REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8250498
Jorge Artur Villaça Vallejo Brandão1
Murillo José de Abreu Acerbi1
Claudio Melo Jacques2
João Luiz Sandri3
Nelio Artur de Paula Brandão3
Vanessa Pontes Nofal4
Resumo: Pacientes com aneurismas acometendo o arco aórtico e aorta torácica descendente formam um desafio do qual trata este nosso registro. As possibilidades e a decisão de tratamento dependem da reserva vital do paciente e da experiência da equipe cirúrgica, qual seja em operação híbrida (OH) ou Reparo cirúrgico aberto (RCA). Aqui foram acrescentados outros ingredientes, como a localização da lesão e a anatomia da paciente, fato este decisivo para optarmos pela OH.
Introdução: O aneurisma da aorta torácica (AAT) consiste no alargamento ou dilatação de segmento da aorta no tórax. Dela saem ramos para órgãos vitais, por exemplo o cérebro e o coração. A proximidade dela com esses órgãos podem causar danos cardiovascular, cerebral, renal e pulmonar (1 e 2). A incidência da doença ocorre entre 5,5 a 10%/100.000 pacientes/ano (3) e os fatores de risco são diversos. A etiologia dos aneurismas degenerativos/ateroscleróticos não está bem definida. Idade avançada, tabagismo, hipertensão arterial e doença pulmonar crônica são fatores que levam a desordem dos tecidos conectivos, comprometendo a camada média/elástica da aorta. Doença de Takayasu, arterite de células gigantes, polimialgia reumática, arterite temporal, alterações genéticas (Ehlers-Danlos ou Marfan), doença policística renal, síndrome de Turner, doença familiar aneurismática torácica e síndrome de Loeys-Dietz podem gerar padrão familiar para doença aneurismática. Os sintomas são tardios, muitos têm evolução silenciosa e as manifestações clínicas dependem da localização e tamanho do aneurisma, sendo as mais comuns: dor torácica, dor cervical, dispneia, rouquidão, tosse e hemoptise. Apresentação do caso: Mulher de 75 anos, veio transferida da unidade de pronto atendimento devido à queda do estado geral, adinamia e baixa saturação de O2. Tabagista, portadora de hipertensão arterial, doença pulmonar obstrutiva crônica. Angiotomografia de tórax e abdome identificou existência de aneurismas segmentares comprometendo desde arco aórtico (úlcera de parede), aorta descendente, aorta abdominal supra e infrar-renal; toracoabdominal (Figura 1). configurava uma anatomia tipo III para os ramos do arco aórtico, o que expressaria dificuldade no acesso cirúrgico ou endovascular para tronco supra-aórtico. Fato é que a partir desta constatação passou a apresentar desconforto precordial e dor irradiando do epigástrio para região dorsal. Afastada doença coronariana/eco stress negativo. Técnica cirúrgica: Conhecemos pela literatura médica o grau de morbimortalidade e complicações advindas da cirurgia convencional no território aórtico, em maior ênfase para o arco aórtico. A Idade avançada, Hipotermia, parada circulatória com circulação extracorpórea elevam a taxa de risco. As complicações mais temidas são: Acidente vascular cerebral, paraplegia, infarto miocárdio e insuficiência renal (4). A preservação da carótida comum e subclávia esquerda estava comprometida pela presença e proximidade com pequena ulceração de parede em arco aórtico e a dilatação aneurismática maior envolvia aorta torácica descendente e encontrava em franca expansão, demonstrando um aspecto sacular. Para preservar o fluxo arterial no hemisfério cerebral esquerdo e membro superior esquerdo, utilizamos pontes carótida-carótida e carótida-subclávia esquerda conforme técnica descrita por Buth e colaboradores (5).
Figura 1: Imagens de tomografia computadorizada contrastada pré-operatória. A: Aneurisma do arco aórtico em incidência sagital. B: Aneurisma da aorta torácica descendente em incidência coronal. C: aneurisma da aorta descendente em incidência transversal.
Face ao exposto na tomografia e ao quadro clínico da paciente, decidiu-se por uma correção híbrida (OH) deste segmento torácico (6). O tratamento ocorreu em dois tempos. Na primeira fase foram feitas as revascularizações extra anatômicas carótido-carotídea com passagem do enxerto de dacron reto 6mm via retroesofágica (fig. 2) e carótida comum esquerda-subclávia esquerda com acesso supraclavicular (7). Paciente evoluiu bem, sem déficit neurológico.
Figura 2: Cirurgia para revascularização extra anatômica. A: acesso às artérias carótida comum direita, carótida comum esquerda e subclávia esquerda. B: Derivação carótida comum direita – carótida comum esquerda. C: Derivação carótida comum esquerda – subclávia esquerda.
Após 7 dias, foi conduzida à sala de hemodinâmica para o segundo tempo do tratamento. Utilizamos técnica TEVAR (Reparo endovascular da aorta torácica), acesso cirúrgico femoral e anestesia geral. No momento que antecedeu a liberação da endoprótese aórtica, foi infundido adenosina por via endovenosa, com pausa de batimento/pressão arterial, com liberação simultânea da endoprótese (modelo: 42×190 mm/BRAILE) a partir do ponto entre a região do tronco braquiocefálico e saída da carótida comum esquerda (zona 1. Conforme descrição de Ishimaru e Mitchell a respeito de zonas de ancoragem de endopróteses para correção do aneurisma torácico. (fig 3). Controle imediato, selando ambas as lesões torácicas. Ausência de endoleak.
Figura 3: A e B: Procedimento de liberação da endoprótese na correção de aneurisma aórtico. Ancorada na zona 2, com consequente oclusão do óstio das artérias carótida comum esquerda e subclávia esquerda . C: Classificação de Ishimaru e Mitchell para zonas de ancoragem da aorta torácica.
Figura 4: A, B e C: Tomografia computadorizada contrastada de controle pós-operatório demonstrando correção dos aneurismas após colocação de endoprótese – incidências sagital (A), coronal (B) e axial(C).
Discussão: A técnica para tratamento de aneurismas através do emprego de endopróteses, dispositivo estes, composto de dacron ou de politetrafluoretileno tubular sustentados e expandidos por anéis (stents) de nitinol, deve-se ao pioneirismo do doutor Parodi em 1990, quando corrigiu um aneurisma da aorta abdominal, aplicando com sucesso uma endoprótese desenvolvida por ele e seus colaboradores na Argentina. Com o avanço da medicina, houve a evolução para o território da aorta torácica através de novos modelos e substitutos arteriais endovasculares com correção dos aneurismas mais complexos, dessa forma menos invasiva no território da aorta torácica. Assim o cirurgião cardiovascular passou a ter três opções técnicas: 1- No tratamento de aneurisma torácico/abdominal por apenas via exclusivamente endovascular (TEVAR E EVAR), 2- No tratamento de aneurisma torácico/abdominal por via endovascular e aberta combinada, operação híbrida (OH) e 3- A Convencional cirurgia aberta onde empregamos a esternotomia ou a toracotomia combinada à laparotomia nos aneurismas torácicos e abdominais (aneurismas toracoabdominais). Portanto, as patologias que afetam estes segmentos da aorta, sejam elas aneurismas verdadeiros, dissecções, úlceras ou processos degenerativos parietais; todas são passíveis do emprego de próteses endovasculares.
Conclusão: Vantagens da operação híbrida: Indivíduos idosos, com doenças cardio respiratória graves se beneficiam e reduzem chances de complicações, pois esta técnica evita grandes exposições de vísceras com pequenas incisões. Além disso, esse tipo de operação diminui enormemente as perdas de sangue, o tempo anestésico e o risco de isquemia medular (7 e 8) e de insuficiência renal (em virtude do não clampeamento da aorta). Muito embora a abordagem dos ramos da aorta e a liberação da endoprótese no leito aórtico possam ser em um só tempo, devido ao risco de ruptura entre uma cirurgia e outra, para nossa paciente, portadora de doença pulmonar obstrutiva crônica, essa técnica em dois tempos brilhou como esperança. Agora ela segue em acompanhamento periódico, realizando tomografia e ecodoppler de controle, devido a riscos de endoleak na aorta e estenose futura nos ramos cervicais. Portanto, concluímos, com esse relato, que devemos indicar o método cirúrgico adequado, observando as condições clínicas do paciente e a expertise técnica da equipe cirúrgica.
REFERÊNCIAS
1. Ali Sadeghpour Tabaei, Amirhosein Jalali, Sanaz Asadian, Omid Shafe, Sepehr Sadeghpour Tabaei, and Yaser Toloueitabar. Hybrid management of thoracic aortic aneurysm in a patient with massive hemoptysis: A case report Int J Surg Case Rep 2020; 77: 595-598
2. Roy K. Greenberg and Lars G. Svensson. Aortic Arch Aneurysms and Dissection. Rutherford’s Vascular Surgery 7th Edition 2010;chapter 134:2075-2089
3. Melissano G. Civilini E, Bertoglio L, Calliari F, Setacci F, Calori G, Chiesa R. Results of endografting of the aortic arch in different landing zones. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2007;33:561-566. Large series of thoracic endovascular aneurysm repair implants at various levels of the aortic arch; it details the nature of the debranching procedures needed at the various levels of proximal sealing.]
4. Svensson LG, Blackstone EH, Apperson-Hansen C, Ruggieri PM, Ainkaran P, Naugle RI, Lima B, Roselli EE, Cooper M, Somogyi D, Tuzcu EM, Kapadia S, Clair DG, Sabik JF 3rd, Lytle BW. Implications from neurologic assessment of brain protection for total arch replacement from a randomized trial. J Thorac Cardiovasc Surg. 2015 Nov;150(5):1140-7.e11. doi: 10.1016/j.jtcvs.2015.07.054. Epub 2015 Jul 26. PMID: 26409997.
5. Parodi JC, Palmaz JC, Barone HD. Transfemoral intraluminal graft implantation for abdominal aortic aneurysms. Ann Vasc Surg. 1991 Nov;5(6):491-9. doi: 10.1007/BF02015271. PMID: 1837729.
6. Dake MD, Miller DC, Semba CP, Mitchell RS, Walker PJ, Liddell RP. Transluminal placement of endovascular stent-grafts for the treatment of descending thoracic aortic aneurysms. N Engl J Med. 1994 Dec 29;331(26):1729-34. doi: 10.1056/NEJM199412293312601. PMID: 7984192.
7. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2018;28(1):66-70
8. Safi HJ, Estrera AL, Miller CC, Huynh TT, Porat EE, Azizzadeh A, Meada R, Goodrick JS. Evolution of risk for neurologic deficit after descending and thoracoabdominal aortic repair. Ann Thorac Surg. 2005 Dec;80(6):2173-9; discussion 2179. doi: 10.1016/j.athoracsur.2005.05.060. PMID: 16305866.
1Acadêmico de Medicina Universidade Vila Velha (UVV), Vila Velha-ES, Brasil.
2Coordenador do serviço de cirurgia vascular do Hospital Estadual Central (Vitória, ES).
3Médico assistente do serviço de cirurgia vascular do Hospital Estadual Central. (Vitória, ES)
4Médica estagiária do serviço de cirurgia vascular do Hospital Estadual Central.