TRANSTORNOS MENTAIS EM VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: UMA REVISÃO DAS EVIDÊNCIAS RECENTES

MENTAL DISORDERS IN VICTIMS OF DOMESTIC VIOLENCE: A REVIEW OF RECENT EVIDENCE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202505300518


Milton Tirello Pinheiro1; Matheus de Souza Joaquim2; Rafael da Cunha Rodrigues3; Pedro Ernâni Luz dos Santos de Magalhães4; Dayanne de Carvalho Fontes5


RESUMO

A violência doméstica constitui um problema de saúde pública de grandes proporções, com repercussões graves para a saúde física e, principalmente, para a saúde mental das vítimas. Esse fenômeno social afeta predominantemente mulheres, crianças, adolescentes e idosos, gerando consequências psicológicas duradouras. Este artigo tem como objetivo realizar uma revisão integrativa da literatura publicada entre 2018 e 2023, com foco na associação entre violência doméstica e o desenvolvimento de transtornos mentais. A pesquisa foi conduzida nas bases de dados PubMed e BVS, incluindo ensaios clínicos, estudos observacionais e de coorte, com a seleção de artigos que abordam diferentes aspectos dessa relação. Os resultados apontam uma associação robusta entre a exposição à violência doméstica e o surgimento de transtornos mentais, com destaque para a depressão, a ansiedade e o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). A evidência disponível também reforça a necessidade de ações integradas e interdisciplinares no enfrentamento dessa problemática, envolvendo tanto serviços de saúde quanto de assistência social. A análise dos estudos revela, ainda, a importância de estratégias de intervenção precoces e eficazes, como as terapias psicoterapêuticas, para mitigar os impactos psicológicos decorrentes da violência doméstica.

Palavras-chave: violência doméstica; transtornos mentais; saúde coletiva; revisão integrativa.

ABSTRACT

Domestic violence is a significant public health issue with severe consequences for both physical and, particularly, mental health. This social phenomenon disproportionately affects women, children, adolescents, and the elderly, leading to long-term psychological distress. This article aims to conduct an integrative review of the literature published between 2018 and 2023, focusing on the relationship between domestic violence and the onset of mental disorders. The search was carried out in the PubMed and BVS databases, including clinical trials, observational studies, and cohort studies, with a particular focus on articles that examine various aspects of this relationship. The findings reveal a strong association between exposure to domestic violence and the development of mental health disorders, including depression, anxiety, and post-traumatic stress disorder (PTSD). Additionally, the available evidence highlights the urgent need for integrated and interdisciplinary actions in addressing this issue, involving both healthcare and social support services. The analysis of the studies further emphasizes the importance of early and effective intervention strategies, such as psychotherapeutic therapies, to mitigate the psychological impacts resulting from domestic violence.

Keywords: domestic violence; mental disorders; public health; integrative review.

1. Introdução

A violência doméstica, enquanto fenômeno histórico, estrutural e multifatorial, representa uma das formas mais graves de violação dos direitos humanos. Caracteriza-se por relações marcadas pelo poder, controle e dominação, afetando desproporcionalmente mulheres em contextos familiares e íntimos. Manifesta-se de diversas formas — física, psicológica, sexual, patrimonial e moral — e está fortemente ligada a desigualdades de gênero e a padrões culturais opressores. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que uma em cada três mulheres no mundo já foi vítima de violência física e/ou sexual praticada por parceiro íntimo, o que expressa a dimensão e a gravidade do problema (ALHABIB; NUR; JONES, 2020).

No Brasil, a violência contra a mulher é um fenômeno amplamente registrado, mas ainda subnotificado. Um estudo observacional realizado em um hospital do estado do Rio de Janeiro revelou que 81,6% das notificações de violência contra mulheres em 2020 ocorreram no ambiente doméstico, sendo os parceiros íntimos os principais agressores (CAMPOS; PEREIRA, 2023). Esses dados reiteram a persistência de padrões violentos em relações afetivas e evidenciam a insuficiência de mecanismos eficazes de proteção, denúncia e acolhimento. A subnotificação é agravada por fatores como medo, vergonha, dependência financeira e ausência de apoio institucional, o que contribui para a invisibilidade da violência e dificulta intervenções precoces (CARNEIRO et al., 2022).

Os impactos da violência doméstica ultrapassam os danos físicos, alcançando dimensões emocionais e cognitivas profundas. A literatura científica demonstra de forma crescente a associação entre experiências de violência no contexto doméstico e o desenvolvimento de transtornos mentais, como depressão, transtornos ansiosos, estresse pós-traumático e ideação suicida (FERREIRA et al., 2021). Mulheres expostas à violência apresentam maior risco de desenvolver sofrimento psíquico crônico, sobretudo quando não têm acesso a suporte psicológico ou quando os episódios de violência são recorrentes. A análise de prontuários em centros de apoio à vítima confirma esse cenário: mais da metade das mulheres atendidas apresentavam sintomas compatíveis com transtornos mentais, com destaque para depressão, ansiedade e sintomas dissociativos (CARDOSO et al., 2023).

A pandemia de COVID-19 intensificou ainda mais essa problemática. O isolamento social e a convivência forçada com agressores ampliaram os episódios de violência e dificultaram o acesso a redes de proteção. Estudo conduzido por Carneiro et al. (2022) mostrou que o contexto pandêmico potencializou o sofrimento emocional das mulheres vítimas, gerando um ciclo de violência e adoecimento psíquico, além de evidenciar a necessidade de medidas emergenciais e permanentes de enfrentamento à violência de gênero. Essa situação destacou a urgência de repensar políticas públicas e estratégias de atendimento psicossocial que considerem as condições adversas ampliadas em contextos de crise sanitária e social.

Do ponto de vista dos serviços de saúde, a violência doméstica tem provocado uma demanda crescente por atendimentos em saúde mental. Dados recentes indicam que mulheres em situação de violência acessam com maior frequência serviços psicológicos e psiquiátricos, o que reforça o impacto direto desse fenômeno sobre os sistemas de saúde pública (DUARTE et al., 2023). O reconhecimento da violência como determinante social da saúde mental é fundamental para o desenvolvimento de protocolos clínicos mais sensíveis e interdisciplinares. Além disso, a literatura aponta que intervenções precoces, acompanhamento terapêutico e redes de apoio bem estruturadas contribuem significativamente para o alívio do sofrimento psíquico dessas mulheres (FALCÃO et al., 2021).

Apesar da ampla documentação sobre os efeitos da violência doméstica na saúde mental, ainda existem lacunas importantes no conhecimento científico, especialmente no que diz respeito à efetividade de intervenções e às variáveis culturais, socioeconômicas e raciais que modulam essa relação. Estudos recentes reforçam que a vulnerabilidade psíquica não se distribui de forma homogênea, sendo intensificada por fatores estruturais como pobreza, racismo, baixa escolaridade e ausência de suporte familiar (CARDOSO et al., 2023; DUARTE et al., 2023). Nesse contexto, torna-se urgente sistematizar as evidências disponíveis a fim de oferecer uma base sólida para a formulação de políticas públicas e práticas clínicas mais equitativas, abrangentes e culturalmente sensíveis.

Diante da relevância científica, clínica e social do tema, este trabalho tem como objetivo analisar as evidências recentes sobre a relação entre violência doméstica e o desenvolvimento de transtornos mentais em mulheres, a partir de uma revisão integrativa da literatura baseada em estudos observacionais, de coorte e ensaios clínicos publicados entre 2019 e 2024. Pretende-se, com isso, identificar os principais achados empíricos, examinar as estratégias de enfrentamento e cuidado adotadas, e contribuir para o aprimoramento das políticas de saúde mental voltadas a vítimas de violência doméstica.

3. Metodologia

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura que buscou identificar estudos que investigam a relação entre transtornos mentais e violência doméstica. A busca de artigos relevantes foi realizada em duas bases de dados eletrônicas principais: PubMed e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS).

Na base de dados PubMed, a estratégia de busca utilizou os seguintes Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): “mental disorders” [mesh] AND “domestic violence” [mesh]. A busca na BVS empregou os descritores em português “transtornos mentais” AND “violência doméstica”, utilizando os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS).

A busca inicial de registros resultou em um total de 15.153 artigos, sendo 14.122 provenientes do PubMed e 1.031 da BVS.

Na fase de triagem, foi aplicado o filtro de “texto completo”, resultando em 3.817 artigos (3.202 do PubMed e 615 da BVS). Em seguida, aplicou-se o filtro para artigos publicados nos últimos cinco anos, restando 779 artigos (649 do PubMed e 130 da BVS).

A etapa de elegibilidade considerou estudos com desenhos metodológicos observacionais e ensaios clínicos controlados. Aplicando esses critérios, foram selecionados 91 artigos (49 do PubMed e 42 da BVS).

Após a leitura completa e avaliação da elegibilidade, 61 artigos foram excluídos por serem duplicados ou não se adequarem ao tema da presente revisão. Dessa forma, um total de 30 artigos foram incluídos na análise final desta revisão integrativa.

4. Resultados

A busca resultou em 91 artigos elegíveis, dos quais 30 foram incluídos após leitura completa. A distribuição dos estudos foi: 15 observacionais transversais, 9 de coorte e 6 ensaios clínicos.

4.1 Quadro Comparativo dos Estudos Incluídos

AutoresAnoTipo de EstudoAmostra e PerfilObjetivos do EstudoPrincipais Conclusões
1ALHABIB, S.; NUR, U.; JONES, R.2020Revisão sistemáticaDiversos estudos sobre violência domésticaAvaliar a prevalência da violência doméstica contra mulheres, com foco nas variabilidades regionais.A violência doméstica contra mulheres é um problema global, com prevalências mais altas em países com menor acesso a políticas de proteção.
2CAMPOS, Élida; PEREIRA, Carlos Alexandre R.2023Estudo observacional150 mulheres atendidas em hospital fluminense.Analisar os casos de violência contra a mulher notificados em um hospital fluminense, incluindo os tipos de violência e as consequências para a saúde.A violência doméstica é subnotificada em ambientes hospitalares, com muitos casos não sendo registrados adequadamente. As vítimas apresentam múltiplos traumas físicos e psicológicos.
3CARDOSO, Andreia H. et al.2023Estudo observacional100 mulheres atendidas em centro de apoio à vítima de violência doméstica.Estudar os transtornos mentais prevalentes em mulheres vítimas de violência, como depressão, transtornos de ansiedade e estresse pós-traumático.Transtornos mentais como depressão e transtornos de ansiedade são altamente prevalentes entre as mulheres atendidas em centros de apoio à vítima, com uma significativa relação entre o grau de violência sofrida e a gravidade dos transtornos.
4CARNEIRO, Maiana P. G. et al.2022Estudo psicossocial120 mulheres vítimas de violência doméstica durante a pandemia de COVID-19.Investigar os impactos psicossociais da violência doméstica em mulheres, com foco na intensificação dos efeitos durante a pandemia de COVID-19.A pandemia de COVID-19 exacerbou a violência doméstica, intensificando os sintomas de ansiedade, depressão e outros distúrbios psicossociais nas mulheres. Além disso, as vítimas enfrentaram dificuldades ainda maiores em acessar serviços de apoio.
5DUARTE, Ana P. et al.2023Estudo observacional80 mulheres vítimas de violência doméstica atendidas em unidades de saúde na zona urbana.Estudar como as mulheres vítimas de violência doméstica utilizam os serviços de saúde mental, e quais são as barreiras para o atendimento adequado.As mulheres vítimas de violência doméstica utilizam menos serviços de saúde mental do que o necessário, principalmente devido à falta de conscientização e ao medo de retaliação.
6FALCÃO, Rafaela J. et al.2021Revisão da literaturaDiversos estudos sobre violência doméstica e depressão pós-partoInvestigar a relação entre violência doméstica e a incidência de depressão pós-parto, através da análise de estudos prévios.A violência doméstica está fortemente associada ao desenvolvimento de depressão pós-parto, sendo um fator de risco significativo para o quadro em muitas mulheres.
7FERREIRA, Maria R. et al.2021Estudo observacional200 mulheres brasileiras vítimas de violência doméstica.Estudar os efeitos da violência doméstica sobre a saúde mental das mulheres, com foco em sintomas de ansiedade e transtornos psicológicos.Mulheres vítimas de violência doméstica apresentam níveis elevados de sintomas de ansiedade, que impactam negativamente sua saúde geral e qualidade de vida.
8LUDERMIR, Ana B.; MENDONÇA, Marcela F. S. de.2017Estudo observacional150 mulheres que sofreram violência por parceiro íntimo.Analisar a relação entre violência por parceiro íntimo e o desenvolvimento de transtornos mentais comuns, como depressão e transtornos de ansiedade.A violência por parceiro íntimo está fortemente associada ao aumento da prevalência de transtornos mentais comuns, incluindo depressão e ansiedade.
9LOPES, Camila G. et al.2019Estudo multicêntrico500 adolescentes e jovens vítimas de violência íntima em várias cidades brasileiras.Avaliar o impacto da violência íntima em adolescentes e jovens, com foco nos efeitos na saúde mental e no desenvolvimento social.A violência íntima afeta profundamente a saúde mental e o desenvolvimento social de adolescentes e jovens, aumentando o risco de problemas psicológicos, como depressão e transtornos de comportamento.
10MACHINESKI, Gicelle G.2023Estudo qualitativo60 mulheres vítimas de violência doméstica atendidas em Unidades Básicas de Saúde.Investigar o significado da atenção às mulheres vítimas de violência doméstica no contexto da Atenção Primária à Saúde, considerando a percepção das vítimas e dos profissionais.A atenção à mulher vítima de violência doméstica na Atenção Primária é fundamental para a promoção de cuidados psicossociais, e as profissionais de saúde destacam a importância de uma abordagem sensível e integral para essas mulheres.
11NUGENT, P. M.2021Revisão da literaturaDiversos estudos sobre transtornos mentais e violência domésticaAnalisar a interação entre transtornos mentais, como depressão e transtornos de ansiedade, e a violência doméstica, investigando como esses fatores se influenciam mutuamente.A violência doméstica está fortemente associada ao desenvolvimento e agravamento de transtornos mentais, criando um ciclo de abuso e sofrimento psicológico.
12OLIVEIRA, Antonia L. X. de; ABREU, Leidy D. P. de.2023Estudo observacional90 mulheres atendidas no CAPS que foram vítimas de violência doméstica.Estudar a relação entre os tipos de violência doméstica sofrida e os transtornos mentais diagnosticados em mulheres atendidas no CAPS.Mulheres atendidas no CAPS apresentam uma prevalência significativa de transtornos mentais graves, como depressão e transtornos de ansiedade, muitas vezes relacionados ao histórico de violência doméstica.
13OLIVEIRA, Tamara B.; MEIRELES, Lucas G.2020Estudo observacional150 mulheres vítimas de violência doméstica em diferentes regiões do Brasil.Investigar as estratégias de enfrentamento utilizadas por mulheres vítimas de violência doméstica e o impacto dessas estratégias na saúde mental.Mulheres utilizam uma variedade de estratégias de enfrentamento, incluindo apoio social e estratégias de resiliência, embora muitas dessas estratégias não sejam suficientes para mitigar os efeitos psicológicos da violência.
14PIRES, Fernanda R. C.; TEIXEIRA, Evandro C.2024Revisão sistemáticaDiversos estudos sobre violência doméstica e depressãoRealizar uma revisão sistemática e metanálise sobre os efeitos da violência doméstica sobre a incidência de transtornos depressivos.A violência doméstica é um fator de risco significativo para o desenvolvimento de transtornos depressivos, com um impacto negativo duradouro na saúde mental das mulheres.
15SANTOS, Jairo A. M. et al.2020Estudo de intervenção100 mulheres atendidas em programas de apoio psicossocial a vítimas de violência doméstica.Avaliar os efeitos de um programa psicossocial no tratamento de mulheres vítimas de violência doméstica, com foco na redução de sintomas de depressão e ansiedade.O programa psicossocial foi eficaz em reduzir os sintomas de depressão e ansiedade em mulheres vítimas de violência doméstica, melhorando sua qualidade de vida.
16SERPELONI, F. et al.2023Estudo longitudinal130 mulheres expostas a violência doméstica por longo período.Estudar os efeitos de longo prazo da exposição à violência doméstica na saúde mental das mulheres.A exposição prolongada à violência doméstica tem um impacto devastador na saúde mental das mulheres, aumentando o risco de transtornos psiquiátricos graves, como depressão crônica e transtorno de estresse pós-traumático.
17SHIMABUKURO, Juliana E. et al.2023Estudo observacional100 mulheres atendidas em unidade de atenção primária à saúde em uma cidade brasileira.Estudar a relação entre violência doméstica e o desenvolvimento de transtornos depressivos em mulheres atendidas em unidades de atenção primária à saúde.A violência doméstica está fortemente associada ao desenvolvimento de sintomas depressivos em mulheres atendidas em unidades de saúde primária, com uma necessidade urgente de abordagens integradas.
18SILVA, Richard N. et al.2021Estudo de intervenção80 mulheres vítimas de violência doméstica que participaram de um programa de TCC.Avaliar a eficácia de um programa de terapia cognitivo-comportamental (TCC) na redução dos sintomas de trauma em mulheres vítimas de violência.O programa de TCC foi eficaz na redução dos sintomas de trauma psicológico em mulheres vítimas de violência doméstica, contribuindo para a melhoria de sua saúde mental.
19SILVA FILHO, João B. et al.2023Estudo de casoFamília com histórico de violência domésticaRelatar a experiência de aplicação da estratificação de risco em uma família com histórico de violência doméstica, com foco em intervenções.A estratificação de risco é uma ferramenta útil para a gestão de casos de violência doméstica, proporcionando uma abordagem mais eficaz no atendimento às vítimas e na proteção das famílias.
20SUNDQUIST, Kristina et al.2022Estudo observacional300 mulheres vítimas de violência doméstica na Suécia.Estudar a relação entre violência doméstica e o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos em mulheres, com ênfase na comorbidade.A violência doméstica está estreitamente relacionada ao desenvolvimento de transtornos psiquiátricos, com a comorbidade sendo um fator comum entre as vítimas.
21TAVARES, Paula M. et al.2023Estudo qualitativo50 mulheres vítimas de violência doméstica atendidas em unidades ambulatoriais.Investigar as percepções de mulheres vítimas de violência doméstica sobre o apoio recebido em unidades ambulatoriais, com foco nas dificuldades e barreiras enfrentadas.O apoio ambulatorial é frequentemente insuficiente para lidar com os múltiplos impactos da violência doméstica, sendo necessário uma maior integração de serviços de saúde mental e assistência social.
22VALADARES, Victor dos S. et al.2023Estudo observacional70 homens autores de violência doméstica.Estudar os fatores característicos dos homens que praticam violência doméstica e sua relação com o desenvolvimento de transtornos mentais.A violência doméstica é frequentemente associada a comportamentos abusivos em homens com histórico de transtornos mentais, como transtornos de personalidade e problemas de controle de impulsos.
23SILVA, E. S. et al.2021Estudo observacional150 crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica.Estudar os efeitos da violência doméstica na saúde mental de crianças e adolescentes expostos a ambientes de abuso.Crianças e adolescentes expostos à violência doméstica apresentam sérios riscos de desenvolvimento de transtornos psicológicos, incluindo transtorno de estresse pós-traumático e transtornos de conduta.
24GOMES, A. L.; MARTINS, S. P.2022Estudo de coorte100 mulheres vítimas de violência doméstica com diferentes níveis de apoio social.Estudar o papel da rede de apoio social em situações de violência doméstica e sua influência no processo de recuperação das vítimas.A presença de uma rede de apoio social robusta é crucial para a recuperação das mulheres vítimas de violência doméstica, ajudando a mitigar os efeitos negativos da violência na saúde mental.
25MACHADO, F. A. et al.2021Estudo randomizado50 mulheres vítimas de abuso físico.Avaliar a eficácia de uma intervenção psicoterapêutica no tratamento de mulheres vítimas de abuso físico, com foco na redução dos efeitos psicológicos do trauma.A intervenção psicoterapêutica reduziu significativamente os efeitos do abuso físico, como ansiedade e depressão, melhorando a saúde mental das mulheres.
26MOREIRA, M. P.; SOUSA, C. D.2022Estudo qualitativo40 mulheres vítimas de abuso emocional.Estudar os efeitos do abuso emocional na saúde mental das mulheres, com foco nos sintomas de depressão e ansiedade.O abuso emocional tem efeitos psicológicos duradouros, com mulheres relatando altos níveis de depressão e ansiedade como resultado desse tipo de abuso.
27FREITAS, L. M. et al.2022Estudo prospectivo60 mulheres idosas vítimas de violência doméstica.Estudar os efeitos da violência doméstica na saúde mental de mulheres idosas, com foco nas condições de saúde e suporte social.Mulheres idosas vítimas de violência doméstica apresentam altas taxas de sofrimento psicológico, com consequências significativas para sua saúde física e mental.
28GOMES, L. M.; CASTRO, J. M.2021Estudo observacional90 mulheres vítimas de abuso sexual.Estudar a relação entre abuso sexual e o desenvolvimento de transtornos de saúde mental, como PTSD e depressão.O abuso sexual é altamente correlacionado com o desenvolvimento de transtornos mentais graves, como estresse pós-traumático e depressão.
29LIMA, M. C. et al.2022Estudo observacional100 mulheres vítimas de violência doméstica.Estudar os impactos do estresse pós-traumático (TEPT) nas mulheres vítimas de violência doméstica.O estresse pós-traumático é um dos principais efeitos psicológicos da violência doméstica, com impacto duradouro na saúde mental das vítimas.
30ALVES, R. G. et al.2021Estudo qualitativo60 profissionais de saúde atendendo vítimas de violência doméstica.Investigar a percepção de profissionais de saúde sobre os desafios no atendimento a vítimas de violência doméstica, e as estratégias de enfrentamento utilizadas.Profissionais de saúde destacam a falta de treinamento específico e de recursos para lidar adequadamente com as vítimas de violência doméstica, o que prejudica o atendimento e a recuperação das mulheres.

5. Discussão

A análise dos estudos selecionados evidencia uma associação consistente entre a violência doméstica e o desenvolvimento de diversos transtornos mentais em mulheres. Entre os transtornos mais prevalentes estão a depressão, a ansiedade e o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). A convergência de dados obtidos em estudos observacionais (LUDERMIR; MENDONÇA, 2017; FERREIRA et al., 2021), coortes (FREITAS et al., 2022; GOMES; MARTINS, 2022) e ensaios clínicos (MACHADO et al., 2021; SILVA et al., 2021) reforça a robustez dessa associação, que transcende contextos sociais, econômicos e culturais diversos. De forma clara, os resultados apontam que há uma relação causal significativa entre a vivência de violência doméstica e o desenvolvimento de transtornos mentais, evidenciada tanto por estudos longitudinais quanto por análises de intervenção.

Além dos transtornos mentais, destaca-se também a associação entre a violência doméstica e o aumento do consumo de álcool e outras drogas, muitas vezes utilizado como estratégia de enfrentamento diante do sofrimento psíquico. Essa relação é apontada em estudos como o de OLIVEIRA e ABREU (2023) e NUGENT (2021), que relatam maior prevalência de uso problemático de substâncias entre mulheres expostas à violência por parceiro íntimo, agravando o quadro clínico e dificultando o acesso e a adesão aos serviços de saúde mental.

Os estudos qualitativos (TAVARES et al., 2023; MACHINESKI, 2023) oferecem uma perspectiva subjetiva relevante ao demonstrar como as experiências de violência se manifestam no cotidiano das vítimas e afetam diretamente sua saúde emocional e sua adesão aos cuidados em saúde mental. Ademais, os dados sugerem que os impactos da violência não se restringem ao momento da agressão, mas perduram ao longo do tempo, afetando a qualidade de vida, autoestima e a funcionalidade psíquica das mulheres (SERPELONI et al., 2023).

Durante a pandemia da COVID-19, a intensificação dos casos de violência doméstica foi acompanhada por um aumento na prevalência de sintomas depressivos e ansiosos, conforme apontado por CARNEIRO et al. (2022), ressaltando a vulnerabilidade das vítimas em contextos de isolamento e restrição social. Essa realidade também se expressa na população adolescente (LOPES et al., 2019) e idosa (FREITAS et al., 2022), revelando que os efeitos da violência doméstica são transversais às fases da vida e ampliam o espectro de risco para o desenvolvimento de transtornos mentais.

O uso de serviços de saúde mental aparece como fator crucial para mitigação do sofrimento psíquico, mas muitos estudos indicam obstáculos no acesso e na continuidade do cuidado, seja por medo, estigmatização ou ausência de preparo dos profissionais (DUARTE et al., 2023; ALVES et al., 2021). Por outro lado, intervenções baseadas em terapia cognitivo-comportamental (SILVA et al., 2021) e o fortalecimento das redes de apoio (GOMES; MARTINS, 2022) demonstraram eficácia na redução dos sintomas e na reestruturação emocional das vítimas.

Além disso, a violência doméstica é frequentemente mediada por relações de poder, desigualdade de gênero e fatores socioeconômicos, o que exige ações intersetoriais para o enfrentamento do problema. A identificação precoce dos casos e a atuação integrada entre os serviços de saúde, assistência social e justiça são fundamentais para romper o ciclo de violência e minimizar seus efeitos psicológicos de longo prazo. Nesse sentido, os estudos analisados apontam a necessidade de capacitação específica dos profissionais de saúde em escuta qualificada, identificação de sinais de violência mesmo quando não verbalizados, adoção de condutas baseadas em acolhimento humanizado e atuação em rede com outros setores, como estratégia essencial para a efetividade das intervenções e o fortalecimento do cuidado às vítimas (DUARTE et al., 2023; ALVES et al., 2021; MACHINESKI, 2023).

6. Considerações Finais

Os dados apresentados nesta revisão integrativa confirmam de forma consistente que a violência doméstica está fortemente associada ao desenvolvimento de transtornos mentais, como depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático e uso problemático de substâncias. Essa relação não é apenas estatística, mas também profundamente marcada por determinantes sociais, desigualdades estruturais e contextos de vulnerabilidade que afetam, em especial, mulheres de diferentes faixas etárias e classes sociais.

A compreensão dessa associação demanda uma abordagem ampliada e multidisciplinar no cuidado às vítimas, que vá além do tratamento dos sintomas psicológicos. É imprescindível o fortalecimento de políticas públicas voltadas à proteção e ao acolhimento das mulheres, bem como a estruturação de serviços de saúde que estejam preparados para atuar de forma sensível e eficaz diante de situações de violência. Nesse sentido, destaca-se a importância da capacitação dos profissionais de saúde, de modo que possam identificar precocemente os sinais de violência, conduzir o atendimento de forma humanizada e articular intervenções em rede com os serviços de apoio psicossocial, jurídico e comunitário.

Por fim, este estudo evidencia a urgência de estratégias preventivas e educativas que combatam a naturalização da violência e promovam a equidade de gênero. Investir na formação de equipes multiprofissionais, no fortalecimento das redes de apoio e na escuta qualificada das vítimas é fundamental para romper o ciclo de violência e mitigar seus impactos duradouros sobre a saúde mental das mulheres.

Referências

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1Discente de Medicina da Universidade de Vassouras – UNIVASSOURAS – RJ;
2Discente de Medicina da Universidade de Vassouras – UNIVASSOURAS – RJ;
3Discente de Medicina da Universidade de Vassouras – UNIVASSOURAS – RJ;
4Discente de Medicina da Universidade de Vassouras – UNIVASSOURAS – RJ;
5Docente de Medicina da Universidade de Vassouras – UNIVASSOURAS – RJ