TRATAMENTO ESTÉTICO COM COROA METAL-FREE: RELATO DE CASO

AESTHETIC TREATMENT WITH METAL-FREE CROWN: CASE REPORT

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202504301145


Sandro Matheus Albuquerque da Silva; Tayná Karla Arruda e Silva; Marina Fernanda Calado; Natália Beatriz Pereira Valentim; Danilo Monteiro Falcão; Yuri Pablo dos Santos Andrade; Viviane Afonso Mergulhão.


Resumo

As restaurações metal-free representam uma alternativa estética e funcional na reabilitação de dentes anteriores com comprometimento estrutural. O presente relato de caso descreve o tratamento do elemento 11, previamente tratado endodonticamente e com pino de fibra de vidro, por meio de uma coroa totalmente cerâmica. Foi realizado o preparo do dente para coroa total, seguido de moldagem com silicone de adição. O coping de zircônia foi testado em boca e a seleção de cor guiou a estratificação com cerâmica à base de dissilicato de lítio (E-Max). Na fase de cimentação, a superfície interna da peça foi jateada com óxido de alumínio, seguido da aplicação de primer contendo MDP. O dente foi tratado pela técnica condicionamento ácido total e cimento resinoso dual foi utilizado. Finalizou-se com ajuste oclusal. Conclui-se que a utilização de coroa metal-free sobre pino de fibra de vidro demonstrou excelente resultado estético e funcional, sendo uma opção previsível e conservadora para dentes anteriores.

Palavras-chave: Coroa Metal Free. Cerâmica. Prótese Fixa. 

1 INTRODUÇÃO

A presença de alterações em dentes anteriores, como anormalidades em cor, forma, posicionamento ou tamanho, pode afetar negativamente a estética do sorriso do indivíduo1. Outrossim, o aumento da exigência dos pacientes por procedimentos mais estéticos e que transmitam mais naturalidade tem sido cada vez mais presenciada na rotina do consultório odontológico2.

Essa busca constante por naturalidade em procedimentos restauradores possibilitou um desenvolvimento expressivo de materiais e técnicas restauradoras3. Desta forma, as restaurações em dentes anteriores, sejam elas diretas ou indiretas, devem ser feitas com maior meticulosidade para que o resultado seja uma reabilitação duradoura, funcional e com aspecto de naturalidade2.

No processo de reabilitação oral, é essencial que, além da estética, o Cirurgião-Dentista também recupere a função dos dentes. Isso pode ser alcançado por meio de restaurações diretas ou indiretas, que visam não apenas a recuperação da aparência, mas também a melhoria de funções vitais, como a fala, mastigação e deglutição4. Além disso, esse processo de reabilitação proporciona ao paciente uma série de benefícios, como o aumento da autoestima, o bem-estar geral e um impacto positivo no seu convívio social, graças à restauração estética que traz confiança e satisfação com sua aparência4.

No que diz respeito às restaurações indiretas, por muito tempo as coroas metalocerâmicas foram utilizadas como padrão ouro para a reabilitação por possuírem vantagens como, resistência mecânica à corrosão e fratura, garantindo assim um alto nível de durabilidade além de uma boa adaptação5. Entretanto, as coroas metalocerâmicas podem apresentar uma característica artificial, devido à presença do opaco utilizado para esconder o reflexo da estrutura metálica, apresentar um halo acinzentado na região cervical da coroa, devido à presença do coping metálico, pois os tecidos periodontais podem não ter a capacidade de bloquear essa coloração advinda do metal4.

Com isso, a confecção de coroas com sistemas cerâmicos livres de metal (metal- free), tem se mostrado uma excelente alternativa reabilitadora, com um potencial estético maior que as coroas metalocerâmicas6. Isso se deve pela possibilidade da realização de uma estratificação de cores de um modo mais eficiente, permitindo um aspecto mais natural e harmonioso com os dentes adjacentes, o que resulta em uma satisfação plena das expectativas do paciente e um impacto positivo na autoestima6.

Diversos materiais cerâmicos têm sido utilizados na confecção dessas coroas, cada um com propriedades específicas que determinam sua indicação clínica6. O dissilicato de lítio, por exemplo, destaca-se por sua boa estética aliada a uma resistência mecânica satisfatória, sendo indicado tanto para dentes anteriores quanto para posteriores sob moderada carga oclusal7. Já a zircônia, material de altíssima resistência, apresenta-se como uma opção ideal para regiões posteriores por não ter uma excelente estética, embora versões mais translúcidas também permitam seu uso em áreas estéticas8. A cerâmica de alumina é um material restaurador com boa resistência mecânica e biocompatibilidade e por ser mais opaca, é menos indicada para áreas estéticas, mas pode ser usada com segurança em regiões posteriores ou como subestrutura9.

A cerâmica feldspática, apesar de possuir menor resistência, é amplamente valorizada pela superioridade estética, sendo indicada para reabilitações em dentes anteriores com baixa demanda funcional9. A cerâmica leucita-reforçada oferece um equilíbrio entre estética e resistência, sendo apropriada para coroas em regiões anteriores e pré-molares9. A escolha adequada do material deve considerar fatores como localização do dente, demanda funcional e exigência estética, de modo a garantir longevidade e naturalidade à reabilitação6.

Sendo assim, o objetivo do presente trabalho é relatar um caso clínico, abordando as etapas utilizadas na confecção de uma coroa metal- free para a recuperação estética do sorriso.

2 RELATO DE CASO

 Paciente do sexo masculino, 60 anos de idade, compareceu à Clínica Odontológica queixando-se do elemento 11. No exame clínico constatou-se que o referido elemento dentário possuía uma coroa provisória (Figura 1). 

Figura 1: Sorriso inicial

O exame radiográfico revelou que o elemento dentário estava tratado endodonticamente e possuía um pino de fibra de vidro. O planejamento consistiu na confecção de uma coroa metal-free. Foi feito o preparo para coroa total (Figura 2)

Figura 2: Preparo para coroa total

e moldagem com fio retrator e silicone de adição (Variotime/Kulzer). De posse dos modelos de trabalho com o registro oclusal, o laboratório confeccionou um coping de zircônia, o qual foi provado em boca (Figura 3).

Figura 3: Prova do coping em zircônia

Em seguida, foi feita a selecão de cor (Figura 4)

Figura 4: Seleção de cor

 e uma moldagem de transferência para o laboratório fazer a estratificação de cerâmica à base de dissilicato de litio (E-Max, Ivoclair/ Vivadent) (Figura 5).

Figura 5: Vista da superfície interna da coroa

 Para a etapa da cimentação, a superfície interna da cerâmica foi submetida a um jateamento com óxido de alumínio, limpeza com spray ar/água, secagem e aplicação de primer contendo MDP Clearfil Ceramic Primer Plus (Kuraray). Em relação ao tratamento do dente, foi realizado o condicionamento com ácido fosfórico a 37% por 15 s, aplicado ativamente o adesivo (Ambar Universal APS / FGM) e fotopolimerizado. Cimento resinoso dual (All Cem Core / FGM) foi utilizado para cimentar a coroa sendo fotopolimerizado por 60 segundos. Em seguida, foi feito o ajuste oclusal (Figura 6).

Figura 6: Sorriso final

3 DISCUSSÃO 

Devido a sua notável capacidade de mimetizar a estrutura natural dos dentes, a cerâmica tem sido cada vez mais utilizada na Odontologia10. Apesar de ser reconhecida como um material friável, ela passou por importantes modificações em sua composição e em sua estrutura molecular com o objetivo de aumentar sua resistência às forças mastigatórias10.

Essas evoluções tecnológicas têm permitido ampliar, de forma significativa, as possibilidades de uso da cerâmica, tornando-a uma opção cada vez mais confiável e versátil em diferentes tipos de reabilitação oral11.

Durante muitos anos, as coroas metalocerâmicas dominaram a Odontologia restauradora, sendo as restaurações protéticas de escolha devido à sua alta previsibilidade clínica5,6. Essa preferência se deve à combinação entre a elevada resistência mecânica, a longa durabilidade em meio oral e a precisão proporcionada pelo metal fundido5.6. As estruturas metálicas eram confeccionadas a partir de ligas nobres, como ouro, prata, paládio e platina, ou de ligas alternativas, como cromo-níquel e cromo-cobalto, conferindo excelente suporte para a aplicação da cerâmica, que, por sua vez, trazia o benefício estético tão desejado5,6. Essa união entre funcionalidade e aparência natural consolidou as coroas metalocerâmicas como um padrão de excelência durante décadas6.

Atualmente, a evolução dos materiais cerâmicos possibilitou a confecção de próteses fixas totalmente cerâmicas, eliminando a necessidade de reforço metálico12. Essa inovação trouxe ganhos significativos em termos estéticos, uma vez que a ausência de metal impede o escurecimento da margem gengival — um problema relativamente comum em próteses metalocerâmicas ao longo do tempo12. Dessa forma, as próteses totalmente cerâmicas oferecem um resultado mais natural e harmonioso, especialmente em áreas de alta exigência estética, como a região anterior12.

Ademais, o constante avanço dos sistemas cerâmicos possibilitou a coexistência de diversos materiais passíveis de utilização, variando, portanto, a sua indicação para a correta utilização clínica9. O dissilicato de lítio oferece boa estética e resistência moderada, sendo indicado para dentes anteriores e posteriores com carga oclusal moderada7. A zircônia, altamente resistente, é ideal para regiões posteriores, embora versões translúcidas permitam seu uso estético8

No presente relato de caso, a reabilitação foi realizada por meio da combinação de dois sistemas cerâmicos, a zircônia e o dissilicato de lítio. A zircônia, por ser um material extremamente resistente, é utilizada constantemente como infraestrutura de coroas metal-free, entretanto, sua opacidade é semelhante à das ligas metálicas, sendo assim um fator que influencia na decisão de reabilitação em região estética4,13. Por conseguinte, em regiões estéticas, há uma necessidade do recobrimento deste tipo de cerâmica por outro sistema cerâmico. No presente relato de caso, utilizou-se o dissilicato de lítio, que destaca-se por oferecer uma excelente combinação entre propriedades estéticas superiores e uma resistência mecânica satisfatória, o que o torna uma opção versátil e confiável para reabilitações tanto em dentes anteriores — onde a demanda estética é elevada — quanto em dentes posteriores, desde que submetidos a cargas oclusais moderadas6,13. Essa versatilidade amplia seu campo de aplicação clínica, possibilitando resultados funcionais e estéticos harmoniosos em diferentes regiões da arcada dentária13.

Para o preparo da superfície interna da peça visando à cimentação da coroa metal-free, foi necessário realizar um jateamento com óxido de alumínio, com o objetivo de promover rugosidade micro-mecânica e, assim, otimizar a retenção adesiva4,14. Esse procedimento foi indicado porque a superfície interna da coroa, composta por zircônia, é resistente ao ácido fluorídrico e, portanto, não responde ao condicionamento químico15. Quando se utiliza um primer contendo monômero MDP ou metacrilatos fosforilados, pode-se utilizar qualquer cimento resinoso, ao passo que, quando o cimento resinoso contêm monômero MDP, não se faz necessário o emprego de um primer16. Como o cimento resinoso utilizado no presente relato de caso (All Cem Core) não contém monômero MDP foi necessário aplicar previamente um primer contendo monômero MDP.  

A superfície dentária, por sua vez, foi condicionada convencionalmente com o ácido fosfórico 37%, seguida da aplicação de sistema adesivo e a cimentação foi feita com cimento resinoso dual, que combina os mecanismos de ativação química e fotoativada, permitindo uma cura eficiente mesmo em áreas com acesso restrito à luz17. Essa característica proporciona maior segurança na cimentação de peças protéticas espessas ou opacas, como coroas de cerâmica densa. Além disso, oferecem boas propriedades mecânicas, excelente adesão ao substrato dental e estabilidade de cor, sendo amplamente indicados para cimentações em diversas situações clínicas17.

Desta maneira, com a aplicação de dois sistemas cerâmicos, é possível proporcionar ao paciente um resultado esteticamente e mecanicamente satisfatório, reabilitando função e estética, além de devolver à região anterior do arco dentário superior suas funções psicossociais, biológicas e funcionais. 

4 CONCLUSÃO

 Conclui-se, portanto, que a escolha adequada do sistema cerâmico é decisiva para o sucesso das reabilitações protéticas, permitindo aliar excelência estética à resistência mecânica compatível com as exigências funcionais. No caso clínico apresentado, a utilização de um sistema cerâmico livre de metal demonstrou ser eficaz na reabilitação de um incisivo central, oferecendo resultados estéticos e funcionais satisfatórios. Ressalta-se que a seleção criteriosa do material, aliada a uma prática clínica qualificada e embasada em evidências científicas atualizadas, é essencial para garantir tratamentos previsíveis, duradouros e de alta qualidade na Odontologia restauradora contemporânea.

REFERÊNCIAS

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