TESTES E AVALIAÇÕES: INTERROGAÇÕES SOBRE AS ALTERAÇÕES NO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

TESTS AND EVALUATIONS: QUESTIONS ABOUT CHANGES IN AUTISTIC SPECTRUM DISORDER

PRUEBAS Y EVALUACIONES: PREGUNTAS SOBRE LOS CAMBIOS EN EL TRASTORNO DEL ESPECTRO AUTISTA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202408222228


Maria Clara Luna da Silva Pereira1,
Iara Maria Ferreira Santos2


RESUMO

As avaliações são importantes para o clínico, sendo o meio pelo qual a terapia é norteada. O diagnóstico serve de guia para o posicionamento perante a queixa e decisão sobre o acolhimento. Porém, à avaliação também cabe um viés delicado, definir o que é normal e patológico, categorizar e explicar essa condição. Este artigo teve como objetivo discutir como os protocolos de avaliação para crianças com TEA fazem o terapeuta fonoaudiólogo projetar sua clínica para esses sujeitos. Para isso, o método utilizado foi uma revisão bibliográfica, na qual para execução da pesquisa bibliográfica fez uso do banco de dados Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) com os operadores booleanos “AND” e “OR” cujas palavras-chave foram: “autismo”, “behaviorismo”, “Piaget”, “interacionismo”, “fonoaudiologia”, “linguagem”, “protocolo”, “TEA”, “Transtorno Autístico”, “prática clínica baseada em evidências”, “comportamento social” e “terapia comportamental”. Foram selecionados 8 artigos após leitura na íntegra. A seleção desses artigos serviu como base para análise e discussão de 4 instrumentos de avaliação feita a partir da retomada quanto às suas bases teóricas, pensando em como o modo de se avaliar o sujeito impacta no fazer clínico. Diante dos resultados, pode-se concluir que o artigo questionou as possibilidades de revisar a nosografia dos instrumentos de avaliação usados na clínica fonoaudiológica para pessoas com autismo.

Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista; avaliação; linguagem; fonoaudiologia.

ABSTRACT

Assessments are important for the clinician, being the means by which therapy is guided. The diagnosis serves as a guide for positioning in the face of the complaint and decision on reception. However, the assessment also has a delicate bias, defining what is normal and pathological, categorizing and explaining this condition. This article aimed to discuss how assessment protocols for children with ASD make speech therapists design their clinic for these subjects. For this, the method used was a bibliographic review, in which to carry out the bibliographic research the Virtual Health Library (VHL) database was used with the Boolean operators “AND” and “OR” whose keywords were: “autism ”, “behaviorism”, “Piaget”, “interactionism”, “speech therapy”, “language”, “protocol”, “ASD”, “Autistic Disorder”, “evidence-based clinical practice”, “social behavior” and “therapy behavior”. Eight articles were selected after reading them in full. The selection of these articles served as a basis for analysis and discussion of 4 assessment instruments based on their theoretical bases, thinking about how the way of evaluating the subject impacts. in clinical practice. Given the results, it can be concluded that the article questioned the possibilities of reviewing the nosography of assessment instruments used in speech therapy clinics for people with autism.

Keywords: Autism Spectrum Disorder; assessment; language; speech therapy.

RESUMEN

Las evaluaciones son importantes para el médico, ya que son el medio por el que se guía la terapia. El diagnóstico sirve como guía para el posicionamiento ante la queja y decisión de recepción. Sin embargo, la valoración también tiene un sesgo delicado, definiendo qué es normal y patológico, categorizando y explicando esta condición. Este artículo tuvo como objetivo discutir cómo los protocolos de evaluación de niños con TEA hacen que los logopedas diseñen su clínica para estos sujetos. Para esto, el método utilizado fue una revisión bibliográfica, en la cual para realizar la investigación bibliográfica se utilizó la base de datos de la Biblioteca Virtual en Salud (BVS) con los operadores booleanos “Y” y “O” cuyas palabras clave fueron: “autismo”, “conductismo”. ”, “Piaget”, “interaccionismo”, “logopedia”, “lenguaje”, “protocolo”, “TEA”, “trastorno autista”, “práctica clínica basada en evidencia”, “comportamiento social” y “terapia conductual”. Se seleccionaron ocho artículos luego de su lectura completa. La selección de estos artículos sirvió de base para el análisis y discusión de 4 instrumentos de evaluación a partir de sus fundamentos teóricos, pensando en cómo impacta la forma de evaluar el tema en la práctica clínica. resultados, se puede concluir que el artículo cuestionó las posibilidades de revisar la nosografía de los instrumentos de evaluación utilizados en las clínicas de logopedia para personas con autismo.

Palabras clave: Trastorno del Espectro Autista; evaluación; idioma; terapia del lenguaje.

1. INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 1 a cada 100 crianças têm autismo (OMS, 2023). O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) avalia haver cerca de 2 milhões de autistas no Brasil dentre os 200 milhões de habitantes, isto é, 10% da população faria parte do espectro autista (IBGE, 2022). Entretanto, foi só com a Lei 13.861/19 que o IBGE começou a inserir perguntas sobre o autismo no Censo de 2020 — postergado para 2022 devido à pandemia da COVID-19. Isso deixa evidente o quanto ainda há poucas informações e, por conseguinte, políticas públicas voltadas a essas pessoas.

A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID 11), que entrou em vigor em 2022, coloca o autismo — transtorno persuasivo do neurodesenvolvimento — em um código próprio: 6A02 — Transtorno do Espectro Autista (TEA). As especificações do TEA consideram se há ou não deficiência intelectual (DI), bem como se tem ou não comprometimento da linguagem (sendo esse comprometimento leve, ausente ou com linguagem funcional prejudicada).

O TEA é caracterizado por déficits persistentes na capacidade de iniciar e manter interação social recíproca e comunicação social, e por uma série de padrões de comportamento, interesses ou atividades restritos, repetitivos e inflexíveis que são claramente atípicos ou excessivos para o indivíduo, idade e contexto sociocultural (CID-11, 2022). Os problemas centrais abarcam três grandes áreas: dificuldades de interação social, dificuldades de comunicação verbal e não verbal e padrões restritos e repetitivos de comportamento (Fernandes et al., 2008).

O diagnóstico e avaliação precisos do TEA são importantes, pois permitem identificar os sintomas e a gravidade da condição, garantindo o acesso a intervenções e suportes adequados desde cedo (Smith et al., 2017). Um diagnóstico preciso também ajuda a reduzir a ansiedade e os estigmas associados ao TEA, promovendo uma abordagem mais inclusiva e empática (Johnson;Thompson, 2020). No entanto, existem controvérsias relacionadas à variabilidade de sintomas do TEA, à adequação dos critérios diagnósticos e às implicações sociais e emocionais do diagnóstico, que devem ser abordadas de forma sensível e informada (Johnson;Thompson, 2020).

A normatização de um padrão normal e patológico para o TEA tem sido objeto de controvérsias na literatura científica. É fundamental reconhecer que o TEA é um espectro, e não uma entidade homogênea, como apontado por Leekam (2016), enfatizando a necessidade de abordagens individualizadas e inclusivas. Portanto, é crucial superar essa visão normatizadora e compreender a singularidade de cada pessoa com TEA, respeitando suas características e necessidades específicas.

Este artigo teve como objetivo discutir, a partir de uma revisão bibliográfica, como os protocolos de avaliação geral e de linguagem para crianças com TEA fazem o terapeuta fonoaudiólogo projetar sua clínica para esses sujeitos.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

O Interacionismo Brasileiro, desenvolvido por Cláudia de Lemos, contribuiu para a compreensão da aquisição da linguagem, enfatizando o papel do Outro e da Língua no contexto de mediação da linguagem e constituição linguística das crianças. Assume a fala da criança como um fenômeno dinâmico e multifacetado, justamente por sua mutabilidade, heterogeneidade e indeterminação. A partir da perspectiva interacionista, a construção da linguagem ocorre através de processos dialógicos nos quais a criança depende da fala do outro para desenvolver sua própria expressão linguística, depende também da própria relação com a Língua, isto é, o processo de construção de linguagem é estrutural (Lier-DeVitto, Arantes, 2006).

A primeira fase/posição desse processo envolve a criança que, embora produza fala, ainda não compreende totalmente seu significado, extraindo fragmentos da fala alheia para construir suas próprias expressões. Na segunda fase/posição, a língua se manifesta de maneira mais ativa na fala da criança, com um aumento na incorporação de fragmentos que fazem sentido e a presença de erros que refletem a tentativa de aquisição da língua, em vez de mera imitação. Por fim, na terceira fase/posição, a criança começa a se corrigir e reformular suas expressões, surgindo o conceito de “falante-ouvinte”, onde o sujeito começa a controlar sua própria fala e a refletir sobre sua prática linguística. Esse movimento não é progressivo, reflete processos linguísticos; a criança joga com a sua própria fala e com a fala do outro de forma mais autônoma e consciente, ou seja, há um movimento contínuo para a própria língua. Esse processo é chamado estrutural porque não são etapas, e sim construções simbólicas e em alguma medida inconscientes (Lier-DeVitto, Arantes, 2006).

A complexidade da interpretação linguística se torna particularmente evidente quando se considera a interação entre um falante experiente e um “não falante”, como uma criança pequena. De acordo com Arantes (1998), os significantes da linguagem — os sons e formas que carregam significado — são enigmáticos e estranhos para o “não falante” devido ao seu estágio inicial de aquisição. Essa diferença é tão radical que levanta questões quanto à interpretação da comunicação, sugerindo a necessidade de distinguir entre a interpretação do investigador e a do falante experiente. A interpretação, portanto, deve ser qualificada, pois sua forma geral pode ser vaga e insuficiente para capturar a complexidade da interação linguística, que é essencialmente contextualizada e com características variadas e peculiares de cada indivíduo.

Por outro lado, Arantes (2019) aponta que crianças com patologias de linguagem enfrentam grandes dificuldades em comunicar suas intenções e selecionar informações relevantes, resultando em enunciados confusos e silenciados. Este cenário se complica ainda mais na avaliação de crianças autistas ou psicóticas, cujos principais aspectos incluem isolamento social e recusa à alteridade. A avaliação, portanto, se torna paradoxal ao tentar traçar um perfil comunicativo de indivíduos que possuem dificuldades extremas ou impossibilidade de engajar em interações sociais significativas que são exigidas por tais instrumentos de avaliação.

O modelo diagnóstico utilizado na avaliação de crianças opera dentro de um sistema classificatório que simplifica e reduz a complexidade da análise ao registrar e transcrever manifestações de sintomas de maneira nosográfica e padronizada. Esse processo de categorização transforma a manifestação da criança em sinais específicos, facilitando a comparação com outras já classificadas. O clínico, ao aplicar esse sistema, busca identificar semelhanças entre a criança observada e as previamente diagnosticadas — as desviantes da norma — assegurando a eficácia do diagnóstico médico (Arantes, 2001).

No entanto, a crítica se concentra no fato de que os instrumentos descritivos podem não capturar adequadamente os eventos sintomáticos, servindo frequentemente como padrões de normalidade que definem de maneira negativa o patológico, como aquilo que não se alinha às normas estabelecidas. Conforme Lier- DeVitto (2005) essa abordagem naturaliza o fenômeno patológico ao reduzir a complexidade do discurso a dados neutros, desconsiderando o sofrimento e a experiência subjetiva do sujeito, “apagando” o indivíduo.

A normatização de um padrão normal e patológico para o Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem sido objeto de controvérsias na literatura científica.

Como mencionado por Silva, Duarte e Del Prette (2020), o TEA é caracterizado por uma ampla variedade de manifestações clínicas e sintomas, o que dificulta a definição de um padrão único de normalidade ou patologia. Essa concepção equivocada pode levar à exclusão de indivíduos com perfis atípicos, como destacado por Jones e Hurley (2019), que ressaltam a importância de considerar a diversidade do autismo.

Sendo assim, a clínica de linguagem é um espaço único onde ocorre uma interação especial, caracterizada pelo impacto da percepção do sujeito sobre sua própria fala e a escuta qualificada do terapeuta. A clínica se configura como um ambiente onde o paciente busca transformar sua forma de se comunicar e sua condição como falante, dirigindo essa demanda ao terapeuta (Lier-DeVitto, 2005). Logo, é essencial reconhecer a especificidade do papel do terapeuta e o processo de mudança que se vincula a uma intervenção clínica destinada a influenciar o sintoma e promover a alteração desejada .

3. METODOLOGIA

Este artigo é uma pesquisa bibliográfica, realizada no período de outubro de 2022 a julho de 2023. Trata-se do resultado de Iniciação científica das autoras e contou com o financiamento da FAPEAL (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Alagoas). Não houve necessidade de submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa por se tratar de uma revisão.

Fez-se uma pesquisa bibliográfica em banco de dados digitais, foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: artigos cujo foco principal era o TEA, relacionando-os ao uso de instrumentos de avaliação — para os últimos 5 anos e os de exclusão: protocolos que não tem versão brasileira, protocolos não disponíveis para download e protocolos não validados.

Foi realizada a pesquisa bibliográfica utilizando o banco de dados Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde (BVS MS) dividida em dois momentos de pesquisa: o primeiro visando averiguar a partir da correlação protocolos — teorias de aquisição da linguagem quais testes e avaliações estão sendo mais utilizados, cujo operador booleano foi “AND” e as palavras-chave “autismo”, “behaviorismo”, “Piaget”, “interacionismo”, “fonoaudiologia” num período de 10 anos.

O segundo momento foi voltado para os protocolos de avaliação com os operadores booleanos “AND” e “OR” e palavras-chave “autismo”, “fonoaudiologia”, “linguagem”, “protocolo”, “TEA”, “Transtorno Autístico”, “prática clínica baseada em evidências”, “comportamento social” e “terapia comportamental” que foram colocados em uma tabela de fichamento para organizar e sintetizar os dados.

Os instrumentos de avaliação foram separados didaticamente em: instrumentos de rastreio e instrumentos de avaliação geral. Essas categorias foram estudadas a partir da análise desses instrumentos de avaliação na íntegra, visando os eixos da sintomatologia definida por Lorna Wing em 1979 — que segue norteando a definição diagnóstica usual no DSM-V (5º Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.) e CID 11: domínio social, pensamento e comportamento, linguagem e comunicação. A partir desses eixos, foi suscitado como o terapeuta fonoaudiólogo pode estar projetando sua clínica para os sujeitos autistas com base nos referenciais teóricos do Interacionismo Brasileiro e Clínica de Linguagem (2006).

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Quadro 1 – Artigos organizados de acordo com o nível de evidência

TítuloAuto rAbordagem teóricaInstrumentos de avaliação
A teoria da mente de crianças com autismo na ótica piagetianaGonç alves , P. L.Piagetiana/Relacionou o emprego dos termos mentais de seus participantes aos resultados da entrevista clínica segundo Piaget.Autism Social Skills Profile (ASSP); Comprehension Checks (CC); Escala de Avaliação de Traços Autísticos (ATA); Childhood Autism Rating Scale (CARS); questionário específico da investigação.
Criança com transtorno do espectro autista: cuidado na perspectiva familiarMape lli, L. D    et al.Sócio-interacionismo/Co nstrução de narrativas.entrevista semiestruturada
Habilidades comunicativas de crianças com autismoPereira, J. E. A. et al.Piagetiana /Estabeleceu situações comunicativas com jogos e brinquedos por duas sessões, bem como a percepção dos terapeutas quanto à expressão, compreensão  e comportamento      social das crianças.Protocolo Avaliação da Comunicação no Transtorno do Espectro Autista (ACOTEA);
Contribuições da comunicação alternativa no desenvolvimento da comunicação de criança com transtorno do espectro do autismoMontenegro, A. C. Al.et al.Piagetiana/Foram analisados a linguagem receptiva e expressiva, habilidades pré-linguísticas, brincadeira funcional e engajada com o outro, uso do CAA ampliando o vocabulário, comunicação mista, uso da comunicação funcional e destaca a importância                  da implementação precoce do CAA.Autism  Treatment Evaluation Checklist (ATEC); protocolo            ACOTEA; método Desenvolvimento das Habilidades Comunicacionais no Autismo  (DHACA); Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA);  protocolo Avaliação de Preferência Indireta
Protocolo de avaliação de  habilidades pragmáticas   de crianças com transtornos do espectro do autismoFernandes,  F. D. M.Não deixa claro/ o método de investigação utilizado salienta o uso do meio comunicativo verbal e das habilidades de narrativa, em que essas                 questões envolvem respostas a perguntas simples, uso de estruturas complexas para                responder; produção de comentários; uso de frases  completas; estruturas complexas e troca de turnos na comunicação.Perfil Funcional da Comunicação (PFC) do teste de linguagem infantil (ABFW); Protocolo de Avaliação de Habilidades Pragmáticas de Crianças com Transtornos do Espectro do Autismo (PAHPEA)
Comunicação alternativa  e aumentativa  no transtorno do espectro do autismo: impactos na comunicação.Pereira ET et al.Behaviorista/A abordagem utiliza estímulos visuais e verbais requerendo respostas das crianças.Protocolo de Pragmática do ABFW; Protocolo CARS
Alterações na pragmática de crianças falantes de português brasileiro com diagnóstico de transtorno do espectro autista: uma revisão sistemática.Botura, C. et al.Traz    várias    correntes teóricas.Children’s Communication Checklist-2 (CCC-2); Assessment of Pragmatic Language  and  Social Communication (APLSC); Protocolo de Registro da Pragmática, do Teste de Linguagem ABFW; Ficha Informativa; Escala ATA.
Levantamento de protocolos e métodos diagnósticos do transtorno autista aplicáveis na clínica fonoaudiológica: uma revisão de literatura.Gonçalves , T. M.; Pedruzzi, C. M.Por ser uma revisão traz várias  correntes teóricas.Escala CARS; Escala ATA; Modified Checklist for   Autism in Toddlers (M-CHAT); Autism Screening Questionnaire (ASQ);      Inventário de Comportamentos Autísticos (ICA); Ficha de Acompanhamento Infantil.

Fonte: Autoria própria, 2023.

Os resultados da pesquisa bibliográfica revelaram um total de 188 artigos encontrados relacionados ao tema em questão. Desses, 6 artigos foram identificados como repetidos e, portanto, excluídos da análise. Além disso, 150 artigos foram excluídos devido a critérios de inclusão e exclusão estabelecidos previamente.

Quadro 2 – Síntese dos resultados da pesquisa

Total de artigos encontrados188
Total de artigos repetidos6
Total de artigos excluídos após a leitura do título e/ou resumo150
Total de artigos selecionados após leitura na íntegra8

Fonte: Autoria própria, 2023.

Após a aplicação dos critérios de seleção, um total de 8 artigos foram selecionados para compor a análise e discussão deste estudo. Esses artigos foram considerados relevantes para a investigação dos instrumentos de avaliação do TEA, fornecendo informações valiosas sobre as abordagens utilizadas. Os instrumentos citados neste artigo correspondem àqueles que estão disponíveis livremente nos bancos de dados.

Os instrumentos de rastreio analisados foram: M-CHAT (Modified Checklist for Autism in Toddlers) e ASQ (Autism Screening Questionnaire). Esses instrumentos possuem enfoques semelhantes dentre os eixos sintomatológicos descritos por Lorna Wing.

Os itens do M-CHAT são pontuados como “sim”, “não” ou “não sei”. Com base nas respostas, são identificados comportamentos considerados indicativos de suspeita de TEA — o que revisita sua base behaviorista — sendo categorizados como patológicos ou atípicos. O ASQ consiste em perguntas que abordam comportamentos e habilidades específicas relacionadas ao desenvolvimento socioemocional, de comunicação, cognitivo e motor, tendo raízes na teoria cognitivista. Com base nas respostas, são constatados comportamentos que podem indicar suspeita de TEA, sendo eles considerados ou não fora da “normalidade”.

Em suma, esses instrumentos utilizam critérios específicos para identificar comportamentos que podem indicar suspeita de TEA, sendo esses comportamentos considerados atípicos, patológicos ou indicativos de risco.

Há uma peculiaridade intrigante quando se trata de instrumentos de rastreio, pois, pela própria natureza que possuem, geram uma indefinição. Esses instrumentos não têm capacidade diagnóstica, mas colocam o sujeito avaliado em uma condição de incerteza: “em risco”.

Voltando agora aos instrumentos de avaliação geral que existem para o TEA, neste artigo destacam-se:a escala ATA (Autism Treatment Evaluation Checklist) e a escala CARS (Childhood Autism Rating Scale). É possível inferir que elas abordam áreas relacionadas ao TEA, como comunicação, comportamentos restritos e repetitivos, interação social, interesses restritos, estereotipias e padrões de comportamento atípicos. Todas as escalas se baseiam na observação do comportamento da criança — o que denota a teoria comportamentalista — em diferentes contextos para avaliar os sinais do TEA.

A escala ATA não utiliza uma categorização explícita de “patológico” ou “não patológico”, pontuando os itens com base na presença e intensidade dos comportamentos característicos do TEA. A escala CARS categoriza o espectro do autismo em diferentes níveis de gravidade, e sua pontuação é determinada por observações clínicas.

Esses instrumentos posicionam o diagnóstico médico para o Transtorno do Espectro Autista, levando em conta que o diagnóstico médico parece ter a necessidade de caracterizar um quadro taxonômico, ou seja, de firmar a nosografia de um corpo, nesse contexto, doente, e neste caso específico, uma doença que não mostra marcas no corpo — eis o contraditório desse aparato nosográfico. Diante disso, há um completo apagamento do sujeito, pois uma descrição detalhada do indivíduo doente — o desviante da norma — é fornecida. Os sintomas são localizados, descritos e enquadrados em uma nosografia que os define como um desvio, tornando-se um não-sujeito (Arantes, 2001).

À parte da discussão médica, neste artigo, cabe-nos o fazer fonoaudiológico desses instrumentos, uma vez que também podem ser usados por fonoaudiólogos e não apenas médicos. Diagnosticar na fonoaudiologia parece ser, a partir desses instrumentos, um modo de colocar a pessoa da clínica em um rótulo descritivo que facilita o diagnóstico — uma vez que não é necessário ‘interpretar’, pois ele já vem transparente por estar definido e categorizado.

No caso de crianças com patologias de linguagem, demonstra-se inexequível assumir essa transparência, dado que não é possível recortar e colocar um evento irrepetível num protocolo, evento este, aliás, que para a fonoaudiologia deveria ser de linguagem e não de comportamento, corpo e cognição, e pior, todos ao mesmo tempo. Enquanto fonoaudiólogo, apesar de poder ‘operar’ com um instrumento avaliativo geral, é importante não perder de vista seu próprio objeto: a linguagem.

Sendo assim, fica evidente que as questões nosográficas com as quais opera a Fonoaudiologia, ainda são voltadas a áreas diversas: a psicologia — com a noção de comportamento e cognição, a medicina com a categorização de um corpo, às vezes, uma tentativa de se desarticular — colocando a linguística — quando aborda protocolos com descrições de sintaxe, semântica, pragmática e fonologia — mas ainda assim longe do seu objeto próprio.

5. CONCLUSÃO

O TEA é um espectro heterogêneo, com uma ampla variedade de características e níveis de funcionamento. Isso implica dizer que uma categorização rígida resulta em uma visão simplista e generalizada do TEA. Como já mencionado neste artigo, os protocolos de avaliação direcionam o modo como se vê o indivíduo, a ponto de rotulá-lo como desviante da norma, apagando o sujeito e desconsiderando as diferenças individuais e necessidades específicas de cada pessoa no espectro. Isso impacta diretamente no fazer clínico, principalmente no que concerne ao objeto da fonoaudiologia: a linguagem.

Dessa forma, o artigo trouxe as possibilidades de questionar a nosografia dos instrumentos de avaliação utilizados na clínica fonoaudiológica voltados para os sujeitos autistas, por meio da articulação dos protocolos e o fazer clínico a partir da discussão da maneira que tais instrumentos assimilam a tríade sujeito-língua-fala, ponderando a relação que o indivíduo tem com sua própria fala e com a fala do outro e como isso reflete com o funcionamento da linguagem/língua.

Contudo, faz-se necessária a realização de mais pesquisas com os demais instrumentos de avaliação voltados para o TEA a fim de que os acadêmicos e profissionais em Fonoaudiologia estejam atentos às limitações dos protocolos de avaliação e busquem adotar abordagens mais individualizadas e centradas no sujeito, considerando suas particularidades e demandas individuais.

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1Graduanda em Fonoaudiologia pela Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas. E-mail: maria.lun@academico.uncisal.edu.br

2Mestra e Professora Assistente do Curso de Fonoaudiologia da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas; Doutoranda em Ciências/Saúde Pública pela Universidade de São Paulo. E-mail: iara.santos@uncisal.edu.br