TORÇÃO TESTICULAR: PANORAMA GERAL EM UM HOSPITAL PÚBLICO NO MARANHÃO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7602774


Benito Júnior Santos da Costa1
Paloma Larissa Arruda Lopes2
Jandrey Paulo Julião de Souza3
Yasmim Priscila Portes Meira4
Tereza Cristina Monteiro de Melo Prazeres5
Ana Rita da Silva Nunes6


RESUMO

Introdução: A torção testicular é definida pela interrupção do suprimento sanguíneo testicular causada pela rotação espontânea do testículo com consequente torção do cordão espermático. É uma emergência cirúrgica que acomete 20-30% dos homens que apresentam escroto agudo. Objetivo: Analisar aspectos epidemiológicos, clínicos e terapêuticos de pacientes com torção testicular assistidos no setor de emergência médica do Hospital Municipal Djalma Marques. Métodos: Trata-se de um estudo transversal, descritivo-analítico, retrospectivo e observacional, realizado no Hospital Municipal Djalma Marques, em São Luís, entre janeiro de 2017 e dezembro de 2019, onde participaram pacientes com diagnóstico de torção testicular. Resultados: Foram avaliados 55 pacientes, com idade média de 16,9 anos. O sintoma mais comum foi a dor testicular (100%), associado a aumento do volume testicular (94,5%), e hiperemia do escroto (30,9%). A torção testicular foi predominante à direita (54,5%), com tempo de sintomas superior a 24 horas (65,5%). A maioria dos pacientes realizou ultrassonografia com Doppler (92,7%) e foi submetido a orquiectómica unilateral (78,2%). Conclusão: A torção testicular acometeu principalmente paciente adolescentes, que tiveram como principal sintoma a dor testicular unilateral. A ultrassonografia com Doppler foi o exame mais realizado. A demora em receber o diagnóstico impossibilitou a preservação testicular na maioria dos casos.

Palavras-chave: Torção testicular 1. Orquiectomia 2. Emergência urológica 3.

ABSTRACT

Introduction: Testicular torsion is defined by the interruption of testicular blood supply caused by spontaneous rotation of the testis with consequent torsion of the spermatic cord. It is a surgical emergency that affects 20-30% of men who have na acute scrotum. Objective: To analyze epidemiological, clinical and therapeutic aspects of patients with testicular torsion assisted in the medical emergency sector of Hospital Municipal Djalma Marques. Methods: This is a cross-sectional, descriptive-analytical, retrospective and observational study, carried out at Hospital Municipal Djalma Marques, in São Luís, between January 2017 and December 2019, in which patients diagnosed with testicular torsion participated. Results: Fifty-five patients were evaluated, with a mean age of 16.9 years. The most common symptom was testicular pain (100%), associated with increased testicular volume (94.5%), and scrotal hyperemia (30.9%). Testicular torsion was predominant on the right (54.5%), with symptoms lasting more than 24 hours (65.5%). Most patients underwent Doppler ultrasound (92.7%) and underwent unilateral orchiectomy (78.2%). Conclusion: Testicular torsion affected mainly adolescent patients, whose main symptom was unilateral testicular pain. Doppler ultrasound was the most performed exam. The delay in receiving the diagnosis made testicular preservation impossible in most cases.

Keywords: 1. Testicular torsion 2. Orchiectomy 3. Urological emergency

1. INTRODUÇÃO

Os testículos são as gônadas masculinas, responsáveis pela produção hormonal1 Após a diferenciação testicular, o testículo inicia sua descida para bolsa testicular e durante o processo de implantação na bolsa testicular, a anatomia da túnica vaginal, bem como a relação entre o testículo e o epidídimo são fatores determinantes na ocorrência da torção testicular1 A torção testicular é definida pela interrupção do suprimento sanguíneo testicular causada pela rotação espontânea do testículo com consequente torção do cordão espermático. Ela pode ocorrer em testículos normais, porém tem maior predisposição para ocorrer em pacientes com anomalias anatômicas relacionadas a implantação da túnica vaginal.1-3

A torção testicular é responsável por 25-35% dos casos de escroto agudo pediátrico, e por 20-30% dos homens que apresentam escroto agudo.2 Ocorre anualmente em 1 a cada 4.000 homens com idade < 25 anos.3,4 Apresenta-se com dois principais picos de incidência, no período perinatal e nos primeiros anos da adolescência.5

Clinicamente, os pacientes cursaram com dor de início súbito em heme bolsa testicular, podendo estar associado a febre e vômitos.6 O diagnóstico pode ser feito apenas com história clínica detalhada e exame físico completo, não devendo se atrasar a exploração cirúrgica para realização de exames complementares, uma vez que o tempo de torção é fator determinante para salvamento do testículo.5,6 Em caso de dúvidas, a ultrassonografia com Doppler é o exame de imagem de escolha para confirmação do diagnóstico..3,5,6.

O Hospital Municipal Djalma Marques é a unidade de referência no tratamento de emergências urológicas, no Sistema Único de Saúde, na cidade de São Luís, capital do estado do Maranhão. Tendo em vista a escassez de dados na literatura sobre cuidados recebidos por pacientes com diagnósticos de torção testicular no estado do Maranhão, propomo-nos a avaliar os aspectos diagnósticos e terapêuticos envolvidos na assistência médica de urgência prestada a pacientes com torção testicular nesse hospital.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

Foi realizado uma revisão retrospectiva de pacientes que receberam o diagnóstico de escroto agudo por torção testicular submetidos à exploração cirúrgica de bolsa escrotal, entre janeiro entre 2017 e dezembro de 2019, atendidos em um hospital de referência no atendimento de urgências urológicas no estado do Maranhão, no Hospital Municipal Djalma Marques, em São Luís.

Foram incluídos dados relacionados a procedência, idade, diagnóstico, sintomatologia, tempo dos sintomas, tempo porta x centro cirúrgico, lado acometido, exame de imagem diagnóstico, tipo de cirurgia realizado, score de Clavien-Dindo e diagnóstico pós-operatório.

Foi realizado o teste não paramétrico Mann – Whitney, consideradas significativas as diferenças quando valor de p < 0,05. O trabalho apresenta parecer do Comitê de Ética em Pesquisa–CEP-HUUFMA, sob o parecer de número 4.355.513. Estatísticas descritivas básicas foram usadas, a partir do programa estatístico SPSS 21.0®, com análise de média e desvio padrão, mediana e amplitude (valores mínimos e máximos) e as categóricas em frequências absolutas (n) e relativas (%). A normalidade foi verificada através de teste de Shapiro-Wilk.

3. RESULTADOS

Foram avaliados 55 pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico de torção testicular, no período de janeiro de 2017 a dezembro de 2019, no Hospital Municipal Djalma Marques. Destes, 31(56,4%) pacientes eram oriundos da capital do Estado, e os demais 24 (43,6%), de cidades do interior do estado do Maranhão. A idade média dos pacientes foi de 16,9 anos, variando de 01 a 58 anos.

A dor testicular estava presente em todos os 55 (100,0%) casos, seguido de aumento do volume testicular em 52 (94,5%) pacientes. Observou-se ainda, hiperemia escrotal (30,9%), vômitos (9,1%), febre (9,1%) e aumento de volume inguinal (1,8%). O lado direito apresentou maior comprometimento (Tabela 2).

O tempo desde o início dos sintomas até a realização da cirurgia foi de até seis horas em 10 (18,2%) pacientes; de sete a 12 horas em três (5,4%) pacientes; de 13 a 24 horas, em seis (10,9%) pacientes e maior que 24 horas em 36 (65,5%) pacientes.

O tempo admissão hospitalar até o procedimento cirúrgico foi de 1 a 5 horas em 70,9% casos; de 6 a 10 horas em 11 (20%) casos; de 11 a 15 horas em um (1,8%) caso e de 16 a 20 horas em quatro (7,3%) casos (Tabela 1).

Dos 55 pacientes sintomáticos, 51 (92,7%) tiveram confirmação diagnóstica de torção testicular por exame de ultrassonografia de bolsa testicular com Doppler, corroborados durante procedimento cirúrgico. Os demais, quatro (7,3%) pacientes, apresentaram sinais clínicos de escroto agudo e tiveram diagnóstico confirmado de torção apenas durante a exploração cirúrgica escrotal. Um paciente lactente, com 12 meses de idade, apresentou quadro de escroto agudo associado a criptorquidia (Tabela 1).

Dos 10 (18,2%) pacientes que se encontravam com menos de seis horas de sintomas, em 7 houve preservação do testículo acometido, enquanto os três pacientes tiveram testículos excisados. Três (5,4%) pacientes estavam com sintomas entre 7 e 12 horas, e todos foram submetidos a orquiectomia. Nos seis (10,9%) pacientes com sintomas entre 13 e 24 horas, houve preservação testicular em um dos pacientes e orquiectomia em cinco deles. Nos 36 (65,5%) pacientes com sintomas há mais de 24 horas, apenas quatro tiveram o testículo preservado, enquanto os demais 32 pacientes passaram por orquiectomia (Gráfico 1).

A cirurgia mais realizada foi orquiectomia unilateral com orquidopexia contralateral em 37 (67,2%) pacientes, seguida por orquidopexia bilateral 10 (18,2%) pacientes, orquiectomia unilateral sem abordagem contralateral em seis (11%) e orquidopexia unilateral sem abordagem contralateral dois (3,6%) pacientes.

Predominaram pacientes com 1 a 3 dias de internação hospitalar (81,8%), com média de internação de 2,4 dias, variando de um a 13 dias de internação hospitalar.

Foram observados ainda que todos os pacientes apresentaram complicações menores segundo a Classificação das Complicações Cirúrgicas de Clavien – Dindo de Grau I e II.

4. DISCUSSÃO

A média de idade nesse estudo foi de 16,9 (±8,1) anos, com faixa etária de 1 a 58 anos. Esse dado está em consonância com estudos na Europa e na América que são tipicamente no período da adolescência.6 Nesse estudo, foi observado um pico de incidência na faixa etária de 12 a 19 anos, respondendo a 69,1% da amostra, que está de acordo com a literatura atual.5 Observou-se, ainda, uma extensão da prevalência até a faixa etária de 20-29, segunda mais acometida por torção testicular, 14,5% dos casos, achados semelhantes ao encontrado na Nigéria.6

O estudo ratifica que o principal sintoma é a dor testicular, o qual foi comum em todos os pacientes, sendo que apenas 3,6% não apresentando outros sintomas associados.2,7 Dentre os sintomas associados, foi visto aumento do volume da bolsa escrotal (94,5%), hiperemia (30,9%), vômitos (9,1%) e febre (9,1%). Nota-se uma semelhança dos sintomas gastrointestinais observado por Neto et al.,2 realizado na região sul do Brasil; no entanto há um contraste com outras literaturas onde estes sintomas são os mais frequentes, apesar da maioria dos pacientes se apresentarem com mais de 24 horas de sintomas.5,8 Isso ocorre devido a estimulação do gânglio celíaco, comum entre o trato gastrointestinal e testículos.6 Dos pacientes avaliados, 92,7% fizeram ultrassonografia com Doppler antes do procedimento cirúrgico, evidenciando achados de torção testicular, ratificado na exploração cirúrgica. Esse exame é o de escolha nesses casos, por apresentar sensibilidade entre 86-100% e especificidade entre 97-100%, além de apresentar fácil acesso e rápida execução.5 No nosso estudo, a realização do US com Doppler não impactou o tempo de admissão hospitalar até a sala de cirurgia, corroborando sua acessibilidade e rapidez para essa patologia.8

A torção testicular foi mais frequente do lado direito (54,5%) no grupo estudado, apesar da anatomia contribuir para maior frequência à esquerda e a maioria dos estudos evidenciar maior acometimento do lado esquerdo.2,6 No entanto, um estudo nigeriano de 2003, apresentou dados semelhantes ao nosso.9 Não houve relato de torção bilateral no nosso estudo, sendo essa uma apresentação rara.

Tivemos um paciente com diagnóstico pós-operatório de torção em testículo criptorquídico. Diagnóstico comum em aproximadamente 20% dos casos de torção testicular, taxa bem acima do que a encontrada nesse estudo.10

A taxa de salvamento testicular em cada um dos subgrupos definidos de acordo com o tempo de sintomas nesse trabalho, apresentou dissonância em relação a literatura apresentada. O subgrupo com sintomas menor que 6 horas, apresentou taxa de salvamento de 70%, o subgrupo entre 7 e 12 horas apresentou perda testicular em 100% dos pacientes e o subgrupo maior que 24 horas apresentou uma taxa de salvamento de 11,1%. A literatura atual demonstra que essas taxas são de 90%, 50% e 10%, respectivamente.2,3,7

Essa divergência pode ser justificada pela composição heterogênea da equipe cirúrgica, com diferentes níveis de experiência. O que é ratificado pela conduta cirúrgica assumida por alguns cirurgiões, como orquidopexia ou orquiectomia unilateral, sem abordagem do testículo contralateral.

Nesse estudo, foi observado que 43,6% dos pacientes eram advindos do interior do estado e 45,45% foram avaliados em outra unidade, o que proporcionou um aumento do tempo até a entrada na unidade de referência e atraso na avaliação pelo urologista, o que proporciona uma menor taxa de salvamento e aumento de complicações. Uma vez que, o infarto testicular começa nas primeiras 2 horas do início da torção espermática, o dano irreversível ocorre após 6 horas e o infarto completo se desenvolve após 24 horas.5

A cirurgia mais realizada foi a orquiectomia unilateral associada a orquidopexia contralateral (67,2%), seguido pela orquidopexia bilateral (18,2%). Uma minoria dos casos foi abordado unilateralmente, seja para realização de orquiectomia (11%) ou orquidopexia (3,6%). Esta conduta não é indicada, uma vez que, o testículo contralateral geralmente terá uma predisposição a torcer também.6

A maioria dos pacientes teve período de internação curto de até 3 dias. Todos os pacientes apresentaram complicações menores, 96,4% da amostra classificada em grau I e 3,6%, em grau II; segundo a classificação de Clavien-Dindo. As principais complicações encontradas em nosso estudo, foram dor e edema local, observadas em 53 pacientes, requerendo analgesia extra; além de infecção de sítio cirúrgico, em 2 pacientes, tratados com antibioticoterapia. Ugwu et al evidenciou a infecção como uma das complicações, além de atrofia testicular e subfertilidade.9

5. CONCLUSÃO

A torção testicular é uma emergência cirúrgica urológica, comum em adolescentes entre 12 e 19 anos de idade, sendo a maioria proveniente da capital do Maranhão. Tiveram como principal sintoma a dor testicular unilateral, com maior acometimento à direita. A ultrassonografia mostrou-se um exame de alta acurácia, sendo o mais realizado.

A demora em receber o diagnóstico e consequentemente ser submetido a cirurgia dificultou a preservação testicular, fazendo com que os pacientes fossem submetidos a orquiectomia unilateral associado a orquidopexia contralateral, em sua maioria.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2- NETO V.C.; ANGRA A.L.; LOPES M.T.; et al. Torção Testicular: Estudo Retrospectivo e Análise de Possíveis Fatores Determinantes à Preservação Testicular. Revista Urominas, v. IV, n. 11, p. 19-23, 2017.

3- KEAYS M.; ROSENBERG H. Testicular torsion. CMAJ, v. 191, n. 28, p. 792, 2019.

4- KARAGUZEL E.; KADIHASANOGLU M.; KUTLU O. Mechanisms of testicular torsion and potential protective agents. Nat. Rev. Urol., v. 11, p. 391–399, 2014.

5- KUMAR V.; MATAI P.; PRABHU S.P.; et al. Testicular Loss in Children Due to Incorrect Early Diagnosis of Torsion. Clinical Pediatrics, v. 59, n. 4-5, p. 436– 438, 2020.

6- OBI A.O.; OKEKE C.J.; UGWUIDU E.I. Acute testicular torsion: A critical analysis of presentation, management and outcome in southeast Nigeria. Niger J Clin Pract, v. 23, n. 11, p. 1536-41, 2020.

7- SHARP V.J.; KIERAN K.; ARLEN A.M. Testicular torsion: diagnosis, evaluation, and management. Am Fam Physician, v. 88, n. 12, p. 835-40, 2013.

8- UGWUMBA F.O.; OKOH A.D.; ECHETABU K.N. Acute and intermitente testicular torsion: Analysis of presentation, management and outcome in South East, Nigeria. Niger J Clin Pract, v. 19, n. 3, p. 407‐10, 2016.

9- UGWU B.T.; DAKUM N.K.; YILTOK S.J.; et al. Testicular torsion on the Jos Plateau. WAJM, v. 22, n. 2, p. 120‐3, 2003.

10- FAVORITO L.A.; CAVALCANTE A.G.; COSTA W.S. Anatomic aspects of epididymis and tunica vaginalis in patients with testicular torsion. Int Braz J Urol, v. 30, n. 5, p. 420-424, 2004.

TABELAS

Tabela 1. Apresentação clínica dos pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico de torção testicular atendidos no Hospital Municipal Djalma Marques. São Luís, Maranhão, Brasil, 2022.

GRAFICOS
Gráfico 1. Impacto do tempo no tratamento cirúrgico de torção testicular atendidos no Hospital Municipal Djalma Marques. São Luís, Maranhão, Brasil, 2022.


1Hospital Universitário Presidente Dutra (HU-UFMA).
2Universidade Federal do Maranhão.
3Hospital Universitário Presidente Dutra (HU-UFMA).
4Hospital Universitário Presidente Dutra (HU-UFMA).
5Hospital Universitário Presidente Dutra (HU-UFMA).
6Universidade Federal do Maranhão.