REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411061343
Jeynes Alves Ferreira Rosa1
José Erinaldo Santos De Oliveira2
Clara Iasmim Aparecida Souza Silva3
José Lucas Dos Santos Silva4
Eliane Maria Gonçalves Moreira De Vasconcelos5
Roberta De Oliveira Lacerda6
Ana Beatriz Hermínia Ribeiro Ducati De Sampaio7
Layanna Leite Pinto Macêdo8
Caio Vinicius Teixeira Nogueira9
Mario Francisco De Pasquali Leonardi10
Cicero Lucas Gomes Ramalho11
RESUMO
Introdução: O tratamento endodôntico de molares inferiores frequentemente apresenta desafios devido à complexidade anatômica destes dentes. A presença de variações anatômicas, como a existência de três canais mesiais, embora rara, deve ser considerada durante o diagnóstico e planejamento terapêutico. Relato de caso: Este relato de caso descreve o tratamento endodôntico de um primeiro molar inferior que apresentou três canais mesiais, abordando sua localização, instrumentação e obturação. Durante o primeiro atendimento clínico verificou-se a presença de uma anatomia radicular convencional, com dois canais mesiais. No entanto, durante a etapa de obturação, observou-se um escoamento inesperado do cimento endodôntico para um terceiro conduto, sugerindo assim presença de um terceiro canal mesial não identificado anteriormente. Essa descoberta inesperada destacou a importância da exploração minuciosa dos canais radiculares durante o tratamento endodôntico, sendo o microscópio operatório fundamental durante a localização e preparo do canal mésio-medial. Após a instrumentação dos três canais, utilizou-se o protocolo de irrigação com hipoclorito de sódio 2,5% e EDTA, seguido de obturação tridimensional com guta-percha termoplastificada. Em seguida realizou-se uma radiografia pós-operatória, que confirmou a obturação dos três canais mesiais. Discussão: O conhecimento da anatomia dos sistemas de canais radiculares e de suas variações anatômicas contribuem para o sucesso do tratamento endodôntico. Considerações finais: O uso do microscópio operatório e de uma exploração manual minuciosa para localizar e preparar canais adicionais, como o mésio-medial em molares inferiores são imprescindíveis para uma terapêutica endodôntica de sucesso.
Palavras-chave: Endodontia, canal radicular, Dente molar, Anatomia.
ABSTRACT
Endodontic treatment of lower molars often presents challenges due to the anatomical complexity of these teeth. The presence of anatomical variations, such as the existence of three mesial canals, although rare, must be considered during diagnosis and therapeutic planning. This case report describes the endodontic treatment of a lower first molar that presented three mesial canals, addressing the localization, instrumentation and obturation techniques, as well as the complications encountered. During the first clinical consultation, the presence of a conventional root anatomy was observed, with two mesial canals. However, during the application of the intracanal medication, an unexpected flow of this substance was observed into a third conduit, thus suggesting the presence of a previously unidentified third mesial canal. This unexpected discovery highlighted the importance of thorough exploration of root canals during endodontic treatment, with the operating microscope being essential during the localization and preparation of the mesiomedial canal. After instrumentation of the three canals, an irrigation protocol with 2.5% sodium hypochlorite and EDTA was used, followed by three-dimensional filling with thermoplasticized gutta-percha. A postoperative x-ray was then performed, which confirmed the obturation of the three mesial canals. Knowledge of the anatomy of root canal systems and their anatomical variations contributes to the success of endodontic treatment. The use of an operating microscope and thorough manual exploration to locate and prepare additional canals, such as the mesiomedial canal in lower molars, are essential for successful endodontic therapy.
Keywords: Endodontics, root canal, Molar tooth, Anatomy.
INTRODUÇÃO
A endodontia moderna enfrenta constantes desafios devido à complexidade anatômica dos dentes, especialmente nos molares inferiores, que frequentemente apresentam variações significativas em seus sistemas de canais radiculares (VERTUCCI, 2005). Entre essas variações, a presença de três canais mesiais em molares inferiores é um fenômeno relativamente raro, mas que exige atenção especial durante o diagnóstico e tratamento endodôntico (CLEGHORN et al., 2008).
A falha em identificar e tratar todos os canais radiculares pode levar a um insucesso terapêutico, resultando em dor persistente, infecção e, eventualmente, a perda do dente. Tradicionalmente, a detecção de canais adicionais é realizada por meio de exames radiográficos e, em alguns casos, por tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) (SOUZA et al., 2014). No entanto, a prática clínica demonstra que a exploração manual dos canais, aliada a uma observação criteriosa durante procedimentos endodônticos e magnificação, pode revelar a presença de canais acessórios que não foram previamente detectados (KILCOYNE; NEWMAN, 2018).
A diversidade na configuração dos canais radiculares de dentes permanentes e sua relação com tratamentos endodônticos tem sido investigada ao longo dos anos (Tomaszewska et al., 2018; Versiani et al., 2016; Vertucci, 1984). Entre os dentes estudados, os molares inferiores têm sido foco de diversas pesquisas que evidenciaram uma grande variação anatômica (Aminsobhani et al., 2010), podendo exibir várias configurações e quantidades de canais radiculares.
As radiografias são fundamentais para revelar características anatômicas da raiz do dente e parte da anatomia interna. No entanto, apresentam grandes limitações quando se trata de obter informações mais detalhadas, como a identificação de um quarto canal na raiz dos primeiros molares. Nesse contexto, a Tomografia Computadorizada de Feixe Cônico (TCFC) tornou-se uma ferramenta clínica essencial, proporcionando uma visualização tridimensional das imagens (Patel et al., 2019). Entre suas diversas aplicações na endodontia, destaca-se o estudo da morfologia dos canais radiculares, permitindo determinar o número, localização, forma, tamanho e orientação dos canais (Weinberg et al., 2020), informações cruciais para o planejamento do tratamento.
Diversos estudos recentes, tanto clínicos quanto experimentais, além de relatos de casos, utilizando microscopia operatória, tomografia computadorizada e micro tomografia (Tomaszewska et al., 2018; Versiani et al., 2016; Weinberg et al., 2020), têm investigado a ocorrência do canal mésio-medial (MM) em molares inferiores. No entanto, há divergências quanto à taxa de incidência relatada, com resultados que variam de nenhum caso identificado a uma prevalência de 53,84% (Karapinar-Kazandag et al., 2010; Versiani et al., 2016; Tahmasbi et al., 2017; Srivastava et al., 2018; Tomaszewska et al., 2018; Weinberg et al., 2020).
Este relato de caso aborda o tratamento endodôntico em um primeiro molar inferior que apresentou três canais mesiais, sendo que o canal mésio-medial foi detectado durante a etapa de obturação dos canais radiculares.
RELATO DO CASO CLÍNICO
Paciente com 21 anos de idade, do sexo masculino, procurou a Pós-graduação de uma Faculdade de Odontologia no interior do Ceará, relatando sintomatologia dolorosa associada ao dente 46. Após a avaliação clínica e radiográfica diagnosticou-se uma pulpite irreversível (Fig.1).
Figura 1- Imagem radiográfica do primeiro molar inferior esquerdo com necessidade de tratamento endodôntico.
Na primeira sessão do tratamento realizou-se a remoção da restauração provisória, acesso coronário sob isolamento absoluto com auxílio de broca #1014 HL e em seguida uso da broca Endo-Z (Dentsply ) para a remoção do teto da câmara pulpar, o que facilitou a exploração e localização dos canais radiculares mésio-vestibular, mésio-lingual e distal com a lima #10.
Para o preparo do terço cervical utilizou-se a lima Primary seguida de irrigação com hipoclorito de sódio 2,5% e realização da odontometria com localizador apical digital e exame radiográfico. Dessa forma, obteve-se as seguintes medidas do CRT (comprimento real de trabalho): mésio-vestibular 21mm, mésio-ligual 22mm e distal 22mm.
Posteriormente realizou-se o glide path com as limas manuais #10, #15 e #20, fazendo irrigação com hipoclorito de sódio a cada troca de lima. Logo após, colocou-se uma medicação intracanal a base de hidróxido de cálcio e em seguida realizou-se a restauração provisória com o uso da resina bulk fill.
Na segunda sessão de tratamento, o paciente retornou assintomático. Seguiu-se então com a remoção completa da medicação intracanal utilizando irrigação com hipoclorito de sódio 2,5% e patência com lima manual #10.
Depois instrumentou-se o terço apical com o sistema mecanizado Waveone Gold, na qual utilizou-se as limas Small e Primary nos canais mesiais e no canal distal as limas Primary, Medium e Large. Após a finalização da instrumentação, foi realizada a Conometria (Fig.2).
Figura 2- Conometria.
Iniciou-se então a etapa de obturação dos canais. Seguiu-se com o protocolo de irrigação final com EDTA 17% e hipoclorito de sódio 2,5% com ativação da solução irrigadora com inserto ultrassônico E1 da Helse. Inseriu-se os cones em seus respectivos canais, juntamente com cimento obturador AH Plus Jet- (Dentsply) na qual durante essa etapa observou-se o escoamento dessa substância para um terceiro conduto na raiz mesial, identificando assim juntamente com auxílio do microscópio operatório o canal mésio-medial.Foi realizada a instrumentação e obturação desse canal e em seguida realizou-se a técnica de termoplastificação da guta percha em todos os canais. Por último realizou-se uma restauração provisória e radiografia final, na qual observou-se também a obturação do canal mésio-medial (Fig.3) e ( Fig.4).
Figura 3- Imagem do escoamento do cimento, no canal médio-mesial.
Figura 4- Imagem radiográfica final, apresentando os quatros canais obturados.
DISCUSSÃO
A identificação e o tratamento adequado de canais radiculares adicionais, como o terceiro canal mesial em molares inferiores, são cruciais para o sucesso endodôntico. De acordo com Jacob-sen et al. (1994), o mésio-medial está presente em 12% dos primeiros molares inferiores, sendo uma das variações mais desafiadoras para os profissionais (CLEM et al., 2019). No caso apresentado, a descoberta do terceiro canal mesial durante a aplicação do cimento obturador, reforça a necessidade de uma abordagem clínica minuciosa, mesmo quando os exames de imagem prévios não indicam essas variações anatômicas.
A ausência na localização deste terceiro canal por meio de radiografias periapicais pode ser atribuída às limitações inerentes a esse tipo de exame, que por evidenciar imagens bidimensionais, que não conseguem revelar toda a complexidade do sistema de canais radiculares (SOUZA et al., 2014). Apesar do uso cada vez mais comum da tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) para a detecção de canais adicionais, este caso demonstra que a exploração manual, juntamente com o auxílio do microscópio operatório durante o tratamento endodôntico é crucial na identificação de variações anatômicas não detectadas previamente (CLEGHORN et al., 2008).
Estudos indicam que a falta de tratamento de canais acessórios pode resultar em persistência ou recidiva da lesão periapical, enfatizando a importância de uma abordagem endodôntica completa e detalhada (VERTUCCI, 2005). Além disso, o protocolo de irrigação com hipoclorito de sódio e sua ativação ultrassônica, juntamente com a técnica de obturação termoplastificada, está alinhada com as práticas endodônticas contemporâneas, que visam assegurar a desinfecção e selamento tridimensional de todos os canais radiculares (SANTOS et al., 2020). A literatura reforça o uso dessas técnicas, especialmente em casos com morfologia complexa, para maximizar o sucesso do tratamento (CUNHA et al., 2016).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conhecimento da anatomia dos sistemas de canais radiculares e de suas variações anatômicas contribuem para o sucesso do tratamento endodôntico. O uso do microscópio operatório associado a uma exploração manual minuciosa com intuito de localizar e preparar canais adicionais, como o mésio-medial em molares inferiores são imprescindíveis para uma terapêutica endodôntica de sucesso.
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