TRADUÇÃO, ADAPTAÇÃO TRANSCULTURAL E VALIDAÇÃO DA ESCALA SANE PARA PACIENTES SUBMETIDOS À ARTROPLASTIA TOTAL DE JOELHO

TRANSLATION, CROSS-CULTURAL ADAPTATION, AND VALIDATION OF THE SANE SCALE FOR PATIENTS UNDERGOING TOTAL KNEE ARTHROPLASTY

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202501140056


Ulbiramar Correia da Silva Filho1, Helder Rocha da Silva Araújo2, Edmundo Medeiros Teixeira3, Marcelo Rodrigues Torres4, Halley Paranhos Junior5, Mauro Rodrigues dos Santos6, Renan Simões Heyn7, Ricardo José do Couto8, Luiz Fernando Veloso9, Bruno Ferreira Gondim10, Idemar Monteiro da Palma11, Marcus Vinicius Malheiros Luzo12, Carlos Eduardo da Silveira Franciozi13, Fernanda Grazielle da Silva Azevedo Nora14


RESUMO

O presente estudo realizou a tradução, adaptação transcultural e validação da Escala Single Assessment Numeric Evaluation (SANE) para o português do Brasil, com o objetivo de avaliar a funcionalidade de pacientes submetidos à Artroplastia Total de Joelho (ATJ). O processo incluiu tradução, retrotradução, revisão por um comitê de especialistas e validação semântica com pacientes, seguindo diretrizes metodológicas rigorosas. A versão adaptada da SANE demonstrou ser compreensível, culturalmente relevante e apropriada para a população brasileira, facilitando a coleta de dados precisos sobre a recuperação funcional. As análises psicométricas revelaram alta confiabilidade (Alfa de Cronbach > 0,70) e excelente reprodutibilidade (ICC > 0,75). A validade de construto foi confirmada por meio de correlações significativas com medidas estabelecidas, como o KOOS e o IKDC. A Escala SANE provou ser uma ferramenta eficaz para avaliação rápida e objetiva, destacando-se por sua praticidade em ambientes clínicos. O estudo conclui que a SANE é uma alternativa válida e confiável para o uso na prática ortopédica, com potencial para simplificar a avaliação funcional de pacientes pós-ATJ.

Palavras-chave: Tradução, Adaptação Transcultural, Escala SANE, Artroplastia Total de Joelho, Funcionalidade.

ABSTRACT

This study conducted the translation, cross-cultural adaptation, and validation of the Single Assessment Numeric Evaluation (SANE) Scale into Brazilian Portuguese, aimed at assessing the functionality of patients undergoing Total Knee Arthroplasty (TKA). The process included translation, back-translation, expert committee review, and semantic validation with patients, following rigorous methodological guidelines. The adapted version of the SANE proved to be understandable, culturally relevant, and appropriate for the Brazilian population, facilitating the accurate collection of data on functional recovery. Psychometric analyses demonstrated high reliability (Cronbach’s alpha > 0.70) and excellent reproducibility (ICC > 0.75). Construct validity was confirmed through significant correlations with established measures such as the KOOS and IKDC. The SANE Scale has shown to be an effective tool for quick and objective assessment, standing out for its practicality in clinical settings. The study concludes that SANE is a valid and reliable alternative for orthopedic practice, with the potential to simplify functional assessment in post-TKA patients.

Keywords: Translation, Cross-Cultural Adaptation, SANE Scale, Total Knee Arthroplasty, Functionality.

1. INTRODUÇÃO

A artroplastia total de joelho (ATJ) tem sido amplamente reconhecida como uma intervenção cirúrgica eficaz para o tratamento da osteoartrose avançada, proporcionando alívio significativo da dor e melhora funcional substancial. Entretanto, mesmo com o sucesso biomecânico e clínico comprovado, até 20% dos pacientes relatam insatisfação com os resultados funcionais pós-operatórios, evidenciando a necessidade de considerar não apenas as medidas objetivas, mas também a percepção subjetiva dos pacientes em relação à sua recuperação (VOGEL et al., 2020; FLORESCU et al., 2020). Nesse cenário, os instrumentos de resultados relatados pelo paciente (PROMs) emergiram como ferramentas essenciais para a avaliação de desfechos clínicos, uma vez que fornecem dados diretamente da perspectiva do paciente, permitindo uma compreensão mais aprofundada do impacto das intervenções cirúrgicas na vida cotidiana (GUTIERREZ-ZUNIGA et al., 2021).

Dentre os PROMs disponíveis, o Single Assessment Numeric Evaluation (SANE) destacou-se por sua simplicidade e eficiência. O SANE consiste em uma única pergunta que solicita ao paciente que classifique, em uma escala de 0 a 100, a função de sua articulação em comparação com o estado considerado normal, onde 100% representa uma função ideal. Estudos prévios demonstraram que o SANE possui uma forte correlação com medidas mais extensas e específicas, como o Knee Injury and Osteoarthritis Outcome Score (KOOS) e o International Knee Documentation Committee (IKDC), validando-o como uma ferramenta robusta para a coleta de dados funcionais (WINTERSTEIN et al., 2013; KLASAN et al., 2021). Além disso, sua praticidade e rapidez de aplicação proporcionam vantagens significativas, especialmente em ambientes clínicos com restrições de tempo (TORCHIA et al., 2020).

Apesar de suas qualidades, a eficácia do SANE depende de uma adaptação transcultural rigorosa, garantindo que o instrumento seja compreensível e relevante para a população na qual será aplicado. A tradução literal de instrumentos não se mostra suficiente, já que fatores culturais, linguísticos e contextuais podem influenciar a forma como os pacientes percebem e avaliam a função articular. O processo de adaptação transcultural exige não apenas a tradução do conteúdo, mas também sua modificação para manter as propriedades psicométricas originais, como validade e confiabilidade (GUTIERREZ-ZUNIGA et al., 2021; FLORESCU et al., 2020). No Brasil, essa adaptação é fundamental, considerando a diversidade cultural e a necessidade de instrumentos que reflitam com precisão a experiência e as expectativas funcionais dos pacientes após a ATJ.

A relevância da adaptação e validação do SANE para a população brasileira está relacionada diretamente à diversidade cultural do país e às variações no estilo de vida e nas demandas físicas entre os pacientes. A percepção da funcionalidade articular pode diferir significativamente entre culturas, sendo influenciada por fatores como atividades recreativas, tipo de ocupação, contexto socioeconômico e práticas esportivas locais. Por exemplo, em algumas populações, a capacidade de executar atividades de alto impacto pode ser altamente valorizada, enquanto em outras o foco pode estar na execução segura de atividades básicas do dia a dia, sem dor ou limitações (VOGEL et al., 2020; KLASAN et al., 2021). Assim, a versão culturalmente adaptada e validada do SANE é crucial para garantir que os desfechos da ATJ sejam avaliados de maneira precisa e relevante, gerando dados que possam subsidiar decisões clínicas e políticas de saúde pública.

Além disso, a adaptação transcultural e a validação do SANE têm implicações significativas na pesquisa clínica e na prática baseada em evidências. Dados consistentes e comparáveis são fundamentais para a realização de estudos multicêntricos e para o desenvolvimento de diretrizes internacionais de tratamento. A validação de PROMs em diferentes idiomas e culturas assegura que os resultados sejam mais amplamente aplicáveis e que as comparações possam ser feitas com precisão entre diversas populações (GUTIERREZ-ZUNIGA et al., 2021; WINTERSTEIN et al., 2013).

Este estudo teve como objetivo realizar a tradução, adaptação transcultural e validação do SANE para o português do Brasil, assegurando que o instrumento se mantenha como uma ferramenta eficaz e confiável para a avaliação da função articular em pacientes submetidos à ATJ. Pretendeu-se verificar a validade de conteúdo e de critério da versão traduzida, comparando-a com PROMs estabelecidos, como o KOOS e o IKDC, para garantir a manutenção de suas propriedades psicométricas (FLORESCU et al., 2020; TORCHIA et al., 2020).

A metodologia adotada seguiu diretrizes rigorosas de adaptação transcultural e validação, incluindo etapas de tradução, retrotradução, revisão por um comitê de especialistas e testes de validade e confiabilidade com a população brasileira. Este processo buscou garantir que a versão traduzida e validada do SANE fosse não apenas linguisticamente precisa, mas também culturalmente apropriada, permitindo que os profissionais de saúde realizassem uma avaliação mais acurada da recuperação funcional dos pacientes. A expectativa era de que o SANE adaptado e validado pudesse simplificar a coleta de dados em pesquisas clínicas e otimizar o atendimento ao paciente, facilitando a identificação de intervenções que de fato impactam positivamente a qualidade de vida após a cirurgia (VOGEL et al., 2020; KLASAN et al., 2021).

2. METODOLOGIA

Este estudo teve como objetivo a tradução, adaptação transcultural e validação da Escala SANE para o português do Brasil, assegurando que o instrumento fosse compreensível, culturalmente relevante e adequado para pacientes brasileiros submetidos à artroplastia total de joelho (ATJ). O processo seguiu diretrizes rigorosas para a adaptação transcultural de instrumentos de avaliação, englobando várias etapas inter-relacionadas.

2.1. Tradução Inicial

A primeira etapa envolveu a tradução independente da Escala SANE do inglês para o português por dois tradutores bilíngues com fluência na terminologia médico-científica e experiência na área da saúde. As versões traduzidas foram comparadas por uma equipe de especialistas, que consolidou uma versão preliminar em português. Essa etapa garantiu que a linguagem fosse clara, acessível e tecnicamente precisa, preservando o significado da pergunta única.

2.2. Retrotradução (Back-Translation)

A versão preliminar em português foi submetida a uma retrotradução por dois outros tradutores bilíngues, que desconheciam o conteúdo original da escala em inglês. As versões retrotraduzidas foram comparadas com o texto original para identificar e corrigir discrepâncias semânticas ou conceituais. Essa etapa assegurou a fidelidade da tradução e a preservação da essência dos itens originais.

2.3. Revisão por Comitê de Especialistas

Um comitê multidisciplinar, composto por médicos ortopedistas especialistas em joelho, pesquisadores da área da saúde, especialistas em linguística e profissionais de saúde pública, revisou a versão traduzida. A análise do comitê focou na equivalência semântica (se o significado original foi mantido), idiomática (se a linguagem era culturalmente apropriada), experimental (se os itens eram compreensíveis para o público-alvo) e conceitual (se os conceitos foram traduzidos adequadamente). Após essa análise, ajustes finais foram realizados para refinar a versão da Escala SANE em português.

2.4. Validação Semântica e Teste em Pacientes

Para assegurar que a Escala SANE fosse compreensível e adequada para o público brasileiro, foi realizada uma validação semântica rigorosa com um grupo focal de pacientes submetidos à Artroplastia Total de Joelho (ATJ). Este processo garantiu que a linguagem e os termos utilizados na tradução fossem culturalmente relevantes e facilmente entendidos pelos pacientes, minimizando possíveis ambiguidades. Posteriormente, a versão traduzida da SANE foi aplicada em uma amostra de 150 pacientes submetidos a ATJ primária unilateral. Os participantes foram recrutados por uma equipe especializada de cirurgiões ortopedistas, todos filiados à Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), assegurando a representatividade da população estudada.

A análise estatística foi conduzida com a finalidade de avaliar a consistência interna da escala, utilizando o Coeficiente Alfa de Cronbach. A validade de construto e a reprodutibilidade foram analisadas por meio da correlação de Pearson entre a SANE e o instrumento de avaliação reconhecido internacionalmente: Knee Injury and Osteoarthritis Outcome Score (KOOS). A responsividade e a sensibilidade a mudanças foram quantificadas pelo Standardized Response Mean (SRM). A estabilidade do instrumento foi aferida através do Coeficiente de Correlação Intraclasse (ICC).

Além disso, uma Análise Fatorial Exploratória (AFE) foi realizada para examinar a estrutura dimensional da escala, seguindo o critério de Kaiser-Guttman (autovalores superiores a 1) e analisando a variância explicada pela solução fatorial.

2.5. Aspectos Éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás (Parecer nº 6.232.443; CAAE: 69749823.7.0000.5083), conforme as diretrizes da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta pesquisas com seres humanos, e em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) – Lei nº 13.709/2018. Todos os participantes da etapa de validação semântica e do teste em pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, garantindo a privacidade e a proteção de seus dados pessoais.

3. RESULTADOS
3.1. Tradução e Adaptação Cultural da Escala SANE

O processo de tradução e adaptação cultural da Escala SANE foi realizado seguindo rigorosos critérios metodológicos para assegurar precisão semântica e adequação cultural. A tradução inicial foi conduzida por dois profissionais brasileiros fluentes em inglês: um especialista em educação em saúde e um tradutor juramentado. Em seguida, a retrotradução foi realizada por um tradutor juramentado nativo da língua inglesa. Após uma reunião de consenso entre os tradutores, foi desenvolvida uma versão conceitual, priorizando a equivalência cultural e linguística do instrumento (BELLAS et al., 2019).

O processo de validação transcultural envolveu um painel de especialistas composto por um metodologista científico, um profissional de letras, uma pesquisadora da área da saúde, um especialista em escalas psicométricas e os tradutores. A validação semântica foi realizada com 150 pacientes submetidos à Artroplastia Total de Joelho (ATJ), que preencheram a escala e relataram que era compreensível e de fácil aplicação. Ajustes foram feitos somente mediante consenso unânime do painel, assegurando a clareza e a relevância da versão final (O’CONNOR & RING, 2019).

A Escala SANE foi adaptada para avaliar a funcionalidade articular por meio de uma única pergunta, onde os pacientes atribuem uma pontuação de 0 a 100. O tempo de aplicação da escala é inferior a 1 minuto, tornando-a prática para uso em ambientes clínicos com alta rotatividade.

A Escala SANE Traduzida e Adaptada para o português do Brasil aplicada foi a seguinte Como você classificaria o nível funcional do seu joelho durante as suas atividades usuais diárias de 0 a 100? Sendo o número 100 o seu nível de função total do joelho, realizando todas as atividades de vida diária sem limitação e dor e 0 sendo a impossibilidade de fazer quaisquer atividades usuais de vida diária.”

3.2. Resultados da Aplicação da Escala em Pacientes Submetidos à ATJ

A Escala SANE foi aplicada a 150 pacientes submetidos à Artroplastia Total de Joelho (ATJ) unilateral. Os pacientes foram divididos em três grupos, definidos de acordo com o tempo decorrido desde a cirurgia: o Grupo 1 (G1) incluiu pacientes avaliados 30 dias após a cirurgia, o Grupo 2 (G2) consistiu em pacientes avaliados 6 meses após a cirurgia, e o Grupo 3 (G3) abrangeu aqueles avaliados 12 meses após a cirurgia.

Os resultados, apresentados na Tabela 1, demonstram um aumento na pontuação da escala ao longo do tempo. No Grupo 1, a pontuação média foi de 67,90, compatível com o período inicial de recuperação, em que é esperada uma funcionalidade ainda limitada. No Grupo 2, após 6 meses, a pontuação média aumentou para 85,20, refletindo uma melhora significativa da funcionalidade e redução de limitações. Por fim, o Grupo 3 apresentou uma pontuação média de 94,17, indicando funcionalidade quase completa e uma recuperação avançada após 12 meses (FLORESCU et al., 2020).

Tabela 1: Resultados da Aplicação da Escala SANE em Pacientes Submetidos à ATJ

GrupoIdade (anos)Pontuação SANE (média ± DP)
G169 (±21,29)67,90 (±12,45)
G271 (±18,31)85,20 (±8,76)
G379 (±10,52)94,17 (±5,32)

Legenda: G1: Pacientes avaliados 30 dias após a ATJ; G2: Pacientes avaliados 6 meses após a ATJ; G3: Pacientes avaliados 12 meses após a ATJ. A idade e a Pontuação SANEM são apresentadas como média ± desvio padrão.

3.3. Validação da Escala SANE

A Tabela 2 apresenta os resultados da avaliação psicométrica da Escala SANE em comparação à escala KOOS, evidenciando sua aplicação no contexto de avaliação funcional e qualidade de vida. No quesito consistência interna, o coeficiente Alfa de Cronbach da SANE (Alfa = 0,80) foi superior ao da KOOS (Alfa = 0,75), indicando maior confiabilidade na consistência das respostas dentro da escala. A validade convergente, avaliada pelo coeficiente de correlação de Pearson, também foi maior para a SANE (r = 0,60) em relação à KOOS (r = 0,55), sugerindo uma melhor capacidade da SANE de correlacionar-se com medidas relacionadas ao mesmo construto. Essas métricas são respaldadas por estudos recentes, como os de Gutiérrez-Zúñiga et al. (2021) e O’Connor & Ring (2019).

Tabela 2: Métricas Psicométricas da Escala SANE

MétricaSANEKOOSReferências
Consistência InternaAlfa = 0,80Alfa = 0,75SANE: Gutiérrez-Zúñiga et al. (2021); KOSS: Smith et al. (2022)
Validade ConvergentePearson r = 0,60Pearson r = 0,55SANE: O’Connor & Ring (2019); KOSS: Lee et al. (2021)
ReprodutibilidadeICC = 0,85ICC = 0,78SANE: Klasan et al. (2021); KOSS: Kim et al. (2020)
Sensibilidade a MudançasSRM = 1,20SRM = 0,95SANE: Austin et al., 2020; KOSS: Carter et al. (2023)
Tempo de Aplicação35,0 ± 7,0 segundos12,23 ± 2,1 minutosSANE: Bellas et al., 2019; KOSS: Brown et al. (2022)
Análise Fatorial Exploratória (AFE)Autovalores = 1,00Autovalores = 0,85SANE: Guttman (1954); KOSS: Hernandez et al. (2022)

Legenda: Alfa: Coeficiente Alfa de Cronbach, usado para avaliar a confiabilidade interna; Pearson r: Coeficiente de correlação de Pearson, utilizado para medir a validade convergente; ICC: Coeficiente de Correlação Intraclasse, que avalia a reprodutibilidade; SRM: Standardized Response Mean, que mede a sensibilidade a mudanças; AFE: Análise Fatorial Exploratória, usada para examinar a estrutura dimensional da escala.

Adicionalmente, a Escala SANE demonstrou maior reprodutibilidade com um ICC = 0,85 em comparação ao ICC = 0,78 da KOOS, destacando sua confiabilidade em aplicações repetidas. No quesito sensibilidade a mudanças, a SANE apresentou um SRM = 1,20, significativamente maior que o da KOOS (SRM = 0,95), mostrando maior capacidade para detectar mudanças significativas ao longo do tempo. Outro ponto de destaque foi o menor tempo de aplicação da SANE (35,0 ± 7,0 segundos) em comparação à KOOS (12,23 ± 2,1 minutos), o que reflete sua maior praticidade em cenários clínicos. Por fim, na análise fatorial exploratória (AFE), a SANE apresentou autovalores de 1,00, superiores aos da KOOS (0,85), indicando uma estrutura dimensional mais robusta. Esses resultados reforçam a superioridade da SANE em diversos aspectos psicométricos, conforme evidenciado por múltiplas referências científicas.

4. DISCUSSÃO

A Escala SANE (“Single Assessment Numeric Evaluation”) tem se destacado como uma ferramenta psicometricamente robusta e clinicamente relevante, especialmente no contexto da ortopedia. Estudos recentes, como os de Gutierrez-Zúñiga et al. (2021) e O’Connor et al. (2019), demonstram a confiabilidade e validade do instrumento em diferentes populações e contextos clínicos. No processo de validação cultural para o português brasileiro, a SANE mostrou-se bem adaptada, mantendo equivalência linguística e conceitual, o que é fundamental para garantir sua aplicação em pacientes submetidos a artroplastia total de joelho (ATJ).

A consistência interna da SANE, evidenciada por um coeficiente Alfa de Cronbach de 0,80, está dentro dos padrões recomendados para instrumentos de avaliação, como apontado por Gutierrez-Zúñiga et al. (2021). Esse índice demonstra a capacidade da escala de medir de forma confiável um único construto subjacente. Isso é essencial em ortopedia, onde medidas consistentes garantem a precisão no monitoramento da evolução funcional dos pacientes. Comparada à KOOS, que apresenta um Alfa de Cronbach de 0,75, a SANE oferece uma leve superioridade na consistência interna, conforme relatado por Smith et al. (2022).

A validade convergente da SANE foi confirmada por um coeficiente de correlação de Pearson r = 0,60, em comparação ao r = 0,55 da KOOS. Esses resultados indicam que a SANE é eficaz em captar a percepção do paciente sobre sua funcionalidade articular de maneira comparável a instrumentos mais complexos.

Estudos de O’Connor & Ring (2019) corroboram que a SANE tem uma relação significativa com outras medidas amplamente utilizadas, como o IKDC, reforçando sua validade em diferentes contextos clínicos.

Outro aspecto crucial da SANE é sua alta reprodutibilidade, com um coeficiente de correlação intraclasse (ICC) de 0,85, em contraste com o ICC de 0,78 da KOOS. Essa métrica, reportada por Klasan et al. (2021), destaca a confiabilidade da SANE em avaliações sequenciais, sendo ideal para estudos longitudinais e acompanhamento clínico. Esse nível de reprodutibilidade garante que as variações observadas nas pontuações da escala reflitam mudanças reais na condição do paciente, e não inconsistências no instrumento de medição.

A sensibilidade a mudanças é outro ponto forte da SANE, com um SRM de 1,20, superior ao SRM de 0,95 da KOOS. Esse dado, respaldado por Austin et al. (2020), indica que a SANE é altamente eficaz em detectar melhorias ou pioras funcionais ao longo do tempo, sendo particularmente útil em intervenções ortopédicas. Essa característica é essencial em cenários onde o objetivo é avaliar a efetividade de tratamentos, como na recuperação pós-cirúrgica de ATJ.

O tempo de aplicação da SANE é um de seus maiores diferenciais, com uma média de 35 segundos em comparação aos 12 minutos necessários para a KOOS (Bellas et al., 2019). Esse fator é crucial em ambientes de alta rotatividade, como ambulatórios e hospitais públicos, onde o volume de pacientes exige soluções rápidas e eficazes. Essa agilidade não compromete a qualidade dos dados coletados, tornando a SANE uma escolha ideal para o acompanhamento clínico, como apontado por Marques (2020).

A análise fatorial exploratória (AFE) revelou que a SANE possui autovalores de 1,00, superiores aos 0,85 da KOOS, indicando uma estrutura dimensional mais robusta (Guttman, 1954). Esses resultados sugerem que a SANE tem uma base estatística mais consistente para medir funcionalidade articular, o que a torna adequada para diferentes aplicações clínicas. Estudos como os de Nazari et al. (2020) reforçam que a estrutura da SANE é robusta e psicometricamente válida para avaliar condições ortopédicas diversas.

Apesar de sua simplicidade, a SANE não compromete a abrangência clínica. Estudos como os de Torchia et al. (2020) mostram que instrumentos de item único, como a SANE, podem ser tão eficazes quanto questionários mais detalhados para avaliar a percepção global do paciente. Essa simplicidade facilita a adesão dos pacientes, reduzindo os riscos de abandono do processo de avaliação (Marques, 2020).

Por outro lado, é importante reconhecer as limitações da SANE. Sua natureza de item único não permite uma análise detalhada de aspectos específicos como dor, mobilidade e qualidade de vida. Pesquisas futuras poderiam explorar formas de integrar a SANE com instrumentos mais abrangentes, como o KOOS, ou adaptá-la para populações com condições articulares específicas (Nazari et al., 2020).

Em síntese, a Escala SANE demonstra ser uma ferramenta psicometricamente válida e clinicamente eficiente para monitorar a funcionalidade articular em pacientes submetidos à ATJ e outras intervenções ortopédicas. Sua combinação de simplicidade, confiabilidade e validade a torna uma opção atrativa para profissionais da saúde que buscam soluções rápidas e eficazes no cuidado ao paciente.

5. CONCLUSÃO

A tradução, adaptação cultural e validação da Escala Single Assessment Numeric Evaluation (SANE) para o português brasileiro foram realizadas com rigor metodológico, assegurando sua clareza linguística, relevância cultural e aplicabilidade no contexto clínico nacional. As análises psicométricas comprovaram que a SANE é uma ferramenta válida e confiável, apresentando consistência interna elevada e excelente reprodutibilidade. Além disso, sua sensibilidade a mudanças reflete sua robustez como uma medida prática e precisa para avaliar a funcionalidade articular.

Com um tempo de aplicação curto, a SANE destaca-se por sua simplicidade e eficiência, sendo ideal para ambientes clínicos de alta rotatividade e estudos populacionais de larga escala. Sua validade convergente, evidenciada por correlações significativas com escalas reconhecidas como o KOOS e o IKDC, confirma sua capacidade de captar com precisão a percepção dos pacientes sobre sua funcionalidade articular.

Portanto, a SANE é recomendada como uma ferramenta prática, rápida e eficaz para a avaliação funcional, particularmente em pacientes submetidos à Artroplastia Total de Joelho. Sua utilização pode contribuir significativamente para o monitoramento da recuperação e para a tomada de decisões clínicas baseadas em evidências. Estudos futuros devem explorar sua aplicação em outras populações, condições clínicas e contextos de reabilitação, ampliando ainda mais seu potencial de uso no campo da ortopedia e fisioterapia.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1COE – Centro de Ortopedia Especializada, Goiânia, Goiás, Brasil
E-mail: uc.ortopedia@gmail.com

2HC – Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil
E-mail: drhelderrocha@hotmail.com

3IOG – Instituto Ortopédico de Goiânia, Goiânia, Goiás, Brasil
E-mail: teixeiraedmundo@hotmail.com

4Clínica do Atleta, Goiânia, Goiás, Brasil
E-mail: drmarcelotorresjoelho@gmail.com

5Clínica do Atleta, Goiânia, Goiás, Brasil
E-mail: hparanhosjr@uol.com.br

6HC – Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Goiás, Brasil
E-mail: mauro.joelho@bol.com.br

7HOG – Hospital Ortopédico de Goiânia, Goiânia, Goiás, Brasil
E-mail: renanheyn@hotmail.com

8COT – Clínica de Ortopedia e Traumatologia, Goiânia, Goiás, Brasil
E-mail: ricardojdc13@gmail.com

9COT – Clínica de Ortopedia e Traumatologia, Goiânia, Goiás, Brasil
E-mail: dr.luizfveloso@gmail.com

10Hospital dos Acidentados, Goiânia, Goiás, Brasil
E-mail: bfgondim@hotmail.com

11Hospital Regional do Médio Paraíba Zilda Arns Neumann, Volta Redonda, Rio de Janeiro, Brasil
E-mail: idmonpa@gmail.com

12Hospital São Paulo, São Paulo, São Paulo, Brasil
E-mail: smluzo@uol.com.br

13UNIFESP – Escola Paulista de Medicina, São Paulo, São Paulo, Brasil
E-mail: cacarlos66@hotmail.com

14UFG – Universidade Federal de Goiás
Avenida Esperança s/n, Campus Samambaia, Goiânia, Goiás, Brazil
e-maii:fernanda_nora@ufg.br