TUBERCULOSE NA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO BRASIL DESAFIOS PARA O DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10976436


Paulo Sérgio da Paz Silva Filho1, Maria Vitalina Alves de Sousa2, Tamaia Batista Abreu3, Geilson Mendes de Paiva4, Rinna Kharla Sousa Moreira5, Francisca Kerlania Alves de Carvalho Silva6, Renália Oliveira de Sousa7, Ysnamia Janielly Oliveira de Azevedo8, Ana Kely Vasconcelos Albuquerque9, Mariana Lara Severiano Gomes10, Katia Lúcia Mariano11, Ana Maria de Oliveira Pereira12,


RESUMO

O presente estudo buscou descrever os desafios para o diagnóstico e tratamento de pacientes em situação de rua acometidos pela tuberculose. Trata-se de uma revisão integrativa (RI) de literatura, de abordagem qualitativa, desenvolvida a partir de levantamentos bibliográficos. O presente trabalho utilizou a estratégia PICo, para formulação da pergunta norteadora: “Quais são os principais desafios para o diagnóstico e tratamento de pacientes em situação de rua acometidos pela tuberculose?’’. No qual o “P”, identifica-se como população de análise do estudo, o “I” o conceito que se pretende investigar e o “Co” está relacionado ao contexto. A análise de viés das publicações analisadas foi realizada por par e com o uso da ferramenta Joanna Briggs Institute Critical Appraisal (JBI – Systematic Rewiews tools). Os estudos ecológicos foram avaliados pelo JBI Critical Appraisal Checklist for Analytical Cross Sectional Studies modificado segundo critérios propostos por Dufault e Klar (2011). Durante a busca foram apurados 472 artigos científicos. Esses foram avaliados, respondendo os objetivos propostos, na qual foram lidos na íntegra, sendo selecionados 8 estudos, mediante análise de conteúdo e segundo os critérios de inclusão e exclusão. Observou-se que o tratamento de pacientes com tuberculose em situação de rua é mais complexo e dispendioso em comparação com a população em geral. Propõe-se a realização de um estudo de campo abrangendo profissionais de saúde, gestores e usuários, visando aprofundar o entendimento sobre a situação da tuberculose e outros agravos na população em situação de rua.

Palavras-chave: Tuberculose, PPL, Brasil, Tratamento e Diagnóstico.

ABSTRACT

The present study sought to describe the challenges for the diagnosis and treatment of homeless patients affected by tuberculosis. This is an integrative literature review (IR), with a qualitative approach, developed from bibliographical surveys. This work used the PICo strategy to formulate the guiding question: “What are the main challenges for the diagnosis and treatment of homeless patients affected by tuberculosis?” In which the “P” is identified as the population of study analysis, the “I” is the concept to be investigated and the “Co” is related to the context. The bias analysis of the analyzed publications was carried out by pairs and using the Joanna Briggs Institute Critical Appraisal tool (JBI – Systematic Reviews tools). Ecological studies were evaluated using the JBI Critical Appraisal Checklist for Analytical Cross Sectional Studies modified according to criteria proposed by Dufault and Klar (2011). During the search, 472 scientific articles were found. These were evaluated, responding to the proposed objectives, in which they were read in full, 8 studies being selected, through content analysis and according to the inclusion and exclusion criteria. It was observed that the treatment of homeless tuberculosis patients is more complex and expensive compared to the general population. It is proposed to carry out a field study covering health professionals, managers and users, aiming to deepen the understanding of the situation of tuberculosis and other problems in the homeless population.

Keywords: Tuberculosis, PPL, Brazil, Treatment and Diagnosis.

INTRODUÇÃO

A tuberculose (TB), embora seja uma enfermidade ancestral, ainda representa um desafio significativo para a saúde global, apesar de ser tratável e curável. De acordo com informações do Ministério da Saúde (MS), em 2019, aproximadamente dez milhões de indivíduos foram afetados pela doença em todo o mundo, resultando em 1,2 milhões de mortes. O Brasil não foge a essa realidade, figurando entre os 30 países com os maiores índices de diagnóstico e coinfecção por TB, com o registro de 66.819 novos casos em 2020 (Ribeiro et al., 2023).

Desde 2006, a tuberculose tem sido considerada uma prioridade pela Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) do Brasil. O Ministério da Saúde tem trabalhado para descentralizar as ações de diagnóstico, controle e tratamento da doença para os serviços de Atenção Básica. Isso se justifica pelo fato de que é nesse nível de atenção que todo o cuidado necessário à pessoa com TB deve ser oferecido, conforme observado por Teixeira et al. (2023).

No Brasil, o Programa Nacional de Controle da Tuberculose foi implementado com o estabelecimento do tratamento diretamente observado pela rede básica de saúde. No entanto, a adesão dos pacientes a esse tratamento tem sido baixa, resultando em altas taxas de abandono e na administração inadequada ou intermitente dos medicamentos. Esses fatores contribuem para a persistência de um elevado número de óbitos e para o desenvolvimento de resistência aos fármacos utilizados (Gioseffi Batista; Brignol, 2022).

As pessoas em situação de rua (PSR) enfrentam constantes exposições a diversas formas de vulnerabilidade e condições de vida precárias, o que torna o cuidado em saúde um desafio ainda maior e requer intervenções específicas. Devido a essa exposição e à precariedade de suas condições de vida, a incidência de tuberculose entre as PSR é significativamente alta, com uma probabilidade 56 vezes maior de serem afetadas por essa doença no Brasil, como destacado por Gioseffi, Batista e Brignol (2022).

As ruas oferecem muitos perigos a essa população, como violência, insegurança alimentar, indisponibilidade de água potável, privação de sono e de afetividade, expondo-a a várias doenças, agravos e situações de vulnerabilidade. A escassez de informações sobre a PSR é uma realidade no Brasil e, até o momento desta publicação, não está prevista sua inclusão no censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Silva et al., 2021).

As pessoas em situação de rua enfrentam uma série de perigos nas ruas, incluindo violência, insegurança alimentar, falta de acesso a água potável, privação de sono e falta de apoio emocional, o que as expõe a várias doenças, problemas e vulnerabilidades. A falta de informações sobre essa população é uma realidade no Brasil, e até o momento da publicação deste estudo, não há planos para incluir as pessoas em situação de rua no censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Aguiar et al., 2021). Desse modo, o presente estudo buscou descrever os desafios para o diagnóstico e tratamento de pacientes em situação de rua acometidos pela tuberculose.

MÉTODOS

Trata-se de uma revisão integrativa (RI) de literatura, de abordagem qualitativa, desenvolvida a partir de levantamentos bibliográficos. A RI é um método que tem como objetivo principal identificar, selecionar e sintetizar os resultados obtidos em pesquisas anteriores, relacionadas a uma temática ou questão norteadora. Diante disso, fornecerá esclarecimentos mais organizados, permitindo a construção de novos conhecimentos (BOTELHO; CUNHA; MACEDO, 2011).

O presente trabalho utilizou a estratégia PICo (Quadro 1), para formulação da pergunta norteadora: “Quais são os principais desafios para o diagnóstico e tratamento de pacientes em situação de rua acometidos pela tuberculose?’’. No qual o “P”, identifica-se como população de análise do estudo, o “I” o conceito que se pretende investigar e o “Co” está relacionado ao contexto.

Quadro 1. Aplicação da estratégia de PICo.

AcrônimoDefiniçãoAplicação
PPopulaçãoPPL – População em Situação de Rua
IInteresseDiagnóstico e Tratamento
CoContextoTuberculose
Fonte: Autores, 2024

A pesquisa foi realizada em fevereiro de 2024, nas bases de dados disponíveis na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), sendo elas: Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e a Índice Bibliográfico Español em Ciencias de la Salud (IBECS), e por meio de literatura complementar realizada na Scientific Eletronic Library Online (SciELO).

Para a busca foram utilizados os seguintes Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): “Tuberculose”, “PPL”, “Brasil”, “Tratamento” e “Diagnóstico”, em cruzamento com o operador booleano and.

Os critérios de inclusão para a seleção dos artigos foram: artigos publicados na íntegra em texto completo, nos últimos cinco anos (2018-2024), na língua inglesa, portuguesa e espanhola. E como critérios de exclusão adotaram-se as publicações que não contemplasse a temática em questão, estudos duplicados nas bases supramencionadas, além de resumos e artigos na modalidade de tese, revisões e dissertações.

A análise de viés das publicações analisadas foi realizada por par e com o uso da ferramenta Joanna Briggs Institute Critical Appraisal (JBI – Systematic Rewiews tools). O JBI é composto por perguntas que avaliam a qualidade metodológica do estudo segundo seu delineamento. Os estudos transversais foram avaliados com o JBI Critical Appraisal Checklist for Analytical Cross Sectional Studies com as perguntas: 1: critérios de inclusão e exclusão claramente definidos; 2: temática e método descritos em detalhes; 3: exposição mensurada de forma apropriada; 4: critérios de definição objetivos e padronizados para determinar a condição estudada; 5: identificação de fatores de confundimento; 6: estratégias para lidar com fatores de confundimento; 7: desfecho mensurado de forma apropriada; 8: análise estatística apropriada (Moola et al., 2017; Gioseffi; Batista; Brigno, 2022).

Para as análises dos estudos de coorte, utilizou-se o JBI Critical Appraisal Checklist for Analytical Cohort Studies , com 8 perguntas: 1- exposição mensurada de forma apropriada; 2- identificação de fatores de confundimento; 3- estratégias para lidar com fatores de confundimento; 4- os participantes estavam livres do desfecho no início do estudo; 5- o tempo de estudo suficiente a ocorrência do desfecho; 6-acompanhamento completo/se não, suas razões descritas e exploradas; 7- estratégias para lidar com acompanhamento incompleto; 8- análise estatística apropriada (Moola et al., 2020; Gioseffi; Batista; Brigno, 2022).

Os estudos ecológicos foram avaliados pelo JBI Critical Appraisal Checklist for Analytical Cross Sectional Studies modificado segundo critérios propostos por Dufault e Klar (2011), que descrevem a avaliação metodológica para esse tipo de desenho de estudo, com as seguintes perguntas: 1- explicação sobre delineamento e tamanho amostral escolhido; 2- critérios de inclusão e exclusão claramente definidos; 3- temática e método descritos em detalhes; 4- critérios de definição objetivos e padronizados para determinar a condição estudada; 5- exposição mensurada de forma apropriada; 6- identificação de fatores de confundimento; 7- estratégias para lidar com fatores de confundimento; 8- desfecho mensurado de forma apropriada; 9- esforços para reduzir possibilidade de viés; 10- análise estatística apropriada; 11- estratégias para lidar com acompanhamento incompleto; 12- limitações do estudo apontadas (Dufault; Klar, 2011; Moola et al., 2017; Gioseffi; Batista; Brigno, 2022).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Durante a busca foram apurados 472 artigos científicos, após a coleta dos dados, empreendeu-se as etapas de pró-análise, exploração do material e tratamento dos resultados e interpretações. Assim, foram selecionados 96 artigos de acordo com a temática apresentada, que além de estarem em consonância com os critérios de inclusão estabelecidos, responderam adequadamente à pergunta de pesquisa após a leitura de título e resumo. Esses foram avaliados, respondendo os objetivos propostos, na qual foram lidos na íntegra, sendo selecionados 8 estudos, mediante análise de conteúdo e segundo os critérios de inclusão e exclusão (Figura 1).

Os oito estudos estão sintetizados no Quadro 2, com informações relacionadas a título, Citação, População de estudo e Desenho de estudo.

Quadro 2– Artigos selecionados entre as publicações.

TítuloAutores / AnoPopulação de estudoDesenho de estudo
Disparidades geoprogramáticas do desempenho de indicadores da tuberculose na população em situação de rua no Brasil: uma abordagem ecológica.(Pavinati et al., 2023).21.165 casos de TB na PSREstudo ecológico
PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DA TUBERCULOSE NA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO NORDESTE.(Carvalho et al., 2023).Foram registrados 3617 casos de tuberculose na população em situação de ruaEstudo epidemiológico ecológico
População em situação de rua: perfil dos casos de coinfecção tuberculose e HIV.(Orfão et al., 2021).Foram registrados 3.050 casos de TB em Rondônia, dos quais 2.050 (67,2%) foram em Porto Velho, sendo 48 casos (2,3%) entre a PSR.Estudo transversal
Perfil sociodemográfico das pessoas em situação de rua notificadas com tuberculose no Município do Rio de Janeiro, Brasil, nos anos de 2015 a 2019(Gioseffi; Batista; Brigno, 2022).Os registros para as análises foram de 2.001 notificações.Estudo transversal
Perfil da tuberculose em populações vulneráveis: pessoas privadas de liberdade e em situação de rua.(Aguiar et al., 2021).Foram notificados 188 casos na PSREstudo ecológico, transversal.
Percepção e rastreio de sinais e sintomas da Tuberculose na População em Situação de Rua no Distrito Federal.(Prado et al., 2022).300 participantesEstudo descritivo, exploratório
Tuberculose como condição de morbimortalidade em pessoas em situação de rua internadas em departamento de infectologia de Hospital público terciário da cidade de São Paulo(Gama; Vipich., 2023).Foram identificadas 88 admissões de PSREstudo descritivo retrospectivo
O controle da tuberculose na ótica de profissionais do Consultório na Rua.(Hino et al., 2023).17 profissionais que atuaram em Consultórios na Rua.Este estudo exploratório, descritivo,

Os oito estudos estão sintetizados no Quadro 3, com informações relacionadas a periódico, Citação, objetivo do estudo e conclusão.

Quadro 3- Artigos selecionados entre as publicações

Autores / AnoPeriódicoObjetivoConclusão
(Pavinati et al., 2023).Revista Brasileira de EpidemiologiaAnalisar o desempenho e a distribuição espacial de indicadores de controle da tuberculose na população em situação de rua no Brasil.  Evidenciou-se baixo desempenho dos indicadores de controle da tuberculose nas pessoas em situação de rua, com distribuição heterogênea entre os estados e as regiões do país, sendo notório que a maioria deles teve resultados insuficientes.
(Carvalho et al., 2023).The Brazilian Journal of Infectious Diseasescaracterizar o perfil epidemiológico da Tuberculose na população em situação de rua no Nordeste de 2018 a junho de 2023.A tuberculose se destaca entre os problemas de saúde pública do Brasil, ocorrendo muitos casos na população em situação de rua no nordeste. Assim, mais estudos são necessários para avaliar de forma específica essa parcela mais vulnerável da sociedade, com o objetivo de melhorar a prevenção e o controle da TB nessa parcela populacional.
(Orfão et al., 2021).Revista Enfermagem ContemporâneaAnalisar o perfil da População em Situação de Rua (PSR) com a coinfecção tuberculose (TB)/HIV em Porto Velho-RO, entre 2015 a 2018.Torna-se essencial rever as estratégias de acesso aos serviços e ações ofertadas para atender as demandas de saúde da PSR, voltadas para ambos os agravos.
(Gioseffi; Batista; Brigno, 2022).Cadernos de Saúde PúblicaApresentar o perfil sociodemográfico e epidemiológico de PSR notificadas para TB entre 2015 e 2019 na cidade do Rio de Janeiro e analisar relações entre as variáveis estudadas e desfechos da TB.A vulnerabilidade das PSR se particulariza em perfis de raça e gênero, tal qual a TB, portanto, é necessário reforçar ações de prevenção e tratamento efetivas para aumentar o acesso aos serviços de saúde e o enfrentamento da TB nesse contexto, além de atentar para a alta proporção de dados incompletos que limitam as análises desse agravo.
(Aguiar et al., 2021).Revista De Ciências Médicas E BiológicasDescrever o perfil sociodemográfico e epidemiológico das pessoas privadas de liberdade e da população em situação de rua com tuberculose em Belo Horizonte.O perfil sociodemográfico identificado apresenta características de grupos em situação de vulnerabilidade, com menos acesso a diagnóstico e tratamento de qualidade e desfechos mais desfavoráveis na tuberculose.
(Prado et al., 2022).Brazilian Journal of DevelopmentAnalisar a percepção e o conhecimento  das  pessoas  em  situação  de  rua  acerca  da  sintomatologia  da  tuberculose respiratória, bem como identificar fatores que favorecem sua disseminação.O conhecimento sobre essa doença tem papel fundamental na prevenção, diagnóstico precoce e adesão ao tratamento. Por isso, há necessidade de capacitação de profissionais de saúde para lidar com a  PSR sem  preconceitos e  estigmas  e  mais  pesquisas  na  área com  o  intuito  de  se aprimorar  o  desenvolvimento  de  políticas  públicas.
(Gama; Vipich., 2023).The Brazilian Journal of Infectious DiseasesDescrever os casos de tuberculose como condição de morbimortalidade em pessoas em situação de rua internadas em departamento de infectologia de Hospital público terciário da cidade de São PauloDesfechos desfavoráveis como abandono, óbito e evasão da internação, o uso de substâncias psicoativas e a coinfecção com HIV demonstram a alta vulnerabilidade da PSR em relação à tuberculose. Os dados evidenciam a necessidade urgente de políticas públicas de saúde visando essa população.
(Hino et al., 2023).Revista Latino-Americana de EnfermagemApresentar a percepção de profissionais sobre moradores de rua que realizam o tratamento da tuberculose e identificar ações de controle da doença ofertadas a esta população. O enfrentamento da complexidade das situações envolvendo moradores de rua impõe limites ao trabalho de profissionais de saúde pois tais situações transcendem o âmbito da saúde e requerem ações de cunho intersetorial.

As pessoas em situação de rua enfrentam um risco aumentado de desenvolver tuberculose, cerca de 56 vezes maior em comparação à população geral. Além disso, elas estão mais propensas a ter desfechos negativos no tratamento da doença, incluindo perda de acompanhamento e óbito. Esse grupo vive em condições cotidianas de insegurança alimentar e sanitária, violência e discriminação, o que prejudica sua disposição e capacidade de aderir ao cuidado, conforme observado por Pavinati et al. (2023).

As pessoas em situação de rua enfrentam diversos obstáculos ao lidar com a tuberculose, incluindo dificuldades de acesso aos serviços de saúde, atrasos no diagnóstico e início do tratamento, bem como a falta de políticas intersetoriais eficazes, comunicação e coordenação para uma integração adequada tanto horizontalmente entre os serviços de saúde quanto verticalmente entre diferentes níveis de cuidado. Esses desafios comprometem significativamente a capacidade dessas pessoas em receberem o cuidado necessário para combater a tuberculose. (Orfão et al., 2021).

Na pesquisa conduzida por Carvalho et al. (2023), foram registrados 3.617 casos de tuberculose na população em situação de rua, representando 18,46% do total de casos no Brasil. Isso reflete a vulnerabilidade socioeconômica dessa população, que a torna mais suscetível ao desenvolvimento dessa doença. Quanto ao tratamento, apenas 25,46% conseguiram realizar o tratamento diretamente observado, conforme recomendado pela Organização Mundial da Saúde. Além disso, em relação ao abandono do tratamento, 29,72% da população analisada abandonou o tratamento, o que se refletiu em 251 mortes por tuberculose durante o período estudado. Esses resultados destacam os desafios significativos enfrentados pela população em situação de rua no acesso e na adesão ao tratamento da tuberculose.

No estudo realizado por Pavinati et al. (2023), revelou um desempenho insatisfatório dos indicadores de acompanhamento e encerramento dos casos de tuberculose na população em situação de rua (PSR). Foi observada uma baixa testagem para HIV, uma alta proporção de indivíduos com coinfecção TB-HIV e uma implementação inadequada do tratamento diretamente observado (TDO), com distribuição desigual entre as unidades federativas e regiões do país. Em relação aos desfechos dos casos, foi identificada uma alta taxa de abandono do tratamento e óbito por tuberculose, além de uma baixa proporção de cura entre as pessoas em situação de rua. Esses resultados evidenciam a necessidade urgente de melhorias nas estratégias de prevenção, diagnóstico e tratamento da tuberculose nessa população vulnerável.

É crucial considerar que muitas pessoas em situação de rua enfrentam doenças e problemas associados, como alcoolismo e uso de drogas ilícitas, que muitas vezes são fatores contribuintes para sua condição de vida nas ruas. Esses problemas não apenas impactam a saúde física e mental dessas pessoas, mas também interferem na continuidade do tratamento da tuberculose e podem resultar em atrasos na busca por cuidados médicos. O uso de substâncias psicoativas pode mascarar os sintomas da tuberculose e distorcer a percepção da própria saúde, o que pode levar ao agravamento dos sinais clínicos e dificultar o diagnóstico precoce da doença. Além disso, a complexidade do sistema de saúde, especialmente para acesso a serviços de referência terciária, pode dificultar ainda mais a continuidade do tratamento. Esses desafios destacam a necessidade de abordagens integradas e sensíveis às questões sociais para melhorar o cuidado e o tratamento da tuberculose entre a população em situação de rua. (Orfão et al., 2021).

Aguiar et al. (2021), relataram em sua pesquisa que à variável situação  de  encerramento nos PSR predominante  foi  o  abandono.  A  interrupção e o abandono do tratamento configuram-se como uma fragilidade no controle e tratamento da TB na PSR, evidenciando necessidade medidas de  adesão.

O estudo também descreveu um desafio adicional para o sistema de saúde, que é a Tuberculose Multidrogarresistente (TB-MDR). Os esquemas de tratamento destinados a esses casos são prolongados, apresentam maior potencial de toxicidade e têm um prognóstico geralmente mais desfavorável. Nas pessoas em situação de rua, estudos demonstram uma associação mais significativa dessa forma de tuberculose com características como sexo masculino, situação de pobreza, HIV/AIDS, alcoolismo, tabagismo, histórico de falha terapêutica e abandono de tratamento anterior. Essas descobertas ressaltam a importância de estratégias eficazes para prevenir, diagnosticar e tratar a TB-MDR, especialmente entre populações vulneráveis como as pessoas em situação de rua.

Na análise conduzida por Gama e Vipich (2023), foram identificados desfechos desfavoráveis, como abandono do tratamento, óbito e evasão da internação, entre a população em situação de rua (PSR). O uso de substâncias psicoativas e a coinfecção com HIV destacam a alta vulnerabilidade dessa população em relação à tuberculose. Esses dados enfatizam a urgência de políticas públicas de saúde voltadas especificamente para atender às necessidades dessa população vulnerável e melhorar o controle e tratamento da tuberculose entre os indivíduos em situação de rua.

A análise bivariada realizada por Gioseffi, Batista e Brigno (2022), revelou que o uso de drogas (OR = 1,8; IC95%: 1,4-2,4) e álcool (OR = 1,3; IC95%: 1,0-1,6) está associado a uma maior probabilidade de abandono do tratamento da tuberculose. Além disso, destaca-se que, além do tratamento diretamente observado, a estratégia do Consultório na Rua é bem aceita pela população em situação de rua (PSR) e desempenha um papel fundamental no tratamento da tuberculose, HIV e outras infecções, bem como no manejo de doenças não transmissíveis. Essa abordagem é essencial para garantir que a PSR tenha acesso adequado aos serviços de saúde e receba o cuidado necessário para essas condições de saúde complexas.

Outro ponto que deve ser lembrado é a respeito da discriminação pelos próprios profissionais de saúde e demais frequentadores do sistema, que  quando  presentes,  dificultam  o  atendimento  da  PSR  ou  mesmo  os  impede  de  dar entrada  nos  serviços de  saúde  e  a  falta  de  medidas  preventivas  contribui  para  que  as pessoas  que  estão  em  situação  de  rua  demorem  a  buscar  auxílio  e  quando  buscam  vão direto para o atendimento na emergência (Prado et al., 2022).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi observado que as especificidades da população em situação de rua não estão sendo levadas em consideração, o que vai de encontro às recomendações do Ministério da Saúde. A falta de capacitação dos profissionais, o estigma associado à condição de rua, a dificuldade de acesso a manuais e protocolos, bem como a ausência de coordenação e apoio por parte das equipes de consultório na rua, são questões identificadas. Cuidar de uma pessoa portadora de tuberculose em situação de rua é uma experiência complexa e desafiadora que muitas vezes não é contemplada na formação convencional dos profissionais de saúde. Os profissionais, ao lidarem com a realidade dessa população, muitas vezes reproduzem os estereótipos negativos associados às pessoas em situação de rua, retratando-as como miseráveis e difíceis de lidar. Essa falta de compreensão e sensibilidade pode comprometer gravemente a qualidade do cuidado oferecido a essa população vulnerável.

Observou-se que o tratamento de pacientes com tuberculose em situação de rua é mais complexo e dispendioso em comparação com a população em geral. Isso se deve à necessidade de um cuidado mais intensivo e ao apoio profissional e institucional que demanda. A dinâmica da vida nas ruas dificulta a adesão ao tratamento, e o abandono do mesmo pode levar ao desenvolvimento de resistência aos medicamentos, além de aumentar o risco de morte. É importante ressaltar que o tratamento da tuberculose é prolongado e complexo, exigindo uma cooperação significativa por parte do paciente para seguir corretamente a prescrição médica, incluindo a duração do tratamento, a dosagem e a frequência dos medicamentos. Esses desafios destacam a importância de estratégias específicas e suporte adequado para garantir o sucesso do tratamento da tuberculose entre a população em situação de rua.

Propõe-se a realização de um estudo de campo abrangendo profissionais de saúde, gestores e usuários, visando aprofundar o entendimento sobre a situação da tuberculose e outros agravos na população em situação de rua. O objetivo é identificar as potencialidades e fragilidades existentes na rede de saúde para o diagnóstico, tratamento e acompanhamento desses agravos. A análise do cotidiano das práticas de atenção à saúde para essa população específica fornecerá insights valiosos para definir as estratégias necessárias para enfrentar essa situação complexa. Ao envolver diferentes stakeholders, o estudo buscará uma compreensão abrangente dos desafios enfrentados e das melhores práticas existentes, a fim de informar políticas e intervenções mais eficazes para melhorar o cuidado de saúde para a população em situação de rua.

REFERÊNCIAS

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GAMA, Guilherme Ribeiro; VIPICH, Ricardo. TUBERCULOSE COMO CONDIÇÃO DE MORBIMORTALIDADE EM PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA INTERNADAS EM DEPARTAMENTO DE INFECTOLOGIA DE HOSPITAL PÚBLICO TERCIÁRIO DA CIDADE DE SÃO PAULO. The Brazilian Journal of Infectious Diseases, v. 27, p. 103660, 2023.

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PRADO, Carolina Conceição et al. Percepção e rastreio de sinais e sintomas da Tuberculose na População em Situação de Rua no Distrito Federal. Brazilian Journal of Development, v. 8, n. 1, p. 526-542, 2022.

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1Mestrado pelo Programa De Pós-graduação Em Ciências E Saúde/Ccs- UFPI.https://orcid.org/0000-0003-4104-6550

2Enfermeira, Mestranda em Biotecnologia pelo Centro Universitário INTA – UNINTAhttps://orcid.org/0000-0003-4448-2489

3Acadêmica do curso de Enfermagem, Centro Universitário – INTA – UNINTA https://orcid.org/0009-0007-7577-0885

4Direção de Ensino e Pesquisa PluralMedhttps://orcid.org/0009-0005-7011-2192

5Bacharel em Enfermagem, Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) https://orcid.org/0000-0001-8935-884X

6Bacharel em Enfermagem, Centro Universitário – INTA – UNINTAhttps://orcid.org/0000-0003-2812-5932

7Enfermeira / Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA https://orcid.org/0000-0002-3923-8644

8Enfermeira Centro Universitário – INTA – UNINTAhttps://orcid.org/0009-0009-8743-5608

9Enfermeira formada pelo Centro Universitário – INTA – UNINTA https://orcid.org/0009-0007-5303-377X

10Enfermeira – Universidade Estadual Vale do Acaraúhttps://orcid.org/0000-0002-6976-4207

11Universidade Estadual Vale do Acaraú https://lattes.cnpq.br/3087711104669351

12Enfermeira pela UESPI https://orcid.org/0000-0003-4202-2884