REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202505251422
Laiz De Queiroz Campos
Orientador: Prof. Dr. Felipe Gonçalves Belladonna
RESUMO
O objetivo do presente estudo foi avaliar, através de uma revisão de literatura, a formação de trincas dentinárias após a obturação do sistema de canais radiculares (SCR) com a utilização de diferentes métodos de análise. Para isso, foi realizada uma busca na base de dados do PubMed usando os seguintes termos: microtrincas e defeitos dentinários; obturação de canal radicular e compactação lateral fria. A busca foi realizada de janeiro até julho de 2021. Após a leitura inicial dos resumos, eliminação de estudos duplicados de acordo com os critérios de inclusão e exclusão, e após a leitura completa dos trabalhos, foi incluído um total de 8 artigos nessa revisão. Dos 8 artigos incluídos, apenas 3 utilizaram a microtomografia computadorizada (micro-CT) como ferramenta de análise e desses apenas 1 demonstrou a formação de trincas dentinárias após os procedimentos de obturação do SCR. Dessa forma, após a presente revisão de literatura, pode-se concluir que os procedimentos de obturação do SCR realizados com diferentes técnicas de obturação do SCR não induziram a formação de trincas dentinárias.
Palavras-chave: microtrincas, defeitos dentinários, obturação de canal radicular, compactação lateral fria.
ABSTRACT
The aim of the present study was to evaluate, through a literature review, the formation of dentinal cracks after the filling of the root canal system (SCR) using different methodologies available for analysis. For this, a search was performed in the PubMed database using the following terms: micro-cracks and dentinal defects; root canal filling and cold lateral compaction. The search was carried out from January to July 2021. After the initial reading of the abstracts, elimination of duplicate studies according to the inclusion and exclusion criteria, and after the complete reading of the papers, a total of 8 articles were included in this review. Of the 8 articles included, only 3 used the computed microtomography (Micro-CT) methodology as an analysis tool, and of these only 1 demonstrated the formation of dentinal cracks after the SCR filling procedures. Thus, after the present literature review, it can be concluded that the SCR filling procedures performed with different gutta-percha filling techniques did not induce the formation of dentinal cracks.
Key-words: microcracks, dentin defects, root canal filling, cold lateral compaction.
1. INTRODUÇÃO
A trinca dentinária é uma ruptura do tecido dental que ocorre ao longo de sua estrutura, podendo ser acompanhada de dor aguda e severa quando se mastiga sobre o dente em questão (MONTEIRO et al., 2002). Essas trincas são consideradas fraturas incompletas e denominadas de diferentes formas na literatura, sendo chamadas de ”rachaduras”, ”fissuras”, ”fendas”, etc (DE-DEUS et al., 2016; JAIN et al., 2018; ALMEIDA et al., 2020). Quanto à localização, podem limitar-se ao esmalte ou se estenderem até a dentina em diversas profundidades, ao nível de coroa ou raiz, podendo atingir a polpa. Quando as trincas se estendem de uma superfície à outra, de mesial para distal (mais freqüentemente) ou de vestibular para lingual, e inclui o canal radicular são consideradas fraturas completas (MONTEIRO et al., 2002; BARRETO et al., 2012; KUMARAN et al., 2013).
Ao longo dos anos, diversos estudos buscaram apontar os possíveis fatores causais para a formação dessas trincas dentinárias, sendo a obturação do sistema de canais radiculares (SCR) citada como um deles (SHEMESH et al., 2010; BARRETO et al., 2012; KUMARAN et al., 2013). Esse resultado foi aceito durante muito tempo sob a argumentação de que o uso de força excessiva durante a obturação dos canais através da técnica da compactação lateral a frio originariam tais defeitos dentinários (SHEMESH et al., 2010). Porém, todos esses trabalhos que chegaram a esse resultado, de que a obturação dos canais geraria a formação de trincas, utilizaram como método de análise o seccionamento das raízes, geralmente em 3 a 5 fatias, seguido da observação em algum tipo de microscopia (SHEMESH et al., 2010; BARRETO et al., 2012; KUMARAN et al., 2013; HASHEMINIA et al., 2015). Segundo DE-DEUS et al. (2016), a metodologia empregada nesses trabalhos pode ser considerada a principal causa dos resultados encontrados, uma vez que não foi levado em consideração o potencial dano à dentina radicular produzido pelos procedimentos de corte do próprio método.
Com o advento da microtomografia computadorizada (micro-CT) e sua inserção cada vez maior na pesquisa odontológica, tornou-se possível analisar os espécimes dentários sem danificá-los, algo impossível de ser realizado pelo método de corte. Além disso, a micro-CT possibilita a análise de milhares de fatias do mesmo espécime antes e depois de qualquer procedimento, tornando viável o acompanhamento do substrato dentinário longitudinalmente (DE-DEUS et al. 2016). Com esse novo método e diante da escassez de estudos sobre a possível geração de trincas pelo processo de obturação do canal radicular, DE-DEUS et al. (2016) realizaram o primeiro estudo para avaliar a incidência de defeitos dentinários e seus resultados indicaram que as técnicas de obturação não geraram novas trincas dentinárias. Nos anos seguintes, outros estudos foram realizados sobre o tema utilizando o método da micro-CT na avaliação de tais defeitos, com a maioria corroborando esses resultados iniciais encontrados (JAIN et al., 2018; ALMEIDA et al., 2020).
Diante desse cenário, surgiu o objetivo do presente trabalho que foi avaliar, através de uma revisão de literatura, a formação de trincas dentinárias após a obturação do SCR.
2. METODOLOGIA
Para a realização dessa revisão de literatura, os trabalhos foram pesquisados através do banco de dados do PubMed. Os seguintes termos foram utilizados: microtrincas, defeitos dentinários, obturação do canal radicular e compactação lateral a frio.
A busca dos artigos foi realizada de janeiro até julho de 2021 pela autora, que também avaliou os resultados. Primeiramente, a seleção dos artigos foi executada com base em seus resumos; a seguir, os textos completos foram analisados. O critério de inclusão compreendeu estudos que englobassem a análise de defeitos dentinários após os procedimentos de obturação do SCR. Os critérios de exclusão incluíram relatos de casos clínicos.
3. REVISÃO DE LITERATURA
SHEMESH et al. (2010) compararam a incidência de defeitos dentinários após a compactação lateral e compactação em onda contínua. Para isso, foram utilizados 200 pré-molares inferiores divididos em quatro grupos (n = 50): um grupo controle, no qual não foi feito nenhum tratamento endodôntico e os outros três grupos foram preparados com instrumento rotatório ProTaper Universal até a lima F4; desses 3 grupos, dois foram obturados com guta-percha e AH 26 utilizando compactação lateral a frio ou técnica de onda contínua de calor. As raízes foram observadas ao microscópio após secção das amostras a 3, 6 e 9 mm de distância do ápice. Foi observado defeitos dentinários após o preparo e obturação, e não houve diferença na incidência de defeitos entre as duas técnicas de obturação, sem correlação entre o aparecimento de defeitos e o nível da raiz analisada. Os autoros concluíram que defeitos dentinários foram observados em raízes obturadas com guta-percha e AH 26 usando as duas técnicas.
BARRETO et al. (2012) avaliaram os efeitos do preparo do canal radicular e técnicas de obturação combinadas com a ciclagem mecânica para simulação da função mastigatória na formação de defeitos dentinários. Para isso, foram utilizados 70 dentes uniradiculares extraídos que foram divididos em 6 grupos, nos quais dois grupos eram compostos de espécimes não preparados e não submetidos à ciclagem mecânica. Os outros grupos foram preparados com brocas Gates-Glidden e instrumentos ProTaper Universal até F3 e agrupados da seguinte forma: dentes com ausência de obturação, obturados com técnica passiva, compactação lateral e técnica híbrida de tagger. Todos os grupos instrumentados foram submetidos à ciclagem mecânica (1.000.000 ciclos, 90 N, 4 Hz, 37 °C). Após isso, as raízes foram seccionadas horizontalmente a 3, 6 e 9 mm de distância do ápice e observadas em estereomicroscópio. Os espécimes observados foram divididos em: amostras sem defeito, com fraturas vertical da raiz e com outros defeitos. O resultado mostrou que a ciclagem mecânica por si só não influenciou a incidência de defeitos dentinários e os grupos obturados com as três técnicas apresentaram uma incidência semelhante de defeitos. A fratura vertical de raiz foi observada apenas quando a ciclagem mecânica foi associada à técnicas de obturação nos grupos de compactação lateral e compactação híbrida de tagger, ocorrendo em 13,3% e 33,3%, respectivamente.
KUMARAN et al. (2013) avaliaram o papel da instrumentação rotatória do canal radicular seguida de obturação com três técnicas diferentes e dois materiais obturadores na incidência de defeitos dentinários. Para isso, foram utilizados 160 pré- molares inferiores divididos em oito grupos (n = 20), sendo que dois desses grupos foram para controle, com dentes que não foram instrumentados e outro grupo com dentes instrumentados mas não obturados. Os espécimes restantes foram separados em três grupos para obturação com guta percha e cimento AH Plus com as diferentes técnicas de obturação: passiva, compactação lateral ou compactação vertical aquecida. Os outros três grupos foram obturados com o sistema Resilon/RealSeal pelas mesmas técnicas anteriores. Após isso, todas as raízes foram seccionadas a 3, 6 e 9 mm de distância do ápice e inspecionados por um estereomicroscópio e fonte de luz externa para observação dos defeitos dentinários. Os defeitos foram categorizados em três tipos: espécimes com ausência de defeitos, com fratura ou com outros defeitos. Foi definido como “sem defeitos” o espécime desprovido de qualquer linha ou fissura na superfície externa ou interna do canal radicular. Considerou-se como fratura uma linha que se estendesse do espaço do canal radicular até a superfície externa da raiz. Foram definidas como ”outros defeitos” todas as outras trincas observadas que não alcançaram o lúmen do canal ou que se estenderam da parede do canal mas não atingiram a superfície externa da raiz. Os resultados mostraram que a instrumentação e obturação induziram defeitos dentinários, sendo mais significantes após a instrumentação do canal radicular do que após a obturação com as diferentes técnicas ou materiais utilizados, e o grupo da compactação lateral produziu significativamente mais defeitos do que o grupo da obturação passiva.
HASHEMINIA et al. (2015) avaliaram a incidência de defeitos dentinários após a obturação do canal radicular com duas técnicas diferentes. Foram selecionadas 110 raízes mesiais de primeiros molares inferiores, 27 raízes foram deixadas sem tratamento endodôntico e usadas como controles negativos, e 27 raízes foram preparadas com instrumentos rotatórios mas deixadas sem obturação como controles positivos para comparação dos demais grupos onde os espécimes foram obturados. Os canais mésio-vestibular de 83 raízes foram preparados utilizando instrumentos rotatórios e foi separado um grupo com 28 raízes para obturação com técnica de compactação lateral fria e o outro grupos de raízes para obturação com técnica mecânica de compactação lateral. Após a obturação do canal radicular, todas as raízes foram seccionadas horizontalmente a quatro níveis do ápice e avaliadas sob um estereótipo em uma ampliação de 40x. Houve desenvolvimento de defeitos dentinários nos grupos após instrumentação e obturação, enquanto que no grupo controle negativo não foram observadas raízes defeituosas. Além disso, foi observado no grupo controle positivo um menor número de defeitos quando comparado com os grupos obturados com as técnicas mecânica de compactação lateral e de compactação lateral fria. No entanto, não houve diferença entre as duas técnicas na produção de defeitos dentinários.
DE-DEUS et al. (2016) avaliaram a frequência de microtrincas dentinárias após procedimentos de obturação de canais radiculares com GuttaCore (GC), técnica de compactação lateral a frio (CLC) e compactação vertical aquecida (WVC) em molares inferiores utilizando a micro-CT. Para isso, trinta raízes mesiais de molares inferiores, com uma configuração de canal tipo II de Vertucci, foram instrumentados com a lima Reciproc R40 e atribuídos aleatoriamente a um de 3 grupos experimentais (n = 10), de acordo com a técnica de obturação utilizada: GC, CLC ou WVC. O grupo GC foi preenchido com um obturador GC tamanho 40, enquanto os grupos CLC e WVC usaram cones convencionais de guta-percha. O cimento AH Plus foi usado em todos os grupos. Os espécimes foram escaneados em um resolução isotrópica de 14.25 µm antes e depois do preparo do canal radicular, e após a obturação. Foram analisadas imagens transversais pré e pós-operatórias das raízes (n = 41.660) para identificar a presença de defeitos dentinários. Todas as microtrincas identificadas nas imagens pós-obturação já estavam presentes nas imagens pós-instrumentação correspondentes. A conclusão foi que o procedimento de obturação do SCR com diferentes técnicas não induziu o desenvolvimento de novas microtrincas dentinárias. JAIN et al. (2018) avaliaram o efeito da instrumentação, obturação e diferentes técnicas de retratamento dos canais radiculares no aumento do número de microtrincas dentinárias através da micro-CT. Foram utilizados 45 pré-molares inferiores que tiveram suas porções coronárias removidas e padronizados em um comprimento da raiz de 17 mm e escaneados com Micro-CT. Em seguida, as amostras foram preparadas com limas universais ProTaper até o instrumento F4 e obturadas com guta-percha correspondente e cimento AH Plus com a técnica de cone único. Após isso, um novo escaneamento no micro-CT. Posteriormente, as amostras foram divididas em 3 grupos com base no método de retratamento, onde utilizou-se limas universais ProTaper, R-Endo ou limas manuais tipo Hedstroem. A avaliação das amostras foi binomial, considerando como ‘’sem fissuras’’ ou ‘’com rachadura’’ e a quantidade de defeitos foi anotada. Foi concluído um aumento da porcentagem média de microfissuras após a preparação biomecânica e obturação, bem como após o retratamento e foram observadas microtrincas também nas raízes não instrumentadas. Dentre os grupos de retratamento, o aumento no percentual de trincas foi mais significativo com as limas ProTaper em comparação com as limas R- Endo e tipo Hedstroem.
ALMEIDA et al. (2020) avaliaram a ocorrência de defeitos dentinários após a remoção do material obturador com limas reciprocantes nas raízes de molares inferiores obturadas com cimento AH Plus ou EndoSequence BC e guta-percha. Para isso, 328 primeiros e segundos molares foram selecionados e submetidos à análise prévia por micro-CT. Destes, apenas 60 apresentavam-se hígidos e foram selecionados para o experimento. As porções coronárias foram removidas com disco de diamante dupla-face sob refrigeração para padronizar as amostras com ± 17 mm de comprimento. Em seguida, foram instrumentados ambos os canais radiculares mesiais com um instrumento Reciproc. Em seguida, as amostras foram distribuídas aleatoriamente em quatro grupos experimentais: dois grupos (n = 30) foram preenchidos com AH Plus, e os outros grupos (n = 30) foram preenchidos com EndoSequence BC Sealer. Em todos os grupos, as amostras foram obturadas através da técnica de cone único e compactado de forma semelhante. Radiografias foram realizadas nas direções vestíbulo-lingual e mésio-distal para avaliar a qualidade do procedimento de obturação e depois foram armazenados por 30 dias a 37 °C e 100% de umidade. Após isso, a simulação do procedimento de retratamento foi realizado e os materiais obturadores foram removidos de ambos os canais radiculares mesiais usando instrumentos reciprocantes. As amostras foram novamente escaneadas e então analisadas por meio de software na região de interesse, que foram os 10 mm apicais da raiz mesial. A pesquisa utilizou dois métodos de análise diferentes para avaliar as imagens. No primeiro, todas as imagens desta região foram rastreadas para identificar e contabilizar a presença de defeitos dentinários. No segundo método, avaliou apenas uma imagem em intervalos de 1 mm. As amostras que obtiveram quaisquer trincas ou fraturas na superfície interna ou externa da raiz foram categorizadas como ”com defeito”, e as que não apresentavam quaisquer defeitos como ”nenhum defeito”. Posteriormente, as imagens catalogadas foram comparadas às imagens correspondentes dos dentes obturados. Na primeira análise, 24,27% das imagens apresentaram defeitos dentinários após obturação e retratamento. Na segunda análise, 27,5% apresentaram defeitos dentinários. Foi concluído que todas as amostras apresentavam defeitos dentinários pré-existentes e que não foram formados novos defeitos dentinários após obturação e retratamento do SCR.
4. RESULTADO
Após a leitura inicial dos resumos, eliminação de estudos duplicados de acordo com os critérios de inclusão e exclusão e a leitura completa dos trabalhos, um total de 8 artigos foi incluído nessa revisão. Dos 8 artigos incluídos, 4 deles utilizaram o método de corte e concluíram que houve formação de trincas dentinárias após a obturação dos canais. Entretanto, nos outros 4 trabalhos que utilizaram a micro-CT como ferramenta de análise, apenas 1 demonstrou que houve a formação de novas trincas dentinárias após os procedimentos de obturação. As tabelas 1 e 2 descrevem os principais dados obtidos dos artigos incluídos na revisão.
Tabela 1. Dados dos artigos incluídos na revisão de literatura que utilizaram o método de corte das amostras e avaliação por microscopia após obturação radicular.

*GP = guta-percha; CM = Ciclagem mecânica; MLC = Compactação lateral mecânica; CL = Compactação lateral fria; CVQ = Compactação vertical aquecida; PC = Controle positivo ou não obturados; *CP = Compactação passiva; THT = Técnica híbrida de Tagger; TOC = Técnica de onda contínua de calor.
Tabela 2. Dados dos artigos incluídos na revisão de literatura que utilizaram a micro- CT como método de avaliação das amostras após obturação radicular.

*GP = guta-percha; MLC = Compactação lateral mecânica; CL = Compactação lateral fria; TCU = Técnica de cone único; MI = Molar inferior; PMI = Pré-molar inferior
5. DISCUSSÃO
A afirmativa de que a obturação do SCR realizada por técnicas de compactação de guta-percha induziria à formação de trincas dentinárias foi aceita pela endodontia durante anos (SHEMESH et al., 2010; BARRETO et al., 2012; KUMARAN et al., 2013; HASHEMINIA et al., 2015). Tal argumentação se baseava na premissa de que essas técnicas produzem tensão na parede do canal radicular, a qual seria capaz de induzir e propagar trincas dentinárias. Porém, DE-DEUS et al. (2016) utilizando a micro-CT para avaliação de defeitos dentinários realizaram o primeiro estudo que não demonstrou uma correlação entre o procedimento de obturação e a formação de trincas dentinárias. A incompatibilidade entre os resultados anteriores e o trabalho de DE-DEUS et al. (2016) pode ser explicado através de diferenças metodológicas. Anteriormente, a metodologia vigente utilizada nos artigos que avaliaram a formação de defeitos dentinários após a obturação era baseada no modelo de corte e posterior análise do espécime diretamente em microscopia ótica. Essa metodologia apresenta uma desvantagem considerável relacionada à sua natureza destrutiva, que segundo De-DEUS et al. (2016) é provavelmente a principal causa dos resultados desses estudos. Além disso, os grupos controle eram compostos por dentes hígidos, os quais não eram os mesmos utilizados nos grupos experimentais, tendo em vista o fator destrutivo do método.
A avaliação da pré-existência de trincas dentinárias dos espécimes só foi possível de fato da micro-CT ser uma metodologia não invasiva e que possibilita a análise de milhares de secções do mesmo elemento, na escala micrométrica. A partir da micro-CT, uma grande quantidade de informação foi introduzida nos estudos pois além de permitir a visualização de milhares de fatias por espécime, é também possível obter imagens durante todo o período experimental desde o pré-operatório até a etapa pós-obturação, por exemplo. Isso acontece sem causar alterações físicas nos espécimes uma vez que os mesmos funcionam como seu próprio controle, o que melhora a validade desses estudos e permiti o rastreamento do desenvolvimento de defeitos dentinários durante as diversas etapas do tratamento endodôntico. Após a introdução dessa tecnologia, trincas pré existentes foram detectadas na maioria dos espécimes selecionados para os estudos e modificaram os resultados estabelecidos até então.
Dos três trabalhos que utilizaram a micro-CT como metodologia de análise, DE- DEUS et al. (2016) e ALMEIDA et al. (2020) não detectaram indução ou propagação de trincas após obturação do canal articular, enquanto que JAIN et al. (2018) concluíram um aumento da porcentagem média de microtrincas após o preparo químico-mecânico e obturação com guta-percha e AH Plus dos canais, bem como após o retratamento.
6. CONCLUSÃO
Diante do exposto, pode-se concluir que o procedimento de obturação do SCR com diferentes técnicas não induz à formação de trincas radiculares.
7. REFERÊNCIAS
1. MONTEIRO, JR. S.; ANDRADA, A. P. S. C.; SCHRICKTE, N.; ARCARI, G. M. Síndrome do dente rachado. JBD, Curitiba, v. 1, n. 3, p. 185-192, 2002.
2. DE-DEUS, G.; BELLADONNA, F. G.; SILVA, E. J. N. L.; SOUZA, E. M.; CARVALHAL, J. C. A.; PEREZ, R.; LOPES, R. T.; VERSIANI, M. A. Micro-CT assessment of dentinal micro-cracks after root canal filling procedures. International Endodontic Journal, v. 50, n. 9, p. 895-901, 2017.
3. JAIN, A.; NIKHIL, V.; BANSAL, P. Effect of root canal preparation, obturation, and retreatment on the induction of dentinal microcracks: A microcomputed tomography study. Journal of Conservative Dentistry, v. 21, n. 5, p. 521, 2018.
4. ALMEIDA, A; ROMEIRO, K; CASSIMIRO, M; GOMINHO, L; DANTAS, E; SILVA, S; ALBUQUERQUE, D. Micro-CT analysis of dentin microcracks in root canals filled with a bioceramic sealant and portrayed with alternative instruments. Scientific reports, v. 10, n. 1 p. 152-64, 2020.
5. BARRETO, M. S.; MORAES, R. A.; ROSA, R. A.; MOREIRA, C. H.; SÓ, M. V.; BIER, C. A. Vertical root fractures and dentin defects: effects of root canal preparation, filling and mechanical cycling. Journal of endodontics, v. 38, n. 9, p. 1135, 2012.
6. KUMARAN, P.; SIVAPRIYA, E.; INDHRAMOHAN, J.; GOPIKRISHNA, V.; SAVADAMOORTHI, K. S.; PRADEEPKUMAR, A. R. Dentin defects before and after the rotating root canal instrumentation with three different filling techniques and two material filling techniques. Journal of conservative dentistry, v. 16, n. 6, p. 522-526, 2013.
7. SHEMESH, H.; WESSELINK, P. R.; WU, M. K. Incidence of dentin defects after root canal filling procedures. International endodontic journal, v. 43, n. 11 p. 995- 1000, 2010.
8. HASHEMINIA, S. M.; FARHAD, A. R.; SAATCHI, M.; NEJAD, H. S.; SANEI, M. Mechanical or cold lateral compaction: the incidence of dentin defects. Dent Res J , v. 12, n. 6, p. 513-519, 2015.