TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DA OBESIDADE INFANTIL COM A SEMAGLUTIDA E SEUS EFEITOS NA QUALIDADE DE VIDA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11508266


Paulinisia de Carvalho Braga1
Tauana Gonçalves Martins1
Paula Souza Lage1,2
Lucas Ferreira Alves3


RESUMO

A obesidade é um problema de saúde significativo, com prevalência continuamente crescente entre crianças e adolescentes, que se tornou uma pandemia moderna nas últimas décadas. Sua causa é multifatorial e depende da interação de diversos fatores, dentre eles: genéticos, metabólicos, sociais, comportamentais e culturais. À vista disso, a obesidade tornou-se problema de saúde pública, uma vez que os danos, para a saúde, são muitos e que afetam diretamente a qualidade de vida. Tal patologia não afeta apenas as características físicas externas, mas influencia os fatores fisiológicos, estando relacionada também ao desenvolvimento de inúmeras complicações de saúde, como diabetes do tipo II, doenças coronarianas, aumento da incidência de determinadas formas de câncer, complicações respiratórias, problemas osteomioarticulares e ainda psicossociais. Assim, o objetivo deste estudo foi descrever o uso da Semaglutida no tratamento da obesidade infantil.  Dessa maneira, foi realizada uma revisão integrativa da literatura e selecionados artigos publicados de revistas indexadas nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SCIELO), National Library of Medicine/NLM (MEDLINE) e National Library of Medicine/NLM (PUBMED). De acordo com os resultados, o uso da Semaglutida seria benéfico em adolescentes com dificuldades na perda de peso, pois seu uso foi relacionado com uma diminuição significativa de peso, levando a melhoria da qualidade de vida dos adolescentes e também  diminuindo problemas psicossociais quanto às doenças fisiológicas.  

Palavras chave: Obesidade; crianças e adolescentes; semaglutida.

ABSTRACT

Obesity is a significant health problem, with continually increasing prevalence among children and adolescents, that has become a modern pandemic in recent decades. Its cause is multifactorial and depends on the interaction of several factors, including: genetic, metabolic, social, behavioral and cultural. In view of this, obesity has become a public health problem, since the damage to health is many and directly affects the quality of life. This pathology not only affects external physical characteristics, but influences physiological factors, and is also related to the development of numerous health complications, such as type II diabetes, coronary heart disease, increased incidence of certain forms of cancer, respiratory complications, osteomyoarticular problems and also psychosocial. Thus, the objective of this study was to describe the use of Semaglutide in the treatment of childhood obesity.  In this way, an integrative review of the literature was carried out and articles published from journals indexed in the Scientific Electronic Library Online (SCIELO), National Library of Medicine/NLM (MEDLINE) and National Library of Medicine/NLM (PUBMED) databases were selected. According to the results, the use of Semaglutide would be beneficial in adolescents with difficulties in losing weight, as it was related to a significant decrease in weight, leading to an improvement in the quality of life of adolescents, both by reducing psychosocial problems and physiological diseases.

Keywords: Obesity; children and adolescents; semaglutide.

1. INTRODUÇÃO

A obesidade é uma doença crônica e complexa definida por depósitos excessivos de gordura corporal que podem prejudicar a saúde (World Health Organization, 2024). Segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS), entre 1990 e 2022, o percentual de crianças e adolescentes com idades entre 5 e 19 anos que vivem com obesidade ou sobrepeso aumentou mais de quatro vezes, subindo de 1,94% para 8,24% a nível global, representando um total aproximado de 390 milhões de indivíduos nessa condição (Sociedade Brasileira de Pediatria, 2024; World Health Organization, 2024). Se comparado com outros países, o Brasil possui quase três vezes mais crianças com excesso de peso do que a média global, 14,2% no Brasil em 2022 e 5,6% da média global registrada no mesmo ano. Em relação aos adolescentes, a situação é ainda mais crítica, uma vez que a média nacional apontou que 31,2% dos adolescentes estavam com excesso de peso, quase o dobro da média global  de 18,2% (Fiocruz, 2023). 

A obesidade na infância e na adolescência pode estar associada a condições de saúde que incluem pré-diabetes, diabetes mellitus tipo 2, acúmulo de gordura no fígado, dislipidemia, síndrome dos ovários policísticos (SOP), apneia obstrutiva do sono e distúrbios de saúde mental. Um estudo conduzido em Israel envolvendo 2,3 milhões de pessoas mostrou que a obesidade na adolescência constitui fator de risco para complicações e morte por doença coronariana ou acidente vascular cerebral (AVC) na idade adulta. Além disso, dados combinados de quatro estudos prospectivos mostraram que um índice de massa corporal (IMC) mantido elevado da infância ou adolescência até a vida adulta está associado ao aumento dos riscos relativos para diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial, níveis elevados de colesterol LDL e aterosclerose da artéria carótida (Hannon; Arslanian, 2023). 

Ademais, a obesidade infanto-juvenil traz diversas implicações psicossociais à vida do indivíduo, podendo comprometer tanto sua saúde psicológica, quanto a social. Condição essa que se coloca como um fator de risco que afeta a autoestima, em função da estigmatização, da dificuldade de aceitação da autoimagem corporal, do sentimento de fracasso, de inferioridade e da vivência do Bullying. Crianças e adolescentes obesos deparam-se com o preconceito e a discriminação e estas ainda são alvo da estigmatização social (Santos, Silva; 2020).

Entre crianças e adolescentes, as recomendações para o manejo da obesidade têm historicamente se apoiado em modificações no estilo de vida, visando a adoção de uma dieta balanceada, a prática de atividade física regular e estratégias comportamentais para sustentar essas modificações ao longo do tempo. No entanto, uma redução de peso clinicamente significativa e duradoura apenas com intervenção no estilo de vida é particularmente difícil para as pessoas com obesidade grau II (IMC entre 35 e 39,9) e grau III (IMC maior que 40) (Kelly et al., 2023). Em seu manual de orientação para a obesidade na infância e adolescência de 2019, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) salienta que no Brasil não existiam fármacos antiobesidade aprovados para uso pediátrico. Contudo, uma intervenção terapêutica farmacológica pode ser utilizada de forma limitada quando existem comorbidades associadas à obesidade grave, como depressão, compulsão alimentar e transtornos psiquiátricos, por exemplo. Neste caso, as possibilidades farmacológicas são divididas em dois grupos: um de medicamentos antiobesidade (sibutramina, orlistat, liraglutide) e outro de medicamentos com ação indireta sobre a obesidade (inibidores seletivos de recaptação de serotonina, topiramato e metilfenidato) (Sociedade Brasileira de Pediatria, 2019).

Entretanto, em setembro de 2023, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso do Wegovy® (semaglutida, mesmo princípio ativo do Ozempic®) para o tratamento de obesidade em adolescentes. O medicamento injetável já era aprovado para o controle de peso em adultos e passou a ser indicado como adjuvante a uma dieta hipocalórica e aumento da atividade física para controle de peso em adolescentes com idade igual ou superior a 12 anos. A indicação de uso nesse grupo partiu do trabalho Weghuber e colaboradores, de 2022, denominado de “STEP Teens”. Este foi um estudo multinacional, randomizado, duplo-cego, de dois braços, controlado por placebo, com um período de estudo de 68 semanas comparando a administração de semaglutida subcutânea 2,4 mg uma vez por semana com a administração de placebo em adolescentes púberes, com idades entre 12 e 18 anos, e com obesidade. Após esse período, um total de 95 dos 131 participantes (73%) no grupo semaglutida teve perda de peso de 5% ou mais em comparação com 11 dos 62 participantes (18%) no grupo placebo (odds ratio estimado, 14,0; IC 95%, 6,3 a 31,0; P<0,001) (Weghuber et al., 2022).

A semaglutida pertence a uma classe de fármacos conhecidos como agonistas do receptor do peptídeo 1 semelhante ao glucagon (GLP-1RAs). Esses fármacos são baseados no hormônio incretina GLP-1, que é liberado no intestino em resposta à alimentação, estimulando a secreção de insulina e suprimindo a secreção de glucagon. Em combinação com efeitos inibidores do esvaziamento gástrico e da gliconeogênese hepática, o GLP-1 reduz efetivamente os níveis séricos de glicose. Dentro da classe dos GLP-1RAs, existem diferenças substanciais na estrutura dos medicamentos, na eficácia, no intervalo de dosagem e até mesmo nos efeitos adversos. Em geral, com o uso dos GLP-1RAs observam-se efeitos benéficos no controle do peso corporal, da pressão arterial e do perfil lipídico. No entanto, em parte devido à presença generalizada no corpo de receptores GLP-1, foram observados também vários efeitos adversos, entre os quais pancreatite e neoplasias de pâncreas e de tireoide, o que sinaliza alertas a respeito da segurança desses medicamentos (Smith; Raalt, 2021).

Neste contexto, levando em consideração que a obesidade infantil é um problema de saúde pública, correlacionada com diversas outras comorbidades e que o tratamento farmacológico de possível indicação atualmente é a Semaglutida, objetivou-se com esta revisão integrativa, unir e analisar as informações sobre a abordagem terapêutica farmacológica da obesidade e os efeitos do uso da Semaglutida em adolescentes,  disponíveis na literatura científica.

2. METODOLOGIA

A busca pelo referencial de sustentação teórica desta revisão bibliográfica foi realizada nas bases de dados da Scientific Electronic Library Online (SciELO), National Library of Medicine/NLM (MEDLINE) e do National Library of Medicine and National Institutes of Health (PubMed). Além de sites oficiais como o Ministério da Saúde do Brasil, a Sociedade Brasileira de Pediatria, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Conselho Federal de Farmácia e a Organização Mundial de Saúde. 

Quanto ao delineamento do estudo, este foi dividido em duas etapas sendo a primeira a busca por artigos nacionais e internacionais nos idiomas português, inglês e espanhol, utilizando os descritores em Ciências da Saúde (DeCS/MeSH): “Receptor do Peptídeo Semelhante ao Glucagon 1”, “Obesidade”, “Tratamento da obesidade”, “Obesidade infantil”, “impactos psicossociais”, “Obesity”, “Obesity in children and adolescent”, “obesity treatment”, “psychosocial impacts”, além das palavras-chave: “Semaglutida”, “Ozempic”, “Wegovy”, “Agonistas do GLP-1” e “GLP-1 agonists”. Sendo encontrados 235 artigos ao total.  Posteriormente estes foram avaliados por meio de seus títulos e resumos, tendo como base os critérios de inclusão e exclusão estabelecidos. Os artigos que demonstraram relação ao tema proposto, obedecendo aos critérios, foram adicionados ao estudo. Os critérios de inclusão foram: artigos publicados entre 2019 a 2024, que versassem sobre obesidade infantil e suas implicações e as implicações clínicas do uso da semaglutida para o controle do peso corporal. Os critérios de exclusão foram: resumos em eventos, artigos que realizados com maiores de 19 anos ou que não cumpriam os critérios de inclusão supracitados e artigos duplicados. Os textos selecionados para a revisão foram lidos na íntegra, interpretados e foi realizada a elaboração de uma síntese das informações. Os artigos utilizados foram todos de livre acesso. Com isso, a busca resultou em 29 artigos que foram submetidos à análise seletiva, exploratória e interpretativa para esta revisão.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1. Obesidade infantil

A obesidade é definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como o estoque excessivo de gordura corporal, claramente associado a riscos à saúde, sendo esta uma doença multifatorial com fatores genéticos, ambientais e comportamentais envolvidos. Num subgrupo de pacientes, foram identificados fatores etiológicos importantes únicos como medicamentos, doenças, imobilização, procedimentos iatrogênicos e doença monogênica/síndromes genéticas (WHO, 2024). A obesidade infantil é um problema de saúde pública e nas últimas décadas ocorreu um aumento de sua prevalência resultante da combinação de fatores genéticos e exposição a um ambiente obesogênico, com consumo aumentado de alimentos densamente calóricos, processados e ultraprocessados, aumento do sedentarismo, maior uso de dispositivos eletrônicos, redução das horas de sono, e tudo isso associado a fatores culturais e psicológicos, presentes tanto no domicílio como na escola e comunidades (Vajravelu et al., 2023; Sociedade Brasileira de Pediatria, 2024).

Crianças e adolescentes com obesidade frequentemente sofrem estigma de peso e tem qualidade de vida prejudicada, o que pode agravar ainda mais o ganho de peso. O diagnóstico é realizado usando percentis de índice de massa corporal específicos de sexo, idade e população. De acordo com as atuais diretrizes da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO) é sugerido que crianças e adolescentes tenham seu estado nutricional avaliado de acordo com a curva do Índice de Massa Corpórea (IMC), idade por percentil e escore-Z. A partir de então, é possível classificar em sobrepeso, obesidade ou obesidade grave, como demonstrado na tabela 1 (Sociedade Brasileira de Pediatria, 2021). 

Tabela 1- Percentil e Escore-z utilizados para classificação de sobrepeso, obesidade e obesidade grave em crianças e adolescentes

Tabela

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria, 2021.

A SBP recomenda ainda a realização de exames laboratoriais complementares para investigação mais aprofundada sobre a etiologia da obesidade e controle das suas repercussões mais comuns na infância (Sociedade Brasileira de Pediatria, 2021).

É importante ressaltar que uma grande porcentagem de crianças obesas se tornam adultos obesos com inúmeras comorbidades, como diabetes tipo 2, hipertensão, dislipidemia, doenças cardiovasculares, doença hepática gordurosa não alcoólica, apneia obstrutiva do sono, síndromes metabólicas, síndrome dos ovários policísticos e risco aumentado de morte precoce (Hampl et al., 2023; Kalinderi  et al., 2024). 

É identificada, também, uma associação entre a obesidade infantil e aspectos psicológicos, como depressão, ansiedade e déficits de competência social. Sendo assim, a doença não traz apenas prejuízos fisiológicos, porém também traz prejuízos sociais e emocionais, observando que os indivíduos obesos ou que se encontram em sobrepeso são vítimas de preconceitos das mais diversas formas, por muitas vezes sofrem violências verbais e às vezes físicas, também como são excluídas de várias atividades (Santos; Silva, 2020).

Dessa maneira, o objetivo do tratamento da obesidade em adolescentes é melhorar a qualidade de vida e reduzir o risco de futuras doenças crônicas (Lim et al., 2023).

Com relação ao tratamento da obesidade pediátrica segundo recomendações da SBP, 2019, este é dividido em 4 estágios, sendo esses: Estágio 1: incluiu dieta e atividade física, com aumento no consumo de frutas e vegetais e limitando as atividades sedentárias como assistir televisão, jogar vídeo games e uso de computadores e tablets. Se não houver melhora no IMC em 3 a 6 meses passar para o próximo estágio. O Estágio 2: recomenda a ingestão de alimentos com baixa densidade calórica e dieta balanceada, refeições estruturadas, atividade física supervisionada de no mínimo 60 minutos por dia, 1 hora ou menos de televisão e/ou computadores e tablets e automonitoramento por meio de recordatórios alimentares e de atividade física e acompanhamento com nutricionista e retornos mensais. De acordo com a resposta ao tratamento deve-se avaliar a necessidade de seguir para o próximo estágio, levando em consideração os riscos à saúde dos pacientes, idade e motivação. Estágio 3: caracteriza-se por um contato mais próximo com os profissionais da saúde e uso de mais estratégias comportamentais e monitoramento. Crianças com resposta inadequada ao estágio 3, com riscos aumentados a saúde e baixa motivação devem ser consideradas para o estágio 4. Por fim, o Estágio 4: inclui dietas com baixa calorias, uso de medicações e/ou cirurgia.

Trabalho realizado por Weghuber e colaboradores, 2022, avaliaram crianças e adolescentes obesos e relatou que mesmo sendo as mudanças no estilo de vida os primeiros passos para tratar a obesidade nesse grupo específico, a maioria das pessoas acha difícil perder peso e mantê-lo apenas com mudanças no estilo de vida, porque o corpo se esforçará para resistir a esses esforços (Weghuber et al., 2022). 

Assim, em 2023, a Academia Americana de Pediatria (AAP) recomendou que medicamentos antiobesidade (AOMs) fossem oferecidos como complemento ao tratamento em adolescentes obesos com 12 anos ou mais. (Lim et al., 2023).

3.2 Semaglutida

O desenvolvimento de drogas agonistas do receptor do peptídeo 1 semelhante ao glucagon (GLP-1RAs) é promissor para o controle da obesidade. O peptídeo-1 semelhante ao glucagon (GLP-1) é um hormônio peptídico de 36 aminoácidos com ações multifacetadas, como estimulação dependente de glicose da liberação de insulina, inibição da secreção de glucagon e diminuição do esvaziamento gástrico. Vários GLP-1RAs estruturalmente refinados com biodisponibilidade aumentada têm atraído atenção, incluindo exenatida, liraglutida, dulaglutida, albiglutida e semaglutida. Entre eles, destaca-se a semaglutida. (Knudsen et al., 2019).

A semaglutida é um polipeptídeo que contém uma sequência linear de 31 aminoácidos unidos por ligações peptídicas. Apresenta como fórmula molecular: C187H291N45O59 e peso molecular de 4114 g/mol (National Center for Biotechnology Information, 2024). A estrutura química encontra-se representada na figura 1, a seguir. 

Figura 1- Estrutura química semaglutida

Diagrama, Esquemático

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Fonte: National Center for Biotechnology Information, 2024.

O fármaco age como um agonista do receptor de GLP-1 que se liga seletivamente e ativa o mesmo. O GLP-1 aumenta significativamente a secreção de insulina, diminui a secreção de glucagon, retarda o esvaziamento gástrico e diminui o apetite, a ação na glicemia e os efeitos no apetite são especificamente mediados via receptores de GLP-1 no pâncreas e no cérebro. Ela reduz a glicemia de forma glicose-dependente, estimulando a secreção de insulina e diminuindo a secreção de glucagon quando a glicemia está alta. O mecanismo de redução da glicemia também envolve um pequeno atraso no esvaziamento gástrico na fase pós-prandial precoce. Durante a hipoglicemia, a semaglutida diminui a secreção de insulina e não prejudica a secreção de glucagon. Durante a hipoglicemia, a semaglutida diminui a secreção de insulina e não prejudica a secreção de glucagon (Conselho Federal de Farmácia, 2023). O foco principal da semaglutida não está associado ao tratamento da obesidade e sim da diabetes tipo II.  Entretanto, alguns pesquisadores vêm associando a utilização da semaglutida como estratégia para perda de peso em pacientes obesos (Phillips; Claments, 2022).  

Receptores de GLP-1 funcionalmente relevantes estão presentes no pâncreas, intestino e hipotálamo. O mais importante para as propriedades de redução de peso é a ativação de vias neurais, causando reduções nas regiões reguladoras do apetite no hipotálamo, causando redução no apetite e na ingestão de alimentos e, assim, promovendo a perda de peso (Gabery  et al., 2021; Jensterlea et al., 2023).

A regulação da glicemia é realizada através da via das incretinas, que estimula a produção de insulina e ocasionando a inibição da secreção de glucagon de uma forma dependente de glicose, proporcionando níveis mais baixos de glicemia com pouco risco para a hipoglicemia. Outro efeito é o aumento do tempo para o esvaziamento gástrico o que resulta numa sensação de saciedade por mais tempo, mas também pode afetar a absorção de medicamentos orais, necessitando de acompanhado pelo médico assistente em suas prescrições (Bergmann et al., 2022; Sabbá et al., 2022; Leite et al., 2023).

Além dos mecanismos de ação já citados, a semaglutida pode atuar no sistema nervoso. É comprovado que o fármaco pode atingir diretamente o tronco cerebral, o núcleo septal e o hipotálamo. Sendo assim capaz de exercer efeito no sistema nervoso dos seus usuários,  atuando no núcleo  parabraquial  lateral,  proporcionando  efeito  diretos  e  indiretos  em  vias  neutras relacionadas com a homeostase (apetite, fome e saciedade) e hedônica (desejos e controle do ato de  comer,  além  de  comportamentos  de  recompensa  relacionados  à  alimentos) (Guglielmi  et al. 2023; Leite et al., 2023).

A dose recomendada de semaglutida semanalmente para controle de peso é de 2,4mg, aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) em 2021, apresenta como meia vida longa de 160 horas (Singh; Krauthamer, 2021; Phillips; Clament, 2022).

Há três medicamentos registrados no Brasil, com o fármaco semaglutida: Ozempic®, Rybelsus® e mais recentemente, o Wegovy®. O fabricante dos três medicamentos é a indústria Novo Nordisk (Conselho Federal de Farmácia, 2023).

Na fase de absorção, após a primeira aplicação, sua concentração máxima no organismo é de 1 a 3 dias. Na fase estacionária, após algumas semanas, foram encontradas aproximadamente 16nmol/l e 30 nmol/l. Em relação a distribuição, apresenta como volume médio de aproximadamente 12,5 1. Sendo que está diretamente ligada à albumina plasmática (> 99 %). Sua metabolização é feita através da clivagem proteolítica da cadeia principal do péptico e beta – oxidação sequencial da cadeira de ácidos graxos. Na excreção de semaglutida foi identificado uma porção de 2/3 de fármaco eliminado na urina e de 1/ 3 de fármaco excretado nas fezes. Sendo 3% excretado de maneira intacta pela urina. (EMA,2018).

Trabalho de Chistou et al. (2019) cita que o tratamento com semaglutida induziu os pacientes a sentirem menos fome e desejo de comida, assim como uma menor preferência por alimentos ricos em gordura, outra característica também foi melhores proporções alimentares e melhor controle da alimentação. Todos esses fatores são considerados positivos para pacientes com obesidade.

3.3 Uso da Semaglutida para tratamento da obesidade em adolescentes 

A adolescência é uma fase de transição da infância para a vida adulta e se situa entre 10 e 19 anos (Neves, 2021). 

Ela é caracterizada por grandes e múltiplas mudanças, constituindo-se em um período potencialmente difícil, com vários desafios e vulnerabilidades referentes às transformações inerentes ao processo de amadurecimento humano. Uma das  vulnerabilidades está relacionada ao surgimento da obesidade, que se constitui como um problema de saúde pública. Ela é considerada uma das doenças crônicas não transmissíveis (DNCT) de forte incidência entre os jovens na atualidade, de forma que, se não houver intervenções efetivas para tratá-la, tenderá a se agravar ao longo da vida (Viero; Farias, 2017; Neves et al., 2021).

O Brasil, de acordo com o Censo Demográfico de 2019, apresenta uma população de 210,1 milhões de pessoas, dos quais 53.759.457 têm menos de 18 anos de idade (IBGE, 2019). Os adolescentes representam um dos principais focos de estudo das pesquisas relacionadas à obesidade. Este interesse se deve por dois fatores: aumento de atividades sedentárias e práticas alimentares inadequadas e adolescentes que durante a sua juventude apresentam excesso de peso têm mais chances de apresentarem a mesma condição na vida adulta (Rentz-Fernandes et al., 2017).

Os adolescentes obesos que permanecem acima do peso podem apresentar complicações neurometabólicas e endócrinas que facilitam o desenvolvimento da doença cardiovascular  na  idade  adulta. As crianças e adolescentes obesos apresentam, antes de atingir a maturidade, fatores de risco para desenvolver doença cardiovascular, hiperinsulinemia, aumento da pressão arterial e disfunção autonômica (Guimarães et al.; 2021). 

Tendo como base o estudo pioneiro realizado Weghuber e colaboradores em 2022, denominado STEP TEENS, com 190 pacientes, demonstrou que entre adolescentes com obesidade, o tratamento uma vez por semana com uma dose de 2,4 mg de semaglutida, mais intervenção no estilo de vida resultou em maior redução no IMC do que apenas intervenção no estilo de vida e ainda os adolescentes que receberam semaglutida perderam em média 15 kg em relação aos que receberam placebo (Weghuber et al., 2022).  

Estudo de Lim, 2023, estimou os custos, anos de vida ajustados pela qualidade de vida  (QALYs) e custo-efetividade do aconselhamento de estilo de vida sozinho e em conjunto com a semaglutida para tratar adolescentes norte-americanos com obesidade durante 13 meses e estimou projeções para cinco anos, realizando uma simulação com um modelo de uma coorte hipotética de 100.000 adolescentes com características basais semelhantes às dos participantes de ensaios clínicos, média de idade 15 anos, com IMC maior que 37. 

Em relação aos efeitos colaterais, estudos descreveram como uma medicação bem tolerada.  Os principais efeitos colaterais relatados foram em geral:  distúrbios do trato gastrointestinal: como náusea, vômito, diarreia, constipação e dispepsia.  Estes estão associados com a dosagem do medicamento, como já avaliado anteriormente, para aplicação semanal e resultados positivos na perda de peso, a dosagem semanal deve ser maior, garantindo assim sucesso até a seguinte dosagem, logo, maiores dosagens são responsáveis por maiores efeitos colaterais. Sendo estes dependentes da dose e transitórios, podendo ocorrer principalmente nas duas primeiras semanas de tratamento. (Chistou et  al., 2019; Smthis;  Van, 2021).

4. CONCLUSÕES

Com base nos dados expostos é possível concluir que o uso da semaglutida para o tratamento de obesidade em adolescentes apresentou benefícios que podem melhorar a qualidade de vida, tanto fisiologicamente quanto psicologicamente do grupo etário em questão. Além disso, a redução de peso pode apresentar melhor prognóstico na vida adulta destes.  

Entretanto, devido aos efeitos adversos possíveis e por se tratar de adolescentes, recomenda-se o uso moderado do fármaco, sendo discutido cada caso é avaliado por um conjunto de profissionais, para melhor indicação e acompanhamento.

REFERÊNCIAS

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1Graduanda do curso de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
2Doutora em Infectologia e Medicina Tropical pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.
3Doutor em Fisiologia e Farmacologia pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas/Fisiologia e Farmacologia da Universidade Federal de Minas Gerais. Email correspondente: paulahuaccho@gmail.com