ANEURISMA DE AORTA ABDOMINAL JUSTARRENAL COM FISTULIZAÇÃO CAVAL EM PACIENTE COM HISTÓRICO DE ANEURISMA TORÁCICO.

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202501271111


Anderson de Sousa Jorge1; Vytor Alves de Lavor2; Jemima Lucena Bezerra3; Lara Chagas de Mendonça Brandão2; Camily Soares dos Santos2; Sara Lima Vasconcelos2; Maria Marina Viana Oliveira2; Lara de Abreu Oliveira2; Amanda Araujo Lopes Barreto4; Francisco Eduardo Siqueira da Rocha1


RESUMO:

O caso em questão trata-se de um paciente idoso, com múltiplas comorbidades, e com um histórico de um aneurisma de aorta torácica já resolvido que apresentou um novo aneurisma, sendo, desta vez, na aorta abdominal infrarrenal o qual cursou com uma rara complicação, a fístula aortocaval. O paciente teve uma apresentação atípica, tendo relatado apenas uma dor inguinal, e ao chegar em um serviço de alta complexidade de um hospital da cidade de Fortaleza, no estado do Ceará, recebeu um diagnóstico rápido e adequado, além de um ágil e eficiente tratamento, evoluindo sem complicações vasculares, mas com complicações infecciosas, até se recuperar e receber alta hospitalar.

PALAVRAS-CHAVE: Fístula aortocaval. Aneurisma de aorta abdominal. Correção endovascular. 

INTRODUÇÃO:

As fístulas aortocavais (FAC) são entidades clínicas raras que estão associadas, na maior parte dos casos, à erosão ou ruptura de um aneurisma da aorta abdominal na veia cava inferior. Essas lesões estão associadas a condições significativas de morbimortalidade. As FAC primárias são classificadas como ocorrendo concomitantemente ao desenvolvimento de aneurisma da aorta abdominal (AAA), enquanto FAC secundárias surgem de causas traumáticas ou iatrogênicas. (WILLIAMS, 2024).

Apesar da limitada evidência acerca da abordagem desta patologia, o tratamento endovascular, quando exequível, aparenta ser eficaz e associado a menor morbimortalidade, sendo uma alternativa eficaz e menos invasiva com melhores desfechos (RIBEIRO, 2021). 

Este relato descreve o caso de um paciente com histórico de aneurisma torácico corrigido, que apresentou, anos depois, um novo aneurisma, sendo, desta vez, de aorta abdominal justarrenal e estando associado à formação de fístula aortocaval. O diagnóstico precoce, aliado ao manejo endovascular, permitiu uma evolução clínica favorável, resultando em resolução do quadro e alta hospitalar.

Dada a raridade dessa condição e a ausência de protocolos sistematizados, a suspeição clínica elevada e o aprofundamento das discussões na literatura são fundamentais para o aprimoramento do diagnóstico e do tratamento, com impacto direto no prognóstico desses pacientes.

DESCRIÇÃO DO CASO:

Paciente, masculino, 82 anos de idade, hipertenso, ex-tabagista, ex-etilista e com histórico de aneurisma de aorta torácica corrigido por cirurgia, estava em acompanhamento ambulatorial para correção de aneurisma de aorta abdominal (AAA) justarrenal. 

Iniciou em setembro de 2023 um quadro de dor em região inguinal direita, buscando atendimento médico em pronto socorro mas sem apresentar melhora, evoluiu com descompensação aguda, após 3 dias, dando entrada em sala crítica de hospital terciário de fortaleza e sendo direcionado ao serviço de cirurgia vascular, onde foi identificada a presença de uma fístula aortocaval associada ao AAA, sendo, sequencialmente, realizada a correção endovascular do aneurisma. Após 3 dias da correção o paciente foi submetido a uma reabordagem com aortografia e flebografia para aposição de endoprótese em veia cava infrarrenal (ocluindo o orifício fistuloso), com arteriografia de controle evidenciando ausência de fístula. 

Evoluiu durante a internação com uma sequência de quadros infecciosos e episódios de pneumonias hospitalares, sendo submetido, nesse contexto, a intubação orotraqueal, subsequente traqueostomia, e a diversos esquemas de antibioticoterapia. Após 3 meses o paciente recebeu alta da unidade de terapia intensiva (UTI), foi decanulado, e encontrava-se afebril, sem intercorrências e aceitando dieta via oral, estando, portanto, em condições de alta hospitalar.

DISCUSSÃO: 

A fístula aortocaval (FAC) é uma complicação rara de aneurismas da aorta abdominal da região infrarrenal, que podem ocorrer em até 4% dos casos de ruptura de aneurisma. Embora cerca de 20% das FAC ocorram secundariamente a trauma penetrante ou intervenção médica, a maioria dos casos resulta de uma etiologia primária (WILLIAMS et al., 2024). 

Quanto à fisiopatologia da formação dessa fístula, acredita-se que o aumento da tensão contra a parede do aneurisma leva a uma reação inflamatória, gerando adesão à veia adjacente, o que resulta em erosão das paredes e formação da fístula (ALMEIDA et al., 2017).

A apresentação clínica  é variável, podendo mesmo ser até assintomática. As manifestações dependem do débito da fístula e da reserva fisiológica do paciente, Apesar da variabilidade, a forma aguda é claramente a mais frequente (RIBEIRO et al.  2020), sendo a clássica apresentação baseada na presença de massa abdominal pulsátil associada a frêmito e “sopro em maquinaria”, insuficiência cardíaca direita e sinais de hipertensão venosa. Choque hipotensivo crítico, congestão venosa e insuficiência renal também são comumente observados como produto direto do shunt arteriovenoso. Em casos raros, pode ocorrer embolia pulmonar paradoxal (EPP), ocasionada pela passagem de trombos do aneurisma para a circulação venosa. Outros sinais e sintomas incluem estase jugular, dispneia, derrame pleural, hepatomegalia, ascite, hematúria. (ALMEIDA et al., 2017). No caso em questão, o paciente apresentou uma clínica atípica, apenas se queixando de dor inguinal.

Devido à sua gravidade, essas fístulas devem ser tratadas assim que forem diagnosticadas, assim como foi abordado no caso apresentado. O tratamento cirúrgico convencional está associado à mortalidade perioperatória variando de 16 a 66%. Isso porque estes são geralmente pacientes de idade avançada, o que gera um risco potencial para o paciente em questão, com múltiplas comorbidades, as quais são agravadas devido às alterações hemodinâmicas sistêmicas que uma fístula de alto débito provoca (ALMEIDA et al., 2017).

A cirurgia convencional com interposição protésica e rafia endoaneurismática da fístula é a técnica considerada preferida. Entretanto, o tratamento endovascular, se exequível, aparenta ser eficaz e com menor morbilidade e mortalidade nestes doentes, pois não apresenta tanta perda hemática como o método aberto, apesar de se associar a uma maior taxa de reintervenção a curto e médio prazo (RIBEIRO et al., 2020).

Portanto, as técnicas endovasculares destacam-se como alternativas atraentes para tratamento cirúrgico convencional. Entretanto, existem algumas preocupações teóricas relacionadas ao tratamento endovascular. Dentre elas, a de que a manipulação do lúmen do aneurisma poderia provocar deslocamento de trombos e resultar em uma embolia. Além disso, o tratamento do aneurisma sem oclusão da fístula poderia predispor ao vazamento, devido à persistência do canal de fístula (ALMEIDA et al., 2017).

No caso da cirurgia convencional, além da interposição protésica, a técnica descrita mais utilizada para o controle da hemorragia foi a compressão digital com posterior rafia aneurismática da fístula. Há também a opção de realizar a contenção da hemorragia através da colocação de balão intra-cava, sobretudo se houver falha com a compressão digital (WILLIAMS et al., 2024). 

Uma detalhada avaliação pré-anestésica da função cardiopulmonar, uma cautelosa administração de líquidos e um adequado controle da pressão arterial são essenciais para aumentar a probabilidade de sucesso, e reduzindo complicações, sobretudo no momento de fechamento da fístula, quando pode ocorrer descompensação cardíaca aguda (ALMEIDA et al., 2017).

A embolia pulmonar paradoxal é um evento raro, mas com alta mortalidade, tendo um diagnóstico difícil pois tem sintomas semelhantes ao de insuficiência cardíaca. A utilização de um filtro de veia cava temporário é uma opção para evitar a embolia paradoxal durante a manipulação da luz do aneurisma para o posicionamento da endoprótese, mas o tratamento convencional é a colocação da endoprótese, sem a utilização de filtros (ALMEIDA et al., 2017).

O vazamento tipo II, isto é, o tipo proveniente de fluxo retrógrado de ramos do aneurisma, tipicamente de artéria lombar ou mesentérica inferior, é a complicação mais frequente no tratamento endovascular, ocorrendo em até 22% dos casos. Esse tipo de vazamento aparenta seguir uma dinâmica diferente, na qual a baixa pressão do território venoso favorece uma via de saída para o fluxo retrógrado dos ramos aórticos, diminuindo a tensão na parede aórtica, o que explica seu caráter autolimitado. No entanto, mesmo após liberação da endoprótese, estipula-se que possa haver fluxo exacerbado de sangue para dentro do saco aneurismático através da fístula, o que exigiria um segundo procedimento para sua correção (ALMEIDA et al., 2017).

Quanto ao uso de oclusores vasculares, a prática vêm sendo utilizada em pacientes submetidos a implante percutâneo de válvula aórtica que tenham o eixo iliofemoral afilado, em que a confecção de um trajeto fistuloso entre a veia cava e a aorta é possível para a ascensão de dispositivos de grande diâmetro. Entretanto, os casos registrados utilizaram o dispositivo oclusor como procedimento de resgate em pacientes previamente tratados com endoprótese ou cirurgia convencional para correção do aneurisma abdominal e que apresentaram fluxo persistente pelo orifício fistuloso no acompanhamento. Com a evolução dos materiais endovasculares, novos oclusores ou endopróteses para uso venoso exclusivo podem se tornar primeira escolha no tratamento dessas fístulas (ALMEIDA et al., 2017).

Sendo assim, foi proposto um tratamento concomitante do aneurisma e da fístula aorto-cava, com a utilização de endoprótese do lado arterial e venoso, tendo mais efetividade que o tratamento endovascular aórtico exclusivo. O paciente em questão apresentou uma evolução satisfatória no que concerne o seu quadro de AAA e FAC, tendo desenvolvido complicações apenas de caráter infeccioso, não relacionadas a um quadro vascular da doença de base, sendo submetido a tratamento em UTI e recuperação em etapas até que se estivesse em plenas condições de alta hospitalar. (ALMEIDA et al., 2017).

CONCLUSÃO:

As FAC primárias apresentam uma forte relação com quadros de AAA e podem se apresentar de formas variadas, desde pacientes assintomáticos até quadros de diversos sintomas. O paciente em questão já possuía um histórico de aneurisma de aorta torácica, já resolvido, e desenvolveu um AAA com uma subsequente FAC associada ao quadro, e apresentou uma sintomatologia restrita e inespecífica, com relato apenas de dor em região inguinal. O acesso a um serviço especializado em um hospital de alta complexidade permitiu não só um diagnóstico rápido e correto como também um tratamento adequado do quadro clínico em tempo hábil e em condições favoráveis para o manejo de complicações. O paciente não cursou com complicações vasculares relacionadas ao procedimento ou seu quadro de base, mas sim com complicações infecciosas, sendo assistido de maneira eficiente em UTI e apresentando uma progressão satisfatória até que fosse restabelecida suas funções e lhe fosse possível receber alta hospitalar.

ANEXO DE IMAGENS DO RELATO DE CASO:

Fonte: Acervo pessoal do autor

Fonte: Acervo pessoal do autor

Fonte: Acervo pessoal do autor

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

WILLIAMS, Z. E.; CHOUDHRY, A.; RAHMAN, N. A.; CHIHADE, D. B.; SUROWIEC, S. M. Endovascular repair of primary aortocaval fistula at the caval confluence in a ruptured abdominal aortic aneurysm. Vascular and Endovascular Surgery, v. 15385744241300780, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1177/15385744241300780. Acesso em: 23 jan. 2025.

TIAGO RIBEIRO et al. Aneurisma Da Aorta Abdominal Complicado De Fístula Aorto-Cava Primária — Experiência Institucional E Revisão Da Literatura. Angiologia e Cirurgia Vascular, [s. l.], v. 17, n. 1, 2021. DOI 10.48750/acv.316. Disponível em: https://research.ebsco.com/linkprocessor/plink?id=ea8335ca-1ed6-3004-9a34-d93ed844919e. Acesso em: 23 jan. 2025.

ALMEIDA, B. L. DE et al. Tratamento endovascular de aneurisma de aorta abdominal com fístula aorto-cava utilizando oclusor vascular concomitante a endoprótese bifurcada: relato de caso. Jornal vascular brasileiro, v. 16, n. 2, p. 168–173, 2017.


1Hospital Geral de Fortaleza (HGF)
2Universidade Estadual do Ceará (UECE)
3Estácio IDOMED – Iguatu
4Centro Universitário da Fundação Gurgacz