TRAJETÓRIA DA SALTA-Z NO MUNICÍPIO DE PORTO VELHO: RELATO DE EXPERIÊNCIA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7274879


Luzia Clara Alves de Souza1. Ana Angélica Lima de Souza2. Walmir da Silva Ferreira3


RESUMO

Neste artigo visamos analisar de forma clara e objetiva a trajetória da salta-z no município de Porto Velho. Trata-se de um relato de experiência construído a partir da coleta de dados pela observação participante nas incursões até as comunidades beneficiadas pela tecnologia salta-z e através da análise documental de arquivos escritos e acumulados na experiência tais como atas de reuniões, relatórios, informações divulgadas pela imprensa, dentre outros registros disponíveis. Através da articulação entre a Prefeitura do Município de Porto Velho e a Fundação Nacional de Saúde – FUNASA foi possível a implantação de quatro unidades da solução alternativa simplificada de tratamento de água com zeólita – salta-z em comunidades mais afastadas da capital de Rondônia. A utilização de tecnologias sociais de baixo custo e fácil aplicabilidade tais como a Salta-z desenvolvida pela Funasa/Superintendência Estadual do Pará – Suest/PA mostrou-se uma solução alternativa eficiente e capaz de amenizar o problema existente na acessibilidade ao serviços de abastecimento de água tratada e segura na capital Porto Velho. A Salta-Z é uma importante ferramenta para o acesso a água tratada capaz de promover uma série de mudanças e melhorias na comunidade onde é implantada impactando positivamente na promoção da saúde, nas relações comunitárias, na consciência ambiental e principalmente na compreensão de que a água é um recurso finito e imprescindível

Palavras-chave: Água Potável. Saneamento. Comunidades ribeirinhas. Salta-z

TRAJECTORY OF THE SALTA-Z IN PORTO VELHO: EXPERIENCE REPORT

Abstract

This article aims to analyze in a clear and objective way the trajectory of the “salta-z” in the municipality of Porto Velho. This is an experience report based on data collection through participant observation during the visits to the communities benefited by the “salta-z” technology, and through the documentary analysis of written and accumulated experience files, such as meeting minutes, reports, information published in the press, among other available records. Through the articulation between the Municipality of Porto Velho and the National Health Foundation – FUNASA, it was possible to implement four units of the simplified alternative solution of water treatment with zeolite – z-jumpers in more remote communities of the capital of Rondônia. The use of low cost and easy to apply social technologies such as the Salta-z developed by Funasa/Superintendência Estadual do Pará – Suest/PA proved to be an efficient alternative solution capable of alleviating the existing problem of accessibility to the treated and safe water supply services in the capital Porto Velho. The Salta-Z is an important tool for access to treated water capable of promoting a series of changes and improvements in the community where it is implemented, positively impacting the promotion of health, community relations, environmental awareness and especially the understanding that water is a finite and indispensable resource.

Keywords: Drinking Water. Sanitation. Riverside communities. Salta-z.

1. INTRODUÇÃO

A palavra saneamento deriva do verbo sanear e significa “tornar higiênico, salubrificar, remediar, tornar habitável, tornar apto à cultura”. O abastecimento de água é uma das ações que compõe o saneamento básico definido pela Lei nº 11.445/2007 como um conjunto de serviços públicos, infraestruturas e instalações operacionais que atendam as demandas de esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas.

As civilizações antigas já tinham a compreensão de que melhores condições de saneamento básico implicavam em melhorias significativas na qualidade de vida da população explicitando uma relação sistêmica entre saneamento e saúde. A baixa disponibilidade de serviços de saneamento pode resultar em perdas humanas desnecessárias e evitáveis ou ainda favorecer o surgimento de doenças que impossibilitem as pessoas de desenvolver suas atividades laborais ou de estudo impactando diretamente na educação, no ambiente e no desenvolvimento socioeconômico (SANTOS, 2022).

A lei nº 14.026/2020 atualiza o marco regulatório do saneamento básico no Brasil e assegura que na prestação dos serviços serão observados os princípios fundamentais da universalização do acesso e a adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as peculiaridades locais e regionais. Neste sentido as políticas públicas de saneamento básico direcionadas para as áreas mais afastadas dos grandes centros urbanos devem ser elaboradas e executadas considerando a interface entre o saneamento e a saúde, e também o modo de vida das comunidades rurais e tradicionais no âmbito do seu território.

O problema da acessibilidade aos serviços de saneamento é mundial. O relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que mais de 2 bilhões de pessoas no mundo não têm acesso a água tratada e aos serviços de saneamento básico, entre as quais 70% vivem em áreas rurais sendo que uma em cada três delas vive nos países menos desenvolvidos. (WHO; UNICEF, 2019)

No Brasil o Programa Nacional de Saneamento Rural aponta um aumento progressivo do percentual da população residente em áreas rurais atendidas pelas mais diversas formas de abastecimento com canalização interna, passando de 6,3%, em 1970, para 60,7%, em 2010. Na região norte 45,0% da população rural utiliza água proveniente de fontes como poços ou nascentes de propriedades privadas e 25,5% de rios, lagos e açudes. Apesar do crescimento observado no acesso a água canalizada a necessidade de implantação de sistemas de tratamento para melhoria da qualidade da água disponível persiste evidenciando a necessidade de maior atuação e investimentos do poder público nas áreas rurais com vistas a ampliação do alcance dos serviços. (Brasil, 2021).

Batista et al. (2021) enfatiza a vulnerabilidade das comunidades ribeirinhas amazônicas frente à problemática histórica do saneamento no Brasil e aponta a utilização das tecnologias sociais voltadas para o abastecimento de água como alternativa de grande relevância para o saneamento nessas comunidades. As tecnologias sociais são definidas como produtos, técnicas ou métodos de baixo custo que podem ser facilmente reproduzidas e aplicáveis tais como a Salta-z.

1.1 O que é salta-z?

A Solução Alternativa Coletiva Simplificada de Tratamento de Água – salta-z, foi desenvolvida pela Funasa/Superintendência Estadual do Pará – Suest/PA como uma solução técnica eficiente na área de saneamento e saúde ambiental com baixo custo de implantação, simples operação e manutenção além de aplicabilidade imediata para o provimento de água com qualidade potável em locais que ainda não contam com abastecimento público. (BRASIL, 2017)

Através de uma estrutura física simplificada a água é tratada empregando o processo convencional (coagulação, floculação, sedimentação, filtração e cloração) utilizando filtros e dosadores produzidos artesanalmente possibilitando adaptações conforme as especificidades de cada localidade. O filtro é composto por areia e Zeólita tipo Clinoptilolita – um grupo de minerais classificado como aluminossilicato hidratado, altamente cristalinos, que ao desidratar desenvolve no cristal uma estrutura porosa com cavidades que podem ser ocupadas por íons e moléculas de água. A Salta-z apresenta viabilidade técnica e operacional na produção de água potável de qualidade compatível com as exigências do Ministério da Saúde (SANTOS e CARVALHO, 2018).

Atualmente os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade são regidos pelo Ministério da Saúde através da Portaria do Nº 888, de 4 de maio de 2021 e anexo. O regulamento se aplica a todo tipo de água destinada ao consumo humano, seja ela oriunda de sistema de abastecimento de água (SAA), solução alternativa de abastecimento de água coletiva (SAC) e individual (SAI), e carro-pipa. Importante ressaltar que toda água destinada ao consumo humano, mesmo que proveniente de solução alternativa individual de abastecimento, está sujeita à vigilância da qualidade a fim de minimizar os riscos à saúde da população que a utiliza.

Esta mesma norma em seu Capítulo III define as competências e responsabilidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, sendo atribuída a FUNASA, no seu décimo artigo, o apoio as ações de controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano em parceria com seus respectivos responsáveis. Conforme descrito no artigo 13 inciso XIII as Secretarias de Saúde dos Municípios ficam incumbidas da execução das ações de vigilância da qualidade da água para consumo humano nas áreas urbanas e rurais, incluindo comunidades tradicionais e outros (BRASIL, 2021).

Em Rondônia a prestação dos serviços de saneamento básico, abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto é realizado pela Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia – CAERD, uma empresa de economia mista, cujo principal acionista é o Governo do Estado de Rondônia (IBAM, 2020).

Os indicadores de saneamento do município divulgados pelo ranking do Instituto Trata Brasil (2022) são preocupantes. Nos últimos oito anos do Ranking, Porto Velho se manteve entre as 10 últimas colocações dentre as 100 maiores cidades do país. Em relação ao indicador população total atendida com abastecimento de água Porto Velho apresentou o menor percentual em 2020 que foi de 32,87%. Também apresentou o menor percentual da população urbana atendida com serviço de coleta de esgoto que foi 5,16% e 0% de esgoto tratado.

O mesmo estudo aponta que no município grande parte da água produzida é perdida ou deixa de ser faturada com um índice de 82,09% de perdas no faturamento total e 84,01% de perdas na distribuição evidenciando um nível de eficiência preocupante distanciando ainda mais a universalização do acesso ao abastecimento. Os altos índices de perdas se devem a vários fatores entre eles falhas na detecção e correção de vazamentos, redes de distribuição antigas, problemas na qualidade da operação dos sistemas, ligações clandestinas e ausência de calibração dos hidrômetros, carência de programa de monitoramento de perdas.

Nesse sentido, o presente estudo objetiva relatar a ação desenvolvida de forma articulada entre a Prefeitura do Município de Porto Velho, através da Divisão de Risco e Licenciamento Sanitário – DVISA com a Fundação Nacional de Saúde – FUNASA quanto a implantação de quatro unidades da solução alternativa simplificada de tratamento de água com zeólita – salta-z visando a garantia do acesso a água segura em comunidades mais afastadas da capital Porto Velho.

2. MÉTODOS

2.1 Tipo de estudo

Trata-se de estudo qualitativo, descritivo, do tipo relato de experiência produzido a partir de vivências enquanto profissional de vigilância sanitária nas etapas do planejamento à implantação da solução alternativa simplificada de tratamento de água Salta-z.

Segundo Mussi et al. (2021) o relato de experiência é um tipo de produção de conhecimento cujo texto trata de uma vivência, seja ela acadêmica ou profissional tendo como principal característica a descrição da intervenção sustentada por embasamento científico e reflexão crítica. No relato de experiência são identificados quatro tipos de descrição: informativa, referenciada, dialogada e crítica, que implicam na relevância para o meio acadêmico e profissional na produção do conhecimento.

2.2 Universo e período e do estudo

O município de Porto Velho está situado à margem leste do Rio Madeira e é a capital do estado de Rondônia. Foi fundado durante a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré nos anos de 1907 a 1912. Pela Lei Estadual n.º 757, de 02 de outubro de 1914 tornou-se município do Estado do Amazonas com a denominação de Porto Velho e em 1943 passou a ser capital do estado de Rondônia quando criou-se o Território Federal do Guaporé (LIMA, 2018).

Com uma população estimada em 548.952 habitantes, segundo o IBGE (2021), é o município mais populoso do estado de Rondônia, destacando-se ainda por ser a capital brasileira com maior área territorial, 34.090 km2. O município é constituído de 12 distritos organizados em três regiões: Alto, Médio e Baixo Madeira: Porto Velho, Abunã, Calama, Demarcação, Extrema, Fortaleza do Abunã, Jaci-Paraná, Mutum Paraná, Nazaré, Nova Califórnia, São Carlos e Vista Alegre do Abunã.

Em Porto Velho a infraestrutura de saneamento básico é bastante deficitária. Não existe rede pública para coleta exclusiva de esgotamento sanitário. O abastecimento de água tratada é insuficiente e realizado através de sistemas isolados com captação de mananciais superficiais e subterrâneos. Os sistemas dos distritos de Abunã, Extrema, Jaci-Paraná e Nova Mutum Paraná (Alto e Médio Madeira), e o de Porto Velho são operados pela CAERD enquanto os demais se utilizam de soluções alternativas individuais e coletivas, sobretudo de poços rasos, também conhecidos como poços amazonas, água mineral envasada e de nascentes (IBAM, 2020).

A implantação da Solução Alternativa Coletiva Simplificada de Tratamento de Água Salta-z em quatro comunidades ribeirinhas da capital Porto velho ocorreu no período de agosto de 2018 a março de 2022. O acesso a essas comunidades se dá pela estrada que leva ao Distrito de São Carlos do Jamari no baixo Madeira, a saber:

  1. Agrovila Rio Verde localizada com acesso pelo Ramal de mesmo nome, distante 63 Km da capital.
  2. Comunidade Nova Aliança localizada a 45 km da capital.
  3. Comunidade Vila Calderita com acesso pelo Ramal de mesmo nome, distante 51 Km da capital.
  4. Comunidade de Brasileira localizada a 72 Km da capital.

2.3 Instrumentos e fontes do estudo

O relato foi construído a partir de duas técnicas de coleta de dados: observação participante nas incursões até as comunidades beneficiadas pela tecnologia salta-z e análise documental de arquivos escritos e acumulados na experiência tais como atas de reuniões, relatórios, informações divulgadas pela imprensa, dentre outros registros disponíveis na Divisão de Risco e Licenciamento Sanitário produzidos no período desde as reuniões de articulação entre Município e FUNASA até o monitoramento da qualidade da água produzida em cada unidade de tratamento.

2.4 Eticidade

O presente relato foi elaborado com informações advindas do cotidiano da prática profissional respeitando a privacidade dos participantes, a confidencialidade dos dados e a dignidade humana. Os fatos narrados estão consumados inexistindo a realização de experimentos como objeto do estudo e por este motivo não foi submetido a nenhum Comitê de Ética em Pesquisa.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1 Descrição da experiência

A instalação de uma Solução Alternativa Coletiva Simplificada de Tratamento de Água – salta-z compreende várias etapas as quais foram cumpridas conforme sintetizado na linha do tempo (Figura 1).

Figura 1: Linha do tempo da salta-z;

O marco inicial da trajetória da salta-z em Porto Velho se deu em 02 de agosto de 2018 com a celebração do acordo de cooperação técnica nº 04/2018 entre a Superintendência Estadual da Fundação Nacional de Saúde e a Prefeitura do Município de Porto Velho com vigência de quatro anos para doação da tecnologia salta-z e sua implantação em pequenas comunidades especiais desabastecidas de água de qualidade. No mesmo ano a Secretaria Municipal de saúde publicou a Portaria nº 231/DVISA/DVS/GAB/SEMUSA designando os servidores municipais responsáveis pela execução e monitoramento das ações inerentes a salta-z.

O critério de escolha do poder municipal pela comunidade Agrovila Rio Verde como local de implantação do primeiro sistema salta-z dentro do municipio de Porto velho deu-se em virtude do monitoramento da qualidade da água executado pela DVISA na Escola Municipal de Ensino Fundamental Rio Verde como atividade inerente ao programa Vigiágua. Os critérios considerados foram a ausência de abastecimento de água tratada pela concessionária CAERD e principalmente os resultados insatisfatórios para os parâmetros microbiológicos apontados nas análises realizadas para o programa Vigiágua na localidade.

Em cada comunidade onde houve implantação da Salta-z as equipes da Funasa e Semusa realizaram encontros com as lideranças e os moradores para apresentação do projeto e realizaram coleta de dados para confecção de relatório acerca do diagnóstico situacional e viabilidade da implantação do sistema diante da realidade de cada local. Os pontos de encontro foram diversos, desde estabelecimentos como restaurante, pousada, escola, igreja e até mesmo na residência de moradores, sempre observando os protocolos de segurança para evitar o contágio da Covid-19.

A comunidade Agrovila Rio Verde foi a primeira contemplada com a tecnologia salta-z, tendo sido inaugurada sua unidade em 28 de agosto de 2020. De acordo com o diagnóstico situacional realizado pela Funasa existem no local 80 famílias residentes e 30 famílias que residem em Porto velho mas possuem imóveis no local para passeio aos finais de semana. Também frequentam o local em temporadas de pescas aproximadamente 100 turistas somando um total de 450 pessoas que circulam pela comunidade e são beneficiados pela salta-z. A unidade de Rio Verde foi instalada em uma área pública central de livre acesso aos usuários. Nesta comunidade a água tratada pela salta-z foi canalizada para uma escola infantil que fica localizada no terreno ao lado da unidade.

Nova Aliança foi a segunda localidade a receber uma unidade de tratamento de água salta-z inaugurada em 20 de outubro de 2020. O relatório situacional da Funasa apontou a existência de 400 famílias residentes. A subsistência da comunidade está baseada na pesca e agricultura familiar. Assim como em Rio Verde a unidade de Nova Aliança também foi instalada em uma área pública central onde futuramente será instalada uma unidade de saúde. Nesta comunidade por vezes a equipe municipal encontra o dosador de cloro desabastecido representando um risco potencial a qualidade da água.

A Comunidade Vila Calderita teve sua unidade salta-z inaugurada em 09 de março de 2021. Apesar da montagem e instalação da unidade ter ocorrido em dezembro de 2020 sua inauguração foi atrasada devido ao surgimento de problemas técnicos que necessitaram de reparos: rachadura no fundo da caixa d’água. De acordo com o diagnóstico situacional existem no local 106 famílias residentes, somando um total de 424 pessoas. Aproximadamente 1.000 turistas frequentam o local em temporadas de pescas, ampliando o alcance da salta-z para aproximadamente 1.424 pessoas beneficiadas. A subsistência da comunidade está baseada na pesca, agricultura familiar e turismo. A unidade de Vila Calderita foi instalada dentro da escola Municipal Vale do Rio Jamari

A comunidade Brasileira foi a última comunidade que recebeu uma unidade Salta-z cuja inauguração ocorreu em 18 de março de 2022. Existem no local 30 famílias residentes, uma escola de ensino fundamental e uma igreja evangélica. A unidade deBrasileira foi instalada dentro da escola São Luiz Gonzaga, a qual poderia ser abastecida pela salta-z porém não há canalização da água tratada diretamente para a escola. Nesta comunidade a presença de ferro na água captada demandou um período de ajustes quanto a dosagem de cloro e frequência de retrolavagem do filtro juntamente com limpeza do fundo do reservatório e tubulações. Os técnicos optaram pela utilização de cloro granulado, o qual demonstrou maior eficácia na oxidação do ferro em menor tempo. Também ficou estabelecida a frequência semanal para limpeza do sistema devido ao acúmulo de matéria oxidada no fundo do reservatório e no filtro.

Todas as reuniões que ocorreram nas comunidades foram conduzidas pela FUNASA com o apoio dos técnicos municipais formalmente designados. As reuniões e palestras iniciais de sensibilização e mobilização das comunidades envolveram temas relevantes em educação e saúde ambiental no que diz respeito aos benefícios para melhoria da saúde através do consumo de água tratada, a adoção de mecanismos e hábitos de coleta adequada de resíduos sólidos, armazenamento e transporte correto da água destinada ao consumo humano entre outros. Foram utilizados recursos didáticos para as explicações tais como banners e folders disponibilizados pela Funasa e distribuídos aos moradores.

Com relação aos aspectos técnicos operacionais visando a sustentabilidade dos sistemas foram capacitadas de duas a quatro pessoas por comunidade para serem os gestores locais. Esses gestores foram treinados para operação do sistema, verificação diária do cloro residual livre e sua reposição no dosador. O apoio da comunidade também foi fundamental na construção da base para sustentação do reservatório da unidade e instalação das tubulações.

A instalação propriamente dita do sistema compreendeu a etapa de elevação da caixa d’água até a base e a montagem do filtro que tem seu leito filtrante preenchido por areia e zeólita. A seguir foi realizado o encanamento da água do poço até o local da unidade Salta-Z passando pelo filtro até a distribuição nas torneiras. A água tratada é disponibilizada em três torneiras onde os moradores coletam em vasilhames e transportam até suas casas onde serão utilizadas principalmente para beber e cozinhar visto que a maioria das residências possui água não tratada canalizada para outros usos. Foram realizadas correções de vazamentos e a limpeza do filtro através do processo de retro lavagem.

As quatro unidades captam a água bruta de poços tubulares dispensando o uso de agentes coagulantes e toda a etapa de floculação, decantação, drenagem e tratamento dos sedimentos. A água de manancial subterrâneo após a captação passa pelo processo de desinfecção através da adição de cloro por dispositivo dosador logo após a bomba e antes do reservatório. Nesta etapa também é possível corrigir o excesso dos metais ferro e/ou manganês dissolvido na água comuns nesse tipo de fonte de abastecimento. O tempo de contato requerido para desinfecção da água e oxidação do ferro e/ou manganês acontecerá no reservatório de distribuição, de onde o sedimento é removido através do dreno instalado no fundo do reservatório. Apenas a unidade de Brasileira apresentou concentrações desses metais elevadas na água bruta, tendo sido reduzidos a níveis aceitáveis após o tratamento.

Após tratada por meio do sistema salta-z a água passa por monitoramento de sua qualidade realizado através dos testes dos parâmetros: pH, Turbidez e Cloro residual livre exigidos na Portaria/MS 888/2021. As análises microbiológicas referentes aos parâmetros coliformes totais e E-coli foram realizadas posteriormente dentro do plano de amostragem do Programa Nacional de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano – Vigiágua municipal.

Os técnicos municipais mantêm uma programação de monitoramento e manutenção com frequência quinzenal onde são observadas questões relativas à conservação e funcionamento do equipamento além da reposição de insumos, no caso o produto desinfetante. O controle da dosagem de desinfetante é uma etapa imprescindível para o bom desempenho do sistema e obtenção de uma água tratada cuja qualidade atenda aos padrões de potabilidade.

3.2 Reflexão sobre a experiência

A precariedade da infraestrutura de saneamento básico no Município de Porto velho tem impacto direto na qualidade das águas subterrâneas em relação a contaminação microbiológica considerando a poluição do lençol freático pelo lançamento de esgoto não tratado diretamente em rios ou igarapés. Tendo em vista que as comunidades atendidas pela tecnologia salta-z utilizam como principal fonte de abastecimento a água proveniente de poços tubulares a manutenção dos níveis de cloro residual em conformidade com o padrão exigido pela Portaria MS 888/21 é indispensável para garantir a eficiência do tratamento no que se refere a qualidade bacteriológica (IBAM, 2021).

Ao avaliar a eficiência da SALTA-z em escala de bancada e o efeito das variáveis operacionais na remoção de turbidez, cor aparente e cor verdadeira, Santos (2022) observou que a dosagem de desinfetante não atuou de forma significativa na remoção de turbidez uma vez que seu papel no tratamento de água está relacionado a inativação de microrganismos patogênicos e a oxidação de matéria orgânica. Todavia esta variável influenciou de forma significativa a remoção de cor aparente e verdadeira possivelmente devido a oxidação das substâncias como a matéria orgânica natural que conferem cor à água, além de ser o principal precursor para a formação de subprodutos da desinfeção como os trihalometanos.

A exposição a esses subprodutos está associada a diversos riscos à saúde tais como neoplasia cerebral, de bexiga, de cólon, reto e efeitos neurotoxicológicos requerendo maior cuidado na operação do sistema visando o fornecimento de água segura. Neste contexto observa-se que a eficácia do tratamento de água através da Salta-z é conferida principalmente pela etapa de filtragem após a cloração utilizando zeólita natural (clinoptilolita) como meio filtrante. A zeólita possui grande potencial adsortivo na remoção de matéria orgânica natural impedindo a formação de subprodutos da desinfecção tão nocivos à saúde (SANTOS, 2022).

Os riscos inerentes ao consumo de água imprópria são por vezes invisíveis a uma população que não dispõe de serviços básicos de saneamento. Nesta perspectiva Machado et al. (2020) conclui que as ações de educação em saúde são fundamentais e contribuem para o empoderamento das comunidades. A ausência de ciclos de capacitação continuada é apontada por Arêde (2020) como uma das principais dificuldades técnicas encontradas na experiência atual do Salta-z no Amapá. O estudo afirma que a capacitação continuada contribuiria para o surgimento de novos gestores favorecendo a autonomia do sistema, sugere ainda a utilização de instruções com um passo-a-passo de todas as etapas do processo de tratamento como fonte de consulta e atualização do conhecimento para o gestor.

É evidente que a efetividade e sustentabilidade da SALTA-z está diretamente relacionada a adequação do diálogo entre Funasa, Prefeitura e a comunidade. A ação intersetorial e o comprometimento das lideranças comunitárias são os pilares para que a experiência com a SALTA-z seja exitosa enquanto via de acesso ao direito universal a água.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É indiscutível a importância da água para a manutenção da vida. A tecnologia social Salta-Z é uma importante ferramenta para o acesso a água tratada capaz de promover uma série de mudanças e melhorias na comunidade onde é implantada impactando positivamente na promoção da saúde, nas relações comunitárias, na consciência ambiental e principalmente na compreensão de que a água é um recurso finito e imprescindível.

Na busca pela universalização do acesso a água potável destaca-se a atuação da FUNASA na elaboração e disseminação de soluções simplificadas que atendam as demandas contemporâneas de saneamento. A parceria com a FUNASA foi essencial para que as comunidades ribeirinhas do município de Porto Velho pudessem desfrutar do acesso a uma água segura dentro dos padrões de potabilidade estabelecidos na legislação vigente.

Outro ponto fundamental para que a implantação da salta-z ocorresse foi a participação ativa da comunidade compreendendo os benefícios da utilização de água tratada e assumindo responsabilidades na execução dessa tarefa em benefício da coletividade. Pesquisas mais profundas sobre os impactos da Salta-z na saúde das comunidades após sua instalação seriam de grande relevância corroborando com os estudos existentes a cerca dessa tecnologia social.

REFERENCIAS

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1. Secretaria de Saúde do Município de Porto Velho, Divisão de Risco e Licenciamento Sanitário, Porto Velho, Rondônia, Brasil;
2. Instituto Federal de Rondônia (IFRO), Porto Velho, Rondônia, Brasil.
3. Secretaria de Saúde do Município de Porto Velho, Divisão de Risco e Licenciamento Sanitário, Porto Velho, Rondônia, Brasil;