TOXICIDADE OCULAR DO TAMOXIFENO EM PACIENTES COM CÂNCER DE MAMA: REVISÃO SISTEMÁTICA

OCULAR TOXICITY OF TAMOXIFEN IN PATIENTS WITH BREAST CANCER: A SYSTEMATIC REVIEW

TOXICIDAD OCULAR DEL TAMOXIFENO EN PACIENTES CON CÁNCER DE MAMA: UNA REVISIÓN SISTEMÁTICA

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10995069


Alef Bruno Silva de Paula1
Camila Lorrainy de Sousa Pereira2
Clara Lemos Carneiro Trindade3
Cristina David Andrade4
Gabriela Moreira Capanema5
Raissa Cotta Machado6
Isabella Viana Gomes Schettini7
Dr. Dante Alighieri Schettini8


Resumo: O Tamoxifeno é um fármaco amplamente utilizado no tratamento e prevenção do câncer de mama e de doenças relacionadas à proliferação de células com receptores de estrogênio. Esse fármaco possui efeitos adversos, incluindo a degeneração retiniana, que pode trazer impactos negativos à visão dos pacientes que o utilizam, principalmente se utilizado em doses altas ou por um longo período. Essa revisão sistemática tem o objetivo de descrever a relação entre o uso de tamoxifeno e as alterações oculares apresentadas por pacientes com câncer de mama e, desse modo, destacar as evidências científicas disponíveis para orientar o uso mais seguro da medicação. Foram selecionados artigos sobre o assunto nas bases de dados PubMed, Web of Science, Biblioteca Virtual em Saúde e Science Direct, no intervalo entre abril de 2021 a novembro de 2021, publicados nos últimos 5 anos, obtendo-se 6 artigos. Os artigos selecionados evidenciaram a presença de uma associação estatisticamente significativa entre o uso do Tamoxifeno e o desenvolvimento de lesões oftalmológicas. Com isso, conclui-se que é necessária maior investigação acerca desses efeitos, haja visto o impacto na qualidade de vida das pacientes e o número reduzido de pesquisas acerca do assunto, a fim de definir se é necessária a implementação de uma triagem oftalmológica e se seria benéfica a implementação de tratamentos alternativos a essas pacientes.

Palavras-chave: Tamoxifeno, Câncer de Mama, Toxicidade ocular

Summary: Tamoxifen is a drug widely used in the treatment and prevention of breast cancer and diseases related to the proliferation of cells with estrogen receptors. This drug has adverse effects, including retinal degeneration, which can have negative impacts on the vision of patients who use it, especially if used in high doses or for a long period. This systematic review aims to describe the relationship between the use of tamoxifen and the ocular changes presented by patients with breast cancer and, in this way, highlight the scientific evidence available to guide the safer use of the medication. Articles on the subject were selected from PubMed, Web of Science, Virtual Health Library and Science Direct databases, from April 2021 to November 2021, published in the last 5 years, resulting in 6 articles. The selected articles showed the presence of a statistically significant association between the use of Tamoxifen and the development of ophthalmologic lesions. With this, it is concluded that further investigation is needed on these effects, given the impact on the quality of life of patients and the reduced number of research on the subject, in order to define whether it is necessary to implement an ophthalmic screening and whether it would be beneficial to implement alternative treatments for these patients.

Keywords: Tamoxifen, Breast câncer, Eye injury

Resumen: El tamoxifeno es un fármaco ampliamente utilizado en el tratamiento y prevención del cáncer de mama y enfermedades relacionadas con la proliferación de células con receptores de estrógenos. Este fármaco tiene efectos adversos, incluida la degeneración de la retina, que puede tener un impacto negativo en la visión de los pacientes que lo usan, especialmente si se usa en dosis altas o durante un período prolongado. Esta revisión sistemática tiene como objetivo describir la relación entre el uso de tamoxifeno y los cambios oculares que presentan las pacientes con cáncer de mama y, de esta manera, resaltar la evidencia científica disponible para orientar el uso más seguro del medicamento. Se seleccionaron artículos sobre el tema de las bases de datos PubMed, Web of Science, Virtual Health Library y Science Direct, de abril de 2021 a noviembre de 2021, publicados en los últimos 5 años, resultando en 6 artículos. Los artículos seleccionados mostraron la presencia de una asociación estadísticamente significativa entre el uso de Tamoxifeno y el desarrollo de lesiones oftalmológicas. Con esto, se concluye que se necesita mayor investigación sobre estos efectos, dado el impacto en la calidad de vida de los pacientes y el reducido número de investigaciones sobre el tema, para definir si es necesario implementar un tamizaje oftálmico y si sería beneficioso implementar tratamientos alternativos para estos pacientes.

Palabras clabe: Tamoxifeno, Cáncer de Mama, Toxicidad ocular

1 INTRODUÇÃO

      O câncer de mama é o mais incidente em mulheres no mundo, no Brasil, é o segundo mais incidente na população feminina, ficando atrás apenas do câncer de pele não-melanoma (Instituto Nacional de Câncer, 2019). O tratamento dessa enfermidade pode consistir em quimioterapias, radioterapias, terapias adjuvantes ou cirurgia, sendo a estratégica escolhida de acordo com características do paciente e do tumor (Watkins, 2019; Akram et al, 2017; Maughan et al, 2010; Li et al, 2015; Donepudi et al, 2014; Ministério da Saúde, 2014; Motta, 1995).

O Tamoxifeno é um agente não esteróide que possui ações tanto agonistas quanto antagonistas do estrógeno em diferentes tecidos, comumente utilizado para tratamento e prevenção do câncer de mama e outras doenças associadas à proliferação de células que possuem receptor de estrogênio (RE). Em pacientes com diagnóstico de câncer de mama, o medicamento é aplicado geralmente na dosagem de 20 mg/dia para tratamento do câncer avançado, no tratamento de câncer metastático com receptor de estrógeno positivo ou como terapia adjuvante no estágio inicial ou após a excisão do tumor primário (Brunton et al, 2012). Pode ser usado também em pacientes com tumores localmente avançados, em pacientes negativos para os receptores HER-2 e que não preenchem critérios clínicos para receber quimioterapia ou em mulheres nas quais a quimioterapia não seja apropriada (Brunton et al, 2012; Maughan et al, 2010).

  Embora apresente amplo uso clínico, este fármaco pode apresentar alguns efeitos adversos oftalmológicos relevantes, como degeneração da retina, principalmente quando utilizada a dose máxima ou em tratamentos de longa duração, até 10 anos (Brunton et al, 2012; Davies et al, 2013). Estudos relacionam também o uso do tamoxifeno com outros achados oculares, como opacidades da córnea, catarata, edema macular cistóide, buraco macular, neurite óptica e retinopatia (Dettoraki et al, 2015; Eisner & Luoh, 2011).  As evidências descrevem, ainda, a toxicidade ocular por efeitos irritativos da quimioterapia associada ao tratamento, os quais são mais comuns do que os achados oculares da terapia hormonal isolada. Essa revisão sistemática tem o objetivo de descrever a relação entre o uso de tamoxifeno e as alterações oculares apresentadas por pacientes com câncer de mama e, desse modo, destacar as evidências científicas disponíveis para orientar o uso mais seguro desse fármaco de extenso uso clínico.

2 METODOLOGIA

Esta é uma revisão sistemática que seguiu os passos que estão descritos no Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA), que padroniza recomendações em  vinte e sete (27) itens de um checklist e um fluxograma de quatro (4) etapas, para auxiliar na execução e validação de revisões sistemáticas e metanálises. (Liberati et al, 2009). 

A revisão sistemática foi feita através da pesquisa nas bases de dados PubMed, Web of Science, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Science Direct, no intervalo abril de 2021 a novembro de 2021 com a utilização de termos “Medical Subject Headings” (MeSH), derivados de sistema de metadados médicos relacionado à nomenclatura e à indexação de artigos no campo das ciências da saúde (NLM, 2020), definidos através de busca na base PubMed e adaptados para as outras bases de dados. Dessa forma, utilizou-se os operadores booleanos OR e AND para adição e restrição, além dos termos MeSH selecionados, que foram: (“Breast Cancer” OR “Breast Neoplasm” OR “Breast Tumor” OR “Mammary Cancer”) AND (“Tamoxifen”) AND (“Eye Injury” OR “Toxic Optic Neuropathies” OR “Ocular Toxicity”) NOT (“review”). 

Quatro pesquisadores realizaram buscas independentes de artigos publicados nos últimos 5 anos nas bases citadas e incluíram em planilhas organizadas de acordo com o Ano de Publicação, os Autores, o Título e o Resumo. Para decisão da inclusão ou exclusão dos referidos estudos, duas revisoras realizaram leituras independentes dos artigos selecionados. A seguinte pergunta foi utilizada para busca e análise de estudos: “O uso do tamoxifeno está associado com a lesão ocular em paciente com câncer de mama?”. A pergunta foi redigida com o método PICOS (Schardt et al, 2007) (acrônimo para Population, Intervention, Comparison, Outcome, Study Design), que define critérios para inclusão e exclusão de estudos de acordo com a pergunta a ser respondida pela revisão. Para a População, utilizamos “pacientes com câncer de mama”; para a Intervenção, utilizamos o “Uso do Tamoxifeno”; para a Comparação, utilizamos “estudos que incluíram pessoas que não utilizaram o Tamoxifeno como terapia para o câncer de mama; para Desfecho (Outcome), utilizamos “Lesão ocular”; e para os estudos (Study), não restringimos a busca à nenhum tipo específico de estudo.

Os artigos encontrados nas buscas em todas as plataformas já citadas foram analisados por dois revisores, que selecionaram estudos adequados aos nossos critérios de inclusão – publicado nos últimos 5 anos, em inglês, ter descrito pelo menos um parâmetro de avaliação de lesão ocular, sendo excluídos aqueles que tenham sido realizados em pacientes não portadoras de câncer de mama. Os artigos encontrados são apresentados no fluxograma presente na Figura 1.

Figura 1: Fluxograma de seleção de artigos para a revisão sistemática

3 RESULTADOS

A partir da busca realizada, foram encontrados 230 artigos, dos quais foram selecionados 7 através da leitura de seus títulos e resumos, seguida da leitura integral dos trabalhos escolhidos nesta etapa. Após exclusão de artigos repetidos, totalizou em 6 investigações científicas escolhidas para compor o presente estudo, como apresentado na Tabela 1. 

Tabela 1: Estudos que avaliaram a associação entre o uso de tamoxifeno e lesão ocular

Autor Tipo de estudoTratamentoResultados 
Lim et al. Estudo transversalTamoxifeno 20 mg/dia como terapia endócrina adjuvanteO aumento da dosagem de tmx reduz a densidade ocular do pigmento macular.
Bicer et al.Caso-controleAI: Anastrozol 1 mg/dia e Letrozol 1mg/dia                                         Tmx: 20 mg/diaAs pontuações no score de doenças da superfície ocular (OSDI) foram maiores no grupo TMX quando comparado ao grupo controle
Crisóstomo et al.Caso-controle Tamoxifeno 20 mg/dia como terapia endócrina adjuvanteAs pacientes em uso do tamoxifeno apresentaram redução significativa na espessura do complexo de células ganglionares avaliada através de tomografia de coerência óptica.
Bolukbasi et al. Estudo transversal Tamoxifeno 20 mg/dia como terapia endócrina adjuvanteFoi observado aumento da espessura coroidal (p<0,001), epiteliopatia do pigmento paquicoróide e redução na espessura do complexo de células ganglionares em usuárias de TMX.
Demirci et al.Relato de casoTamoxifeno 20 mg/dia como terapia endócrina adjuvanteAumento da espessura macular até 458 μm e diminuição da acuidade visual até 0,4 no olho direito.
Lee et al.Estudo transversal Tamoxifeno 20 mg/dia como terapia endócrina adjuvanteO estudo concluiu que os achados em exames das paciente com retinopatia por tamoxifeno foram semelhantes àqueles da telangiectasia macular do tipo 2.
AI = inibidores da aromatase, TMX = tamoxifeno

3.1 Ano de publicação

Dos estudos analisados, 1 foi publicado em 2017, 1 no ano de 2018, 2 em 2019 e 2 publicados no ano de 2020. 

3.2 População do estudo

A população de todos os estudos foi composta por pessoas do sexo feminino com amostragens que variaram de 44 pessoas até 150 pessoas analisadas no total incluindo grupos “caso” e “controle”, com exceção dos relatos de caso. Bicer et al. analisou uma população composta por 100 mulheres, de 40 a 58 anos, com câncer de mama não metastático em estágio inicial receptor de estrogênio positivo que receberam terapia hormonal adjuvante oral . Já o estudo de Lim et al.analisou uma população composta por 70 pacientes, de 47 a 61 anos, com câncer de mama do sexo feminino que receberam tamoxifeno. Crisostomo et al. avaliou 200 olhos de 100 pacientes, com idade média de 40 anos, tratadas com tamoxifeno. Outras 44 pacientes, de 44 a 58 anos, com câncer de mama submetidas ao tratamento entraram no estudo de Bolukbasi et al, o qual avaliou um olho das participantes. No relato de caso de Demirci, avaliou-se a resposta terapêutica de uma paciente de 49 anos. E, por fim, no estudo de Lee et al observou-se mediana de idade de 65 anos, em intervalo de idades de 45 a 69 anos, além de tempo mediano de uso de 58 meses, com intervalo de 28 a 63 meses.

3.3 Tempo médio de uso do tamoxifeno 

O tempo médio de uso do tamoxifeno variou entre 20 a 58 meses. O estudo de Bicer et al. analisou uma população com tempo de uso médio de 27,32 meses. Enquanto isso, o estudo de Lim et al. analisou uma população em tempo médio de uso em torno de 20 meses. A amostra de Crisostomo et al. foi avaliada após tempo mínimo de 30 meses de exposição à droga, enquanto Bolukbasi et al., mais de 1 ano de tratamento. No relato de caso de Demirci a paciente fez uso do Tamoxifeno durante 2 anos. Já no estudo de Lee et al., o tempo médio de uso foi de 58 meses.

3.4 Dosagem analisada

Dos estudos analisados, todos observaram pacientes em uso de tamoxifeno na dose de 20 mg/dia.

3.5 Os objetivos dos estudos 

Bolukbasi et al. objetivava avaliar a espessura coroidal, complexo de células ganglionares (GCC) e fotorreceptor externo comprimento do segmento (PROS) em pacientes com câncer de mama submetidas à terapia com tamoxifeno. Bicer et al. avaliou a função lacrimal das pacientes submetidas à hormonioterapia adjuvante durante o tratamento do câncer de mama. Enquanto Lim et al. estimou a variação da densidade óptica do pigmento macular em função da espessura macular central e da dosagem do tamoxifeno. Por outro lado, Crisostomo et al. buscou identificar as alterações na coriorretina induzidas por tamoxifeno. No caso de Demirci, o objetivo foi relatar o caso de uma paciente que fez uso do Tamoxifeno por 2 anos e apresentava baixa acuidade visual. Por fim, o estudo de Lee et al. buscou analisar anormalidades vasculares e quantificar a densidade do vaso sanguíneo em relação à retinopatia por Tamoxifeno.

3.6 Avaliação do acometimento ocular

Foi observada grande heterogeneidade ao se comparar os métodos de análise de comprometimento óptico das pacientes analisadas, visto que os estudos utilizaram diferentes métodos, sejam clínicos ou exames de imagem. Crisostomo et al. buscou identificar as alterações na coriorretina induzidas por tamoxifeno com o auxílio da tomografia de coerência óptica. Bolukbasi et al. usou tomografia de coerência óptica de domínio espectral (SD-OCT). Bicer et al. analisou o comprometimento ocular através do escore de doenças da superfície ocular, tempo de separação da fluoresceína e teste de Schirmer. Lim et al. mensurou as alterações oculares através de vários métodos: da examinação da acuidade visual e de refração, medida esférica equivalente, exame de biomicroscopia com lâmpada de fenda não dilatada, tomografia de coerência óptica de mácula e exame de fundo de olho com pupila totalmente dilatada. Lee et al avaliou o acometimento ocular principalmente por Angiografia por Tomografia de Coerência Óptica (OCTA), além de SD-OCT e a Autofluorescência de fundo de olho.

3.7 Associações estatisticamente significativas entre retinopatia por Tamoxifeno e alterações oculares

Notou-se que, excluindo-se o relato de caso de Demirci, dentre os cinco demais artigos analisados, três possuem associação estatisticamente significativa entre o uso do tamoxifeno e desenvolvimento de alterações oculares nas pacientes. Um dos estudos, Bicer et al., foi ainda mais específico e demonstrou associação naquelas pacientes em que o tamoxifeno foi utilizado em período pré-menopausa, utilizou-se do SPSS v21.0 e obteve resultado estatisticamente significativo (p < 0,05) para Índice de Doença Superficial Ocular (OSDI) e tempo de separação da fluoresceína (tBUT). Para o teste de Schirmer (ST) não houve resultado estatisticamente significativo. 

No estudo de Bolukbasi et al., a espessura coroidal e epiteliopatia do pigmento paquicoróide mostraram-se aumentadas em usuários de tamoxifeno, além de espessura de complexo de células ganglionares estatisticamente menor, e para análise desses dados foi utilizado o SPSS v21.0 e todos obtiveram p < 0,001. Já o trabalho de Lim et al. mostrou associação na qual a dosagem de tamoxifeno parece reduzir a densidade ocular do pigmento macular em pacientes com câncer de mama, até uma dosagem limite. Para análise, Lim et al utilizou do R versão 3.2.1 e considerou estatisticamente significativo Valor-p < 5%, e obteve p = 0,009 na medida de densidade do pigmento macular. Ademais, Crisostomo et al encontrou alterações da camada externa da retina com o uso de tamoxifeno, como formação de pseudocistos, diminuição da espessura macular na retina total, da coroidal subfoveal, de células ganglionares e da camada plexiforme interna e para análise de dados, utilizou-se do Mann-Whitney U test. 

O estudo de Lee et al utilizou-se do aplicativo SPSS versão 22.0 para análise dos dados, considerando um Valor-p < 0,005 (p = 0,003). Ele notou que as mudanças vasculares na OCTA, como telangiectasias vasculares em plexos capilares profundos e vasos em ângulo reto, são similares aos observados nos estágios iniciais da telangiectasia macular do tipo 2, em adição às mudanças morfológicas causadas pela retinopatia por tamoxifeno na OCT-SD.

3.8 Controle

O grupo controle analisado foi heterogêneo, visto que um utilizou-se de escala para mensuração de acuidade visual e exames de imagem, enquanto os demais apenas citam que os grupos não continham alterações visuais ou alterações mínimas. Assim, Lim et al. utilizou como grupo controle acompanhantes das pacientes em tratamento no hospital e que obtiveram teste de acuidade visual maior que 6/12 e morfologia normal na tomografia de coerência óptica. Em Bicer et al., o controle era composto por pacientes com alterações visuais mínimas com pareamento de idade e sexo, semelhante aos grupos de Crisostomo et al. e Bolukbasi et al. Lee et al fez um estudo comparativo entre pacientes que fizeram ou estavam em uso de tamoxifeno com a descrição literária das lesões associadas à telangiectasia macular do tipo 2, e dessa forma não fez uso de grupo controle, assim como no estudo de Demirci, que é um relato de caso.

3.9 Tipo de estudo

Bolukbasi et al. relatou caso-controle prospectivo, Bicer et al. declarou ser um estudo transversal comparativo, Lim et al. relatou ser um estudo observacional transversal, enquanto Crisostomo et al. desenvolveu estudo de caso-controle transversal.

4. DISCUSSÃO

Nessa revisão sistemática, todos os estudos analisados apresentaram associação estatisticamente significativa entre o uso da terapia com tamoxifeno e variadas alterações oculares patológicas, as quais foram avaliadas por diferentes métodos diagnósticos oftalmológicos. Entre as alterações podemos citar aumento da espessura coroidal, epiteliopatia do pigmento paquicoroide, diminuição da espessura de complexo de células ganglionares, redução da densidade ocular do pigmento macular, formação de pseudocistos na camada externa da retina e alterações vasculares na mácula.

A amostra desta revisão foi composta por pacientes do sexo feminino, com idade média de 50 anos, diagnosticadas com câncer de mama e usuárias de terapia hormonal com tamoxifeno. Esta é uma das modalidades terapêuticas adjuvantes disponíveis para o tipo de câncer em questão, apresentando resultados significativos na redução de recidivas e mortalidade da doença (Shien, 2020). A metanálise de Oxford comparou o uso de tamoxifeno versus ausência de tratamento, nesse estudo obteve-se redução do risco de recorrência locorregional do câncer de 47% em 5 anos de uso de Tamoxifeno, e de redução de 32% em mais 5 anos seguidos com essa terapia hormonal (Davies et al, 2011).

Através dos estudos selecionados, percebe-se que a terapia com Tamoxifeno pode se estender por tempo muito prolongado, o que proporciona grande variabilidade de tempo de tratamento entre as pacientes avaliadas, variando nesses estudos de 20 a 58 meses. Isso ocorre devido ao fato de estudos pregressos comprovarem os benefícios de um tratamento prolongado com essa medicação, obtendo menores taxas de recorrência e de mortalidade por câncer de mama quando comparado a tratamentos mais curtos (Davies et al, 2013).

Tanto os estudos que analisaram pacientes que fizeram uso do Tamoxifeno por menor tempo quanto os que analisaram pacientes com terapias mais prolongadas encontraram associação estatisticamente significativa entre uso da medicação e presença de lesões oculares. Desse modo, fica clara a necessidade de acompanhamento com um médico oftalmologista desde o início da implementação da terapia com Tamoxifeno, devido à grande variabilidade de início da apresentação do quadro ocular.

As participantes dos estudos selecionados possuem idade média de 50 anos, variando entre 40 e 60 na grande maioria. Coincide com a faixa etária de maior prevalência de câncer de mama e de maior resposta ao tratamento com o Tamoxifeno (Dalfre et al, 2020).

Sobre a análise de potenciais confundidores, em Crisostomo et al, estratificou-se o grupo de usuários de tamoxifeno de acordo com a história de quimioterapia a fim de estabelecer comparação com os pacientes sem quimioterapia e controles. Diante disso, a retirada da exposição à quimioterapia foi acompanhada pela descontinuação da maioria das alterações da retina interna, o qual sugere a atribuição da toxicidade dessa camada a essa modalidade de tratamento. Ademais, em Bicer o grupo em tratamento com tamoxifeno sofreu influência das alterações hormonais, como menopausa. Na maioria dos estudos não houve a exclusão da associação de outras comorbidades ou de outros fármacos como causadores das lesões oculares.

Por se tratar de uma revisão, no presente estudo não foi possível avaliar as pacientes integrantes de sua amostra a fim de se identificar se estas apresentam outros fatores de risco para o desenvolvimento de lesões oculares, como o diabetes, história familiar, terapia empregada no grupo controle e tampouco é citado na maioria dos estudos analisados. Além disso, não é conhecida a terapia utilizada pelos grupos controles dos diferentes estudos, fator que pode interferir na avaliação do desfecho final.

O Tamoxifeno é uma droga utilizada principalmente como terapia adjuvante ou neoadjuvante em casos de câncer de mama em mulheres pré menopausa, desde que sejam Receptores de Estrogênio positivos (RE+) ou como quimioprevenção em mulheres de alto risco para desenvolverem câncer de mama (Brunton et al, 2012). Possui como principais efeitos adversos aqueles relacionados à ação antiestrogênica: ondas de calor, náuseas e vômitos. Efeitos considerados mais prejudiciais à saúde, tais como proliferação de câncer endometrial (observado em 0,7%) e efeitos vasculares, como o acidente vascular encefálico, trombose venosa profunda e tromboembolismo pulmonar (observado em 0,2 a 0,3%), são de incidência relativamente baixa para o potencial benefício que o tamoxifeno possa apresentar à paciente que utiliza esse fármaco (Fisher et al, 1999).

Vale ressaltar também a existência de medicações alternativas ao Tamoxifeno, que também são usadas na hormonioterapia dos cânceres de mama receptor de hormônio positivos. Os inibidores da aromatase (IA) de terceira geração como o exemestano, letrozol, anastrozol são fármacos que têm mostrado bons resultados no tratamento desse tipo de câncer principalmente em mulheres na pós-menopausa, com risco mais elevado para desenvolver câncer de endométrio. Um estudo duplo-cego randomizado recente mostrou redução significativa na sobrevida de pacientes pós-menopausa em uso de tamoxifeno por 2 a 3 anos seguida de letrozol por 5 anos, reduzindo, portanto, o tempo de exposição ao Tamoxifeno (Del Mastro, Lucia, et al, 2021). Outras drogas como as quimeras de direcionamento de proteólise (PROTAC), também estão sendo estudadas e são drogas promissoras no tratamento do câncer de mama (Békés, et al, 2022). Apesar disso, o Tamoxifeno ainda continua sendo a droga de escolha mais usada para o tratamento na maioria das pacientes, por ser um tratamento eficaz e com estudos de longa data que comprovam que os seus benefícios ainda superam os potenciais riscos. 

Ademais, o uso isolado de inibidores de aromatase em mulheres pré-menopausa não está indicado, mesmo naquelas que apresentem amenorreia pós-quimioterapia, devido ao risco de retorno da função ovariana durante o tratamento. Em pacientes pós menopausa e câncer com receptores hormonais positivos, o uso de um IA apresenta efeitos colaterais distintos do Tamoxifeno, como maior incidência de fraturas pela perda de massa óssea, osteoporose, artralgia e dor óssea. Entretanto, apresentam menos sintomas climatéricos (como ondas de calor), além de menor incidência de câncer de endométrio, eventos trombóticos e sangramento uterino quando comparado às usuárias do Tamoxifeno nesse grupo de pacientes (Vieira, 2017). 

A identificação de uma associação estatisticamente significativa entre o uso do tamoxifeno e a ocorrência de lesões oculares resultante deste estudo visa ressaltar a importância de uma análise mais minuciosa da ação do fármaco e dos efeitos colaterais associados ao uso desta medicação, que possui grande importância e amplo uso no tratamento do câncer de mama. Destaca-se também a necessidade de se avaliar individualmente cada paciente, considerando os benefícios e os potenciais riscos quanto ao uso do medicamento, buscando oferecer sempre a terapia mais segura para cada caso. 

Nota-se que todos os artigos analisados na presente revisão estabelecem associações estatisticamente significativas entre o uso de tamoxifeno e a toxicidade ocular. Entretanto, os efeitos oftalmológicos são pouco relatados em estudos de coortes usando o fármaco ou são apresentados com incidência menor que as alterações em outros sistemas, como no útero, principalmente. Não são especificadas terapias para o grupo controle. Além disso, os estudos selecionados utilizam-se de diferentes métodos de avaliação diagnóstica, não validados em estudos prévios e apresentaram desfechos variados de alterações oculares. Esses fatores dificultam a investigação e o estabelecimento do acometimento oftalmológico específico esperado na pesquisa.

5. CONCLUSÃO

Considerando que a faixa etária de maior incidência de câncer de mama apresenta boa resposta ao tamoxifeno, justifica-se sua indicação para tratamento, ainda que apresente desfechos oculares. Embora os estudos avaliados apresentem métodos de avaliação distintos, a associação do fármaco aos acometimentos oculares foi comprovada, o que levanta alguns pontos de reflexão para abordagens futuras.

Nessa perspectiva, a associação de inibidores da aromatase se mostra muito promissora, uma vez que mantém a boa resposta e diminui o tempo de exposição ao Tamoxifeno. Além disso, o incentivo para acompanhamento oftalmológico pode reduzir o risco de problemas não diagnosticados e, consequentemente, não tratados. Diante de ambos os cenários e, ainda, frente à implementação de tratamento prolongado apenas com tamoxifeno nos últimos anos, é necessário avaliar, futuramente, o impacto dessas três mudanças nos desfechos oculares.

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