TIJOLOS DE SOLO-CIMENTO COM FIBRAS VEGETAIS DE JUTA E MALVA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7025595


Autores:
Felipe Prestes Batista1
Fernando De Farias Fernandes2


RESUMO

Tendo o uso dos tijolos de solo sido comum ao longo da história, de em simples moradia até grandes construções, e após preterimento no pós Revolução Industrial, eles vêm sendo retomados atualmente em meio à urgência ambiental para construções. Para se obter tijolos de melhor qualidade, são necessárias as chamadas estabilizações no solo, como física, através de areia, a química, através de cimento Portland, formando até este ponto o compósito de solo-cimento, e a mecânica, através de fibras. Este artigo trata da estabilização conjunta com areia, cimento Portland e fibras vegetais de juta e de malva, cujos cultivos são de grande importância para a economia do interior do Amazonas, e dos resultados dos ensaios de absorção e compressão axial realizados conforme a NBR 8492/2013 e avaliados com sucesso conforme a NBR 8491/2012.

Palavras-chave: Tijolos. Solo-cimento. Fibras de juta. Fibras de malva.

ABSTRACT

The use of soil bricks has been common throughout history, from simple housing to large constructions, and after being neglected in the post-Industrial Revolution, they are currently being resumed in the midst of the environmental urgency for construction. To obtain better quality bricks, the so-called soil stabilizations are necessary, such as physical, through sand, chemical, through Portland cement, forming up to this point the soil-cement composite, and mechanics, through fibers. This article deals with the joint stabilization with sand, Portland cement and jute and mallow vegetable fibers, whose crops are of great importance for the economy of the interior of Amazonas, and the results of absorption and axial compression tests carried out in accordance with NBR 8492/ 2013 and successfully evaluated according to NBR 8491/2012.

Keywords: Bricks. Soil-cement. Jute fibers. Mallow fibers.

INTRODUÇÃO

Na busca por abrigo, a humanidade desenvolveu diversas formas de uso do que havia ao seu redor, tendo o uso de solo através de tijolos se destacado, devido a vantagens como abundância do solo, fácil acesso, fácil uso, e baixo custo (muias vezes gratuito) (FERRARI, 2018). Após preterimento no pós Revolução Industrial, o uso de tijolos de solo vem retomando prestígio, devido a emergência ambiental, já que além da obtenção de solo não ser ambientalmente agressiva, a produção dos tijolos de solo também não o é, pois não envolve processos de queima, como os tijolos cerâmicos tradicionais. Assim, em meio a urgência ambiental do presente e do futuro, tem-se se voltado para uma das opções técnicas ecoeficientes mais antiga e universal (BOTINAS, 2017; NOVATO 2019).

Para se obter tijolos de solo de melhor qualidade, o solo precisa de estabilizações (BOTINAS, 2017), como a química, através do uso de cimento Portland, a qual resulta no solo-cimento (ABCP, 2000). Porém, de acordo com o Boletim Técnico 111/2000 – Fabricação de Tijolos de Solo-Cimento com a Utilização de Prensas Manuais, da ABCP, o solo-cimento não é recomendado se o solo for muito argiloso, e se apresentar retração total acima de 2 cm e abertura de fissuras no ensaio da caixa. Então, é necessária mais uma forma de estabilização, como a física, através da incorporação de areia para correção granulométrica, e a mecânica, através do uso de fibras que combatam retrações e fissuras. Nisto, as fibras vegetais ganham destaque em meios a urgência ambiental, podendo-se inclusive se citar exemplos de sucesso como o de Santos (2016) com tijolos de solo-cimento com fibra de ráfia, e o de Cristina et al (2018) com tijolos de solo-cimento com fibras de bucha. Das fibras vegetais disponíveis, optou-se pelas fibras de juta e de malva, cujas produções são de grande importância sócio econômica no interior do Amazonas (SOARES, 2015), e que já foram estudadas em outras aplicações, como em Oliveira (2017) quanto a utilização de fibras de juta e malva em telhas cimentícias.

MATERIAL E MÉTODOS

O solo utilizado é oriundo de obras nos entornos da Avenida do Turismo, bairro Tarumã, zona oeste de Manaus. As fibras de juta e de malva utilizadas foram obtidas no Mercado Municipal de Manaus, local tradicional de obtenção de produtos amazônicos. O cimento e a areia utilizados foram adquiridos em comércios de Manaus, e a água utilizada foi obtida no Laboratório de Mecânica dos Solos da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), onde também os tijolos foram prensados, de acordo com as recomendações do BT 111/2000 (ABCP, 2000). Observando-se o referido boletim técnico, foram realizados os procedimentos e ensaios de caracterização com o solo conforme as normas a seguir:

◉ Preparação para ensaio de caracterização – NBR 6457/206
◉ Análise granulométrica – NBR 7181/2016
◉ Determinação do limite de plasticidade – NBR 7180/201
◉ Determinação do limite de liquidez – NBR 6459/2016
◉ Ensaio da caixa – BT-111/2000

Com relação as fibras de juta e de malva, a impermeabilização delas seguiu o método utilizado com sucesso por OLIVEIRA (2017), de se embebe-las em resina acrílica. Já a escolha pelas porcentagens de 1% e 2% em relação a massa de solo + areia, e os comprimentos de 2cm das fibras, baseiam-se no trabalho de PEREIRA (2018) sobre tijolos com fibras de sisal.

FIGURA 1 – FIBRA DE JUTA SENDO EMBEBIDA EM RESINA ACRÍLICA

FIGURA 2 – FIBRA DE MALVA COM 2 CM DE COMPRIMENTO

Com os ensaios de granulometria, de limite de liquidez e de limite de plasticidade, se percebeu que o solo não atendia os requisitos do BT 111/200 nem quanto a granulometria (100% passante na peneira nº 4 de 4,8 mm, e entre 10% e 50% passante na peneira nº 200, de 0,075 mm) nem quanto limite de liquidez e índice de plasticidade (limite de liquidez ≤ 45% e índice de plasticidade ≤ 18%). Assim, com base no trabalho de FERNANDES (2002), fez-se a mistura em massa de 70% de solo + 30% de areia para novos ensaios de granulometria, limite de liquidez e plasticidade, o que foi o bastante para correção granulométrica do solo, como demonstra os resultados apresentados nas tabelas a seguir:

TABELA 1 – RESULTADOS INICIAIS DOS ENSAIOS DE CARACTERIZAÇÃO

PARÂMETRORESULTADO
Passante na peneira nº 4100%
Passante na peneira nº 20065,80%
Limite de Liquidez65%
Limite de Plasticidade28%
Índice de Plasticidade37%

TABELA 2 – RESULTADOS DOS ENSAIOS DE CARACTERIZAÇÃO DA MISTURA DE 70% DE SOLO + 30% DE ARGILA

PARÂMETRORESULTADO
Passante na peneira nº 4100%
Passante na peneira nº 20044,85%
Limite de Liquidez36%
Limite de Plasticidade21,7%
Índice de Plasticidade14,3%

Para o ensaio da caixa, além da incorporação de areia, também se fez a incorporação das fibras vegetais de juta e de malva, cada uma nas proporções de 0% (isto é, sem fibras), 1% e 2% em relação a massa de solo + areia. Nos ensaios com 0% de fibras, a retração total foi 0,5 cm, poucas aberturas de fissuras, ao passo que o uso de fibras em todos os casos resultou em nenhuma retração e nenhuma abertura de fissuras, como se observa nas figuras a seguir:

FIGURA 3 – ENSAIO DA CAIXA COM 1% E 2% DE FIBRA DE MALVA

FIGURA 4 – ENSAIO DA CAIXA COM 1% E 2% DE FIBRA DE JUTA

Assim, realizou-se a confecção de 15 tijolos de prova e 15 de contraprova, seguindo-se os traços em volume de cimento/(solo+areia) sugeridos pelo BT-111/2000: 1/10, 1/12 e 1/14, e fazendo- se também a incorporação de malva e de juta nas proporções de 1% e de 2% em relação a massa de solo + areia. A água foi adicionada conforme a verificação manual sugerida pelo BT-111/2000. Após isto, levou-se as misturas para as prensas manuais para lá serem moldados e prensados os tijolos.

Após a confecção dos 30 tijolos, e um período de cura de 28 dias, realizou-se os ensaios de absorção e de resistência a compressão, de acordo com especificado na ABNT NBR 8492/2012.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados dos ensaios de absorção são apresentados a seguir em forma de gráfico:

GRÁFICO 1 – ABSORÇÃO MÉDIA DOS TIJOLOS DE TRAÇO 1/14

GRÁFICO 2 – ABSORÇÃO MÉDIA DOS TIJOLOS DE TRAÇO 1/12

GRÁFICO 3 – ABSORÇÃO MÉDIA DOS TIJOLOS DE TRAÇO 1/10

De acordo com a ABNT NBR 8491/2013, tijolos de solo-cimento não devem ter absorção média superior a 20%, e absorção individual superior a 22%. Em ambos os casos, fica demonstrado nos gráficos acima que todos os tijolos produzidos estão dentro dos limites estabelecidos em norma. A incorporação de fibras não provocou alterações consideráveis na absorção percentual em relação aos tijolos sem fibras, o que sugere o sucesso do uso de resina acrílica. Já quanto a resistência a compressão axial, os resultados estão resumidos nos gráficos a seguir:

GRÁFICO 4 – RESISTÊNCIA MÉDIA DOS TIJOLOS DE TRAÇO 1/14

GRÁFICO 5 – RESISTÊNCIA MÉDIA DOS TIJOLOS DE TRAÇO 1/12

GRÁFICO 6 – RESISTÊNCIA MÉDIA DOS TIJOLOS DE TRAÇO 1/10

FIGURA 5 – ENSAIO DE COMPRESSÃO

De acordo com a ABNT NBR 8491/2013, tijolos de solo-cimento não devem ter resistência média mínima inferior a 2,00 MPa, e resistência mínima individual inferior a 1,7 MPa. Os tijolos no traço 1/14 não atingiram nem a resistência média nem a resistência individual mínimas. Os tijolos no traço 1/12 atingiram a resistência individual mínima, mas não a resistência média. Já os tijolos no traço 1/10, com maior teor de cimento, atingiram tanto a resistência média mínima quanto a resistência individual mínima. Em todos os casos, os tijolos apenas fissuraram, não explodiram, coesão a qual se deve ao incorporação das fibras . A incorporação de 1% de fibras foi mais eficiente para a resistência que a incorporação de 2%, repetindo o já observado em SANTOS (2016) e CRISTINA et al (2018): se o acréscimo de fibras torna o tijolo mais resistente devido a se combater retrações e fissuras, a partir de determinada porcentagem tende a diminuir a resistência, devido as fibras passarem a ocupar demasiado volume dentro dos tijolos.

CONCLUSÃO

O solo no entorno da Avenida do Turismo, bairro Tarumã, zona oeste de Manaus, é argiloso demais para tijolos de solo-cimento, o que pode ser contornado com correção granulométrica com a mistura em massa de 70% de solo + 30% de areia. Já a incorporação de fibras vegetais de juta e de malva a 1% e 2% em relação a massa do solo + areia cada uma, e embebidas em resina acrílica para impermeabiliza-las, é decisiva para evitar totalmente retrações e fissuras. Os resultados dos ensaios de absorção demonstram o sucesso do uso de resina acrílica. Já com os resultados de resistência a compressão, se concluiu que o traço 1/10 em volume da mistura em massa de solo + areia, com 1% de fibras em relação a massa de solo + areia, é o mais eficiente. Demonstra-se assim uma viabilidade técnica da opção ambientalmente sustentável que as fibras de juta e de malva representam para se melhorar a qualidade de tijolos de solo-cimento.

AGRADECIMENTOS

A Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) pela permissão do uso do espaço do laboratório de Mecânica dos Solos e seus equipamentos para realização dos ensaios perninentes e para confecção dos tijolos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT. NBR 8491 – Tijolo de solo-cimento: requisitos. Rio de Janeiro, 2012. – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT NBR 8492 – Tijolo de solo-cimento – Análise dimensional, determinação da resistência à compressão e da absorção de água – Método de ensaio. Rio de Janeiro, 2013.

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FERRARI, Henrique Duarte. CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONSTRUÇÃO COM TERRA E EFEITOS DA CORREÇÃO GRANULOMÉTRICA E DA INCORPORAÇÃO DE CINZAS DE EUCALIPTO E DE FIBRAS DE COCO EM SOLO PARA FABRICAÇÃO DE ADOBE. (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Engenharia, 2018.

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1Discente de Engenharia Civil, EST-UEA, Manaus-AM.
E-mail: fpbt.eng@uea.edu.br
2Me. em Engenharia Civil, Prof., EST-UEA, Manaus-AM.
E-mail: ffernandes@uea.edu.br