TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO DE PNEUMONIA EM PACIENTE COM SÍNDROME DE WILSON (SW). RELATO DE UM CASO

Gleisson Ribeiro Dutra*, Luciano Moreira Rocha** e Marcelo Henrique Oliveira Ferreira***
Resumo
A síndrome de Wilson (SW) é uma doença cromossômica genética onde existe um defeito no metabolismo no cobre. Caracteriza-se por ter uma herança autossômica recessiva, sendo que o gene envolvido é o ATP7B, situado no braço longo do cromossomo 13. O presente estudo relata o caso de um paciente do gênero feminino de 42 anos de idade com diagnóstico de SW, hospitalizada com dispnéia intensa, cefaléia, obstrução intestinal e febre. Os primeiros exames constataram ainda uma pneumonia bilateral com infiltrados e condensados em bases pulmonares. Paciente foi internada, mantida em observação com o tratamento farmacológico baseado em quelantes, sais de zinco e fisioterapia respiratória. A avaliação fisioterapêutica inicial constatou que a paciente apresentava rigidez torácica, anormalidades motoras, incluindo distonia, hipertonia, rigidez, tremores, disartria e dispnéia aos mínimos esforços. Sendo assim, iniciado o tratamento com fisioterapia respiratória e motora. Paciente permaneceu oito dias internada sendo feito 17 intervenções fisioterapêuticas. Conclusão: a fisioterapia mostrou-se muito eficaz no auxílio do tratamento da pneumonia em pacientes com SW com melhora no padrão e na ausculta respiratória bem como melhora na mobilidade torácica e expansibilidade pulmonar.
Introdução
A SW foi descrita pela primeira vez por Kinnear Wilson em 19121. Aproximadamente 1 em 30.000 indivíduos são homozigotos para essa doença, sendo que os heterozigotos não desenvolvem a doença e não precisam ser tratados. O gene ATP7B está contido em uma área do DNA de aproximadamente 80 kb, contém 22 exons transcritos em um RNA mensageiro de aproximadamente 7,8 kb que tem alta expressão no fígado. Existem diversos tipos de mutações nesse gene que podem causar a SW2.
Quando a capacidade de acúmulo de cobre no fígado é excedida ou quando há dano hepatocelular, há a liberação de cobre na circulação e o nível de cobre sérico não ligado à ceruloplasmina torna-se elevado. Este cobre circulante deposita-se em tecidos extra-hepáticos, sendo que um dos principais locais para a sua deposição é cérebro, causando dano neuronal e sendo a responsável pelas manifestações neurológicas e psiquiátricas da SW2,3.
As manifestações clínicas da SW se devem, principalmente, ao acometimento hepático e do sistema nervoso central2, podem, em alguns casos, ser a forma de apresentação da doença. Alguns casos os pacientes podem ter tremor ou descoordenação motora, como para escrever a mão, dificuldades no caminhar, descoordenação no balanço, enrijecimento ou rigidez (distonia), reflexos anormais, discurso anormal, dificuldade para engolir, reações oculares anormais (incomuns), anomalias psiquiátricas numa gama que vai desde depressão, psicose e comportamento anti-social que resulta em confinamento ou aprisionamento, anemia hemolítica, doença do fígado ou anomalias na função hepática, sintomas semelhantes aos do parkinsonismo2,3.
A doença de Wilson deve ser especialmente considerada em pacientes jovens com sintomas extra-piramidais, em pacientes com doença psiquiátrica atípica, naqueles com hemólise inexplicada ou manifestações de doença hepática sem outra causa aparente2. O diagnóstico se faz pela soma dos achados clínicos e laboratoriais. São indicativos da doença, Anomalias motoras que não tenham uma explicação clara e inequívoca num diagnóstico em particular, devem conduzir o neurologista a considerar a Doença de Wilson. As anomalias neurológicas são quase sempre perturbações motoras, e não sensoriais. As opções para o tratamento são farmacológicas e o transplante hepático. Também se deve seguir dieta com baixa quantidade de cobre, principalmente nas fases iniciais da doença. Os alimentos com quantidade mais elevada de cobre são os frutos do mar, chocolate, amêndoas, café, feijão, fígado, cogumelos e soja3. Contudo, a dieta isoladamente nunca é suficiente para o tratamento4.
O transplante deve ser reservado para pacientes com doença hepática terminal ou fulminante4.
O tratamento farmacológico é baseado em quelantes e sais de zinco (agem diminuindo a absorção intestinal de cobre). Os quelantes são a Penicilamina5, o BAL ( pode apresentar efeitos adversos) , a Trientina5,6e o Tetratiomolibdato (ainda não foi incorporado na prática clínica). Agem removendo e detoxificando o cobre intra e extracelular, sendo o que a maior experiência de uso é com a Penicilamina5.
Normalmente o tratamento é iniciado com os quelantes. que são usados, associados ou não aos sais de zinco, na remoção do excesso de cobre depositado e os benefícios esperados com o tratamento da síndrome de Wilson são aumento da expectativa de vida e diminuição da sintomatologia com melhora na qualidade de vida5,7.
Relato do caso
Este estudo relata o caso de um paciente do gênero feminino, com idade 42 anos, com diagnóstico de SW, hospitalizada com dispnéia intensa, cefaléia, obstrução intestinal e febre. Paciente foi internada, mantida em observação com o tratamento farmacológico baseado em quelantes, sais de zinco e fisioterapia respiratória. A avaliação fisioterapêutica inicial constatou que a paciente apresentava rigidez torácica, anormalidades motoras, incluindo distonia, hipertonia, rigidez, tremores, disartria e dispnéia aos mínimos esforços. A radiografia torácica indicou infiltrados e condensados em bases pulmonares. A história pregressa da paciente consta de outras internações e que o diagnóstico de SW foi há 35 anos, portanto aos 7 anos de idade, que a mesma até então não apresentava nenhum sintoma característico da síndrome. A paciente apresentou dispnéia severa em casa, cianose de extremidades, afasia, porém sem rebaixamento do nível de consciência. Os primeiros exames constataram uma pneumonia bilateral. A paciente permaneceu internada por 8 dias e foram feitas 17 sessões de fisioterapia.
1º dia: Avaliação fisioterapêutica, paciente no leito, pouca resposta aos comandos verbais, resposta aos estímulos de dor e tátil, escala de glasgow 11, rigidez torácica e rigidez em membros superiores com padrão flexor, fazendo uso de oxigenioterapia com cateter nasal tipo óculos com fluxo de 3 litros.
2ª sessão: Devido ao padrão flexor dos membros superiores e inferiores, todas as sessões eram iniciadas com massagem transversa e relaxamento das articulações de ombro, cotovelo e punho nos membros superiores, quadril, joelho e tornozelo em membros inferiores. Apões estas manobras o posicionamento da paciente era feito no leito de maneira que o tórax permanecesse livre para as manobras de fisioterapia respiratória. Inicialmente foram feitos exercícios de mobilização torácica, bem como reexpansão pulmonar e vibro-estimulação.
3ª sessão: Mantido a conduta de massagem transversa e relaxamento de MMSS e MMII, manobras de pressões expiratórias torácicas lentas em hemitórax direito e esquerdo, mobilização torácica, vibro-estimulação, reexpansão pulmonar, vibro-percurssão e compressão com descompressão.
6ª sessão: Paciente mantendo-se estável, sem mobilidade no leito, mudanças de decúbito sendo feitas e monitoradas pela equipe de enfermagem do hospital, mantida a conduta de fisioterapia respiratória.
8ª sessão: 4º dia: Realizado exame clínico (hemitórax direito apresentando murmúrio vesicular diminuído, macicez à percussão e diminuição da expansibilidade de caixa torácica) e radiograma torácico (velamento parcial de pulmão direito, com desvio de estruturas mediastinais à direita) que comprovaram a atelectasia em base do pulmão direito. Realizado direcionamento de fluxo com pressão no pulmão esquerdo favorecendo o fluxo para o pulmão direito, técnica de expiração forçada e inspiração forçada, com estimulação tátil e vibro-compressão.
11ª sessão: Mantido a conduta de massagem transversa e relaxamento de MMSS e MMII, mobilização torácica, vibro-estimulação, reexpansão pulmonar, vibro-percurssão e compressão com descompressão.
14ª sessão: Paciente mantendo-se estável, melhora na ausculta pulmonar com murmúrio vesicular presente e com roncos ocasionais em hemitórax direito. Melhora na expansibilidade pulmonar e torácica. Mantida a conduta fisioterapêutica com exercícios respiratórios e mobilização torácica.
17ª sessão: 8º dia de internação: Paciente apresentando melhora na ausculta pulmonar e no padrão respiratório, radiografia de tórax com hipotransparência, sem desvio de estruturas mediastinais e sem velamento.
Discussão
A fisioterapia respiratória mostra-se muito eficaz no tratamento de pacientes com diagnóstico de Pneumonia. Na maioria dos casos, a morte por pneumonia ocorre por uma antibioticoterapia inadequada. Portanto, a escolha do antibiótico correto se torna uma estratégia importante na redução da mortalidade desses pacientes. Para realizar uma antibioticoterapia adequada deve-se considerar vários fatores além de uma simples combinação de antibióticos com as bactérias, é preciso administrar o medicamento certo na dose certa, prevenindo a ocorrência de patógenos multirresistentes, que está relacionada à dois fatores importantes, o uso prévio da antibióticos e a duração do tratamento. É importante usar a terapia empírica adequada o mais rápido possível, e é necessário o conhecimento de quais patógenos estão presentes prevenindo a infecção hospitalar, assim como sua sensibilidade, evitando-se o uso excessivo de antibióticos8.
A seleção de intervenções para um programa de prevenção da pneumonia depende da avaliação dos pacientes, dos recursos disponíveis e da habilidade da equipe de saúde de agir em concordância com o programa, para prevenir a ocorrência de colonização do trato aerodigestivo e a aspiração de secreções contaminadas para as vias aéreas inferiores9,10.
A manutenção das vias aéreas (VA) pérveas e protegidas é fundamental para manter uma oxigenação e ventilação adequadas. Deve-se levar em conta, que a VA também deve ser protegida com intuito de evitar broncoaspirações que poderão ocasionar infecção respiratória. Um outro fator importante a ser considerado é a língua ou relaxamento da mandíbula que determina uma limitação ao processo ventilatório levando a piora da oxigenação e retenção de CO29,10.
A fisioterapia é de grande importância por estar condicionando a musculatura respiratória para que esta consiga realizar suas funções sem o uso do ventilador mecânico invasivo, procurando manter uma boa expansibilidade pulmonar, bem como, uma boa mobilidade torácica, mantendo um padrão respiratório satisfatório11.
Não foram encontrados trabalhos publicados de tratamento fisioterapêutico de pneumonia em pacientes com Síndrome de Wilson (SW). Devido ao padrão flexor dos membros, da imobilidade no leito e a dificuldade na interpretação de comandos, estes pacientes são difíceis de ter uma resposta imediata ao tratamento, sendo necessário mais intervenções fisioterapêuticas diárias, que terão sua necessidade avaliadas pelo fisioterapeuta.
Conclusão
A fisioterapia respiratória mostrou-se eficaz no tratamento de pneumonia em pacientes com SW, com melhora dos achados clínicos, melhora no padrão respiratório e auxiliando no tratamento da doença juntamente com o tratamento farmacológico prescrito pela equipe médica, mostrando que a interdisciplinaridade pode ajudar a pacientes com síndromes cromossômicas bem como suas conseqüências.
Referências
1. Wilson SAK. Progressive lenticular degeneration: a familial nervous disease associated with cirrhosis of the liver. Brain 1912;34:295.
2. Schilsky ML, Tavill AS. Wilson´s Disease. In: Schiff ER, Sorrel MF, Maddrey WC. Schiff´s Disease of the Liver. 8ª ed. Philadelphia: Lippincott Williams e Wilkins;1998. pp. 1091-1106.
3. Cox DW, Roberts EA. Wilson´s Disease. In: Feldman M, Scharschmidt BF, Sleisenger MH. Sleisenger e Fordtrans´s Gastrointestinal and Liver Disease. 6ª ed. Philadelphia: WB Saunders Company;1998. pp.1104-1112.
4. Sturniolo GC, Mestriner C, Irato P, Albergoni V, Longo G, D`Inca R. Zinc therapy increases duodenal concentrations of metallothionein and iron in Wilson`s disease patients. Am J Gastroenterol 1999;94(2):334-8.
5. Czlonkowska A, Gajda J, Rodo M. Effects of long-term treatment in Wilson`s disease with D-penicillamine and zinc sulphate. J Neurol 1996;243(3):269-73.
6. Walshe JM. Treatment of Wilson`s disease with trientine (triethylene tetramine) dihydrochloride.Lancet 1982;1(8273):643-7.
7. PDR – Physician´s Desk Reference. 55ª ed. Montvale, NJ: Medical Economics Co.,2001. pp1909-12.
8. NIEDERMAN, M. S. Issues in the Empiric Therapy of Nosocomial Pneumonia : the impact of resistance in the ICU. 2 nd International Symposium on Intensive Care and Emergency Medicine for Latin América , 2003.
9. GIROU, E. Prevention of Nosocomial Infections in Acute Respiratory Failure Patients. Eur Respir J., 2003;22:suppl.42, 72s-76s.
10. IREGUI, M.; KOLLEF, M. H . Prevention of Ventilator-associated Pneumonia: selecting interventions that make a difference. Chest, 2002;121:679-681.
11. Spector, S.A. ed. Critical Care Clinical Companion. Philadelphia, Lippincott Williams and Wilkins, 2000; 684 – 686.
*Fisioterapeuta, especialista em Traumatologia e Ortopedia, programa de Fisioterapia Respiratória da Santa Casa de Misericórdia de Barbacena MG, fisioterapeuta do Hospital Bom Jesus em Congonhas MG.
** Fisioterapeuta, programa de Fisioterapia Respiratória da Santa Casa de Misericórdia de Barbacena MG, fisioterapeuta do Hospital São Sebastião de Viçosa MG.
*** Fisioterapeuta, doutorando em Fisioterapia pela Universidade de Buenos Aires Argentina, fisioterapeuta e preceptor do programa de Fisioterapia Respiratória da Santa Casa de Misericórdia de Barbacena MG, professor titular de Fisioterapia Pneumofuncional da Universidade Presidente Antônio Carlos Barbacena MG.
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