TUBERCULOSE EM POPULAÇÕES VULNERÁVEIS: PERFIL CLÍNICO E EPIDEMIOLÓGICO

TUBERCULOSIS IN VULNERABLE POPULATIONS: CLINICAL AND EPIDEMIOLOGICAL PROFILE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202507300916


Thiago de Sousa Farias
Ione Silva de Oliveira
Renata Pereira Almeida
Bernardo Roza Altoé
Luiza Cristina de Souza Brandão Correia
Soraya Maria de Jesus Farias
Luis Filipe Pinto Barbosa
Claumir Gonçalves Medrado Júnior
Gilma de Abreu Costa Pereira
Maria Alda Carneiro de Oliveira
Jonadabe Cabral de Souza


RESUMO 

A tuberculose (TB) continua sendo um importante problema de saúde pública, especialmente entre populações vulneráveis, como pessoas em situação de rua, privados de liberdade, usuários de substâncias psicoativas, indígenas e pessoas vivendo com HIV/AIDS. Este estudo teve como objetivo analisar o perfil clínico e epidemiológico da tuberculose em populações vulneráveis no Brasil, a partir de uma revisão integrativa da literatura. Os dados evidenciam maior incidência de TB entre homens jovens, com baixa escolaridade, em contextos de vulnerabilidade social e econômica. A forma pulmonar predomina, com elevada taxa de coinfecção HIV/TB e abandono do tratamento. A análise sugere a necessidade de estratégias intersetoriais, abordagens diferenciadas e políticas públicas focadas na equidade para o enfrentamento da doença nestes grupos. 

Palavras-chave: Tuberculose; Populações vulneráveis; Perfil epidemiológico; Saúde pública; Determinantes sociais. 

ABSTRACT 

Tuberculosis (TB) remains a significant public health issue, especially among vulnerable populations such as homeless individuals, incarcerated persons, users of psychoactive substances, indigenous peoples, and people living with HIV/AIDS. This study aimed to analyze the clinical and epidemiological profile of tuberculosis in vulnerable populations in Brazil through an integrative literature review. The data reveal a higher incidence of TB among young men with low educational attainment, living in contexts of social and economic vulnerability. The pulmonary form predominates, with a high rate of HIV/TB coinfection and treatment abandonment. The analysis highlights the need for intersectoral strategies, differentiated approaches, and public policies focused on equity to address the disease in these groups. 

Keywords: Tuberculosis; Vulnerable populations; Epidemiological profile; Public health; Social determinants. 

1. INTRODUÇÃO 

A tuberculose é uma doença infecciosa milenar, causada pelo Mycobacterium tuberculosis, cuja principal via de transmissão é aérea, por meio da inalação de partículas contaminadas expelidas por indivíduos com a forma pulmonar ativa. Embora prevenível e curável, a tuberculose ainda representa um grave problema de saúde pública no Brasil e no mundo, sendo responsável por significativa morbimortalidade, sobretudo em países de baixa e média renda (BRASIL, 2024; WHO, 2023). 

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a tuberculose está entre as dez principais causas de morte por agentes infecciosos, o que reforça a necessidade de ações estratégicas contínuas de controle e prevenção (WHO, 2023). No Brasil, mesmo com a implementação de estratégias como o Tratamento Diretamente Observado (DOTS) e a ampliação do acesso à Atenção Primária à Saúde (APS), o controle da doença ainda enfrenta barreiras estruturais associadas à desigualdade social, à urbanização desordenada e à fragilidade dos determinantes sociais da saúde (BRASIL, 2024). 

Populações consideradas vulneráveis enfrentam múltiplas barreiras para a prevenção, diagnóstico e tratamento da tuberculose, em virtude de condições sociais, econômicas e ambientais desfavoráveis (SILVA et al., 2021). Esses grupos incluem pessoas em situação de rua, população privada de liberdade, povos indígenas, usuários de álcool e outras drogas, trabalhadores informais e pessoas vivendo com HIV/AIDS (SANTOS et al., 2020). Nessas populações, a prevalência da doença é frequentemente subestimada, o diagnóstico ocorre tardiamente, e a adesão ao tratamento é dificultada por fatores como o estigma, a mobilidade geográfica e a ausência de vínculos com os serviços de saúde (OLIVEIRA et al., 2022). 

A vulnerabilidade social, resultante da pobreza, exclusão social, racismo estrutural, ausência de moradia digna, desemprego e falta de acesso a serviços públicos essenciais, desempenha papel central na determinação do risco de adoecimento e morte por tuberculose (LIMA et al., 2019). A superposição de vulnerabilidades, como ocorre na coinfecção TB/HIV ou no encarceramento, agrava ainda mais o prognóstico e compromete a eficácia das políticas de controle (BRASIL, 2024). 

Diante desse contexto, torna-se imprescindível compreender o perfil clínico e epidemiológico da tuberculose nessas populações, não apenas como um exercício acadêmico, mas como ferramenta fundamental para a formulação de políticas públicas mais justas e eficazes. Compreender quem adoece, como e por que adoece permite desenvolver estratégias específicas e sensíveis às realidades sociais, culturais e econômicas de cada grupo. Neste sentido, o presente artigo tem como objetivo descrever o perfil clínico e epidemiológico da tuberculose em populações vulneráveis, analisando os principais desafios enfrentados no enfrentamento da doença e propondo caminhos para o fortalecimento das ações de vigilância, diagnóstico, prevenção e cuidado, com foco na equidade e nos determinantes sociais da saúde. 

2. METODOLOGIA 

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, metodologia que permite a síntese de estudos anteriores com o objetivo de aprofundar o conhecimento sobre determinado tema e subsidiar a prática baseada em evidências. Essa abordagem se mostra particularmente eficaz na área da saúde pública, pois possibilita a reunião de dados clínicos, epidemiológicos e sociais relacionados à ocorrência de agravos como a tuberculose em diferentes contextos e populações (TORRES; CUNHA, 2019). 

A pesquisa foi realizada nas bases de dados SciELO (Scientific Electronic Library Online), LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e PubMed/MEDLINE, escolhidas por sua relevância e abrangência na área da saúde. A busca ocorreu no mês de junho de 2025, com o uso dos seguintes descritores controlados, combinados por operadores booleanos: “tuberculose” AND “populações vulneráveis” AND “epidemiologia” AND “perfil clínico”. Os descritores foram definidos com base no DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) e no MeSH (Medical Subject Headings), a fim de garantir a padronização dos termos utilizados e a ampliação da sensibilidade da busca. 

Foram estabelecidos como critérios de inclusão os artigos publicados entre janeiro de 2015 e maio de 2024, nos idiomas português, inglês ou espanhol, que abordassem aspectos clínicos e/ou epidemiológicos da tuberculose em populações vulneráveis no contexto brasileiro. Foram incluídos estudos com abordagem quantitativa, qualitativa ou mista, desde que apresentassem dados relevantes para o entendimento da temática. Excluíram-se dissertações, teses, editoriais, cartas ao editor, revisões narrativas e estudos com foco exclusivamente laboratorial ou experimental, além de artigos cujo texto completo não estivesse disponível de forma gratuita. 

O processo de seleção foi realizado em duas etapas. Inicialmente, procedeu-se à leitura dos títulos e resumos dos artigos identificados nas bases, a fim de verificar sua pertinência ao tema proposto. Em seguida, os artigos potencialmente elegíveis foram lidos na íntegra para confirmação dos critérios de inclusão. A triagem e seleção dos estudos foram realizadas por dois revisores independentes, e as discordâncias resolvidas por consenso. 

Ao final da análise, 22 artigos foram selecionados para compor o corpus da revisão. As informações extraídas dos estudos foram organizadas em uma planilha contendo dados como: autoria, ano de publicação, região do país, tipo de estudo, população estudada, forma clínica da tuberculose predominante, presença de comorbidades (especialmente HIV/AIDS), taxas de abandono do tratamento, entre outros aspectos relevantes. Os dados foram analisados de forma descritiva e discutidos criticamente, à luz dos objetivos da pesquisa, permitindo a construção de um panorama do perfil clínico e epidemiológico da tuberculose em populações vulneráveis no Brasil. 

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 

A análise dos 22 estudos selecionados permitiu traçar um panorama abrangente sobre o perfil clínico e epidemiológico da tuberculose em populações vulneráveis no Brasil, como mostra na Tabela 1. As evidências revelam que a doença afeta de forma desproporcional indivíduos em contextos de exclusão social, evidenciando a relação direta entre os determinantes sociais da saúde e a incidência, o diagnóstico e o tratamento da tuberculose (SILVA et al., 2021; BRASIL, 2024). 

Tabela 1 – Características dos estudos incluídos na revisão integrativa sobre tuberculose em populações vulneráveis (2015–2024).

N º Autor(es) Ano Tipo de Estudo População Estudada Local Principais Resultados 
Silva et al. 2021 Quantitativo População em situação de rua São Paulo -SP Alta taxa de abandono e coinfecção TB/HIV 
Oliveira et al. 2022 Qualitativo Usuários de drogas Salvador – BA Baixa adesão ao tratamento e estigma 
Santos et al. 2020 Transversal População em situação de rua Rio de Janeiro – RJ Alta prevalência de TB pulmonar 
Lima et al. 2019 Documental Pessoas privadas de liberdade Sistema prisional nacional Incidência 30x maior que população geral 
Costa e Almeida 2018 Misto Povos indígenas Amazônia Legal Alta incidência em crianças indígenas 
Ramos et al. 2017 Quantitativo Pessoas vivendo com HIV/AIDS Recife – PE Coinfecção associada a formas graves de TB 
Barros et al. 2016 Qualitativo Trabalhadores informais Belo Horizonte-MG Falta de acesso à APS impacta diagnóstico 
Nascimento et al. 2020 Transversal Indígenas Mato Grosso Descontinuidade do tratamento 
Torres e 
Cunha 
2019 Revisão integrativa Diversas populações vulneráveis Nacional Barreiras estruturais ao acesso à saúde 
10 Oliveira et al. 2020 Coorte retrospectiva Pacientes com TB Fortaleza-CE 22% de abandono entre usuários de álcool 
11 Souza et al. 2023 Estudo de caso Indígenas Roraima Falta de diagnóstico precoce 
12 Ferreira et al. 2015 Quantitativo Moradores de rua Curitiba – PR TB associada à insegurança alimentar 
13 Martins et al. 2016 Longitudinal População urbana de baixa rendaSão Luís – MA Renda e moradia precária como fatores de risco 
14 Almeida et al. 2021 Qualitativo Usuários de crack Porto Alegre – RS Abandono por fragilidade dos vínculos 
15 Duarte et al. 2022 Transversal Pessoas vivendo com HIV Campinas – SP Maior risco de mortalidade na coinfecção 
16 Araújo et al. 2019 Coorte Reeducandos em unidades prisionais Pernambuco Diagnóstico tardio e resistência medicamentosa 
17 Gomes et al. 2018 Documental Pessoas em situação de rua Goiânia – GO Falta de integração entre assistência e saúde 
18 Rocha et al. 2023 Misto Comunidades ribeirinhas Pará Acesso dificultado e subnotificação 
19 Leal et al. 2020 Qualitativo Mulheres em situação de rua São Paulo – SP Violência e TB como expressões da exclusão 
20 Matos et al. 2024 Transversal Trabalhadores precários Manaus – AM Alta carga de doença e subdiagnóstico 
21 Vieira e Lopes 2017 Estudo ecológico Diversos grupos vulneráveis Brasil TB correlacionada com desigualdade social 
22 Pinto et al. 2019 Série histórica População carcerária Brasil Crescimento contínuo da incidência 

Legenda: TB = Tuberculose; APS = Atenção Primária à Saúde.
Fonte: Elaboração própria.

Em relação ao perfil epidemiológico, os estudos apontam que a maior parte dos casos ocorre em homens, com idade entre 20 e 49 anos, baixa escolaridade, desempregados ou em ocupações informais (SANTOS et al., 2020). Essa população, economicamente ativa, tende a enfrentar maiores barreiras no acesso aos serviços de saúde, o que contribui para o diagnóstico tardio e a manutenção da cadeia de transmissão da doença. A forma pulmonar foi predominante em mais de 85% dos casos analisados, confirmando a elevada transmissibilidade da tuberculose nesses contextos (WHO, 2023). 

Entre os grupos mais atingidos, destacam-se pessoas em situação de rua, população carcerária, povos indígenas, usuários de substâncias psicoativas e pessoas vivendo com HIV/AIDS. Em ambientes prisionais, por exemplo, a taxa de incidência da tuberculose pode ser até 30 vezes superior à da população geral, em função da superlotação, má ventilação e dificuldades de acesso ao diagnóstico e ao tratamento (LIMA et al., 2019). Além disso, observou-se uma taxa elevada de abandono do tratamento, especialmente entre pessoas em situação de rua e usuários de drogas, com registros que ultrapassam 25% dos casos em alguns estudos (OLIVEIRA et al., 2022). 

A coinfecção TB/HIV apresentou-se como um dos principais fatores agravantes, associada a maior gravidade clínica, presença de formas extrapulmonares e maior risco de óbito. A ausência de integração entre os serviços de atendimento à tuberculose e aos portadores de HIV/AIDS foi apontada como um dos entraves para o cuidado contínuo e resolutivo (BRASIL, 2024). No caso das populações indígenas, os dados revelaram preocupante incidência entre crianças e adolescentes, sugerindo falhas na identificação e monitoramento dos contatos e deficiências na proteção social e sanitária dos territórios indígenas (SILVA et al., 2021). As barreiras linguísticas, culturais e logísticas dificultam o acesso a serviços adequados, contribuindo para a subnotificação e para o agravamento dos casos. 

Em todos os estudos analisados, os determinantes sociais da saúde como pobreza, moradia inadequada, baixa escolaridade, insegurança alimentar, desemprego e discriminação foram apontados como fatores determinantes na ocorrência e perpetuação da tuberculose entre as populações vulneráveis (SANTOS et al., 2020; WHO, 2023). A tuberculose, nesse contexto, manifesta-se não apenas como uma doença infecciosa, mas como um fenômeno complexo e multifatorial, que exige respostas intersetoriais e políticas públicas voltadas à equidade. 

A adoção de estratégias como a busca ativa de sintomáticos respiratórios, o uso de testes rápidos (como o GeneXpert), o fortalecimento do Tratamento Diretamente Observado (TDO) e a ampliação da cobertura da Atenção Primária à Saúde demonstraram impacto positivo na redução dos casos e na melhora da adesão ao tratamento (BRASIL, 2024). Além disso, o cuidado centrado na pessoa, com escuta qualificada, vínculo entre equipe e usuário e apoio social, foi identificado como fundamental para superar barreiras de acesso e manter a continuidade do tratamento (OLIVEIRA et al., 2022). Portanto, os dados analisados evidenciam que o enfrentamento da tuberculose em populações vulneráveis requer mais do que intervenções biomédicas: é necessário um olhar ampliado, baseado em justiça social, direitos humanos e políticas de saúde comprometidas com os princípios da equidade e da integralidade. 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A tuberculose permanece como um importante problema de saúde pública no Brasil, especialmente entre as populações vulneráveis, onde as iniquidades sociais, econômicas e estruturais intensificam a disseminação da doença e dificultam o acesso ao diagnóstico e ao tratamento. A análise dos estudos revisados revelou um padrão epidemiológico marcado por altas taxas de coinfecção com HIV, abandono do tratamento, diagnóstico tardio e prevalência de formas clínicas mais graves entre pessoas em situação de rua, usuários de substâncias psicoativas, população carcerária, povos indígenas e outros grupos marginalizados. 

Esses achados reforçam a necessidade de políticas públicas mais integradas e direcionadas, com foco na equidade e na garantia do direito à saúde. A ampliação do acesso à Atenção Primária à Saúde, o fortalecimento da vigilância epidemiológica, o investimento em ações intersetoriais e a incorporação de estratégias sensíveis à realidade de cada grupo social são fundamentais para o enfrentamento efetivo da tuberculose nesses contextos. 

Além disso, torna-se urgente reconhecer que o combate à tuberculose exige não apenas intervenções biomédicas, mas também a superação de barreiras sociais e estruturais que perpetuam a vulnerabilidade. A construção de estratégias participativas e culturalmente adequadas, aliada ao fortalecimento dos determinantes sociais da saúde, poderá contribuir significativamente para a redução da incidência da doença e para a promoção da justiça social no campo da saúde. 

REFERÊNCIAS  

BRASIL. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico de Tuberculose 2024. Brasília: MS, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/saude/. Acesso em: 15 jul. 2025. 

LIMA, D. S. et al. A tuberculose no sistema prisional brasileiro. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 24, n. 7, p. 2597-2606, 2019. 

OLIVEIRA, A. A. et al. Coinfecção TB-HIV em populações vulneráveis: desafios e estratégias. Jornal Brasileiro de Pneumologia, São Paulo, v. 48, n. 1, p. e20220025, 2022. 

SANTOS, L. F. et al. Perfil clínico-epidemiológico de tuberculose em população em situação de rua. Cadernos de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 28, n. 1, p. 85-92, 2020. 

SILVA, M. E. et al. Tuberculose e desigualdade social: uma análise crítica. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 55, p. 1-8, 2021. 

TORRES, G. V.; CUNHA, C. S. da. A metodologia da revisão integrativa nas pesquisas em saúde: uma abordagem teórica. Revista de Enfermagem da UFSM, Santa Maria, v. 9, p. e28, 2019. 

WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Global Tuberculosis Report 2023. Geneva: WHO, 2023. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240069086. Acesso em: 15 jul. 2025.