TESTAMENTO: LIMITES E POSSIBILIDADES DE CUMPRIMENTO PELA VIA EXTRAJUDICIAL

TESTAMENT: LIMITS AND POSSIBILITIES OF COMPLIANCE THROUGH EXTRAJUDICIAL METHOD

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10206749


Álvaro Vinícius da Paixão Silva1
Matheus Maia Cardoso Bona2
João Santos da Costa3


RESUMO

O presente estudo tem como objetivo detalhar, definir e compreender o inventário, a partilha de bens, o testamento e abordar os limites e possibilidades de cumprimento pela via extrajudicial. Para tratar dessa questão, foi utilizada uma abordagem qualitativa por meio de investigação bibliográfica. Inicialmente, realizou-se o conceito de testamento no âmbito do direito sucessório e suas modalidades. Em seguida, realizou-se uma análise do inventário judicial e extrajudicial, no cenário do direito brasileiro. Em sequência, foram exploradas as possibilidades de cumprimento de testamento pela via extrajudicial, incluindo uma análise de sua aceitação pelos tribunais brasileiros.

Palavras-Chave: Inventário; Extrajudicial; Limites; Possibilidades.

ABSTRACT

The present study aims to detail, define and understand the inventory, the sharing of assets, the will and address the limits and possibilities of compliance through extrajudicial means. To address this issue, a qualitative approach was used through bibliographical research. Initially, the concept of a will was implemented within the scope of inheritance law and its modalities. Next, an analysis of the judicial and extrajudicial inventory was carried out, in the scenario of Brazilian law. Subsequently, the possibilities of executing a will through extrajudicial means were explored, including an analysis of its acceptance by Brazilian courts.

Keywords: Inventory; Extrajudicial; Limits; Possibilities.

INTRODUÇÃO

A Lei nº 11.441/2007 realizou alterações no Código de Processo Civil de 1973, permitindo às serventias extrajudiciais a possibilidade de realização de alguns procedimentos inerentes à efetivação de direito sucessórios, que até então se realizavam apenas pela via judicial, o que não apenas foi mantido, mas também ampliado pelo Código de Processo Civil de 2015.

No tocante ao inventário com testamento, o Código de Processo Civil, através do art. 610, manteve a impossibilidade de realizar o inventário pela via extrajudicial.

Na presente pesquisa, serão analisados os limites e as possibilidades para que se proceda ao inventário extrajudicial mesmo com a existência de testamento deixado pelo falecido.

O presente tema se justifica pela importância que representa ao campo jurídico, principalmente, no que diz respeito à eficiência e celeridade dos procedimentos extrajudiciais de inventário, buscando sempre atender aos princípios da economia processual, da celeridade processual e da razoável duração do processo e, também, buscando-se uma uniformização dos entendimentos acerca do tema. Ademais, a temática mostra-se de suma importância por ser uma alternativa de desobstruir o judiciário com processos que poderiam ter um desfecho mais célere na esfera extrajudicial, sendo uma possibilidade viável não só para a sociedade como também para os tribunais. A presente pesquisa será documental através do método dedutivo na qual será analisado documentos legais, doutrinas, legislação e jurisprudências acerca do tema.

Desse modo, nos casos específicos de testamento, a regra utilizada por grande parte dos tabeliães no Brasil é a da não realização de inventário extrajudicial com testamento.

Apesar disso, há diversos entendimentos que permitem a realização de inventário extrajudicial com testamento. O legislador ordinário impôs a via judicial para o procedimento de inventário na existência de testamento, entretanto, existem situações em que se entende que a via extrajudicial é um meio viável para a realização de inventário mesmo com a existência de testamento.

Inicialmente, será abordada a introdução ao tema, que servirá como base para o desenvolvimento deste trabalho. Nessa seção, exploraremos a sucessão testamentária, examinando as características do testamento, sua natureza jurídica e as diversas modalidades existentes.

Em seguida, tratará dos meios pelos quais os direitos sucessórios são efetivados. Realizaremos uma análise detalhada do processo de inventário, discutindo suas diferentes modalidades dentro do contexto legal brasileiro.

Ato contínuo, abordaremos a questão central deste trabalho, que envolve os limites e as possibilidades para a execução de testamentos por meio de procedimentos extrajudiciais. Inicialmente, ofereceremos uma análise teórica abrangente sobre o tema e, em seguida, examinaremos casos jurisprudenciais relevantes que ilustram essa questão.

Por fim, concluiremos este trabalho apresentando nossas considerações finais, na qual a pesquisa pretende contribuir para os debates e discussões, abordando os principais pontos discutidos ao longo do estudo e destacaremos as contribuições e implicações das conclusões obtidas, para assim contribuir para aperfeiçoar o sistema jurídico no que diz respeito à execução de testamento.

1. TESTAMENTO: UM EXAME DA IMPORTÂNCIA NA GARANTIA DOS DIREITOS SUCESSÓRIOS

1.1. Uma análise do conceito de testamento no direito sucessório

A sucessão testamentária é o ato da transmissão da herança pelo instrumento do testamento que se encontra dentro do direito das sucessões disciplinando a transferência do patrimônio aos herdeiros, por ato de ultima vontade.

O Código Civil de 2002, ao contrário do seu antecessor, não conceituou o testamento, o que era retirado do art. 1.626 do CC/1916: “Considera-se testamento o ato revogável pelo qual alguém, de conformidade com a lei, dispõe, no todo ou em parte, do seu patrimônio, para depois da sua morte.” Esse conceito anterior recebia críticas contundentes da doutrina, por ser uma construção falha e incompleta. Ressalta-se, nesse sentido de crítica, a menção apenas ao conteúdo patrimonial do testamento. (Tartuce, 2022).

Pois bem, à doutrina sempre coube o trabalho de conceituar o instituto testamento. Assim Testamento é o documento do qual se faz a vontade da pessoa, acerca da divisão de seus bens pós morte, determinando quais bens serão distribuídos para os herdeiros. Gagliano dispõe que:

Um testamento, portanto, nada mais é do que um negócio jurídico pelo qual alguém, unilateralmente, declara a sua vontade, segundo pressupostos de existência, validade e eficácia, com o propósito de dispor, no todo ou em parte, dos seus bens, bem como de determinar diligências de caráter não patrimonial para depois da sua morte. (Gagliano, 2022).

No artigo 1.857, do Código Civil, é determinado que todas as pessoas têm o direito de dispor de seus bens, seja na totalidade ou em partes, para depois de sua morte. Porém, no §1º da mesma lei legítima dos herdeiros necessários não poderá ser inclusa no testamento. Considerado um ato personalíssimo, este poderá ser mudado a qualquer tempo, conforme o art. 1.858, do Código Civil.

O testamento possui as seguintes características: a) ato personalíssimo, exclusivo do autor da herança; b) negócio jurídico unilateral; c) ato gratuito; d) formal; e) revogável. Ele é um ato personalíssimo pois não se admite que seja feito por um procurador, no caso de mais de uma pessoa testar em um mesmo instrumento, o testamento será considerado nulo, de acordo com o artigo 1.863 do Código Civil, que trata da proibição expressa do testamento conjuntivo. Como o testamento consta apenas da vontade de um único testador é considerado um negócio jurídico unilateral. A gratuidade do seu ato é por conta da inexistência de vantagem para o testador.

Assim, somente terá a validade se observado todas as formalidades exigidas pela lei. Considera-se revogável pois seu testador poderá revoga-lo ou modifica-lo a qualquer tempo. Concluindo as características, é considerado um ato mortis causa, pois produzirá efeitos somente após a morte do testador.

Diante da doutrina percebe-se que embora o testamento seja um negocio jurídico unilateral e exclusivo do autor da herança, no Brasil não existe a cultura de elaborar testamentos, a maioria das pessoas prefere concordar com a vocação hereditária prevista na lei.

1.2. Modalidades de testamento: explorando as suas formas e requisitos legais

O atual Código Civil trata de duas formas de testamento, a forma ordinária e a especial. A forma ordinária consiste em três tipos de testamentos, disposto no artigo 1862 do Código Civil, são eles o testamento público, testamento cerrado e o testamento particular. O Código Civil proíbe o testamento conjuntivo e qualquer outra forma de testamento disposto no artigo 1863 do Código Civil.

O testamento público é considerado o mais seguro do ordenamento jurídico brasileiro, até porque ele é lavrado no tabelionato de notas, tornando seguro tanto para o testador e seus beneficiários, até mesmo porque o tabelião é uma autoridade dotada de fé pública, o artigo 1.864 do Código Civil traz os seus requisitos essenciais.

O primeiro trata de que o testamento pode ser escrito por tabelião ou pelo seu substituto legal em seu livro de notas, conforme as declarações do testador, podendo servir de minuta, notas ou apontamento. O segundo requisito consta que o testamento é lido em voz alta pelo tabelião ao testador, contendo a presença de duas testemunhas. O terceiro requisito é a assinatura tanto do testador quanto das testemunhas e tabelião. O parágrafo único trata de que o testamento poderá ser escrito manualmente ou mecanicamente, sendo pelo pela inserção da declaração de vontade em partes impressas de livro de notas, sendo as páginas rubricadas pelo testador.

A segunda modalidade de testamento ordinário é o cerrado, que está disposto no artigo 1.868 do Código Civil, escrito pelo testador ou por outra pessoa a seu rogo, e assinado pelo próprio será valido se for aprovado pelo tabelião ou seu substituto legal, a grande característica do testamento cerrado é que não se sabe o seu conteúdo até a morte do testador. Os requisitos estão no artigo 1868, que dispõe: a) que o testador o entregue ao tabelião em presença de duas testemunhas; b) que o testador declare que aquele é o seu testamento e quer que seja aprovado; c) que o tabelião lavre, desde logo, o auto de aprovação, na presença de duas testemunhas, e o leia, em seguida, ao testador e testemunhas; d) que o auto de aprovação seja assinado pelo tabelião, pelas testemunhas e pelo testador.

Assim fechando os testamentos ordinários o último a ser comentado é o testamento particular, sendo escrito pelo próprio testador e dispensa formalidades, não precisando ser elaborado ou apresentado a um tabelião de notas. Conforme dispõe o artigo 1.876 do Código Civil:

Art. 1.876. O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico.

§1º Se escrito de próprio punho, são requisitos essenciais à sua validade seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever.

§2º Se elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão (Brasil, 2002).

Abordando as modalidades especiais de testamento, a primeira é o testamento marítimo, que somente será utilizado por pessoa que estiver em navio nacional, de guerra ou mercante e que se encontrar em situação de emergência. Testado perante o comandante e duas testemunhas, assim sendo registrado no diário de bordo, disposto no artigo 1.888 do Código Civil.

A segunda modalidade de testamento especial será a aeronáutico que tem uma certa semelhança com o marítimo. Consta no art. 1.889 do CC, pelo qual quem estiver em viagem, a bordo de aeronave militar ou comercial, pode testar perante pessoa designada pelo comandante, nos termos do artigo anterior, ou seja, perante duas testemunhas e por forma que corresponda ao testamento público ou cerrado. Do mesmo modo, o testamento aeronáutico deve ser registrado no diário de bordo. (Tartuce, 2022).

Portanto, concluindo os testamentos especiais resta o testamento militar, disposto no artigo 1893 do Código Civil, cabendo a todas as pessoas a serviço das forças armadas, podendo somente ser elaborado em situação de guerra.

2. O INVENTÁRIO NO DIREITO BRASILEIRO: UMA ANÁLISE DE SUAS MODALIDADES

2.1. Inventário judicial: seus tipos e características

    Conforme estabelecido no artigo 610 do Código de Processo Civil, o Inventário deve seguir o processo judicial quando existir um testamento, herdeiros incapazes ou quando não houver acordo entre as partes interessadas. O parágrafo primeiro desse mesmo dispositivo legal prevê que, se todos os envolvidos forem capazes e concordarem, o inventário e a partilha podem ser realizados por meio de escritura pública (Brasil, 2015).

    Em face da literalidade do art. 610 do CPC, é evidente que o Inventário Judicial, que é conduzido perante um Juiz de Direito, é obrigatório quando se depara com a existência de um testamento, herdeiros incapazes ou falta de consenso em relação à partilha.

    Na ausência de qualquer um desses requisitos para um inventário extrajudicial, o procedimento do inventário deverá seguir o caminho do processo judicial. Conforme o artigo 611 do Código de Processo Civil (Brasil, 2015), esse processo judicial deve ser iniciado dentro de 02 (dois) meses, a partir da abertura da sucessão.

    Assim, esse prazo determinado pelo artigo 611 do Código de processo civil visa reforçar a necessidade de eficiência e celeridade na condução do inventário judicial, essa abordagem legal assegura a regularização do patrimônio deixado pelo falecido.

    Conforme disposto por Rizzardo (2015), há três tipos de Inventário judicial: O Inventário pelo rito comum, também conhecido como tradicional ou solene, é utilizado quando há menores ou incapazes, ou mesmo herdeiros maiores e capazes, mas que estão em litígio e não concordam com uma partilha amigável. Esse procedimento é regulamentado pelos artigos 610 a 658 do Código de Processo Civil.

    O Inventário pelo rito de arrolamento sumário abrange bens de qualquer valor e pode ser usado quando todos os envolvidos são maiores, capazes e estão de acordo com a partilha. O Juiz homologará o inventário mediante o pagamento dos tributos e, quando houver apenas um herdeiro, poderá ser solicitada a adjudicação. Esse procedimento está no artigo 659 do Código de Processo Civil.

    O Inventário pelo arrolamento de rito comum, previsto no artigo 664, é aplicável quando o patrimônio do espólio não excede 1.000 (mil) salários mínimos, conforme estipulado pelo Código de Processo Civil, e também quando há desacordo quanto à partilha.

    Em geral, a pessoa que estiver na posse e administração dos bens do espólio no momento do falecimento do autor da herança terá um prazo de dois meses para iniciar o procedimento de inventário. Nesse período, essa pessoa deve assinar o termo de compromisso de inventariante e atuará como representante dos ativos deixados pelo falecido até que o processo de inventário seja finalizado, incluindo a decisão final (trânsito em julgado) (Brasil, 2015).

    De acordo com o artigo 1.785 do Código de Processo Civil, a regra estabelecida é que “A sucessão é aberta no local do último domicílio do falecido” (Brasil, 2015).

    Portanto para a escolha de qual rito irá ser adotado, irá depender das circunstâncias específicas de cada caso. O rito comum indicado para situações mais complexas, envolvendo herdeiros incapazes ou litígio entre os herdeiros. O arrolamento sumário já traz uma alternativa mais célere por conta de todos os herdeiros serem capazes e concordarem com a partilha. Assim cada caso deverá observar as particularidades de cada inventário.

    2.2. Inventário extrajudicial: requisitos e detalhes significativos

    No que concerne ao inventário extrajudicial pode ocorrer quando todas as partes interessadas, incluindo herdeiros e cônjuges, concordam com a realização desse procedimento, não há menores ou incapazes envolvidos, não existe testamento a ser contestado, há um acordo sobre a partilha de bens, não existem dívidas fiscais pendentes e a presença de um advogado é garantida para representar legalmente as partes, assegurando a observância de todas as formalidades legais. Em tais casos, o inventário pode ser realizado por meio de escritura pública em um cartório de notas, oferecendo uma alternativa mais rápida e econômica ao processo judicial.

    O prazo para instaurar o processo de inventário extrajudicial é o mesmo do processo judicial, contando com dois meses a partir da abertura da sucessão (Brasil, 2015).

    No que concerne à competência, é importante destacar que o tabelião de notas tem a liberdade de ser escolhido pelas partes envolvidas, independentemente do domicílio delas ou da localização dos bens, conforme estabelecido no artigo 8º da Lei nº. 8.935/1994 (Brasil, 1994) e no artigo 1º da Resolução nº. 35 do Conselho Nacional de Justiça (Brasil, 2007). No entanto, é crucial observar que o imposto de transmissão incidente sobre os bens imóveis deve ser pago no local onde esses bens estão situados, enquanto sobre os bens móveis, o pagamento ocorre na sede do tabelionato escolhido para conduzir o inventário.

    Quanto à figura do inventariante, Dias (2011) destaca que, embora sua importância seja relativamente menor no contexto extrajudicial em comparação com o judicial, é recomendável que sua nomeação seja realizada, não sendo dispensada, e o Conselho Nacional de Justiça tornou essa nomeação obrigatória.

    Cabe ressaltar que o tabelião tem o direito de recusar a lavratura da escritura quando existirem indícios de fraude ou dúvidas quanto à manifestação de vontade de algum dos herdeiros, de acordo com o artigo 32 da Resolução nº. 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça (Brasil, 2007).

    3. ABORDANDO OS LIMITES E POSSIBILIDADES DE CUMPRIMENTO DE TESTAMENTO PELA VIA EXTRAJUDICIAL

    3.1. Provimentos e abordagens das corregedorias sobre os processos de inventario com testamento

      Conforme já exposto, pela literalidade do artigo 610 do CPC, para a adoção do procedimento de inventário extrajudicial é indispensável, entre outros requisitos, que o falecido não tenha deixado testamento. Nesse capítulo, discutiremos melhor essa questão, trazendo apontamentos a partir de provimentos normativos de Tribunais e Corregedorias do Brasil.

      Primeiramente, nota-se a preocupação acerca da temática por parte de alguns Tribunais de Justiça, através de suas Corregedorias Gerais de Justiça, que editaram provimentos visando disciplinar a questão do inventário extrajudicial com testamento. O Provimento nº 37/2016, do Estado de São Paulo, sugerido através do Processo Nº 2016/00052695, possibilitou um sistema híbrido ao estabelecer que uma vez iniciado o processo judicial de abertura e cumprimento de testamento, os interessados poderiam pedir, nos autos, a expressa autorização do magistrado com o intuito de realizar o inventário e a partilha por escritura pública. Esse posicionamento da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo visa desburocratizar o acesso das partes ao deslinde do processo de inventário nos casos em que há testamento, buscando também, além de celeridade processual, desafogar o judiciário que se encontra abarrotado de processos.

      O Provimento nº 27/2017, também, está alinhado com a tendência mencionada anteriormente, trazendo uma modificação no parágrafo 1º do artigo 286 da Consolidação Normativa da Corregedoria Geral da Justiça do Rio de Janeiro, conforme declara:

      Art. 286. (…) II – O inventário e a partilha com testamento somente poderão ser realizados por escritura pública após expressa autorização do juízo sucessório competente nos autos da apresentação e cumprimento de testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes (…) (Brasil, 2017).

      Outro caso que segue a mesma linha é a decisão do Recurso Especial nº 1808767 que se originou com o falecimento de uma senhora que preparou testamento com o objetivo de deixar toda a parte disponível da herança ao seu marido, tendo sido recebido e julgado pela 2ª Vara de Órfãos e Sucessões do Rio de Janeiro.

      No processo em questão foi solicitada autorização para transferir o inventário para a via administrativa, tendo em vista que atendia todos os requisitos, tendo como único óbice a existência de testamento. O magistrado negou o pedido, com base na literalidade do artigo 610, assim como a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

      No entanto, as partes não aceitaram a derrota e optaram por entrar com um Recurso Especial, buscando uma solução administrativa para o impasse. Eles tiveram sucesso em sua empreitada, resultando na autorização para a devida realização da escritura. Além disso, essa decisão, com os provimentos mencionados anteriormente, estabeleceu uma jurisprudência sólida que poderia servir de precedente para casos semelhantes no futuro.

      Portanto, diante das análises dos provimentos normativos dos tribunais e corregedorias, é de notável compreensão uma tendência de flexibilização para o processo de inventário extrajudicial quando há testamento, visando assim uma desburocratização do procedimento, pois com a autorização judicial permite-se a possibilidade de se cumprir o inventário e partilha nos casos em que existe testamento.

      Da mesma forma, o Recurso Especial n.° 1808767 traz uma jurisprudência consolidada, reforçando essa abordagem ao conceder sucesso às solicitações similares, sendo estabelecido um precedente robusto e determinado para situações semelhantes que venham a ocorrer. Assim, visa promover uma celeridade processual e também um alívio na sobrecarga do judiciário.

      3.2. A crescente aceitação dos tribunais brasileiros para a realização de inventários extrajudiciais

      No cenário jurídico brasileiro, a opinião do Ministro Luis Felipe Salomão, que trata sobre a possibilidade de inventário extrajudicial, tem ganhado destaque.Vale ressaltar a opinião expressa:

      Não existindo litígio ou conflito de interesses, sendo todas as partes maiores e capazes, nada mais justifica, pois, que tais questões continuem a ser levadas ao Poder Judiciário, que, na maioria desses casos, terá sua função limitada a mero papel homologatório, de chancelar aquilo que já foi decidido pela livre vontade das partes” (Figueiredo, Ob.cit., p.90)

      O trecho supracitado possibilita a ponderação sobre a dispensabilidade da intervenção do Poder Judiciário em casos onde não há disputa, conflito de interesses, e as partes são plenamente capazes. Nesses Cenários, o papel do Judiciário seria meramente homologatório e a via administrativa nesses casos seria de grande valia, pois proporcionaria uma resolução mais eficiente e econômica, sem excessiva burocracia e com economia de tempo, principalmente para os casos em que há a existência de testamento.

      A decisão proferida no Resp. nº 1808767, pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, foi de grande valia para um entendimento mais sólido acerca do assunto, tendo em vista que rebate a literalidade do artigo 610 e o engessamento do legislador que parte do pressuposto que o simples fato de existir testamento, significaria a existência de litígio entre as partes, o que é uma falsa premissa, como podemos observar no caso em questão.

      Além disso, a Corregedoria Geral de Justiça do Rio Grande do Norte, através do provimento nº 197, de 03 de fevereiro de 2020, com o objetivo de acelerar o andamento dos processos e introduzir mudanças no procedimento de Inventário Extrajudicial quando envolve um testamento, abriu a possibilidade de conduzir essa questão de forma administrativa, desde que o testamento seja analisado previamente por um juiz competente.

      Corroborando com os entendimentos acima expostos, a causa tem apoio nos seguintes enunciados, conforme relatório e voto do caso:

      Enunciado nº 600 da VII Jornada de Direito Civil do CJF:

      Após registrado judicialmente o testamento e sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial.

      Enunciado nº 77 da I Jornada de sobre Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios:

      Havendo registro ou expressa autorização do juízo sucessório competente, nos autos do procedimento de abertura de testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes, o inventário e partilha poderão ser feitos por escritura pública, mediante acordo dos interessados, como forma de pôr fim ao procedimento judicial.

      Enunciado nº 51 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF:

      Havendo registro judicial ou autorização expressa do juízo sucessório competente, nos autos do procedimento de abertura, registro e cumprimento de testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes, poderão ser feitos o inventário e a partilha por escritura Documento: 1876717 – Inteiro Teor do Acórdão – Site Certificado – Dje: 03/12/2019 Página 15 de 5 Superior Tribunal de Justiça Pública.

      Enunciado nº 16 do IBDFAM:

      Mesmo quando houver testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial.

      Diante do exposto e respaldado pela jurisprudência apresentada e pelos enunciados e provimentos que a reforça, fica evidente que a realização de inventários extrajudiciais, mesmo quando existe testamento, está ganhando terreno nos tribunais.

      A Decisão proferida no Resp. nº 1808767, pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça do RJ, os enunciados e provimentos expostos demonstram um alinhamento cada vez maior com essa tendência de flexibilização. Com as jurisprudências como respaldo, é notável que os tribunais estão trilhando um caminho que busca simplificar procedimentos, desafogar o Judiciário e, ao mesmo tempo, garantir que a vontade do falecido seja respeitada, cumprindo, assim, os anseios da justiça de forma eficaz e eficiente.

      CONSIDERAÇÕES FINAIS

      Desse modo, é evidente que está ocorrendo uma inclinação em direção à flexibilização dos procedimentos de inventários extrajudiciais, mesmo quando há testamento deixado pelo falecido, fazendo com que o presente trabalho discuta os limites da possibilidade de cumprimento de testamento pela via extrajudicial.

      Atualmente, esse inventário extrajudicial com a existência de testamento é possível desde que haja a devida autorização de um magistrado competente.

      Nas obras científicas apresentadas, foi observado uma abordagem favorável ao cumprimento de testamento pela via extrajudicial, em suma, a crescente tendência de flexibilização nos procedimentos de inventários extrajudiciais, mesmo na presença de testamento, representa um importante avanço no sistema jurídico que caminha para desburocratizar ainda mais o procedimento, de modo a viabilizar que o mesmo ocorra pela via administrativa mesmo sem a autorização do magistrado. Além de agilizar e simplificar o processo sucessório, tal abordagem alinha-se às necessidades das partes envolvidas, proporcionando-lhes maior celeridade e eficiência na resolução de suas demandas.

      Por outro lado, considerando um ponto desfavorável seria considerar a literalidade do artigo 610 do CPC, que condiciona o procedimento extrajudicial à inexistência de testamento, como pode ser observado no Recurso Especial n°1808767, onde fica evidenciado uma interpretação restritiva desse requisito legal pelos magistrados.

      Ademais, essa prática contribui substancialmente para a desobstrução dos tribunais, aliviando a carga de trabalho do Poder Judiciário e permitindo que ele concentre seus esforços em questões mais complexas, como as que envolvem litígios, por exemplo.

      Portanto, a presente pesquisa visa contribuir para o debate e discussão para a melhoria desse sistema e a flexibilização no âmbito dos inventários extrajudiciais, quando atende todos os requisitos legais e tem como único óbice a existência de testamento, é um passo promissor rumo a uma justiça mais ágil e acessível.

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      1 Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. Email:

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