REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10289060
Marcelo Fonseca Santos1
Karine Lima de Oliveira2
Resumo
O presente artigo, tem como objetivo análise do imposto que deve incidir sobre o streaming no âmbito do Sistema Tributário Nacional, já que essa evolução tecnológica, trouxe mudança no modo de consumo de bens e serviços. O objetivo é definir entre ISS e ICMS, qual tributação mais se enquadra para o tipo de serviço, natureza jurídica do streaming, e possíveis conflitos de competência entre essas unidades federadas.
Palavras-chave: STREAMING; ISS; ICMS; TRIBUTAÇÃO; CONFLITO DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA.
Abstract
This article aims to analyze the tax that should be levied on streaming within the scope of the National Tax System, since this technological evolution has brought a change in the way in which goods and services are consumed. The objective is to define between ISS and ICMS, which taxation best suits the type of service, legal nature of streaming, and possible conflicts of jurisdiction between these federated units.
Keywords: STREAMING; ISS; ICMS; TAXATION; CONFLICT OF TAX COMPETENCE
1. INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, presenciamos a evolução da economia digital, que trouxe uma nova maneira de como consumimos entretenimento e conteúdo digital. Com isso, o grande destaque do mercado foram as plataformas de streaming que redefiniu nossos hábitos de consumo e a indústria do entretenimento.
Essa nova cultura digital nos trouxe uma vasta gama de filmes, séries, músicas e outros conteúdos através da internet, o streaming é um mecanismo de distribuição de dados por meio de pacotes da qual não são armazenadas pelo usuário.
A popularização do mercado de streaming, permitindo o acesso ao conteúdo disponibilizado e de baixo custo, se tornou atraente no mercado levando a uma adesão massiva de usuários aderindo essa nova modalidade de consumo. A rápida evolução dessas plataformas e a ausência de tributação, gerou um desequilíbrio concorrencial no mercado levantando questionamentos quanto a necessidade da legislação brasileira em seguir tais avanços, resultando em discussões significativas de qual tributação é adequada para esses serviços.
Posto isso, surgiu o interesse do Fisco em adequar seus meios de arrecadação a esta nova relação econômica das plataformas de Streaming. Com a alteração da hipótese de incidência tributária do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) e o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), surge uma guerra fiscal entre Estados e Municípios pelo poder de tributar, gerando normas conflitantes que pode prejudicar o desempenho econômico desta atividade.
Neste artigo, analisaremos a atividade desenvolvida pelas plataformas de streaming, examinando os desafios tributários enfrentados desse serviço, a fim de concluir qual o imposto mais adequado a operação de Streaming.
- METODOLOGIA
A presente pesquisa pretende utilizar o método Hipotético-Dedutivo para atingir os objetivos propostos, utilizando-se do fundamento teórico e referencial dogmático, tais como artigos científicos e livros especializados, a fim de embasar a compreensão do tema e concluir pelo enquadramento tributário mais adequado às plataformas de streaming.
- CONCEITO DE STREAMING E SEU CRESCIMENTO NO BRASIL
O streaming que ganhou força e atraiu o mercado consumidor com os seus conteúdos de fácil acesso por meio de dispositivos digitais fornecendo filmes, séries, músicas e documentários.
Em 1990 uma empresa decidiu fazer a primeira transmissão por streaming, e teve como intermediadora a empresa Progressive Networks utilizando os recursos possíveis da época, outro marco importante foi em 1995 quando um jogo de baseball foi transmitido pela internet em tempo real, gerando grande repercussão nos jornais da época.
No Brasil, o marco ocorreu no dia 14/12/1996 quando o cantor Gustavo Gil teve a sua música transmitida ao vivo, realizando parceria com as empresas Embratel, IBM e jornal Globo. Com o avanço da tecnologia, e as novas formas de consumir filmes, livros e músicas. Em 2007 surgiu a tecnologia streaming por meio da Netflix, que começou operando nos Estados Unidos, Canada e em 2011 chegou ao brasil.
Streaming tem origem na língua inglesa e significa “transmissão”, ou seja, tem o objetivo de transmitir “fluxo de mídia”. Em resumo, a assinatura nas plataformas de streaming, é uma cessão temporária do direito de uso dos conteúdos disponíveis (músicas, filmes, séries etc.) que se finde, quando o usuário cancela a assinatura.
conforme ECHEIMBERG (2020) [1]
A tecnologia streaming permite que um cliente possa visualizar os arquivos vídeo e áudio ainda que estes não tenham sido baixados totalmente do servidor. Assim, o cliente vai visualizando os conteúdos desejados, à maneira com que estes vão sendo sincronizados e sendo armazenados em uma memória temporária, que é denominada como (Buffer).
Se observa que é similar ao download no sentido de que há um carregamento dos arquivos para visualização, no entanto não é necessário aguardar que todo o arquivo seja descarregado para isso, sendo está uma das diferenças cruciais entre o download e o streaming, além do que no streaming os arquivos não são baixados ou descarregados na máquina de acesso do cliente, mas sim na memória do servidor (buffer), que após a visualização é apagada, sem que os ficheiros acessados pelo cliente, permaneçam em sua máquina
.A referida tecnologia é muito utilizada na atualidade, pois existem diversos sites e aplicativos que disponibilizam músicas, filmes e podcasts através de streaming, o que ocorre na medida em que os clientes assinam o contrato com a empresa fornecedora de conteúdos através desta ferramenta (streaming) para que os usuários a utilizem.
Segundo o relator do acórdão objeto do artigo, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva[2], o conceito aplicável é: “Streaming é a tecnologia que permite a transmissão de dados e informações, utilizando a rede de computadores, de modo contínuo. Esse mecanismo caracteriza-se pelo envio de dados por meio de pacotes, sem que o usuário realize
Ou seja, os dados do streaming em tempo real não são por download, fazendo com que essa modalidade não ocupe espaço no computador, tablet ou aparelhos de celular.
Atualmente, existem 3 tipos de streaming, conforme a definição abaixo:
- webcasting: episódios de seriados ou podcast que ficam salvos em um servidor. Desta forma, sempre que você quiser acessar, basta acionar um site ou, então, um aplicativo como das mais conhecidas Netflix, Spotfy, Deezer etc.
- simulcasting: é o chamado streaming ao vivo ou live streaming. A diferença dele para o on demand é que a transmissão de dados acontece ao vivo, ou seja, em tempo real. Um exemplo, são programas de TV transmitidos ao vivo em plataformas digitais.
- Offline streaming: o usuário tem acesso a um catálogo de conteúdo de forma online, podendo assistir offline sem a necessidade de ‘baixar’ o arquivo que deseja ouvir ou assistir, desde que ele esteja em dia com o pagamento do serviço contrato, ou seja, a mensalidade.
A Netflix, trouxe as características do seu objeto social da seguinte forma[3]:
2. Alega a consulente que disponibiliza acesso, através de um mecanismo denominado streaming (tecnologia que permite o envio de informação multimídia através de pacotes, utilizando redes de computadores, sobretudo a internet), para que os clientes brasileiros possam locar e assistir a filmes e séries cujo acervo pertence à consulente.
3. Esclarece que seus clientes fazem uma assinatura no site da consulente e, por uma tarifa mensal, tais assinantes podem assistir de forma imediata e ilimitada, a filmes e séries elencados em seu site eletrônico.
[…]
6.1.1. De acordo com o disposto nos “Termos de Uso”, ************ é um serviço de transmissão online que oferece para seus assinantes acesso a filmes, TV e outros produtos de entretenimento audiovisual, transmitidos pela internet para televisores, computadores e outros aparelhos conectados à internet.
7. À vista de todo o exposto, constata-se que o cliente, ao pagar a tarifa mensal, passa a ter direito a usar o software da ************, que lhe permitirá assistir aos vídeos constantes do acervo da consulente.
A Netflix é a empresa de streaming preferida dos usuários, de acordo com o documento oficial, a empresa enfatiza o uso do software que habilita a transmissão contínua do conteúdo aos seus usuários, por meio do pagamento mensal, permitindo-lhes a visualização dos vídeos disponíveis na plataforma.
Em certos casos, a disponibilização desses conteúdos em algumas plataformas pode ser liberada gratuitamente, fazendo com que a sua rentabilidade seja patrocinada por anúncios publicitários.
O streaming é uma modalidade digital de distribuição de conteúdo, possibilitando a transmissão constante de dados sem a necessidade de transferência permanente ao usuário, operando por meio de um software específico.
O crescente uso do streaming e sua fértil fonte lucrativa, despertou a atenção das autoridades fiscais, gerando a necessidade de uma regulamentação tributária para esse serviço. Com isso, houve a alteração do convenio ICMS 106/2017 (CONFAZ) para aplicação do imposto pelos Estados podendo ser atribuído ao streaming. Por outro lado, houve a edição da lei complementar nº 116/03 para aplicação do ISS pelos Municípios que são autorizados a tributar serviços não abrangidos pelo ICMS.
Essas mudanças abriram espaço para uma guerra fiscal entre Estados e Municípios, especialmente devido às diversas interpretações sobre a natureza desse serviço. Analisar a tributação adequada para o streaming implica considerar tanto o ICMS de responsabilidade do Estado, quando o ISS, de competência dos Municípios.
O ICMS é aplicado a operações de circulação de mercadorias e prestação de serviços de comunicação e o ISS é destinado a tributar serviços específicos. Diante desse conflito de tributação para o streaming, se faz necessário uma análise do critério material de cada imposto para compreender qual é o mais adequado para essa atividade.
A definição da tributação sobre o streaming estabelece segurança jurídica, bem como, uma regulamentação clara e eficaz para essa modalidade de serviço digital.
- IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES RELATIVAS À CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SOBRE PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE INTERESTADUAL, INTERMUNICIPAL E DE COMUNICAÇÃO – ICMS
A Constituição Federal, no artigo 155, inciso II, atribui aos estados competência para instituir o ICMS sobre “operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação”.
Por ser, o imposto mais rentável aos Estados, que possui diversas particularidades e um grau maior de complexidade, iremos analisar brevemente sobre o conceito e o papel do ICMS.
Seu fato gerador engloba diversas bases econômicas e por vezes com fundamento constitucional próprio[4]:
- operações de circulação de mercadorias;
- prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal;
- prestação de serviço de comunicação;
- importação de bens e mercadorias;
- importação de serviço;
Excluindo operações que não envolvem efetiva circulação de mercadorias, como comodato que é um empréstimo de algo que não pode ser substituído por outro da mesma espécie (comodato de imóvel ou veículo) e deve ser devolvido no final ou locação que ocorre por meio do locador que formaliza um contrato, cedendo ao locatário, o uso de um bem móvel ou imóvel, mediante pagamento previamente combinado.
A forma como o ICMS é calculada varia conforme o tipo de operação, quando se trata da circulação de mercadorias, a base de cálculo do imposto é o valor da própria operação de mercadorias. Na prestação de serviços de transporte interestadual, intermunicipal ou de comunicação, a base de cálculo é o preço do serviço prestado. Operações de importação que é a compra de mercadorias ou serviço dos países externos para dentro do Brasil, no caso, o mercado interno, a base de cálculo inclui o valor aduaneiro (valor de transação, o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias em uma venda para exportação para o país de importação), acrescido do imposto de importação, imposto sobre produtos industrializados (IPI), imposto sobre operações de câmbio (IOF) e outras despesas aduaneiras.
O cálculo do ICMS é feito ‘por dentro’ ou conhecido como “cálculo inverso”, ou seja, a base de cálculo do ICMS tem o próprio valor do tributo, assim, o valor do imposto precisa ser embutido no valor da operação. O destaque do imposto na nota fiscal é apenas uma indicação para controle, em outras palavras o ICMS compõe o preço da mercadoria, por isso, o valor informado na nota fiscal não é somado ao valor total da operação.
A Alíquota padrão do ICMS varia entre 17% e 18% nas transações internas, seguindo a determinação de cada estado, podendo haver acréscimos ao Fundo Estadual de Promoção Social e Erradicação da Pobreza de 1% a 2%. Essa taxa extra pode ser aplicada apenas em transações específicas, como os bens considerados de luxo. Nas operações interestaduais, alíquotas de 7%, 12% e 4% são aplicadas, conforme a origem e destino das mercadorias, nacionais ou estrangeiras.
O ICMS é subordinado ao princípio da não cumulatividade, ou seja, os créditos de operações anteriores são utilizados para abater débitos futuros, conforme os registros em notas fiscais e como obrigações acessórias as notas fiscais eletrônicas, Escrituração Fiscal Digital e outras obrigações específicas de cada estado.
Conforme estabelecido em lei 25% do produto de arrecadação do ICMS pertence aos municípios levando em consideração alguns indicadores e 25% do montante transferido pela União aos Estados[5].
O ICMS é um dos principais impostos de arrecadação, com muitos debates acerca da tributação como no caso do Streaming, após a alteração do convenio ICMS 106/2017 pelo qual o Conselho Nacional de Política Fazendária, do Ministério da Fazenda (CONFAZ) estabelece diretrizes para os Estados e o Distritos Federal cobrarem ICMS sobre transações com bens digitais, como softwares, jogos eletrônicos e aplicativos, transferidos eletronicamente.
- ICMS X STREAMING
Vamos iniciar a análise pelos critérios de tributação, trazendo a definição de Operações como negócio jurídico; circulação é a transferência de titularidade, e não apenas a movimentação física; mercadorias são bens objetos de comércio.[6]
Para conretizar fato jurídico do ICMS, não basta a existência de contrato de compra e venda que, ainda que perfeito, não transfere o domínio da mercadoria, nem tampouco é suficiente a circulação de mercadoria se esta não for hábil à transferência do domínio.
Podemos analisar também, o artigo 481 do Código Civil que estabelece:
Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.
No critério material prestação de serviço de comunicação, não se adéqua ao streaming, conforme análise das Leis Complementares n. 87 de 1996, no seu artigo 2º, inciso III, e a Lei n.9.472 de 1997, ambas o conceituam o que seria um serviço de comunicação, trazendo como ideia o ato de transmitir uma mensagem a alguém.
Ocorre quando há presença de dois elementos, um emissor e um receptor, no âmbito do ICMS a prestação de serviço é uma obrigação de fazer resultando em uma prestação onerosa. No caso das empresas de televisão por assinatura, se enquadra em serviço de comunicação, permitindo que o conteúdo das mais diversas emissoras cheguem até o telespectador.
Conforme exposto inicialmente neste artigo, o Conselho Nacional de Políticas Fazendárias editou o convenio ICMS 106/2017, que estabelece cobrança do´presente imposto sobre a comercialização de dados por meio da internet como os softwares, desde que sejam estabelecido o contribuinte, podendo ser o detentor do site ou da plataforma eletrônica de conteúdo, sendo necessário a transferência de titularidade.
Trazendo uma inconstitucionalidade (2022, GRUPENMACHER, Tributação do streaming e serviços over-the-top, p.368) [7] há quem entenda que tal regra esta em conflito com aquela que agregou o subitem 1.09 à lista de serviços LC 116/03, o qual prevê a incidência do ISS sobre disponibilização, sem cessão definitiva de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet.
A prestação de serviço de comunicação de forma constitucional do ICMS, é aquela que se dá sob um contrato oneroso e que envolve transmissor e receptor plenamente identificáveis. [8] Sendo possível concluir que não pode ter incidência de ICMS sobre streaming, visto que essa tecnologia permite a transmissão direta de dados entre as partes.
Os serviços de telecomunicação, para que sejam passiveis de incidência de ICMS, precisa ter transferência onerosa de informações entre as duas pontas de forma definida.
Referente à circulação de mercadorias, precisa ter uma transferência de titularidade entre pessoas jurídicas distintas, sobre a posse da mercadoria por meio da compra e venda.
Conforme entendimento do STF, sobre a inconstitucionalidade do ICMS sobre softwares:
Programa de computador (‘software’): tratamento tributário: distinção necessária. Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de ‘licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador, – matéria exclusiva da lide –, efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo, como a do chamado – software de prateleira – (off the shelf), os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio.” (RE 176.626, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 10-11-1998, Primeira Turma, DJ de 11-12-1998.) Em sentido contrário: ADI 1.945- MC, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 26-5-2010, Plenário, DJE de 14-3-2011.
Em suma ao entendimento, o ICMS era aplicado sobre o licenciamento e direito de uso de softwares disponibilizados por CD´s, caracterizando bem móveis, enquanto o ISS era aplicado a softwares por encomenda para o cliente. Assim, o STF modifica seu entendimento sobre o tema, declarando a inconstitucionalidade da incidência ICMS:
Direito constitucional e tributário. Ação direta de inconstitucionalidade. Incidência de ISS ou ICMS sobre o licenciamento ou cessão do direito de uso de programa de computador. 1. Ação direta em que se discute a validade da incidência do ICMS sobre o licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador. 2. A
Primeira Turma deste Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 176.626, de relatoria do Min. Sepúlveda Pertence (j. em 10.11.1998), declarou a impossibilidade de incidência do ICMS sobre o licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador. Isso porque essa operação tem como objeto o direito de uso de bem incorpóreo insuscetível de ser incluído no conceito de mercadoria. Na mesma ocasião, porém, a Turma reconheceu a constitucionalidade da incidência do ICMS sobre a circulação de cópias ou exemplares de programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo, os chamados softwares “de prateleira” (off the shelf). 3. Posteriormente, analisando de forma específica a legislação do Estado de São Paulo, a Primeira Turma reafirmou essa tese e concluiu que a comercialização e revenda de exemplares do corpus mechanicum da obra intelectual produzida em massa não caracterizam o licenciamento ou cessão do direito de uso da obra. Trata-se de genuínas operações de circulação de mercadorias sujeitas ao ICMS (RE 199.464, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. em 02.03.1999). Este entendimento também foi seguido pela Segunda Turma no RE 285.870-AgR, Rel. Min. Eros Grau, j. em 17.06.2008. 4. A jurisprudência desta Corte, no entanto, recentemente foi modificada, afastando a distinção em função do caráter customizado ou não do programa de computador. 5. O Plenário deste Supremo Tribunal Federal, ao apreciar as ADIs 1.945 e 5.659 (j. em 24.02.2021), entendeu que as operações relativas ao licenciamento ou cessão do direito de uso de software, seja ele padronizado ou elaborado por encomenda, devem sofrer a incidência do ISS, e não do ICMS. Tais operações são mistas ou complexas, já que envolvem um dar e um fazer humano na concepção, desenvolvimento e manutenção dos programas, além “[d]o help desk, disponibilização de manuais, atualizações tecnológicas e outras funcionalidades previstas no contrato”. Nesse contexto, o legislador complementar buscou dirimir o conflito de competência tributária (art. 146, I, da CF), no subitem 1.05 da lista de serviços tributáveis pelo ISS anexa à Lei Complementar nº 116/2003, prevendo o “licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação”. Com isso, nos termos do entendimento atual desta Corte, essas operações não são passíveis de tributação pelo ICMS, independentemente do meio de
disponibilização do programa. 6. Pedido conhecido em parte e, nessa parte, julgado procedente, para dar interpretação conforme a Constituição ao art. 2º da Lei Complementar nº 87/1996 e ao art. 1º da Lei do Estado de São Paulo nº 6.374/1989, de modo a impedir a incidência do ICMS sobre o licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador. 7. Modulação dos efeitos desta decisão, para atribuir eficácia ex nunc, a contar de 03.03.2021, data em que publicada a ata de julgamento das ADIs 1.945 e 5.659, ressalvadas as seguintes situações: a) as ações judiciais já ajuizadas e ainda em curso em 02.03.2021; b) as hipóteses de bitributação relativas a fatos geradores ocorridos até 02.03.2021, nas quais será devida a restituição do ICMS recolhido,respeitado o prazo prescricional, independentemente da propositura de ação judicial até aquela data; c) as hipóteses relativas a fatos geradores ocorridos até 02.03.2021 em que não houve o recolhimento do ISS ou do ICMS, nas quais será devido o pagamento do imposto municipal, respeitados os prazos decadencial e prescricional.
Conforme entendimento do STF, se aplica aos softwares o ISS, pelo fato destes demandarem atualizações constantes, de acordo com o contrato, por meio de uma prestação de serviço.
Quanto ao ICMS, a sua não incidência por meio do streaming se deve ao fato, de não ter relação de comunicação entre a empresa que disponibiliza o conteúdo e o assinante do contrato, além das características do porquê o streaming não se enquadra a incidência de ICMS, conforme Lei Complementar nº157/2016, que caracteriza como serviço o item 1.09:
Disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdo de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos (exceto a distribuição de conteúdo pelas prestadoras de Serviço de Acesso Condicionado, de que trata a Lei no 12.485, de 12 de setembro de 2011, sujeita ao ICMS.
No streaming não existe uma cessão definitiva, uma vez que a cessão se encerra com o término do contrato, conforme exposto inicialmente o exemplo do contrato da Netflix, os dados são de domínio da empresa, sem a transferência para o usuário, inclusive alteração nos conteúdos disponíveis (saída de um filme ou série da plataforma ou lançamentos de conteúdos) sem anuência do assinante.
- IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA
O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) é um tributo municipal que incide sobre serviços listado na Lei Complementar nº 116/2003[9], representando uma importante fonte de receita para os municípios.
O fato gerador desse imposto é a prestação de serviços que vai desde a área da saúde até cabelereiros, exceto nos serviços de comunicação e transporte por estados que é tributável de ICMS, conforme descrevemos anteriormente.
A base de cálculo do ISS é o valor do serviço prestado, embora existam exceções previstas em lei, como na manutenção de equipamentos, não incidem sobre o valor dos materiais, que são tributáveis pelo ICMS.
A legislação permite aos municípios determinar alíquotas do ISS, variando entre 2% e 5%, não podendo ser inferior a 2% para garantir um patamar mínimo de tributação.
Os prestadores de serviços têm obrigações acessórias federais, incluindo o recolhimento do ISS, que é obrigado a proceder, junto à Secretaria Municipal de Fazenda (SEMFA), a Declaração de Movimento Econômico, a Declaração de Serviços Prestados e a Declaração de Serviços Tomados.
O contribuinte direto do ISS é o prestador de serviço, mas a legislação municipal pode atribuir responsabilidade tributária a outras partes envolvidas no fato gerador que deu a origem a obrigação de pagar o tributo.
A seguir, vamos analisar o ISS envolvendo o streaming conforme a edição da lei complementar nº 116/03.
- ISS X STREAMING
A constituição Federal, no artigo 156, inciso III, confere aos Municípios competência para instituir ISS sobre obrigações de fazer, exceto serviços de transporte interestadual, intermunicipal, os de comunicação e as obrigações de dar que estão incertos nas competências dos Estados e que estejam definidos em lei complementar:[10]
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
- III — serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional no 3, de 1993)
Com isso conforme mencionado no decorrer do presente artigo, foi editada a lei complementar nº 116/03[11]:
Art. 1o O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.
A Lei Complementar, determinou a incidência do ISS, a uma série de atividades que não seguem ao conceito estabelecido de forma constitucional a prestação de serviços.
Aires Fernandino Barreto (2022.p. 354)[12], por exemplo, define como prestação de esforço humano a terceiros, com conteúdo econômico, em caráter negocial, sob regime de direito privado, tendente à obtenção de um bem material ou imaterial, ou seja, é uma prestação em favor de um terceiro e regida pelo Direito Privado.
O ISS incide sobre obrigação de fazer, considerando o esforço humano, físico ou intelectual em benefício de terceiros, conforme mencionado anteriormente. Porém, a definição de “serviços de qualquer natureza” na Constituição Federal de 1988 apresenta lacunas, demandando esclarecimento por meio de legislação complementar.
Nesse contexto, a definição adotada pela jurisprudência pode divergir da Lei Complementar nº 116, de 2003.
Conforme VALADÃO e BUENO (2016, p. 238):
O conceito de serviço adotado pela jurisprudência não coincide com aquele adotado pela Lei Complementar no 116, de 2003, a qual estabelece uma série de situações em que não se configura uma obrigação de fazer. A jurisprudência e grande parte da doutrina entende que o serviço a que se refere a Constituição é o serviço definido no Direito Privado, sendo, portanto, obrigação de fazer. […]
Como mencionado anteriormente, a Lei Complementar nº 157/2016, expandiu os serviços sujeitos ao ISS, incluindo no seu rol a disponibilização de conteúdo de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet. Portanto, serviços de streaming se enquadram nessa definição, estando sujeitos à incidência de ISS.
No entanto, existem controvérsias na doutrina que questionam esse enquadramento, argumentando que a definição de serviço se baseia no esforço humano, físico ou intelectual que o prestador realiza a favor de terceiros, como mencionado no capítulo anterior.
Conforme o conceito exposto pela doutrina, pressupõem uma ausência da obrigação de fazer no streaming, pois não envolve um esforço humano direto em favor de terceiros. O streaming se resume em conceder acesso para seus assinantes a dados armazenados em servidores privados, o que caracteriza mais como uma licença para o direito de uso. Nesse contexto, o usuário não detém direitos de propriedade sobre o conteúdo, apenas usufrui dele.[13]
6.1.1. De acordo com o disposto nos “Termos de Uso”, ************ é um serviço de transmissão online que oferece para seus assinantes acesso a filmes, TV e outros produtos de entretenimento audiovisual, transmitidos pela internet para televisores, computadores e outros aparelhos conectados à internet.
7. À vista de todo o exposto, constata-se que o cliente, ao pagar a tarifa mensal, passa a ter direito a usar o software da ************, que lhe permitirá assistir aos vídeos constantes do acervo da consulente.
Referente a temática, o STF já se manifestou ADIS 1.945/MT:
Como se vê, nessas considerações fica clara a existência de serviço prestado no modelo denominado Software-as-a-Service (SaaS ) , o qual se caracteriza pelo fato de que o consumidor acessa aplicativos disponibilizados pelo fornecedor diretamente na rede mundial de computadores, ou seja, o aplicativo utilizado pelo consumidor não é armazenado no disco rígido do computador do usuário, permanecendo online, em tempo integral, daí por que se diz que o aplicativo está localizado na nuvem, circunstância atrativa da incidência do ISS.
Perceba-se, além do mais, que as empresas como as citadas têm de manter, gerenciar, monitorar, disponibilizar etc. recursos físicos ou mesmo digitais que viabilizam tal modelo de computação.
Todas essas ações necessitam, em boa medida, de esforço humano, notadamente de profissionais que detêm conhecimento especial sobre computação. Não se diga que se tem aqui ‘serviços prestados a si mesmo’.
A situação não se equipara ao clássico exemplo do barbeiro que corta sua própria barba. Com efeito, as mencionadas ações/serviços se voltam, ao cabo, aos usuários da computação em nuvem, sujeitos que não se confundem com aquelas empresas. Não há dúvida, assim, de que existe, nesse modelo de computação, obrigações de fazer em favor do usuário.
Note-se que, mesmo na hipótese de a computação em nuvem envolver um software padronizado, ainda há os citados serviços prestados em favor do usuário, de modo a atrair a incidência do ISS sobre eles. Pode-se visualizar aqui, também, a existência de operação complexa, de modo análogo às situações mencionadas nos itens anteriores deste voto. Por fim, esclareço que minha análise no presente caso se restringe ao fornecimento de programas de computador mediante contrato de licenciamento ou cessão de direito de uso, como previsto no subitem 1.05 do Anexo à Lei Complementar nº 116/03.
ADIS 1.945/MT, Relator(a): MIN. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2021.
ADI 5659 / MG:
o requerente aponta instituída, sem previsão em lei complementar federal ou ordinária estadual, situação autorizadora do imposto alcançando operações com software, já tributadas pelo Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS, nos termos da Lei Complementar nº 116/2003. Toma o bem como abstrato, intangível, incorpóreo, com natureza de direito autoral ou propriedade intelectual, não de mercadoria. Afirma não haver circulação na operação, tendo em vista que a aquisição, ante disponibilização eletrônica de dados via download ou streaming, não revela compra e venda, mas licenciamento ou cessão de uso.
O desfecho da controvérsia pressupõe seja delimitada a abrangência dos vocábulos “mercadoria” e “serviço”, observados os parâmetros atinentes ao campo de incidência de tributo, na forma dos artigos 155, inciso II, e 156, inciso III, da Constituição Federal.
É preciso considerar o Direito como ciência, possuindo princípios, institutos, expressões, vocábulos com sentido próprio. Na pureza da linguagem está o entendimento. E a segurança jurídica vem do apego a uma técnica maior.
A matéria envolvendo o cabimento de um ou outro tributo não é nova. Quando da análise do recurso extraordinário nº 651.703, também sob o regime da repercussão maior – Tema nº 581 –, relator ministro Luiz Fux, com acórdão veiculado no Diário da Justiça do dia 26 de abril de 2017, a corrente majoritária formou-se no sentido da possibilidade de imposição do ISS considerada a atividade de administração de planos de saúde, constante dos itens 4.22 e 4.23 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003.
O Relator teve como desvinculados o conceito de serviços e o instituto da obrigação de fazer, argumentando não ser a classificação civilista derivada do Direito das Obrigações – dar, fazer e não fazer – a mais adequada ao enquadramento dos produtos e serviços resultantes da atividade econômica, para efeito de aplicação no Direito Tributário. Propôs a superação da jurisprudência do Tribunal a fim de concluir-se que a legislação complementar de regência referida no artigo 156, inciso III, da Constituição Federal, ao arrolar os serviços de qualquer natureza a serem tributados pelo ISS, incluiu, na categoria serviços, aqueles não reveladores da natureza de outro tipo de atividade, objetivando a incidência do imposto, por força de lei, sob o fundamento de que, se assim não fosse, permaneceriam sem tributação.
A análise dos casos estabelece uma limitação ao fornecimento de programas de computador mediante contrato de licenciamento ou cessão de direito de uso, conforme estipulado no subitem 1.05 do anexo à Lei Complementar nº 116/2003 validada pelo STF.
Uma decisão relevante foi proferida no RE nº784.439/DF, estabelecendo que a lista de serviços sujeitos ao ISS é taxativa. Contudo, admite-se a incidência do tributo sobre atividade ligadas a serviços listadas em lei em razão da interpretação extensiva. Este entendimento leva a considerar como serviço atividades mistas que não se enquadra em outra categoria, reforçando a visão tributária e constitucional do streaming conforme o subitem 1.05 da lista de serviços tributáveis pelo ISS, anexa à LC nº 116 de 2003.
Essa abordagem visa reduzir os conflitos de competência na busca da tributação adequada, até o momento centrado no ISS partindo da premissa de incidência sobre o licenciamento ou cessão de uso, destacando a movimentação nos tribunais superiores para julgar essa temática.
- CONCLUSÃO
A análise realizada neste artigo abordou a tributação das plataformas de streaming, que consiste em um fluxo de dados que permite o acesso ao usuário com conteúdos digitais instantaneamente como por exemplo a Netflix.
Por ser uma atividade econômica de grande rentabilidade outros setores deixam de arrecadar da mesma forma como arrecadavam antes, são diminuídas as vendas de mídias físicas. fazendo surgir o interesse do Estado e Município em tributar essa nova atividade.
Ao analisar os critérios de incidência tributária, evidenciou-se que o ICMS não se alinha adequadamente com o streaming, dada a ausência de transferência de titularidade e comunicação direta entre empresa e assinante.
Neste contexto, o ISS surge como uma alternativa viável e constitucional, prevista na Lei Complementar nº 116/03, trazendo a interpretação de serviço como um oferecimento de utilidade a partir de conjunto de atividades materiais ou imateriais, prestadas com habitualidade e intuito de lucro, podendo estar conjugada ou não com a entrega de bens ao tomador.
Respaldado por jurisprudências, como ADI 5659 / MG que estabelece uma limitação ao fornecimento de programas de computador mediante contrato de licenciamento ou cessão de direito de uso e a RE nº784.439/DF, o tribunal fixou a tese estabelecendo que a lista de serviços sujeitos ao ISS é taxativa.
Contudo, admite-se a incidência do tributo sobre atividade ligadas a serviços listadas em lei em razão da interpretação extensiva. Este entendimento leva a considerar como serviço atividades mistas que não se enquadra em outra categoria, reforçando a visão tributária e constitucional do streaming conforme o subitem 1.05 da lista de serviços tributáveis pelo ISS, anexa à LC nº 116 de 2003.
Conclui-se, portanto, que o enquadramento tributário mais apropriado atualmente é o ISS, porém, ressalta-se a necessidade de estabelecer regras claras e efetivas. Essa clareza regulatória é essencial para garantir a tributação apropriada do streaming, bem como o recolhimento adequado nos municípios onde os serviços são consumidos, promovendo uma aplicação justa e eficiente das normativas tributárias no cenário das diversas plataformas de streaming.
REFERÊNCIAS
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Marcelo Fonseca Santos[1] – 1] Mestrando em Direito Político e Econômico na Universidade Presbiteriana MACKENZIE de São Paulo, Especialista em Direito Empresarial pela FGV/SP, advogado Advogado de Direito Digital e Tecnologia, Vice Presidente da Associação Nacional das Advogadas e Advogados de Direito Digital – ANADD, Diretor da International Association of Artificial Intelligence– I2AI, Presidente da Comissão de Direito Digital da OAB/SP – Lapa, Professor da LEGALE – Pós Graduação de Lei Geral de Proteção de Dados, Professor de Direito Tributário das Faculdades Integradas Campos Salles, Membro das Comissões de Tecnologia e Inovação, de Compliance e de Privacidade, Proteção de Dados e Inteligência Artificial da OAB/SP
Karine Lima de Oliveira[2] – Acadêmica de Direito na Faculdades Integradas Campos Salles em São Paulo/SP. .