudo, observacional e de braço único, tem como objetivo relatar um caso sobre Úlcera de Lipschutz associado a dengue e difundir conhecimento sobre a afecção aos profissionais de saúde, para que reduza o subdiagnóstico e assim as pacientes acometidas tenham adequado manejo clínico e psicológico.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória, registrado na Plataforma Brasil com Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 82148324.0.0000.5065.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 15 anos , nuligesta, data da última menstruação (DUM) 05/03/2023, compareceu ao pronto socorro de ginecologia do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória (HSCMV) no dia 31 de março de 2023 com o relato de mialgia, febre (39°), cefaleia e diarreia de início há 03 dias do atendimento. O quadro evoluiu no dia anterior à consulta com dor em pequeno lábio à direita progredindo com edema local. Negou odinofagia ou surgimento de úlceras orais.

A jovem em questão negou comorbidades ou uso de medicações contínuas. Referiu alergia a dipirona e negou coleta de papanicolau durante a vida.

Ao ser examinada, encontrava-se em bom estado geral, sem alterações a oroscopia ou ao exame do abdome. A vulva apresentava-se com múltiplas úlceras com fundo purulento, em espelho, dolorosas ao toque, além de pequenos lábios levemente edemaciados e hiperemiados. Observou-se a palpação dois linfonodos inguinais de aproximadamente 1cm, bilateralmente. Ainda no pronto socorro paciente apresentou febre (38,9°) .

Aventada as hipóteses diagnósticas de Ùlcera de Lipshutz ou Herpes Genital paciente foi encaminhada a internação na enfermaria ginecológica do HSCMV, onde foi solicitado exames laboratoriais, incluindo sorologias para infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), e prescrito sintomáticos.

No primeiro dia de internação, ao checar os exames laboratoriais constatou-se plaquetopenia (plaquetas 93.000), e leucócitos 5.290 , tendendo a leucopenia. Ausências de outras alterações no hemograma; testes rápidos de hepatite C, hepatite B e HIV negativos; VDRL não reagente. PCR 19 e função renal preservada. No mesmo dia foi solicitado sorologia para dengue, citomegalovirus, Epstein-Baar e herpes IGG e IGM, com resultado de RT PCR positivo para dengue, demais exames dentro da normalidade. Foi instituído o tratamento analgésico com paracetamol de horário e tramadol se necessário.

No segundo dia de internação, ainda com picos febris, paciente referiu ardência ao urinar, mas não apresentou retenção urinária. Oferecida sonda vesical de demora, com recusa.

No terceiro dia da internação paciente apresentou sangramento vaginal, devidamente esclarecido como sangramento menstrual. Resultado de Beta hCG negativo nesse dia.

Na monitorização da plaquetopenia, observou-se piora do quadro: D0 plaquetas: 93.000; D2 plaquetas: 66.000 e D3 plaquetas: 56.000. Assim como no seguimento da leucopenia: D0 leucócitos: 5.290; D2 leucocitos: 1.610; D3 leucocitos: 1400. Apresentou melhora de ambos no D4: plaquetas: 82.000 e leucócitos 3.070.

Picos febris cessaram no quarto dia de internação, dia em que a paciente recebeu alta hospitalar, com analgesico, se necessário, e foi encaminhada para seguimento no ambulatório de vulva, com consulta cinco dias após a alta .

Na consulta ambulatorial paciente referiu melhora dos sintomas e ao exame físico não foi observado úlceras em vulva, apenas pequenos lábios levemente hiperemiados e edemaciados, sem outras alterações. Duas semanas após, em nova avaliação ambulatorial, paciente negou queixas e não foram observadas lesões, cicatrizes ou alterações em vulva. Paciente, então, recebeu alta do ambulatório.

Figura 1 – Paciente no primeiro dia de internação, com presença de úlceras bilaterais em pequenos lábios.

Figura 2 e 3 – Paciente, duas semanas após alta hospitalar, com resolução completa dos sintomas.

DISCUSSÃO

A Úlcera de Lipschutz ou Úlcera Genital Aguda, embora rara e de caráter autolimitado, tem de ser conhecida pelos profissionais de saúde para adequado manejo e para que se evite iatrogenias como uso de medicações desnecessárias e até biópsia da lesão. Além disso , é importante orientar as pacientes que essa patologia não está associada à IST’s, pensando no impacto emocional pela frequente associação de úlceras vulvares com uma possível etiologia de transmissão sexual. Isso não significa que as IST’s não devam ser descartadas, é importante a solicitação das sorologias para elas.

Sabe-se que essa patologia ocorre predominantemente em mulheres adolescentes e jovens embora haja relatos de ulcerações genitais agudas em mulheres adultas e crianças. Em uma revisão sistemática de relatos de casos e pequenas séries de casos que incluíram 158 pacientes, quase 90 por cento das pacientes tinham ≤20 anos de idade. (1) No caso relatado, a paciente em questão tinha 15 anos, o que epidemiologicamente justifica pensar na Úlcera de Lipschutz .

As úlceras da Úlcera Genital Aguda são geralmente grandes (>1 cm), dolorosas e profundas, com uma borda vermelho-violácea e uma base necrótica coberta com um exsudato acinzentado ou uma escara cinza-escura aderente . Mais frequentemente, as úlceras envolvem os lábios menores, mas podem se estender para os lábios maiores, períneo, vestíbulo e vagina inferior. Uma aparência parcialmente simétrica (“lesões de beijo”) é característica , e há sinais associados como o edema labial e a linfadenopatia inguinal. (1)

Essas características são bem semelhantes as encontradas no caso em que a vulva apresentava úlceras, de início súbito, com fundo purulento, em espelho, dolorosas ao toque. E foram encontrados no exame físico da admissão da paciente dois linfonodos inguinais de aproximadamente 1 cm, bilateralmente.

Disúria é uma queixa universal, e a paciente do caso relatou esse sintoma no segundo dia de internação , dia em que foi oferecido sondagem vesical de demora para conforto, porém houve recusa. (1)

A maioria dos pacientes relata sintomas prodrômicos semelhantes aos da gripe ou da mononucleose, incluindo febre, mal-estar, amigdalite e linfadenopatia. No caso apresentado a paciente teve sintomas prodrômicos, sugestivos de infecção viral: mialgia, febre, cefaleia e diarreia, o que reforça a hipótese diagnóstica de Úlcera de Lipschutz[ 4 ]

Pesquisas apontam que a ulceração genital aguda pode ser uma manifestação de infecção primária pelo vírus Epstein-Barr (EBV). O EBV pode atingir a mucosa genital por meio da disseminação hematogênica de linfócitos infectados pelo EBV ou precursores de células de Langerhans ou por meio da autoinoculação com saliva, urina ou fluido cervicovaginal (1)

Existem relatos isolados de ulceração genital aguda associada à infecção por outros vírus e bactérias .No entanto, na maioria dos casos, uma causa não pode ser determinada . (1)

No relato de caso apresentado confirmou-se a infecção pelo vírus da dengue . E descartou-se por exames laboratoriais citomegalovirus, epstein baar e herpes. Existem poucos relatos de dengue associados a Úlcera de Lipschutz. (7)

Relato de caso publicado na Revista Científica do Hospital Santa Izabel em 2023 tem semelhanças ao caso desse artigo. Lá , paciente de 10 anos, admitida no Hospital Santa Izabel com história de febre há 3 dias , sintomas prodromicos, úlcera vulvar e disúria, apresenta história epidemiológica positiva para dengue, confirmada com NS1.Observou-se ainda plaquetopenia, sem hemoconcentração, hemograma com predomínio de linfócito e neutropenia, EBV IgG reagente, EBV IgM não reagente, herpes vírus simples I e II IgG e IgM não reagente, VDRL negativo. Ao exame físico, paciente apresentava duas lesões de bordas elevadas e regulares com úlcera rasa central localizadas em grande lábio direito e outra em grande lábio esquerdo. Hímen íntegro. Paciente evoluiu com melhora das lesões, porém não houve remissão completa. No mesmo período, mais duas crianças foram admitidas no mesmo Hospital com úlceras vaginais associadas a Dengue NS1 positivo, porém devido a quadro de dor não ser importante não se fez necessário internamento hospitalar. (7)

O curso da doença é autolimitado . A cura espontânea da ulceração genital aguda ocorre em duas a seis semanas. Exatamente como ocorreu no caso apresentado . Pacientes, pais e cuidadores devem ser tranquilizados de que as úlceras não são infecciosas ou sexualmente transmissíveis e que a recorrência é pouco frequente. (1)

Além disso, corroboraram com o diagnóstico as sorologias para IST’s negativas e a confirmação da infecção aguda pelo vírus da dengue. O relato descrito é clássico da Úlcera de Lipschutz.

CONCLUSÃO

O estudo apresentado visa relatar um caso de Úlcera de Lipschutz , associado a dengue em paciente de faixa etária pediátrica, condição idiopática rara, muitas vezes sub diagnosticada e tratada de forma errônea.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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