REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11100270
Maria Auxiliadora Alves Maciel1
Thales Felipe da Silva Costa2
Carina Lélia Muniz3
Samuel Evangelista da Silva Bicalho4
João Bosco Formiga Relvas5
RESUMO
A endodontia é uma área da odontologia que atua sob as estruturas da polpa dentária, bem como no tratamento de patologias que a acometem. Uma dessas patologias, é a necrose pulpar com a presença de lesões periapicais, que possuem causas variadas, e nem sempre tão claras para o paciente e para o cirurgião dentista, sendo assim os exames complementares, como a tomografia computadorizada e as radiografias digitais são primordiais para o diagnóstico. A cirurgia parendodôntica, em conjunto com os materiais obturadores específicos para cada situação, são fortes aliados do cirurgião-dentista no tratamento de lesões periapicais de grande extensão, e que são resistentes ao tratamento endodôntico convencional. Este relato de caso aborda o diagnóstico, o plano de desenvolvimento do tratamento proposto e a proservação de uma paciente acometida por necrose pulpar e lesão periapical extensa, unindo um tratamento endodôntico prévio, seguido do procedimento cirúrgico com a utilização da cirurgia parendodôntica. Foi possível concluir que o tratamento endodôntico e a cirurgia parendodôntica associada ao uso do MTA nesse caso clínico, demonstraram efetividade na resolução do caso clínico relatado.
Palavras-chave: Endodontia. Tomografia computadorizada. Material obturador do canal radicular. Apicectomia.
ABSTRACT
Endodontics is an area of dentistry that works on the structures of the dental pulp, as well as in the treatment of pathologies that affect it. One of these pathologies is pulp necrosis with the presence of periapical lesions, which have varied causes, and are not always so clear to the patient and the dentist, therefore complementary exams, such as computed tomography and digital x-rays are essential. for diagnosis. Endodontic surgery, together with specific filling materials for each situation, are strong allies of the dentist in the treatment of large periapical lesions that are resistant to conventional endodontic treatment. This case report addresses the diagnosis, the proposed treatment development plan and the follow-up of a patient affected by pulp necrosis and extensive periapical lesion, combining previous endodontic treatment, followed by the surgical procedure with the use of endodontic surgery. It was possible to conclude that endodontic treatment and endodontic surgery associated with the use of MTA in this clinical case demonstrated effectiveness in resolving the reported clinical case.
Keywords: Endodontics. Computed tomography. Root canal filling material. Apicectomy.
INTRODUÇÃO
A endodontia é a área da odontologia que trata da saúde da polpa dentária e das patologias pulpares e periapicais relacionadas ao sistema de canais radiculares (Moreti et al., 2019). O objetivo do tratamento endodôntico convencional, é realizar a instrumentação mecânica e desinfecção química dos canais radiculares, que tem como função eliminar o tecido dentinário contaminado e garantir que o agente irrigador alcance toda a extensão do canal dentinário. Para que o tratamento seja eficiente, todas as etapas precisam ser feitas de forma criteriosa, desde o diagnóstico do paciente até a obturação dos canais (Travassos et al., 2021).
Dessa forma, a necrose pulpar é o resultado das patologias pulpares e quando há a presença de microrganismos nesse processo, é possível observar através de exames de imagem, como radiografias e tomografias computadorizadas áreas radiolúcidas, que podem ser denominadas de lesões periapicais (Fehlberg, 2019). Essas lesões, podem ser classificadas como cistos radiculares, granulomas dentários ou abscessos (Alghamdi et al., 2020).
Para o caso das lesões periapicais, a depender de alguns fatores como a extensão e o tipo de bactéria existente, estas são mais resistentes aos tratamentos endodônticos convencionais, e um grande aliado do cirurgião-dentista nestes casos é a realização de cirurgias parendodônticas, que proporcionarão uma maior efetividade num plano de tratamento de reversão desta lesão, o paciente será submetido a um procedimento que lhe garantirá maior previsibilidade ao fim do tratamento (Oliveira, 2021). Embora, o percentual de casos malsucedidos seja mínimo, estes podem ter causas variadas como, tratamentos endodônticos realizados no passado que tiveram insucesso, ausência da técnica adequada no tratamento realizado que possibilitou uma nova reinfecção por microrganismos, e até mesmo traumas, que muitas vezes passa despercebido pelo paciente (Fehlberg e Bitencourt, 2019).
É importante destacar, que é fundamental que o odontólogo realize no paciente todos os exames clínicos e complementares necessários. Com o avanço das tecnologias ao avanço do ano, a radiografia digital e a tomografia computadorizada são aliadas fundamentais para um diagnóstico assertivo e plano de tratamento eficaz para um paciente acometido por este tipo de patologia. A tomografia computadorizada trouxe grandes contribuições para a odontologia, proporcionando uma maior precisão com informações exatas acerca das estruturas anatômicas, dimensões, visualização em cortes com precisão e diferenciação de tecidos da cavidade oral (Araujo et al., 2019).
O tratamento endodôntico, segundo Moreti et al. (2019), deve ser realizado de acordo com as premissas biológicas e científicas, com o objetivo de se eliminar ao máximo as possibilidades de insucesso no tratamento, que podem se dar por falhas técnicas, equívoco no momento do diagnóstico, a falta ou pouca habilidade do cirurgião-dentista, ou ainda, a ausência da realização de exames primordiais para o início do tratamento, como o exame radiográfico e a tomografia computadorizada.
Entretanto, mesmo com todas as técnicas utilizadas, e de forma correta, há casos em que os microrganismos são persistentes e mesmo o paciente sendo submetido a endodontia, ocorre o fracasso no tratamento. Sendo assim, a primeira opção do endodontista é o retratamento (Braine et al., 2016). Porém, quando localizada na porção apical e as maneiras de se conter a proliferação dos microrganismos não são efetivas, o protocolo cirúrgico poderá ser uma opção para a resolução do caso (Alghamdi et al., 2020).
Em alguns casos conduzidos somente com o tratamento endodôntico convencional, apresentam a persistência das lesões periapicais, por este motivo, a terapêutica cirúrgica se dá como primeira linha de tratamento a ser aplicada. Ou ainda, como retratamento, para casos quando o tratamento conservador foi executado como primeira opção, e não atingiu os resultados esperados pelo cirurgião-dentista, sendo o principal deles, a diminuição da lesão periapical (Carlesso e Santos, 2019).
Nos casos clínicos que a terapia cirúrgica é eleita como complementar ao tratamento endodôntico, ela consiste na remoção dos tecidos que circundam o ápice radicular, e que estão contaminados por bactérias e/ou microrganismos. Esta remoção visa combater o agente causador da lesão persistente, que não pôde ser combatida totalmente, com o tratamento endodôntico convencional, de forma conservadora. Sendo assim, as principais indicações para estas intervenções cirúrgicas são patologias perirradiculares persistentes, com constante excreção de exsudato, casos em que há reabsorção radicular, ou ainda a calcificação dos canais dentinários, que impossibilita a realização do tratamento endodôntico convencional (Fehlberg e Bittencourt, 2019).
Dentre os procedimentos realizados na terapia cirúrgica, a apicectomia é uma das técnicas em que se é realizado um corte na região apical da raiz para se eliminar patologias que acometem a região, devido ao acúmulo de microrganismos e a dificuldade de desinfecção da área. Este corte deve ser realizado em bisel, direcionado ao operador, para facilitar a visualização e a posterior obturação. Toda a área infectada deve ser removida, com margem de segurança, a fim de se evitar posteriores infecções por tecido remanescente que permaneceu em canais dentinários secundários (Melo, 2022).
Dessa forma, de acordo com Oliveira (2021), a técnica cirúrgica oferece boa previsibilidade, o que se dá devido a obturação com o material adequado. O cimento biocerâmico é um material fundamental para a efetividade e sucesso do tratamento proposto, este por sua vez, deve possuir biocompatibilidade, boa capacidade de vedação hermética apical, promoção da regeneração do tecido apical afetado, baixa toxicidade, boa estabilidade dimensional, bioinerte e ainda possuir características antibacterianas e antifúngicas. Com todas estas propriedades, o cimento biocerâmico possibilitará a não proliferação de microrganismos na região, bem como regeneração dos tecidos acometidos.
Esse estudo teve como objetivo relatar um caso clínico de necrose pulpar com lesão periapical extensa solucionado com o tratamento endodôntico e a cirurgia parendodôntica.
RELATO DE CASO
Paciente E.N.P., 26 anos, gênero feminino, compareceu à Clínica Odontológica do Centro Universitário São Lucas, sem queixas consideráveis. Seguindo o protocolo, foram realizados os procedimentos iniciais de rotina, sendo eles: anamnese, exame clínico e físico.
Durante o exame clínico, observou-se uma fístula próximo ao dente 12, bem como uma cicatriz na região do mento, e quando questionada sobre o assunto, a paciente relatou que sofreu um trauma na região da face, há mais de 15 anos, entretanto, não havia queixa de dor ou qualquer outro sintoma. A paciente relatou ainda que em determinados períodos, ocorria a drenagem de secreção purulenta, por meio da fístula existente na mucosa, localizada na região apical do elemento 12.
Após o exame radiográfico digital do dente 11 (Figura 01), foi possível identificar uma extensa área com rarefação óssea, com indicativo de lesão periapical em dente não tratado endodonticamente, na região periapical dos elementos 11 e 12.
Figura 01 – Radiografia digital inicial (elemento 11).
Fonte: Próprio autor
Dando seguimento ao protocolo de atendimento, foi realizado o teste vitalidade pulpar ao frio, após o estímulo o resultado foi negativo. Também, foram feitos os testes de percussão vertical que se apresentou positivo e o teste de percussão horizontal apresentou-se negativo. Após a realização da palpação digital da região, não foi identificado incômodo por parte da paciente.
Tendo em vista a grande lesão identificada no exame radiográfico, ao fim do atendimento a paciente foi encaminhada para a realização de uma tomografia computadorizada (Figuras 02 e 03), para se possibilitar fazer uma análise e investigação mais minuciosa sobre o caso clínico em questão.
Figura 02 – Tomografia computadorizada dos elementos dentários 12 e 11.
Com o resultado da tomografia computadorizada realizada na região do elemento 11, foi observado imagem hipodensa periapical compatível com processo inflamatório crônico ou outra lesão da mesma tipologia, com dimensões de 14mm em um corte transversal oblíquo. O exame apontou ainda fenestração na face vestibular, extensão da lesão para a região do elemento 12 e o rebordo ósseo com reabsorção alveolar horizontal. A falta de sintomas sinalizadas pela paciente, indicou a ocorrência de um abcesso periapical crônico.
Figura 03 – Tomografia inicial – reconstrução em 3D (vista vestibular).
Nesse caso, o tratamento inicial proposto foi o tratamento endodôntico convencional, a fim de se regredir a lesão instalada. Para o tratamento, foi realizada a técnica anestésica do nervo alveolar infraorbitário, com mepivacaína 2% com epinefrina 1:100.000 (DFL) e isolamento absoluto do elemento 11, com lençol de borracha (Madeitex), arco dobrável (Maquira) e grampo n° 00 (Golgran). Com o auxílio da caneta de alta rotação e ponta diamantada de número 1013 (KG), foi realizada a cirurgia de acesso à câmara pulpar, e a forma de conveniência do acesso se deu com o auxílio de uma ponta diamantada 3082 (KG) e carbide Endo-Z (Dentsply Sirona). Diante da cirurgia de acesso, de imediato houve drenagem de uma quantidade considerável de exsudato purulento pela câmara pulpar.
Tendo em vista este fato, nesta primeira sessão foi realizada a exploração do canal radicular, sendo ele realizado com o cateterismo, com as limas manuais Flexofile #8 e #10 (Dentsply Sirona), calibradas no CPT de 19mm. Para se irrigar o canal, foi utilizado hipoclorito de sódio (NaClO) na concentração de 2,5% (Asfer), onde a aspiração foi realizada a cada troca de lima. Após esse procedimento, houve a neutralização do canal com soro fisiológico estéril a 9% (JP Farma) e a aplicação da medicação intracanal, sendo ela o formocresol (Biodinâmica®), com bolinha de algodão estéril. Foi realizado ainda o selamento da cavidade com Isotape (TDV) e restauração provisória com cimento de ionômero de vidro restaurador (FGM), e por fim, foi feito a checagem e ajuste de oclusão com papel carbono (Maquira) e ponta diamantada 3118F (Microdont).
Ao fim da sessão clínica, tendo em vista a grande infecção ali instalada, foi prescrito para a paciente os seguintes medicamentos: Amoxicilina 500mg + Ácido Clavulânico (125mg) para tomar de 8 em 8 horas durante o período de 7 dias.
Na segunda sessão, foi feita a remoção da restauração provisória com ponta diamantada 1013 (KG) e remoção do Isotape (TDV) e da bolinha de algodão estéril. Foi iniciado o preparo biomecânico do terço cervical e médio por meio da instrumentação do canal, com as Limas Manuais Flexofile #15, #20 # 25 e #30 (Dentsply Sirona), calibradas no CPT de 19mm, e irrigação abundante com hipoclorito de sódio (NaClO) na concentração de 2,5% (Asfer), com aspiração a cada troca de lima. Após esse passo, foi realizada a neutralização do canal com soro fisiológico estéril a 9% (JP Farma) e a aplicação da medicação intracanal, sendo ela o formocresol (Biodinâmica®), com bolinha de algodão estéril. Foi realizado novamente o selamento da cavidade com Isotape (TDV) e restauração provisória com cimento de ionômero de vidro restaurador (FGM), e por fim, foi feito a checagem e ajuste de oclusão com papel carbono (Maquira) e ponta diamantada 3118F (Microdont).
Na terceira sessão foi feita a remoção da restauração provisória com ponta diamantada 1012 e 1014 (KG) e remoção do Isotape (TDV) e da bolinha de algodão estéril. Para a instrumentação foi utilizada a Lima Manual Flexofile #30 (Dentsply Sirona), calibrada no CPT de 19mm, e irrigação abundante com hipoclorito de sódio (NaClO) na concentração de 2,5% (Asfer), com aspiração. Com o preparo do terço cervical e médio finalizado, foi realizada a odontometria do canal do elemento 11, com o auxílio de localizador foraminal (Gnatus), onde se obteve o CRT igual a 23mm. Foi realizada então a instrumentação do terço apical do canal, sendo essa a segunda fase do tratamento endodôntico, através das Limas Manuais Flexofile #10, #15, #20 # 25 e #30 (Dentsply Sirona), calibradas no CRT de 23mm. Após a troca de cada lima, foi realizada irrigação abundante com hipoclorito de sódio (NaClO) na concentração de 2,5% (Asfer), com aspiração.
Após esse passo, foi realizado o preparo biomecânico do terço apical com Lima Rotatória Protaper Gold Sx, S1, S2, F1, F2 e F3 (Dentsply Sirona), com motor endodôntico (E-connect -s – MK Life) com o RPM em 250 e torque 3.0, com movimento de bicada. Após a troca de cada lima, foi realizada irrigação abundante com hipoclorito de sódio (NaClO) na concentração de 2,5% (Asfer) e o canal radicular foi inundado com EDTA a 17% (Biodinâmica) por 3 minutos. Por fim, foi realizada a neutralização do canal com soro fisiológico estéril a 9% (JP Farma) e a secagem do canal com pontas de papel absorvente (Dentsply Sirona) e aplicação da medicação intracanal (imagem 04), composta por Propilenoglicol (Vitapharma), Hidróxido de cálcio P.A. (Maquira) e Iodofórmio (Maquira). A aplicação foi realizada com lima memória #25 (Dentsply Sirona) e broca lentulo nº 25 – 25mm vermelha (MK Life).
Após a aplicação da medicação intracanal (Figura 04), foi realizado o selamento da cavidade com Isotape (TDV) e restauração provisória com cimento de ionômero de vidro restaurador (FGM), e por fim, foi feito a checagem e ajuste de oclusão com papel carbono (Maquira) e ponta diamantada 3118F (Microdont).
Figura 04 – Aplicação da medicação intracanal (Pasta Holland).
Após a aplicação da medicação intracanal, foi realizado o selamento da cavidade com Isotape (TDV) e restauração provisória com cimento de ionômero de vidro restaurador (FGM), e por fim, foi feito a checagem e ajuste de oclusão com papel carbono (Maquira) e ponta diamantada 3118F (Microdont).
A quarta sessão se deu 9 dias após a aplicação da Pasta Holland, foi feita a remoção da restauração provisória e da medicação intracanal, com abundante irrigação com hipoclorito de sódio (NaClO) na concentração de 2,5% (Asfer) e aspiração constante. A irrigação final foi feita com a sequência de aplicação de EDTA a 17% (Biodinâmica®), hipoclorito de sódio a 2,5% e soro fisiológico estéril a 9% (JP Farma), respectivamente. Foi realizada então a secagem do canal com pontas de papel absorvente F3 (Dentsply Sirona) para a realização da prova do Cone de Guta Percha F3 (Dentsply Sirona), onde foi feita radiografia (Figura 05) para confirmação quanto ao posicionamento do cone dentro do canal.
Figura 05 – Prova do cone de Guta Percha
Em seguida, foi realizada a obturação do canal radicular, com a inserção de um cone de Guta Percha F3 (Dentsply Sirona) principal e cones de Guta Percha (Dentsply Sirona) acessórios, tendo em vista a dimensão do canal radicular, e cimento endodôntico biocerâmico Sealer Plus (Angelus). Os cones foram cortados e condensados verticalmente. Após este passo, foi realizada a limpeza da embocadura do canal, com óleo de laranja (Maquira) e bolinha de algodão estéril e logo após álcool a 70%. Logo em seguida, foi realizada nova radiografia para a confirmação da efetividade da obturação realizada (Figura 06).
Figura 06 – Radiografia para confirmação da obturação endodôntica
Por fim, foi realizada a restauração provisória com cimento de ionômero de vidro restaurador (FGM), e feita a checagem com papel carbono e ajuste oclusal com ponta diamantada 3118F (Microdont).
Diante da dimensão da lesão periapical, presença de fístula e exsudato purulento através da fístula, a realização da cirurgia parendodôntica foi planejada, para se realizar a curetagem da lesão, bem como a apicectomia do elemento 11.
Dessa forma, antes do procedimento foi realizada a aferição da pressão arterial da paciente, para se averiguar se não havia nenhuma alteração que comprometesse a realização do procedimento. Uma vez que a pressão estava dentro da normalidade, foram seguidos os passos para a realização da cirurgia, sendo: antissepsia das mãos e antebraço do operador e auxiliar com escova de antissepsia a 2% de digliconato de clorexidina (Rioquimica); desinfecção das superfícies de contato do box clínico, com álcool 70° (Coperalcool); preparo da bancada cirúrgica, com a organização dos materiais; antissepsia intraoral da paciente com bochecho com Clorexidina à 0,12% (Rioquimica) e extraoral com Clorexidina à 2% (Rioquimica); e por fim, o posicionamento do campo cirúrgico (Protdesc) para se iniciar o procedimento.
Ao dar início ao procedimento, a paciente foi submetida à anestesia local utilizando mepivacaína 2% com epinefrina 1:100.000 (DFL), por meio das técnicas de bloqueio do nervo infraorbitário, bloqueio do nervo anterior médio e bloqueio do nervo nasopalatino. A incisão realizada foi do tipo intrasulcular, estendendo-se da distal do elemento 13 a distal do elemento 21, com uma incisão relaxante, sendo ela na região distal do elemento 13, com o auxílio da lâmina de bisturi n° 15 (Solidor). A diérese foi realizada com o descolador de Molt (Fava), rebatendo o retalho total, expondo o periósteo para possibilitar o acesso à região lesionada (Figura 07). Com o acesso realizado, foi confirmada a ruptura da tábula óssea, ocasionada pela lesão.
Figura 07 – Acesso cirúrgico à lesão (retalho)
Com o acesso realizado, foi retirada a membrana que envolvia a secreção da lesão, com o auxílio de uma Cureta de Lucas n° 86 (Golgran). O espaço lesionado foi curetado, e irrigado com soro fisiológico estéril a 9% (JP Farma). E após este processo, foi realizada a osteotomia em cerca de 2mm da região óssea que cercava a lesão (Figura 08), na porção vestibular do osso maxilar, com broca carbide cirúrgica n° 703 (Angelus) e caneta de baixa rotação (Schuster).
Figura 08 – Remoção da lesão
Ao fim da adequação da área da lesão, foi realizada a apicectomia com a remoção de 2mm do ápice do elemento 11, com broca carbide cirúrgica n° 703 (Angelus) e caneta de baixa rotação (Schuster). Durante todo o procedimento da remoção apical, foi realizada irrigação intensa com soro fisiológico estéril a 9% (JP Farma), para resfriamento da cavidade, bem como sua lavagem.
Ao fim da apicectomia, toda a área foi intensamente irrigada com soro fisiológico estéril a 9% (JP Farma), para se remover todo e qualquer resíduo necrótico presente na região, e foi realizado o alisamento ósseo, com lima para osso (Golgran), para se remover possíveis irregularidades ósseas. Ao fim do alisamento, foi realizada uma nova irrigação, com o intuito de se garantir a completa lavagem do local.
Após este procedimento, foi feita a manipulação do cimento reparador MTA branco (Angelus), na proporção indicada pelo fabricante, e o material foi aplicado e prensado na região do ápice do elemento 11 (Figura 09), com uma espátula de resina n° 01 (Golgran).
Figura 09 – Apicectomia realizada com aplicação do cimento MTA
Com o fim da aplicação do cimento, se observou a hemostasia da região, com a formação de tampão plaquetário, o que é de grande importância para a regeneração óssea no local. Assim, o retalho foi reposicionado e suturado (imagem 10) com fio de sutura de nylon 4-0 (Procare), com auxílio de porta agulha Mayo Hegar com Wídea (Golgran) e pinça Dietrich (Golgran), em ponto simples interrompido, finalizando assim o procedimento cirúrgico, sem intercorrências.
Imagem 10 – Sutura finalizada
A paciente recebeu as orientações pós-operatórias de protocolo em relação à alimentação, higienização da ferida cirúrgica e medicamentos prescritos. Foram prescritos os seguintes medicamentos: Ibuprofeno 600mg de 8 em 8 horas, durante 3 dias + Dexametasona 4mg de 8 em 8 horas, durante 2 dias + Amoxicilina 500mg de 8 em 8 horas, durante 7 dias + Dipirona 500mg de 6 em 6 horas, em caso de dor.
Após 7 dias, a paciente retornou a Clínica Odontológica do Centro Universitário São Lucas, para a retirada da sutura, com auxílio de tesoura reta (Golgran) e pinça clínica (Golgran) sem demais intercorrências no pós-cirúrgico.
Depois de um período de proservação de 3 meses, a paciente retornou ao Centro Odontológico, foi feita a radiografia periapical (Imagem 11). Sendo assim, observou-se regressão considerável da lesão, a diminuição de sua extensão, com indicativo de regeneração dos tecidos ósseos. Paciente apresentou-se sem sintomatologia dolorosa e ausência de fístula. É possível observar radiograficamente imagem radiolúcida, indicando que o processo cicatricial e de regeneração óssea ainda está sendo efetivada, dessa forma uma nova proservação desse caso clínico será realizada após 3 meses, 6 meses e 12 meses.
Imagem 11 – Radiografia de proservação do caso
DISCUSSÃO
Em casos de lesões periapicais extensas, existe grande prevalência do insucesso quando a forma de tratamento escolhida é o tratamento endodôntico convencional conservador. Por este motivo, a terapêutica cirúrgica, na maioria dos casos, é o tratamento mais adequado (Oliveira, 2021). Entretanto, mesmo com esta abordagem, há registros da não eficácia do tratamento, com a reinfecção dos microrganismos e a reincidência da lesão. Isso se deve a diversas situações, sendo a principal delas, a falha da técnica utilizada pelo cirurgião dentista durante o procedimento (Andrade et al., 2022).
A finalidade da cirurgia parendodôntica é administrar o tratamento de lesões quando não se obteve sucesso no tratamento endodôntico convencional. Apesar de muitos autores classificarem essa terapêutica como invasiva e há divergências que concluem que esta deve ser considerada como um tratamento conservador, haja vista que em determinados casos específicos, apenas com sua execução o órgão dental poderá ser preservado, somado ao fato de que o grau de sucesso desse procedimento é previsível, quando executado bem, assim como os exames clínicos, radiológicos e de imagens do paciente acometido (Moreti et al., 2019).
No que diz respeito ao diagnóstico por imagem na endodontia, as radiografias periapicais convencionais possuem inúmeras limitações (Patel et al., 2019), uma vez que suas imagens são bidimensionais onde há a ocorrência de distorções e sobreposições que podem levar o cirurgião dentista ao diagnóstico equivocado ou impreciso, tal fato irá comprometer diretamente o tratamento proposto para o caso (Setzer e Lee, 2021).
Acerca da utilização da tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) na odontologia, esta demonstra vantagens quando comparada com as radiografias periapicais convencionais, pois fornecem imagens livre de sobreposições, com reprodução em três dimensões, o que possibilita a visão em três planos (Andrade et al., 2022). Em contrapartida, quando comparadas com as radiografias convencionais, no que diz respeito à exposição à radiação, as tomografias apresentam exposições muito mais elevadas, o que a depender da incidência, poderá trazer riscos ao paciente (Patel et al., 2019).
O tratamento de primeira escolha para caso de pacientes acometidos por lesões periapicais, é a terapêutica endodôntica convencional, tendo como premissa a preservação das estruturas naturais do elemento dentário, enquanto ocorre a regressão da lesão e a regeneração dos tecidos, por meio da aplicação contínua de medicação intracanal entre as consultas (Andrade et al., 2022). Todavia, em alguns casos, mesmo que quando bem executados, este tratamento não se mostra efetiva e a melhor escolha de intervenção é o procedimento cirúrgico, com o objetivo de se remover totalmente o tecido patológico e o agente agressor que acomete a região periapical (Morais, 2022).
Embora relativamente recente, pesquisas demonstram que a laserterapia se consolidou na odontologia, e mais especificamente, na endodontia. Estudos revelam que com o aprimoramento e aperfeiçoamento, a terapia fotodinâmica grande efetividade quando aplicados na endodontia, pois possuem a capacidade de auxiliar na remodelação e regeneração tecidos, eliminação de microrganismos e redução de inflamações, sendo assim, um grande aliado do cirurgião-dentista (Carvalho, 2021).
Referente à regeneração e reparação óssea das lesões, materiais específicos promovem uma reabilitação considerável, tornando o tratamento de sucesso. O cimento reparador MTA é o material de primeira escolha, tendo em vista suas características de biocompatibilidade, propriedades químicas, físicas e biológicas, possui ação antibacteriana e ainda possibilita que o cirurgião-dentista o utilize em áreas úmidas, tendo eficácia como material retrobturador (Fehlberg e Bittencourt, 2019). Em casos de lesões muito extensas, além do cimento reparador, estudos apontam o uso associado desse material com enxertos autógenos, que proporcionam ainda uma maior regressão da lesão (Miranda et al., 2018).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi possível concluir que o tratamento endodôntico e a cirurgia parendodôntica associada ao uso do MTA nesse caso clínico, demonstraram efetividade na resolução do caso clínico relatado.
REFERÊNCIAS
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1Acadêmica do curso de Odontologia do Centro Universitário São Lucas – Porto Velho. E-mail: maria.alvesm0219@gmail.com
2Acadêmico do Curso de Odontologia do Centro Universitário São Lucas – Porto Velho. E-mail: tfsc.thales@gmail.com
3Professora do curso de Odontologia do Centro Universitário São Lucas – Porto Velho. E-mail: carina.muniz@saolucas.edu.br
4Professor do curso de Odontologia do Centro Universitário São Lucas – Porto Velho. E-mail: Samuel.bicalho@saolucas.edu.br
5Orientador e Professor do curso de Odontologia do Centro Universitário São Lucas – Porto Velho. E-mail: joao.relvas@saolucas.edu.br