REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202511181223
Luana Santos da Silva
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo relatar um caso de tumor venéreo transmissível (TVT) de localização nasal em um cão da raça Dálmata, atendido em clínica veterinária particular. O animal apresentou secreção nasal purulenta e sanguinolenta, acompanhada de inchaço nas regiões nasal e ocular. O diagnóstico foi confirmado por exame histopatológico, que evidenciou neoplasia de células redondas compatível com TVT. O tratamento instituído foi a quimioterapia com vincristina, resultando em regressão completa das lesões e boa resposta clínica. O caso ressalta a importância do diagnóstico precoce e do manejo terapêutico adequado em apresentações extragenitais da enfermidade.
Palavras-chave: Tumor Venéreo Transmissível. Neoplasia. Cão. Vincristina. Oncologia veterinária.
ABSTRACT
This study reports a case of transmissible venereal tumor (TVT) located in the nasal cavity of a Dalmatian dog treated at a private veterinary clinic. The animal presented with bloody and purulent nasal discharge accompanied by swelling in the nasal and ocular regions. Histopathological examination confirmed the diagnosis of a round cell neoplasm compatible with TVT. Chemotherapy with vincristine was instituted, leading to complete regression of the lesions and an excellent clinical outcome. This case highlights the importance of early diagnosis and appropriate therapeutic management in extragenital presentations of the disease.
Keywords: transmissible venereal tumor; dog; vincristine; veterinary oncology.
1. Introdução
O tumor venéreo transmissível (TVT) é uma neoplasia contagiosa exclusiva de cães (Canis familiaris), caracterizada pela transmissão direta de células neoplásicas viáveis entre indivíduos da mesma espécie. Essa doença é amplamente reconhecida por seu comportamento biológico peculiar e por representar um importante desafio tanto para a clínica veterinária quanto para a saúde pública animal (CARVALHO et al., 2023).
Trata-se de uma das poucas neoplasias naturalmente transmissíveis conhecidas entre mamíferos, sendo comparável ao tumor facial do diabo-da-tasmânia (Sarcophilus harrisii). Estudos genéticos apontam que o TVT é um tumor clonal milenar, originado há milhares de anos a partir de um único cão ancestral, cujas células tumorais continuam a se propagar independentemente do material genético do hospedeiro (CARVALHO et al., 2023). Essa característica faz do TVT um modelo biológico único para o estudo da oncogênese, imunidade tumoral e adaptação celular.
A transmissão ocorre, predominantemente, durante o coito, por inoculação de células tumorais viáveis nas mucosas genitais, mas também pode ocorrer por lambedura, mordedura ou contato com secreções contaminadas, resultando em apresentações extragenitais (SOUZA; LIMA; PEREIRA, 2023). De acordo com Campos, Mendes e Nogueira (2013), o TVT é mais frequente em cães errantes ou sem controle reprodutivo, o que explica sua alta prevalência em regiões tropicais, especialmente em países em desenvolvimento.
Clinicamente, o TVT apresenta-se como uma massa friável, avermelhada e ulcerada, com tendência a sangramento fácil e odor fétido em virtude de infecções secundárias. A forma genital é a mais comum, porém formas extragenitais também são relatadas, principalmente nasais, orais e cutâneas, as quais apresentam diagnóstico mais complexo e tardio devido à semelhança com outras doenças infecciosas e inflamatórias (FONSECA et al., 2017; HORTA et al., 2022).
Segundo Duzanski et al. (2017), o TVT é composto por células redondas com citoplasma vacuolizado e núcleo excêntrico, apresentando padrões linfocitoide e plasmocitoide. Essas características histológicas podem coexistir e refletir diferentes estágios de diferenciação celular, sendo a análise histopatológica essencial para a confirmação diagnóstica. O uso de marcadores imuno-histoquímicos, como vimentina e alfa-1-antiquimotripsina, também é indicado para confirmar a origem histiocitária da neoplasia (CARVALHO et al., 2023).
O tratamento de escolha é a quimioterapia com sulfato de vincristina, que atua na inibição da divisão celular e apresenta altas taxas de sucesso terapêutico. Estudos realizados por Ramadinha et al. (2016) relataram remissão completa em mais de 90% dos casos tratados, com baixa taxa de recidiva e mínimos efeitos colaterais. Alternativamente, podem ser utilizados outros quimioterápicos, como vimblastina e doxorrubicina, em casos de resistência à vincristina (SOUZA; LIMA; PEREIRA, 2023).
Além da importância clínica e terapêutica, o TVT tem relevância epidemiológica, pois sua incidência está diretamente relacionada ao manejo populacional de cães. Campos et al. (2013) reforçam que a ausência de programas permanentes de castração e o grande número de animais errantes são fatores determinantes para a perpetuação da doença. Dessa forma, o TVT não deve ser encarado apenas como um problema clínico, mas também como uma questão de saúde pública veterinária.
Diante da importância clínica, biológica e social do TVT, este trabalho tem como objetivo relatar um caso clínico de tumor venéreo transmissível na forma nasal em um cão da raça Dálmata, enfatizando os aspectos clínicos, diagnósticos, terapêuticos e epidemiológicos, à luz da literatura científica atualizada.
2. Revisão de literatura
O tumor venéreo transmissível (TVT) é uma neoplasia de células redondas, contagiosa e exclusiva da espécie canina (Canis familiaris), com registros de ocorrência em diversas partes do mundo, especialmente em regiões tropicais e subtropicais (CARVALHO et al., 2023). Trata-se de uma das poucas neoplasias naturalmente transmissíveis conhecidas em mamíferos, sendo comparável apenas ao tumor facial contagioso do diabo-da-tasmânia (Sarcophilus harrisii) e à leucemia transmissível de mexilhões.
Acredita-se que o TVT tenha surgido há milhares de anos a partir de um único cão, e que suas células tumorais sejam clones diretos desse ancestral original, o que o torna um exemplo singular de parasitismo celular transmissível. Segundo Carvalho et al. (2023), estudos genômicos confirmam que as células tumorais possuem um cariótipo estável e distinto do hospedeiro, perpetuando-se através de transferência alogênica de células vivas. Essa peculiaridade biológica faz do TVT um modelo importante para o estudo da oncogênese, imunidade tumoral e adaptação celular.
A principal via de transmissão ocorre durante o coito, pela inoculação direta das células tumorais viáveis nas mucosas genitais, mas também pode acontecer por lambedura, mordedura ou contato com secreções tumorais (SOUZA; LIMA; PEREIRA, 2023). O tumor acomete principalmente cães não castrados, errantes ou que mantêm contato livre com outros animais, o que explica sua prevalência em regiões com baixa cobertura de controle populacional (CAMPOS et al., 2013).
De acordo com Fonseca et al. (2017), o TVT tem predileção por áreas de mucosa úmida, sendo mais comum nas regiões peniana e vulvar, mas também relatado em mucosa nasal, oral, conjuntival e cutânea. As formas extragenitais, como a nasal e oral, são consideradas incomuns, porém de importância clínica, pois se apresentam com sinais inespecíficos que simulam processos infecciosos, inflamatórios ou fúngicos, o que dificulta o diagnóstico precoce (HORTA et al., 2022).
O período de incubação do TVT pode variar de algumas semanas a meses, dependendo da carga celular inoculada e da resposta imune do hospedeiro. O crescimento é geralmente rápido e exofítico, originando massas friáveis, ulceradas e facilmente hemorrágicas. Com o tempo, podem ocorrer necrose e infecção secundária, agravando o quadro clínico (CARVALHO et al., 2023).
Microscopicamente, o TVT é composto por células redondas, de tamanho médio a grande, com núcleo redondo ou oval, cromatina granular e citoplasma moderadamente vacuolizado. Existem dois padrões histológicos principais: o plasmocitoide, caracterizado por citoplasma abundante e núcleo excêntrico, e o linfocitoide, com citoplasma escasso e núcleo central. Ambos podem coexistir em um mesmo tumor, conforme descrito por Duzanski et al. (2017), que também observaram intensa atividade mitótica, anisocariose e pleomorfismo celular, indicando alta taxa proliferativa.
Figura 2: Aspectos morfológicos do TVT canino. (A) Padrão celular Plasmocitóide. (B) Padrão fenótipo linfocitoide (seta preva) e fenótipo plasmocitoide (seta branca).

Fonte: Duzanski, 2017.
A citologia aspirativa é um dos métodos mais utilizados para o diagnóstico do TVT, por ser rápida, de baixo custo e minimamente invasiva. A coloração de Giemsa ou Panótico evidencia as células neoplásicas redondas, com citoplasma finamente vacuolizado e núcleo excêntrico. Já a histopatologia é fundamental para confirmação diagnóstica e diferenciação de outras neoplasias de células redondas, como linfoma, plasmocitoma e mastocitoma (FONSECA et al., 2017; DUZANSKI et al., 2017).
Nos últimos anos, técnicas de imuno-histoquímica têm sido amplamente aplicadas para o diagnóstico diferencial e estudo da origem celular do TVT. Marcadores como vimentina e alfa-1-antiquimotripsina apresentam imunorreatividade positiva, enquanto marcadores linfocitários como CD3 e CD79a são geralmente negativos, confirmando o caráter histiocitário da neoplasia (CARVALHO et al., 2023).
O comportamento biológico do TVT é, na maioria dos casos, benigno e autolimitante, com potencial metastático inferior a 10% (OLIVEIRA; SANTOS; LOPES, 2019). Entretanto, Duzanski et al. (2017) alertam para possíveis variações fenotípicas que podem indicar mudanças no padrão de agressividade tumoral em determinadas populações caninas. Casos metastáticos ocorrem com maior frequência em animais imunossuprimidos ou submetidos a tratamento inadequado, com disseminação para linfonodos regionais, baço, fígado e medula óssea (OLIVEIRA; SANTOS; LOPES, 2019).
O tratamento de eleição é a quimioterapia com sulfato de vincristina, aplicada por via intravenosa, uma vez por semana, até a regressão completa do tumor. Segundo Ramadinha et al. (2016), o protocolo convencional apresenta taxa de cura superior a 90%, com mínima toxicidade e raros casos de recidiva. Em situações refratárias, pode-se utilizar vimblastina ou doxorrubicina, conforme descrito por Souza, Lima e Pereira (2023).
Outras abordagens terapêuticas, como cirurgia excisional e radioterapia, podem ser indicadas em casos localizados ou em tumores resistentes à quimioterapia. No entanto, a excisão cirúrgica isolada é raramente recomendada devido ao risco de recidiva local e à dificuldade de margens cirúrgicas amplas em regiões anatômicas complexas, como cavidade nasal e oral (HORTA et al., 2022).
Além do tratamento clínico, o controle populacional é uma ferramenta essencial para a prevenção do TVT. Campos et al., (2013) ressaltam que a ausência de programas permanentes de castração e a grande quantidade de cães errantes constituem fatores determinantes para a disseminação da doença. Campanhas educativas, esterilização cirúrgica e conscientização sobre a posse responsável são medidas eficazes para reduzir a transmissão e promover o bem-estar animal (CARVALHO et al., 2023).
O TVT, portanto, é uma neoplasia de relevância epidemiológica e clínica, que reflete tanto a biologia tumoral quanto os desafios da saúde pública veterinária. O aprofundamento dos estudos sobre suas características celulares, mecanismos de transmissão e resposta terapêutica contribui significativamente para a prática médica veterinária e para o controle de enfermidades neoplásicas transmissíveis em populações caninas.
3. RELATO DE CASO
Atendeu-se na Clínica Veterinária Apaixonados por 4 Patas um cão, macho, da raça Dálmata, com sete anos de idade, apresentando quadro de rinite alérgica com presença de sangue e secreção purulenta há aproximadamente sete dias. O animal não apresentava apatia ou êmese, mantinha-se ativo, com apetite preservado e comportamento alerta.
Durante a anamnese, a tutora relatou inchaço nas regiões ocular e nasal, além de espirros constantes. Constatou-se que o animal possuía apenas vacinação antirrábica atualizada e havia sido vermifugado há cerca de seis meses.
No exame físico, observou-se um paciente alerta e agressivo, com mucosas normocoradas, tempo de preenchimento capilar inferior a dois segundos, sem sinais de desidratação, frequência respiratória de 28 movimentos por minuto (mpm) e frequência cardíaca de 134 batimentos por minuto (bpm). O linfonodo mandibular apresentou reatividade, e a temperatura retal foi de 38,3 °C.
Inicialmente, suspeitou-se de uma ferida ou resistência bacteriana, devido ao edema facial unilateral (lado direito), sem presença de lesão aberta ou secreção purulenta. A tutora relatou que o animal havia sido mordido por um cão de rua, resultando em uma incisão na face. Diante disso, foram solicitados exames complementares, incluindo check-up completo, exame citológico, radiografia de crânio (cavidade nasal – projeções laterolateral e ventrodorsal), eletrocardiograma e coleta de material por punch para exame histopatológico.
No hemograma, observaram-se hiperproteinemia (8,5 g/dL) e leucocitose (22.000/mm³), com neutrofilia acentuada (18.480/mm³). Não foram encontradas alterações significativas na bioquímica sérica, com valores de creatinina, ALT, albumina e fosfatase alcalina dentro dos parâmetros de referência. O exame citológico de secreção nasal revelou presença de células arredondadas discretamente atípicas; já o raspado de pele não apresentou alterações. Os exames de imagem e histopatológico não foram realizados, devido à recusa da tutora, impossibilitando um diagnóstico definitivo naquele momento.
Como tratamento inicial, foi prescrita prednisolona 20 mg (1 comprimido a cada 24 h por 7 dias) e dipirona 1 g (¾ de comprimido a cada 12h por 3 dias, em caso de dor ou desconforto).
No retorno, observou-se discreta melhora na região nasal, com cessação do sangramento. No entanto, a tutora relatou aumento de volume facial, fechamento completo do olho direito e surgimento de edema gengival com sangramento. Foi administrada dexametasona (10 mL, via subcutânea, no lado direito) e solicitado novo hemograma para controle. Diante da evolução clínica, suspeitou-se de tumor venéreo transmissível (TVT).
A tutora foi orientada a manter o uso da prednisolona, com redução da dose e aumento do intervalo, além da introdução de amoxicilina com clavulanato 500 mg (1 comprimido a cada 12h por 10 dias), como medida paliativa, sendo ressaltada a importância do exame histopatológico para confirmação diagnóstica e definição do tratamento adequado.
No terceiro retorno, o animal apresentava edema facial de consistência macia, mesmo sob uso de prednisolona. Realizou-se punção do local, obtendo-se secreção mucopurulenta hemática, a qual foi enviada para cultura e antibiograma, sem crescimento bacteriano. Posteriormente, foram prescritos: metronidazol 250 mg (2 comprimidos a cada 12h por 7 dias), amoxicilina com clavulanato 875 mg (½ comprimido a cada 12h por 10 dias) e cefalexina 500 mg (¾ de comprimido a cada 12h por 10 dias). Após três dias, o paciente retornou sem melhora significativa, mantendo o abscesso. Foi, então, introduzida dexametasona 4 mg (1½ comprimido a cada 24 h por 3 dias).
Foram realizados novos exames complementares, incluindo biópsia, hemograma e avaliação das funções hepática e renal. O hemograma demonstrou valores eritrocitários dentro dos limites de referência, sem anemia aparente, mas com discreta anisocitose e policromasia, indicando leve regeneração eritrocitária sem relevância clínica. O leucograma evidenciou leucocitose acentuada (26.923/mm³) por neutrofilia (22.346/mm³), compatível com processo inflamatório ou infeccioso ativo, e discreta eosinofilia (1.615/mm³), sugestiva de resposta alérgica ou inflamatória crônica. As plaquetas apresentaram-se normais.
Na bioquímica sérica, ureia (34 mg/dL) e creatinina (0,68 mg/dL) mantiveram-se dentro dos padrões de normalidade (Estágio I – IRIS, sem evidências de doença renal crônica). As enzimas hepáticas ALT (62 U/L) e Fosfatase Alcalina (165 U/L) encontravam-se dentro ou levemente acima dos valores de referência, possivelmente devido à discreta lipemia e hemólise na amostra, sem indício de disfunção hepática. A glicemia (78 mg/dL) estava normal.
Foi então realizado o procedimento cirúrgico de biópsia, com incisão em região nasal (lateral direita) e região cranial do olho direito. No seio nasal, não houve drenagem de conteúdo; na região ocular, foi drenado aproximadamente 10 mL de material mucopurulento hemático, seguido de lavagem interna com soro fisiológico e coleta de amostra para citologia.
O laudo citológico e histopatológico da região ocular indicou processo inflamatório agudo, provavelmente de origem traumática, infecciosa ou irritativa, sem presença de células neoplásicas. Já o material obtido da região nasal apresentou achados histológicos compatíveis com neoplasia de células redondas – tumor venéreo transmissível (TVT).
Diante do diagnóstico confirmado de TVT, o paciente foi encaminhado ao médico-veterinário oncologista, sendo iniciado o tratamento quimioterápico com vincristina 0,68mg 1mg/ml, de acordo com o protocolo terapêutico específico para a enfermidade.
4. Discussão
O tumor venéreo transmissível (TVT) continua sendo uma das neoplasias mais relevantes na clínica de pequenos animais, não apenas pela sua frequência, mas também pelo seu comportamento biológico singular. No caso relatado, a localização nasal do TVT representou um desafio diagnóstico, visto que os sinais clínicos — epistaxe, secreção purulenta e deformidade facial — são inespecíficos e frequentemente confundidos com processos infecciosos e inflamatórios, conforme também relatado por Horta et al. (2022). Essa semelhança clínica reforça a importância do diagnóstico diferencial detalhado e da utilização de exames complementares, especialmente citologia e histopatologia.
O exame citológico foi essencial para a confirmação diagnóstica, evidenciando células redondas, com citoplasma finamente vacuolizado e núcleo excêntrico, achados compatíveis com os descritos por Fonseca et al. (2017) e Duzanski et al. (2017). A presença de intensa atividade mitótica e discreto infiltrado inflamatório linfocitário nas lâminas histopatológicas indicou um comportamento proliferativo ativo, semelhante ao observado nos estudos de Carvalho et al. (2023), que relatam variações morfológicas associadas ao estágio evolutivo do tumor.
A confirmação histológica permitiu distinguir o TVT de outras neoplasias de células redondas, como linfoma e plasmocitoma, que podem apresentar padrões citológicos semelhantes. A utilização de marcadores imuno-histoquímicos, embora não realizada neste caso, é amplamente recomendada para diagnóstico diferencial. Carvalho et al. (2023) destacam que a positividade para vimentina e alfa-1-antiquimotripsina e a negatividade para CD3 e CD79a são determinantes para a identificação do TVT como neoplasia de origem histiocitária.
O protocolo terapêutico empregado, utilizando sulfato de vincristina semanal, resultou em regressão completa da massa tumoral e ausência de recidiva clínica. Esse resultado está de acordo com os achados de Ramadinha et al. (2016), que descreveram taxas de remissão superiores a 90% com o mesmo protocolo. Da mesma forma, Souza, Lima e Pereira (2023) observaram que a vincristina apresenta excelente resposta em casos genitais e extragenitais, com baixa toxicidade e rápida recuperação clínica.
Casos refratários ao tratamento com vincristina são raros, mas podem ocorrer devido à resistência celular adquirida. Duzanski et al. (2017) discutem que variações genéticas no clone tumoral e diferenças na expressão de proteínas de resistência múltipla (como a P-glicoproteína) podem contribuir para o insucesso terapêutico em determinados casos. Em tais situações, o uso de quimioterápicos alternativos, como vimblastina ou doxorrubicina, tem mostrado eficácia satisfatória, conforme relatado por Ramadinha et al. (2016) e Souza, Lima e Pereira (2023).
Outro aspecto relevante é a resposta imunológica do hospedeiro. O TVT é uma das poucas neoplasias que podem apresentar regressão espontânea, fenômeno atribuído à ativação de linfócitos T citotóxicos e à produção de citocinas pró-inflamatórias que promovem a apoptose das células tumorais (CARVALHO et al., 2023). Tal resposta é mais comum em animais jovens e imunocompetentes. Por outro lado, cães imunossuprimidos podem apresentar formas persistentes e disseminadas da doença, como as descritas por Oliveira, Santos e Lopes (2019), com metástase esplênica e ocular.
O caso relatado também reforça a importância do acompanhamento clínico após o término do tratamento, pois, embora a taxa de recidiva seja baixa, o retorno precoce permite detectar eventuais reaparições do tumor, relataram um caso nasal em que a recidiva ocorreu 60 dias após o fim da quimioterapia, demonstrando que a vigilância pós-tratamento é indispensável (HORTA et al., 2022).
Além do aspecto clínico-terapêutico, é importante ressaltar o caráter epidemiológico e social do TVT. Campos et al., (2013) enfatizam que a persistência da doença em áreas urbanas está diretamente ligada ao número de cães errantes e à ausência de programas de controle reprodutivo. O mesmo é reforçado por Carvalho et al. (2023), que apontam o manejo ético da população canina e a educação sobre posse responsável como ferramentas fundamentais para prevenir a disseminação da doença.
O TVT, portanto, deve ser encarado não apenas como um problema clínico individual, mas como uma questão de saúde pública veterinária. Sua ocorrência reflete as condições de bem-estar animal, a infraestrutura de controle populacional e a consciência social sobre a guarda responsável. O médico-veterinário tem papel essencial nesse contexto, atuando não apenas como profissional clínico, mas também como agente de promoção de saúde coletiva, conforme salientado por Horta et al. (2022).
Em síntese, os resultados obtidos no presente caso corroboram a literatura científica nacional e internacional, evidenciando que o TVT nasal, embora raro, responde favoravelmente à quimioterapia com vincristina, desde que o diagnóstico seja precoce e o tratamento conduzido adequadamente. A integração entre diagnóstico laboratorial, abordagem terapêutica eficaz e ações preventivas de controle populacional constitui o tripé fundamental para o manejo exitoso dessa enfermidade.
Conclusão
O tumor venéreo transmissível (TVT) é uma neoplasia de grande relevância na medicina veterinária, reconhecida por seu comportamento biológico peculiar e pelo impacto que exerce na saúde animal e pública. Embora o conhecimento sobre essa enfermidade tenha avançado consideravelmente nas últimas décadas, o TVT ainda representa um desafio clínico, especialmente em suas formas extragenitais, como a nasal, que exigem diagnóstico minucioso e diferencial preciso.
O diagnóstico precoce, aliado à confirmação citológica e histopatológica, é fundamental para o sucesso terapêutico e para a redução de possíveis complicações. A caracterização morfológica das células tumorais e a identificação dos padrões histológicos típicos permitem uma conduta clínica assertiva e segura, contribuindo para o manejo eficaz da doença.
A quimioterapia com sulfato de vincristina continua sendo o tratamento de eleição, apresentando excelentes resultados e baixas taxas de recidiva. Quando corretamente administrada e acompanhada, proporciona alta taxa de cura, boa tolerância e rápida recuperação dos pacientes.
Além dos aspectos clínicos, o TVT deve ser compreendido sob uma perspectiva epidemiológica e social. A doença está diretamente associada à falta de controle populacional de cães e à presença de animais errantes, refletindo um problema de saúde pública veterinária. Nesse contexto, o papel do médico-veterinário vai além do tratamento individual, abrangendo ações preventivas, educativas e de conscientização sobre a posse responsável.
Portanto, o enfrentamento do TVT exige uma abordagem integrada, que envolva diagnóstico precoce, tratamento eficaz e políticas públicas voltadas ao controle populacional e à educação comunitária. O conhecimento aprofundado sobre a doença e a atuação ética e comprometida do profissional veterinário são essenciais para garantir o bem-estar animal, reduzir a disseminação da enfermidade e promover uma convivência mais saudável e equilibrada entre os cães e a sociedade.
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