TRADIÇÃO VIVA: O RITO COMO PRÁTICA MILENAR INDÍGENA E A SUA PROPAGAÇÃO NA ATUALIDADE. 

LIVING TRADITION: THE RITUAL AS AN ANCIENT INDIGENOUS PRACTICE AND ITS PROPAGATION IN THE PRESENT.

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10247161


Matheus Martins Pereira¹


RESUMO 

Este artigo científico explora a persistência e relevância dos rituais nas comunidades indígenas, destacando sua importância como prática milenar e sua grande influência que é refletida na contemporaneidade. Focando na transmissão de conhecimento advindos dos nossos ancestrais que é passado geralmente dos mais experiente para os mais novos. Analisando assim, a preservação cultural, conexão com a natureza e respeito aos antepassados, o estudo destaca a integralidade dos rituais indígenas. Além disso, examinando como essas tradições desempenham um papel muito importante na construção da identidade cultural, por mais que com o tempo essa identidade tenha se modificado ou até mesmo preservado por quem a vivencia. A análise busca contribuir para uma compreensão mais profunda das práticas rituais indígenas e como com o passar do tempo não somente as práticas ritualísticas indígenas, assim como rituais de outras comunidades espalhadas pelo mundo tenham se inserido dentro da sociedade contemporânea. 

Palavras chaves: Rituais; influência; transmissão; preservar; identidade cultural; tradições; práticas. 

ABSTRACT 

This scientific article explores the persistence and relevance of rituals in indigenous communities, highlighting their importance as ancient practices and their significant influence reflected in contemporary times. Focusing on the transmission of knowledge from our ancestors, typically passed down from the more experienced to the younger generations. Thus, analyzing cultural preservation, connection with nature, and respect for ancestors, the study emphasizes the integrity of indigenous rituals. Additionally, examining how these traditions play a crucial role in shaping cultural identity, acknowledging that over time, this identity may have evolved or even been preserved by those who experience it. The analysis aims to contribute to a deeper understanding of indigenous ritual practices and how, over time, not only indigenous ritual practices but also rituals from other communities around the world have become integrated into contemporary society. 

Keywords: Rituals; influence; transmission; preserve; cultural identity; traditions; practice.

1. INTRODUÇÃO 

Quando falamos sobre rito, a principal questão que devemos tratar é em relação a sua conceituação. Ao tratá-la, esbarraremos em várias questões que poderão nos guiar à compreensão do que realmente um rito representa, dentro dos seus entendimentos tanto no campo antropológico, quando dentro de um víeis sociológico. Afinal, os ritos e os mitos estão inerentes à condição humana entre duas sujeições inelutáveis: a do viver a do pensar. Os ritos fazem parte desta primeira. 

Desta forma, quando falamos sobre ritos estamos falando diretamente das questões humanas, portanto, sociais. Afinal, se o mito seria o pensar, o rito seria o agir, na prática, fazendo nascer as dicotomias nas relações sociais, transformando os ritos um ato social de fenômeno coletivo. Como pontua Peirano (2000, p.): “Durkheim insistia na necessidade de incluir os atos da sociedade no estudo do domínio social, tendo enfatizado que é pela ação comum que a sociedade toma consciência de si, se afirma e se recria periodicamente. ” 

Portanto, entendendo a sociedade como um sistema de forças atuantes, os mitos, os ritos e os símbolos precisam ser incluídos nas análises explicativas, somando-as as ações para que se identifiquem esses movimentos de reprodução da sociedade. No caso dos ritos, segundo Peirano (2000, p.11): 

Como sistemas culturalmente construídos de comunicação simbólica, os ritos deixam de ser apenas a ação que corresponde a (ou deriva de) um sistema de ideias, resultando que eles se tornam bons para pensar e bons para agir – além de serem socialmente eficazes.  

Os ritos partilham de traços formais, também padronizados, mas que apesar disso, são variáveis, pois são formados em constructos ideológicos distintos. Assim, tais questões são essenciais nas considerações de suas manifestações e como estes se integram e estão implicados à vida humana. Em sociedade, vivemos rituais interligados, sucessivos e complexos, na maioria das vezes, conectados à cosmologia ou pelo menos sendo orientados por elas. Os rituais apresentam os mecanismos essenciais do nosso repertório social, por isso: 

Em outras palavras: falas e ritos – esses fenômenos que podem ser recortados na sequência dos atos sociais – são bons para revelar os mecanismos também existentes no dia-a-dia, até mesmo, para examinar, detectar e confrontar as estruturas elementares da vida social (Peirano, 2000, p.14). 

Portanto, se a partir da percepção, pela antropologia, de que existe uma coerência social, os rituais são fragmentos essenciais para o entendimento social. Para uma sociedade, a prática de um ritual é, em geral, comum e, em maioria, inerente à percepção daqueles que o praticam. Os ritos carregam um papel fundamental na vida social e cultural, pois fornecem um meio de comunicação, expressão e reprodução dos valores, crenças e normais de uma determinada comunidade. Até mesmo o mais simples dos atos, quando repetidos, podem ser caracterizados como uma prática ritualística. 

Torna-se ainda relevante, observar que, ligado a uma religião ou não, essas ações ou cerimônias possuem um conjunto de regras ou protocolos estabelecidos por uma determinada cultura, grupo social ou qualquer tipo de tradição religiosa. Junto a construção de uma ritualística, é muito comum que se encontre a presença dos simbolismos, que possuem papel fundamental na ação. Para Mariana Marconi e Zelia Pesotto (2010, p.151-152), o ritual pode ser caracterizado da seguinte maneira: 

[…] manifestação dos sentimentos por um ou vários indivíduos, em qualquer meio, através da ação. Embora de caráter religioso ou mágico, não é tão persistente quanto o culto. Consiste em um tipo de atividade padronizada, em que todos agem mais ou menos do mesmo modo, e que se volta para um ou vários deuses, para seres espirituais ou forças sobre- naturais, com uma finalidade qualquer. O ritual apresenta um comportamento tradicional e revela, implícita ou explicitamente, crenças, idéias, atitudes e sentimentos das pessoas que o praticam. Em todas as sociedades ágrafas ou de tecnologia simples, há sempre um conjunto de crenças relacionadas com diferentes práticas rituais que varia de uma cultura para outra. Uma cerimônia religiosa pode abranger, ao mesmo tempo, vários rituais, relacionados entre si. 

Por isso, como descrevem as autoras, podemos entender que os rituais se caracterizam por uma ou mais atividades que possuem um caráter repetitivo, padronizado, e que geram significados para àqueles que os praticam. Sobretudo, quanto ao seu caráter religioso, podemos enfatizar que: 

As formas de ritual variam de acordo com a organização do culto. Consistem em atos religiosos como rezar, cantar, dançar aos deuses, ofertar coisas, fazer sacrifícios. Há três formas principais de ritual: oração, oferenda e manifestações. (Marconi; Pesotto, 2010, p.154). 

Dessa forma, entende-se que o rito possui um forte valor social, por possuir também um forte valor cultural. As práticas ritualísticas podem se alterar de acordo com a cultura que ela está inserida. Cada cultura e grupo social constrói suas maneiras de agir, de praticar e interpretar cada um de seus ritos, o que faz refletir as suas crenças, valores e identidades únicas, trazendo assim um valor não universal ao rito. 

Portanto, diante do exposto, trataremos aqui sobre o ritual na concepção indígena, utilizando da etno-história para explorar suas construções culturais, sua perpetuação e seus valores e símbolos para os povos indígenas, refletindo sua presença nas suas culturas e nas suas relações sociais entre si e com os outros. 

2. METODOLOGIA 

A metodologia desta pesquisa parte de um estudo histórico-cultural em que se busca analisar o desenvolvimento do significado do ritual dentro das comunidades indígenas. Dentro dessa temática, serão examinadas as características culturais e religiosas das aldeias indígenas, analisando as práticas dos tupinambás, com o objetivo de identificar a participação nos rituais tanto dos jovens como a perspectiva dos indígenas mais experientes, que têm a função primordial de disseminar e preservar tais rituais, evitando que se percam e sejam negligenciados com o decorrer do tempo e do contato com outras culturas. 

Como base nas análises a respeito de como esses rituais são praticados por outras comunidades espalhadas pelo mundo, foi analisado livros que relatam como o ritual é importante para o desenvolvimento e resistência de uma cultura e como as pessoas os tem como guias para sua vida. 

Tratarei de fazer pesquisa em documentações específicas de antropólogos e historiadores renomados no assunto em que falam sobre os rituais praticados por povos indígenas. Pretendo fazer uma abordagem sobre o que é necessariamente um ritual, buscando entender como tiveram origem e mantêm participação na vida secular das pessoas.  

Buscarei trabalhar com a documentação bibliográficas mais específicas na temática indígena, que relataram as práticas culturais dos povos originários. Ressaltando os pontos que foram tocados e presenciados por eles sobre os rituais e cultura desses povos dentro de sua sociedade, mostrando a percepção que o outro tem sobre a prática dos rituais indígenas. 

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1.O ritual na concepção indígena 

Quando falamos de ritual e de como ele pode estar presente na vida do ser humano, podemos destacar inúmeras atividades do nosso cotidiano e das nossas rotinas. Essas atividades, por muitas vezes, se tornam essenciais para o ser humano e geralmente passam a servir de guia para a vida daqueles que as praticam. Com o tempo, essas atividades se tornam um hábito que, por vezes, é carregado durante toda a vida, podendo até se tornar uma atividade sagrada dependendo da finalidade em que ela é submetida. 

Para Melatti (1972), um rito pode ser definido de várias maneiras segundo ele, até mesmo o mais simples ato de comer pode ser colocado como uma prática cujos simbolismos levam ao surgimento de um ritual. Sobre isso, Melatti (1972, p.114) pontua que: 

Em nossa própria sociedade, por exemplo, o ato de comer pode oscilar desde a pura e simples ação de matar a fome até um conjunto de ações que tenham um significado simbólico, isto é, que diz algo a respeito das pessoas que participam da refeição. Assim, um indivíduo, num intervalo de seu período de trabalho, pode comer, de pé, diante de um balcão de um bar, um sanduíche acompanhado de um copo de refrigerante; este ato é quase puramente técnico e visa tão- -somente à nutrição. Numa refeição comum, de todo dia, numa casa de família, embora tenha o objetivo primordial de alimentar os participantes da mesma, uma série de atos ocorrem que nada têm a ver com a eficiência nutritiva dos alimentos tomados; assim, há uma ordem na disposição dos participantes em torno da mesa, ficando o chefe da família numa das cabe- ceiras. Há ainda uma série de outras regras a serem observa- das: não mastigar de boca aberta, não arrotar diante dos outros, não se retirar antes de todos terminarem etc. Se nenhuma dessas regras fosse observada, os participantes da refeição satisfariam do mesmo modo seu objetivo básico, que é se nutrir. 

Sendo assim, todo simbolismo que envolve o ato de comer, como por exemplo, pessoas ao redor de uma mesa, a maneira como se comportam diante das outras ou até mesmo a forma de mastigação, todos esses atos podem levar a construção de um ritual, ainda que não se perceba. Um dos exemplos recorrentes seria um dos mais presentes durante toda a nossa vida: a comemoração de um aniversário. A celebração de mais um ano de vida, que define também a passagem do tempo. Dentro desta comemoração podemos encontrar, na música cantada, nos aplausos, no bolo, no soprar da vela e até nos presentes que se recebe, os símbolos de uma prática ritualista. 

Na vida dos indígenas isto não é diferente. O ritual está presente a cada momento de suas vidas, desde os seus nascimentos até o momento de suas mortes, eles estão cercados de ritos que acompanham e guia a maneira como vivem. Isto pode ser notado nos seus próprios rituais, carregados de simbolismos, que definem a vida de um indígena e até mesmo a hierarquia dele dentro de sua comunidade. 

Tais rituais, por muitas vezes, tem uma ligação direta com a relação dos indígenas com a natureza. É comum encontrar elementos da natureza presentes nas práticas ritualísticas. Grupioni (1994) relata que até mesmo o mais simples canto de um pássaro, para os povos indígenas, pode se tornar um elemento presente nas celebrações de suas cerimônias: 

Do ponto de vista cognitivo a nomenclatura onomatopéica é extremamente importante. As sociedades indígenas apresentam riquezas nos artefatos plumários e as aves, além de fornecerem penas, cantam. Como coloca Patrick Menget ao tratar da definição humana nas sociedades ameríndias: “são verdadeiros homens de penas que gostam sobretudo de música”. Através da nomenclatura das aves, percebemos a existência de outro meio para o conhecimento e para a simbolização entre os Xikrin: a audição. E de fato, vários “cantos de aves” são entoados durante os rituais. (Grupioni, 1994, p.146) 

A concepção de um ritual indígena geralmente pode estar ligada ao mundo espiritual. Muitos são os casos em que a ritualística retrata a relação do ser humano com o mundo cósmico. 

O ritual geralmente remete ao momento em que existe um encurtamento nas relações entre a vida cotidiana do indígena com a vida espiritual. Para Grupioni (1994), a relação do ritual dentro do cotidiano indígena se relaciona com o mundo espiritual: 

Em muitas sociedades indígenas, o ritual é o momento mesmo da inserção da humanidade no universo mais amplo; é o lugar mesmo da confluência e da presença concomitante do sobrenatural, da natureza e da humanidade. E, por outro lado, da reafirmação dos laços de solidariedade interna, da troca recíproca, da expressão concreta da dimensão económica dos ritos, através de redistribuição e partilha de alimentos. (Grupioni, 1994, p.76) 

Por fim, esses rituais são caracterizados e estudados por diferentes momentos: os rituais de passagem, rituais de casamento, rituais de casamento, rituais de nascimento, rituais de iniciação, rituais funerários, rituais de guerra e rituais xamânicos. Todos esses são inseridos no cotidiano indígena, assim como também são utilizados para cerimônias de adoração aos seus deuses, servindo como uma forma de culto. 

3.2.Unindo tradição e transformação: O casamento nas comunidades indígenas e sua propagação global. 

O casamento na sociedade em que vivemos pode ter várias interpretações de acordo com a cultura e localidade no qual ele é celebrado. Comumente encontramos hoje em dia a forma de casamento como um contrato, sendo celebrado diante de um profissional que esteja habilitado para viabilizá-lo. Em muitos casos, o casamento está ligado a concepções religiosas e preceitos bíblicos, utilizados para concretiza-lo. 

Contudo, o casamento carrega uma ritualística muito especifica, desde a forma como a festa acontece, como as vestimentas, o ambiente, as músicas e o bolo. Levando ao momento muito especifico em que os envolvidos o selam com uma aliança e um beijo. Tornando assim esse momento concluído e levando o casal para uma nova etapa das suas vidas, em que ambos irão viver como um casal. 

Quando se trata dos indígenas, vamos nos deparar com uma forma de ritual diferente e bem singular. Melatti (1972) usa como exemplo a celebração feita pelos povos Xavántes, onde são os pais que escolhem as esposas de seus filhos. O ritual de casamento é praticado logo após a cerimônia de iniciação dos jovens, o momento em que eles passam a ser considerados adultos e maduros para se casar. 

Para a preparação desse ritual, o grupo de indígenas que passou pelo ritual de iniciação passa a construir um abrigo dentro da aldeia e se deita dentro à espera das suas futuras esposas, de acordo com Melatti (1972, p.119): “As mães trazem suas filhas, ainda meninas, e as deitam junto a seus noivos, que cobrem sua face com as mãos e estão de costas para elas. As meninas ficam apenas um momento nessa posição, sendo retiradas logo em seguida.”.  

Assim como no Brasil, carregamos traços culturais geralmente advindo da cultura ocidental. A importância do casamento e seu significado é muito relevante para vida do ser humano. O casamento na concepção indígena também carrega significados e simbologias que remetem a continuidade de uma geração, fala sobre a união e sobre a construção de laços que modificam a vida do jovem indígena. 

Portanto, o casamento eleva a vida do indígena para outro estágio de sua vida, momento em que ele prepara os homens para se tornarem chefes de uma nova família. Para as mulheres, cabe a responsabilidade do cuidado para com sua família e também garantindo a continuação da futura geração que irá dar continuidade ao legado dos seus pais. O casamento tem a capacidade de elevar aqueles que são submetidos a cerimônia a passarem do estágio da vida jovem para a vida adulta. 

É importante ressaltar que assim como na vida dos indígenas, o significado do casamento foi se transformando com o passar do tempo. Por mais que as tradições indígenas tenham sempre a intenção de preservar os ensinamentos que os antepassados passaram para as futuras gerações, é possível perceber nos dias atuais a transformação desse ritual. 

A ideia de como o casamento é praticado pelo mundo, atualmente vem se transformando de forma acelerada e ganhando novos espaços na sociedade. Antes a prática da celebração do casamento entre pessoas do mesmo sexo era totalmente inviável. Com o passar do tempo e com a constante difusão das formas de informação, que por sua vez cooperaram bastante para que as pessoas começassem a desmistificar o casamento apenas entre o sexo oposto. Nos dias atuais já é possível encontrar em algumas comunidades a união matrimonial entre pessoas do mesmo sexo. 

Desta forma, é possível compreender que o antigo e o novo sempre estão caminhando lado a lado. O ritual não tem a intenção de ser imutável, ele pode se transformar de acordo com o tempo e o local em que ele é celebrado. Sempre carregando a ideia da continuidade cultural por mais que com o tempo essa continuidade não seja vista da mesma forma como ela era foi vista pelos antepassados. 

3.3.Entre a Vida e a Morte: Rituais Funerários Indígenas e sua Perpetuação na Sociedade Contemporânea 

Ao tratarmos desse contexto no Brasil, percebemos que a morte é vista dentro de nossa sociedade como um tabu, em que muitos temem vivenciar e até mesmo imaginar o momento da própria morte. Uma das principais formas de ritual que encontramos nos dias de hoje são os velórios, os quais têm a função de proporcionar aos amigos e familiares um último momento na presença da pessoa que agora não se encontra mais em vida. 

Assim como este é um ritual de grande relevância no contexto brasileiro, abordaremos então a presença desse cerimonial em outras civilizações globais, analisando suas principais características e sua importância para aqueles que o praticam. Esses rituais, na maioria das vezes, estão interligados a diversas ideologias religiosas; contudo, não são exclusivamente rituais que dependem de concepções religiosas para serem praticados. 

O ritual funerário é bem marcante na vida do indígena. Em todo o mundo os rituais funerários representam parte da cultura e da espiritualidade dos povos indígenas. No Brasil esses rituais estão sempre muito presentes em suas vidas cotidianas. Cada cultura indígena carrega suas próprias tradições e credo em relação à morte e ao processo de passagem da vida para a morte, esses rituais podem sim variar de acordo com a comunidade na qual ele é analisado. 

Quando se trata dos Karajás, no passado esse ritual era feito em duas etapas. No qual o corpo do defunto era enterrado, representando a primeira etapa do sepultamento e logo após dois anos, os restos mortais eram retirados das urnas funerárias, como podemos ver na obra, Arte Iny Karaja patrimonio cultural do Brasil (2019). 

O ritual funerário dos Karajá, no passado, previa dois sepultamentos, chamados pelos estudiosos de enterros primário e secundário. No primeiro, o morto, enrolado na esteira, é colocado na cova. Após aproximadamente dois anos, o esqueleto é retirado da terra e colocado em urnas funerárias que são enterradas no mesmo local do primeiro enterro. (Lima; Leitão, 2019, p. 157) 

Entre os Indígenas Kaingáng, do sul do Paraná, essa cerimonia é coberta de simbolismos onde sons são entoados e demarcações são feitas nas árvores até que se chegue no local em que o defunto vai ser suputado. Eles acreditam que o defunto vive uma outra vida após o seu sepultamento, como é levantado por Melatti (1972). 

Entre os índios Kaingáng que habitam os arredores da cidade de Palmas, no sul do Paraná, quando uma pessoa morre, alguém deve recitar uma fórmula tradicional ao som do maracá. Três homens levam o cadáver para o cemitério. Toda vez que põem o cadáver no chão para descansar, fazem um sinal numa árvore próxima. E isso acontece umas três vezes, até que chegam ao cemitério, onde fazem também o mesmo sinal. 
Os Kaingáng acreditam que o morto vive mais uma vida no além-túmulo, depois do que morre outra vez, transformando-se num mosquito ou numa formiga preta. O morto oferece um grande perigo à comunidade e por isso deve ser afugentado, pois produz a morte e a doença. (Mellatti, 1972, p. 121) 

Quanto se conclui esse ritual, é realizado outro, que é praticado por alguém pertencente à família do morto, entre os meses de abril e junho, onde esse é responsável por expulsar o espirito da pessoa que morreu dos arredores da aldeia. Esse ritual tem a presença de pessoas próximas ao falecido, assim como também toda a comunidade é convidada para presenciar esse momento, que é sempre festejado com bebidas e toda uma ritualística até chegar no túmulo do defunto. 

Melatti (1972) conta como ocorre este ritual: os indígenas se dividem em grupos, os que pertencem a família do morto e os outros participantes. Dentro dessa divisão eles buscam as arvores que foram marcas e quando as encontram, os cantores e os dançarinos começam a entoar cânticos em quanto os demais participantes apenas assistem o processo do ritual. 

Quando chegam ao túmulo do defunto, a ritualística tem outra dinâmica até esse ritual se dar como concluído, passando por três etapas até a conclusão. A primeira é a etapa do sepultamento, a segunda é a fase da transição e a terceira é a da incorporação, como é exemplificado pelo autor:  

A metade que caminha atrás vem agindo do mesmo modo. Até que os da metade do morto repetem a mesma cena sobre o túmulo, enquanto a metade oposta realiza o mesmo a uns cinco metros do cemitério. Acabado o cântico, as metades se misturam e retornam à aldeia. Acendem-se fogueiras na praça. Os homens das metades formam dois círculos, cada um em torno de um certo número de fogueiras. As mulheres também formam dois círculos, cada qual a envolver o círculo de homens de sua res- pectiva metade. E assim cantam e dançam até que a cachaça pura, que é oferecida só aos que dançam, e a bebida preparada, de que se servem os demais, se acabem. (Melatti, 1972, p. 122) 

Outras comunidades indígenas praticam o ritual funerário, cada um com sua singularidade. Os Xavantes acreditam que a alma da pessoa que faleceu deve ser acompanhada por parentes e amigos para o mundo dos mortos. Os Guarani, por exemplo, envolvem o corpo em uma rede, colocando folhas de palmeiras sobre ela, e assim o corpo é carregado pelos familiares. Durante o funeral, a comunidade canta e dança, enquanto os parentes do falecido carregam o corpo para a floresta, onde é enterrado em uma cova pouco profunda. Os Guarani acreditam que o espírito do falecido precisa ser liberado do corpo para que possa viajar para o mundo espiritual. 

Para os indígenas, esse ritual é uma forma de honrar e cuidar dos mortos e de ajudar eles no processo de transição para a sua vida espiritual. Esses rituais geralmente mudam com o passar do tempo e passam a ser praticados de uma outra forma, porém, a essência desses rituais e foram praticadas pelos antigos e é uma forma de manter a conexão entre os antepassados e a história das comunidades indígenas. 

Ao abordamos as ritualísticas fúnebres praticados por povos indígenas que viveram no período pré-colombiano, abordaremos então como a morte era vista pelos Astecas. Rito fúnebre que era carregado de simbolismo e que remete à passagem do defunto para um plano inferior. Para Eliade (1995), esse rito é descrito como um destino inevitável para todos. A escuridão é retratada como a característica dominante desse reino sombrio, onde não há luz nem janela. Essas descrições evocam uma sensação de permanência e separação definitiva da vida terrena. 

Eliade (1995) pontua:  

Entre os astecas, quando uma pessoa morria a “morte da palha”, o sacerdote pronunciava estas palavras diante do corpo: “Nosso filho, terminaram para ti os sofrimentos e as fadigas desta vida. Agradou a nosso Senhor levar-te daqui, pois não tens vida eterna neste mundo; nossa existência é como um raio de sol. Ele te concedeu a graça de nos conhecer e de participar de nossa vida em comum. Agora o deus Mictlantecutli e a deusa Mictecaciuatl [Senhor e Senhora do Inferno*] chamaram-te para sua morada. Nós todos te seguiremos, pois é o nosso destino, e a morada é suficientemente ampla para receber o mundo inteiro. Teu nome não mais será ouvido entre nós. Estás indo para o domínio das trevas, onde não há luz nem janela. Não voltarás para cá, nem precisas te preocupar com tua volta, pois tua ausência é eterna. (Eliade, 1995, p. 203) 

No desenvolvimento do ritual, o sacerdote possui papel muito importante na execução do rito. Ele é quem exerce o papel de mediador entre o mundo material e o espiritual, executando todas as etapas para que a alma do falecido caminhe pelo mundo inferior com total capacidade de passar sobre os obstáculos que se colocaram diante dela. Eliade (1995) descreve como o papel do sacerdote é importante nesse processo. 

A seguir, o sacerdote derramava algumas gotas de água sobre a cabeça do falecido, como se fosse outro batismo, e colocava uma bacia de água junto ao corpo: “Eis a água da qual fizeste uso nesta vida; leva-a em tua viagem”. E como outro Livro dos Mortos, certos papéis eram colocados sobre o corpo mumificado na devida ordem: “Eis aquilo com o qual atravessarás as duas montanhas que colidem. Com isto transporás a estrada onde te espera a serpente. Com isto passarás pela toca do lagarto verde…. Vê, com isto atravessarás os oito desertos e as oito colinas. E com isto poderás cruzar o lugar onde sopram os ventos que arremessam facas de lava”. Assim deviam ser transpostos os perigos do Caminho do Mundo Inferior para que a alma chegasse à presença de Mictlantecutli, de onde, após quatro anos, ela continuaria sua jornada até que, com a ajuda de seu cão, sacrificado no túmulo, ela transporia o rio Nônuplo e, desse lugar, cão e dono entra- riam na casa eterna dos mortos, Chicomemictlan, o Nono Inferno. (Eliade, 1995, p. 203) 

Portanto, o simbolismo guia a execução da cerimônia a todo momento. Ao utilizar os objetos, como a água, o sacerdote executa simbolicamente a realização de um novo batismo, sugerindo uma transformação espiritual em sua jornada além da morte. A utilização do papel sobre o corpo do falecido, remete a um guia de proteção para que ele consiga passar pelos obstáculos que surgirão pelo caminho. 

Essa narrativa remete à passagem da vida para a morte, que é colocado no texto como plano inferior. Eliade (1995) mostra como as práticas descritas representam a capacidade de entender sobre importância dos rituais funerários e dos símbolos utilizados para auxiliar e proteger a alma do falecido em sua jornada após a morte. 

3.4.Rituais Ancestrais e sua Ressonância Contemporânea: A Continuidade dos Práticas Cerimoniais dos Povos Primitivos no Mundo Atual 

Analisar a presença dos rituais em comunidades primitivas é de extrema importância para a compreensão do entendimento do que é o rito; como ele pode ser inserido em uma sociedade e como é culturalmente difundido. A presença de vários elementos que podem ajudar a sustentar essa ideia é de extrema importância para o desenvolvimento dessa concepção. 

Agora falaremos sobre os tipos de rituais realizados por diferentes civilizações na que comumente chamamos de Pré-História, apesar de tal termo ser contestado atualmente pela historiografia. Para Eliade (1988), utilizando como base de análise os estudos do paleontólogo Alexander Marshak (1988), os rituais estão inseridos dentro das comunidades de caçadores do período paleolítico. O estudo busca compreender os costumes e comportamentos que puderem dar à luz aos primeiros rituais praticados pelos povos primitivos. Nesse ponto, os sinais e simbolismos praticados pelas civilizações antigas podem ajudar a corroborar o levantamento de tal estudo.  

Dessa forma, podemos pensar sobre a própria ideia de tempo, das estações, sobre os ciclos da lua, sobre os períodos de caça, ou seja, tudo que levou o ser humano a construir uma ideia de ordem para todas as coisas que aconteciam na vida. Sendo assim, entendemos que desde o início das suas vidas até o momento da morte, essas civilizações primitivas estavam cercadas por diversos paradigmas que eram impostos a elas, como a sua sobrevivência. Toda essa trajetória fez com que o ser humano pudesse olhar para si e perceber que a vida precisava ser guiada por algo maior, algo que, de certa maneira, pudesse impor o limite entre a vida e a morte, entre o relacionamento com as coisas naturais e até mesmo com as espirituais. 

Ainda sobre o tema, Marshak (1988) fez as suas colaborações. Ao analisar a presença do simbolismo das fases lunares que estavam presentes na vida do primitivo, o autor chega à conclusão que as fases da lua também serviam como um calendário e como uma forma de organizar os dias e os seus afazeres. Marshak (1988) pontua que o sistema de analisar os ciclos lunares já era analisado, memorizado e utilizado com finalidades práticas a cerca de 15 mil anos antes da descoberta da agricultura.  

Para o autor, isso é uma constatação de como se via o papel da lua nas mitologias arcaicas e nas relações que essa tem com outros simbolismos que são associados a lua (Marshak, 1988, p.28). Além disso, as escritas que eram feitas tanto em objetos como nas paredes das cavernas também são vistas por Marshak (1988) como parte de um sistema que carrega uma intencionalidade.  

Voltemos ao Eliade (1988). Em seu texto, o autor relata o exemplo do osso exumado em Pech de l’Azé, que foi datado de 100 mil anos antes do Paleolítico superior, em que ele carregava vários desenhos, como o de peixes, por exemplo, que remetiam a um certo ritual que ele denominou como “ato individual de participação”. Sobre a análise dos simbolismos retratados, Eliade (1988) pontua:  

Tais análises confirmam a função ritual dos sinais e das figuras paleolíticas. Parece agora evidente que essas imagens e esses símbolos se referem a certas “histórias”, isto é, a acontecimentos relacionados com as estações, os hábitos do animal caçado, a sexualidade, a morte, os poderes misteriosos de alguns seres sobrenaturais e de certas personagens (“especialistas do sagrado”). Podemos considerar as representações paleolíticas como um código que significa ao mesmo tempo o valor simbólico (portanto “mágico-religioso”) das imagens e sua função nas cerimônias referentes a diversas “histórias. (Eliade, 1988, p. 29) 

Dessa forma, podemos ver que as sociedades de caçadores utilizavam vários desses sistemas e simbologias para guiar como aconteceria o exercício da caça. 

Os simbolismos têm importância fundamental na construção desses rituais praticados pelos povos primitivos. Esses simbolismos estão presentes nas suas festividades e elaboração de um determinado ritual, até mesmo no momento do nascimento ele pode ser notado. Eliade (1979) relata sobre a importância do simbolismo para ter uma maior compreensão dos fatos:  

Em suma, é a presença das Imagens e dos símbolos que conserva as culturas «abertas»: a partir de qualquer cultura, tanto australiana como ateniense, as situações-limite do homem são ‘perfeitamente reveladas graças aos símbolos que sustentam estas culturas. Se se negligenciar este fundamento espiritual único dos diversos estilos culturais, a filosofia,da cultura será condenada a ficar como um estudo morfológico e histórico, sem nenhuma validade para a condição humana em si. Se as Imagens não fossem ao mesmo tempo uma «abertura» para o transcendente, acabar se ia por asfixiar em qualquer cultura por maior e mais admirável que a possamos supor. (Eliade, 1979, p. 168-169) 

Além disso, a citação ressalta que as imagens não são apenas representações culturais, elas também podem ser utilizadas como uma abertura para aquilo que vai além da compreensão comum. Elas permitem que as culturas se conectem a algo maior do que elas mesmas, evitando assim um sufocamento interno. 

Sendo assim, percebemos que os simbolismos estão, na maioria das vezes, diretamente ligados à construção de práticas ritualísticas. Como podemos observar, os povos primitivos faziam uso de diversas simbologias que remetiam ao momento em que seus rituais eram realizados. Esses simbolismos têm importância não apenas para preservar a cultura; eles também funcionam como intensificadores da fé no que está sendo praticado. 

Outro ponto colocado, são as presenças de rituais de iniciação que possivelmente estavam presentes no dia a dia do caçador primitivo. Vários são os sinais que apontam para a construção da ideia desse tipo de ritual, a gruta de Montespan, foi um dos lugares de estudo dessa possível prática, segundo Mircea (1988), mesmo que essa ideia seja contestada, várias foram as cerâmicas que possuíam certas singularidades que poderiam ser remetidas a rituais de iniciação. 

Outro ponto que pode ser colocado é a ideia das danças praticadas na gruta de Montespan. Foram encontrados vários sinais da pratica das danças circulares, que segundo o autor, eram danças praticadas para apaziguar a alma do animal que foi abatido. Os formatos das pegadas no solo da gruta foram encontrados traçados, era forma como a dança era praticada. 

Nos dias atuais, a conexão do ser humano com as coisas naturais ainda carrega uma forte relação entre ser humano e natureza. Assim como o mundo cósmico estava muito presente na vida dos primitivos, nos dias atuais os ciclos lunares são diretamente lembrados quando tratamos dos signos. Esses que por sua parte exercem a mesma função de vários ritos praticados por povos primitivos, a função de dar sentido à vida, de traçar as características de um indivíduo e explicar as suas singularidades. 

Em algumas comunidades o próprio significado das festas de aniversário está diretamente ligado ao mundo cósmico. Na China, o aniversário do Zodíaco está conectado a ideia da astrologia, cada ano carrega a representação de um animal e cada animal oferece para o ano em que ele é representado as suas características, que podem ser boas ou ruins. 

Características ancestrais que ainda hoje são utilizadas pelos chineses, carregando assim uma cultura ritualística que perdura durante milênios. Percebemos então como as práticas ritualísticas possuem uma influência na vida das pessoas e como essas práticas conseguem ditar a maneira como os indivíduos olham para a vida. 

O ritual está intrinsicamente ligado a vida do ser humano, desde a passagem dos nossos primeiros ancestrais até os dias de hoje. Praticas que ainda perduram e ainda iram perdurar por longos anos, por mais que com o tempo elas possam se alterar ou se moldar de acordo com as futuras gerações e as futuras modificações culturais. As práticas ritualísticas sempre estarão preparadas para o novo. 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Dessa forma, é possível notar, que ao falarmos sobre ritual, primeiramente precisamos compreender como as diversas formas de rituais se manifestam sobre as variadas culturas existentes no nosso planeta e como cada uma dessas culturas representam os seus rituais e suas singularidades. Particularidades que por sua vez tem a função de transmitir os sentimentos e significados sobre uma determinada prática ritualística. 

A vida do ser humano, desde as formas primitivas de sociedade até a contemporaneidade sempre foi submetida as consequências da vida, sejam elas boas ou ruins. De acordo com as provações que foram sendo apresentadas nas nossas vidas, passamos a ter a necessidade de enfrentar os desafios que a nós foram propostos. Então como forma de resistência, o ser humano passou a pensar sobre como a vida deveria ser encarada e como tudo aquilo que estava sendo vivido poderia passar a ter um significado. 

O ritual tem a capacidade de criar um elo entre o antigo e o novo, entra a vida e a morte, entre as coisas terrenas e o mundo espiritual. O ritual passou a existir no exato momento em que o ser humano passou a sentir a necessidade de resistir a vida e dar um significado para as coisas que acontecem no mundo, seja ela uma simples mudança de estação, um aniversário, a união entre um casal por meio de um matrimônio e até mesmo como o ser humano encara a morte. 

Sendo assim, as práticas ritualísticas estão sempre presentes no dia-a-dia das pessoas, aquilo que diferencia os rituais espalhados pelo mundo é a cultura, ela quem define como é a relação da morte dentro da sociedade brasileira e como a morte é vista dentro de uma sociedade asiática. 

5. REFERÊNCIAS 

ELIADE, Mircea. História das Ideias e Crenças Religiosas. RÉS-Editora, 1988. 

ELIADE, Mircea. Imagens e símbolos. Tradução de Maria Adozinda Oliveira Soares. 

Lisboa: Artes e Letras. Arcádia, 1979. 

ELIADE, Mircea. O Conhecimento Sagrado de Todas as Eras. Mercuryo, 1995. 

GRUPIONI, Luís Donisete Benzi. Índios no Brasil. Ministério da Educação e do Desporto, 1994. 

LIMA, Nei Clara de; LEITÃO, Rosani Moreira. INY TKYLYSINAMY RYBÈNA ARTE INY KARAJÁ: Patrimônio Cultural do Brasil. Goiânia: Iphan, 2019. 

MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, Zelia Maria Neves. Antropologia: uma introdução. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2010. 

MELATTI, Julio Cezar. Índios do Brasil. 2. ed. Brasília: Editora de Brasília, 1972. 

PEIRANO, Mariza GS. A análise antropológica de rituais. Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília, 2000. 


 ¹Graduando em Licenciatura em História. Universidade Federal do Maranhão – UFMA. Lattes ID: http://lattes.cnpq.br/5768626063928406. E-mail: matheus.fapeam@gmail.com.