TERMINALITY IN CHILDHOOD: NURSE’S APPROACH TO THE BEREAVED FAMILY
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202506051012
Gabriela Cunha Martins1
Fernanda Gava Salcher2
Resumo
A terminalidade na infância é um tema delicado e desafiador para os profissionais da área da saúde. Este estudo teve como objetivo identificar as abordagens que o enfermeiro pode adotar no acolhimento da família diante da morte infantil. Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, com a coleta de dados realizada nas bases de dados SCIELO, LILACS e BVS. Após a aplicação dos critérios de seleção, seis artigos compuseram a amostra final. Ao final do processo de revisão, os artigos identificaram as principais abordagens realizadas pela equipe de enfermagem e o papel do enfermeiro nesse processo, e as principais ações para uma assistência humanizada no fim de vida de uma criança. Conclui-se que a terminalidade infantil é um processo profundamente doloroso para a criança, para seus familiares e para a equipe de saúde. Contudo, quando o cuidado ultrapassa os aspectos físicos e se estende à assistência emocional, social e espiritual, abrangendo todos os envolvidos, é possível que esse momento se torne menos traumático e mais acolhedor.
Palavras-chave: Enfermagem pediátrica. Cuidado de enfermagem. Morte. Luto.
1 INTRODUÇÃO
A terminalidade na infância é um tema difícil de ser abordado, pois envolve aspectos emocionais complexos de serem elaborados tanto pela família quanto pelos profissionais envolvidos no processo. O processo de fim de vida em pacientes pediátricos é um desafio para os profissionais da enfermagem, visto que o desejo é oferecer um cuidado humanizado, do qual foque na escuta, no acolhimento e apoio à família, porém, esse cuidado integral por vezes mostra-se um desafio durante o cuidado. A partir do sofrimento da dor da perda, o enfermeiro deve ser o profissional capaz de atuar com sensibilidade, empatia e competência, identificando as singularidades de cada processo de fim de vida, e orientar a equipe para prestar o melhor atendimento possível para cada família (ALBUQUERQUE et al., 2024; ANJOS, 2022).
Neste contexto, proporcionar qualidade de vida, alívio do sofrimento e prestar um suporte emocional, espiritual e social para a criança e sua família é o objetivo dos cuidados paliativos pediátricos, ou seja, prestar um cuidado integral a todos os envolvidos no processo de terminalidade. Dessa forma, a atuação do enfermeiro ultrapassa o cuidado somente físico e se estende ao cuidado mais subjetivo, focando na escuta ativa e suporte à família enlutada (SOARES et al., 2020; ANJOS, 2022; REIS et al., 2021).
Estratégias como a comunicação assertiva e acolhedora, respeito às crenças espirituais e culturais, e o enfermeiro como figura central de apoio durante e após a terminalidade são essenciais para um processo de morte menos traumático. Nesse cenário, a enfermagem mostra-se essencial para uma assistência de qualidade, pois ela que proporciona o acolhimento necessário às famílias diante da perda de um filho (CAIRES et al., 2024; ANJOS, 2022; ALBUQUERQUE et al., 2024).
A investigação dessa temática surgiu a partir da vivência prática no ambiente hospitalar pediátrico, observando as complexidades que envolvem o cuidado diante do fim de vida. A experiência de acompanhar famílias enlutadas desperta o desejo de compreender mais profundamente o papel do enfermeiro nesse processo tão desafiador. Sendo assim, tem-se a questão norteadora: Quais abordagens o enfermeiro pode adotar para acolher e apoiar famílias enlutadas diante da morte na infância?
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 CRIANÇA
Segundo Piaget (1999), o conceito de “criança” caracteriza-se pelo egocentrismo intenso, ou seja, a criança não distingue o pensamento da matéria, causando confusão entre o meio interno e externo, acreditando em uma única realidade. Piaget (1999) discute os estágios do desenvolvimento infantil, categorizando-os em quatro fases, sendo eles: sensório-motor, pré-operacional, operacional concreto e operações formais (SCHIRMANN et al., 2019).
O desenvolvimento inicia após o nascimento, quando o bebê entra em contato com o meio externo, iniciando a percepção de si, dos objetos e estímulos ao seu redor, introduzindo a noção de corpo e movimento. Essa fase de sensório-motora será o momento de união entre ação mental e física, com o intuito de alcançar os objetivos, como também ter a percepção dos objetos e das pessoas que o cercam. Após, inicia- se o período pré-operacional, surgindo entre dois a sete anos. Nessa fase, o egocentrismo ainda é fortemente presente, causando conceitos confusos, que estão em constante adaptação e construção de ideias lógicas (SCHIRMANN et al., 2019).
As operações concretas, terceira fase de desenvolvimento, surgem entre sete e doze anos, evoluindo de pensamentos egocêntricos para a racionalização do pensamento, desenvolvendo de forma evolutiva o raciocínio, assimilando e diferenciando os sentimentos de outras pessoas aos seus. Por fim, o último estágio, classificado como operações formais, acontece a partir dos doze anos, desenvolve- se com o raciocínio hipotético-dedutivo, sendo responsável por promover a capacidade de solucionar problemas cotidianos, como também ter consciência da razão. Nessa fase ocorre o processo de busca pela identidade, autonomia pessoal e desenvolvimento da personalidade. Dessa forma, cada fase de desenvolvimento, a criança elabora um mundo novo, outras formas de percepção de si mesmo e das pessoas ao seu redor, fazendo esse amadurecimento contribuir para a construção de sua identidade e compreensão emocional (SCHIRMANN et al., 2019).
2.2 TERMINALIDADE NA INFÂNCIA
O conceito de terminalidade da vida é um tema que ainda gera resistência e que, ao longo da história ocidental, vem sendo continuamente modificada ao longo do tempo. No contexto contemporâneo, a relutância sobre o assunto é ainda maior quando relacionado a morte na infância, causando desconforto tanto para familiares quanto para os profissionais da saúde. Dessa forma, a morte de crianças, na sociedade atual, não é discutida, pois é vista como um evento trágico e imprevisto, causando ainda mais comoção (ALENCAR et al.,2022).
A terminalidade na infância pode ser definida como o momento em que as possibilidades de cura para uma doença tornam-se escassas e a morte se apresenta como algo inevitável. Nesse estágio, os cuidados serão focados na qualidade de vida da criança, e no suporte emocional à família. Com isso, os profissionais da saúde e, principalmente, os enfermeiros, precisam de habilidade para trabalhar as intensas emoções que surgirão por parte da criança, da família e da própria equipe envolvida no cuidado, devendo o enfermeiro proporcionar acolhimento e suporte (CAMPONOGARA et al., 2020; SOUSA & REIS, 2019).
Ao discutir sobre “criança”, é importante ressaltar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que define “criança” como toda a pessoa de até 12 anos incompletos. Essa definição traz elementos significativos, visto que o desenvolvimento da criança é relacionado a fases que compreende o momento do amadurecimento cognitivo, auxiliando na compreensão da morte e da própria finitude. Logo, as experiências com a morte podem ser vivenciadas ao longo da infância, com a perda de pessoas próximas ou o enfrentamento de doenças graves. Por isso, o enfermeiro em conjunto com a família, devem encontrar formas adequadas de comunicação e apoio a criança que se depara com momentos de extrema vulnerabilidade. Portanto, negar a realidade da finitude pode aumentar o sofrimento e confusão na criança (SOUSA & REIS, 2019; ALENCAR et al.,2022).
2.3 CUIDADOS PALIATIVOS EM PEDIATRIA
Os cuidados paliativos são definidos com um conjunto de cuidados que englobam uma assistência integral, destinados ao enfrentamento de doenças graves e incuráveis, em fase avançada e progressiva (Assembleia da República, 2012 apud Manco, 2023). Seu objetivo principal é proporcionar qualidade de vida para o doente, família e cuidadores, através do reconhecimento dos principais problemas no âmbito físico, social, espiritual e psicológico. Dessa forma, os cuidados começam a partir da avaliação integral do paciente e família, incluindo uma abordagem que se estrutura através do respeito com os objetivos e prioridades do enfermo, sem a intenção de prolongar ou retardar o processo de morte, como também, visar no suporte durante o processo de luto à família (MANCO, 2023).
No contexto de cuidados paliativos pediátricos, a assistência dos cuidados estará voltada ao alívio do sofrimento em suas variadas formas, como também o apoio e suporte à família, visto que são figuras importantes no processo de cuidado. Os cuidados prestados iniciam desde o diagnóstico da doença, possibilitando um tratamento seguro e de qualidade, através de atividades recreativas de acordo com a idade, proporcionando uma vida plena, adequada a capacidade da criança e de acordo com cada fase do processo de morte, objetivando incluí-la na sociedade sempre que possível (MANCO, 2023).
Quando o curso da doença avança e os cuidados paliativos são introduzidos, comumente os pais entram em estado de negação, intensificando o sofrimento dos envolvidos, gerando medos e incertezas inclusive na própria criança. Por isso, a comunicação assertiva e adaptada são elementos importantes que o enfermeiro deve desempenhar para intermediar a inclusão desses cuidados. A compreensão da criança vai depender da faixa etária, portanto, o envolvimento da equipe multiprofissional será necessário para garantir uma abordagem clara e compreensiva, facilitando a adesão ao tratamento (HERNANDES et al., 2021).
2.4 O PAPEL DO ENFERMEIRO NA TERMINALIDADE INFANTIL
No processo de morte e morrer na infância, o enfermeiro desempenha um papel essencial no suporte à criança e à família. Esse profissional será o responsável por garantir o apoio à família e paciente, prestando orientação sobre cada fase, salientando o processo natural desse momento e auxiliando a encontrar sentido no processo de morte, prevenindo dessa forma os possíveis processos de luto patológico posteriormente. Nesse contexto, a comunicação estabelecida pelo enfermeiro será fundamental para garantir um cuidado integral, com foco nas necessidades da criança e dos familiares (FERREIRA, 2022).
Para a efetivação dos cuidados paliativos no contexto de fim de vida, a integralidade dos cuidados envolve tanto aspectos biopsicossociais como espirituais, portanto, cabe ao enfermeiro promover, garantir e envolver esses aspectos no cuidado. Estudos relatam a importância do enfermeiro no auxílio da transição dos eventos de fim de vida. As orientações realizadas permitem ao familiar minimizar os efeitos de stress pós-traumáticos possíveis de acontecer no período de luto, como também prevenir a possibilidade de desenvolvimento de luto patológico. Segundo algumas literaturas, o luto patológico é o desenvolvimento de sintomatologias após a perda de um ente querido que compreende um período maior que 12 meses, entretanto, esse quadro deverá ser investigado de acordo com cada pessoa, visto que o seu diagnóstico dependerá da clínica do enlutado (ZANOTTO, 2021).
Portanto, o enfermeiro deve estar atento a necessidade de suporte emocional e espiritual, que pode ser prestado pela equipe multidisciplinar, sendo está uma importante intervenção. Estudos demonstram a importância da religiosidade na promoção de cuidados, auxiliando paciente e família nos momentos mais desafiadores. Dessa forma, um ambiente que propicie e incentive as práticas religiosas, através de orações e rituais pertinentes a cada religião e de acordo com os desejos da família, auxilia significativamente na diminuição da ansiedade e no entendimento do processo de morte que estão inseridos. Os profissionais introduzidos nesse contexto devem estar providos de simpatia, amor, compaixão, carinho e dedicação, visando sempre o bem-estar e priorizando o conforto daqueles que esperam o fim da vida, assim como os familiares que os acompanham (VERRI et al., 2019; FERREIRA, 2022).
2.4.1 Desafios e Estratégias para os Profissionais de Enfermagem
Assim como os familiares e pacientes necessitam de suporte para o enfrentamento de momentos desafiadores como a morte, os profissionais da enfermagem devem buscar estratégias para superar e elaborar a morte infantil da mesma forma. Uma das ferramentas utilizadas no confronto da terminalidade é a resiliência, que se mostra como uma importante habilidade desenvolvida durante o desempenho das atribuições do enfermeiro. A resiliência trata-se da capacidade em se adaptar, enfrentar e superar fatalidades que possam vir a surgir no ambiente profissional como na vida em modo geral. Essa perspectiva auxilia no gerenciamento das emoções, possibilitando o equilíbrio emocional. Contudo, estudos mostram que o desenvolvimento da resiliência é alcançável através do apoio entre profissionais, assim como a busca da espiritualidade, tornando-se um suporte fundamental na elaboração da terminalidade na infância, como também para o crescimento pessoal e profissional (ANDRADE, CUNHA & BIONDO, 2020).
Por outro lado, a “armadura” que muitos profissionais criam pode ser percebida como distanciamento, frieza e insensibilidade, prejudicando o crescimento profissional e pessoal e afetando diretamente a qualidade do cuidado ao paciente no fim da vida. Em contrapartida, estudos mostram que o convívio extenso e rotineiro dos profissionais de enfermagem com os pacientes leva ao estabelecimento de um vínculo afetivo inevitável, o que é ainda mais evidente na pediatria. Assim, os impactos da morte de uma criança para esses profissionais são especialmente agravantes, como se estivessem perdendo um ente querido. Durante o processo de luto, é comum observar entre os profissionais mecanismos de defesa, como a negação e o afastamento do tema, que são formas de evitar o acompanhamento do sofrimento dos pacientes (SOUSA & REIS, 2019; CAMPONOGARA et al., 2020)
Nesse contexto, a forma de enfrentamento adotada pelos profissionais que trabalham diretamente com paciente em cuidados paliativos é crucial, principalmente, pelo cotidiano desafiador que muitos vivenciam. Esses profissionais estão diariamente em circunstâncias e momentos de sofrimento, medo, dor e revolta, demonstrada e manifestada pelos pacientes e familiares, fazendo com que essas situações influenciem diretamente na vida profissional e pessoal da equipe. A exposição constante ao sofrimento, mortes repentinas e frequentes, como as dificuldades na comunicação com os pacientes e familiares diante de perguntas difíceis, transformam cada vez mais momentos simples em desafios que causam estresse emocional. Gerando assim, uma sobrecarga emocional e dificultando o desempenho das funções (VERRI et al., 2019).
Portanto, as estratégias estabelecidas para encarar esses momentos são fundamentais, visto que a necessidade de manter o emocional saudável influencia diretamente no cuidado. O início do enfrentamento e caracterização das estratégias devem identificar e focar no principal fator estressor, e dessa forma expor à equipe para que o trabalho na busca de soluções seja feito em conjunto. Outro importante ponto estratégico é buscar fora do ambiente de trabalho situações que auxiliarão no regulamento das emoções, como a religião, o apoio de familiares e de amigos. Esses fatores desempenham um papel importante no enfrentamento das emoções geradas no ambiente de trabalho (VERRI et al., 2019).
2.5 O PROCESSO DE LUTO INFANTIL
A elaboração do luto, por vezes, inicia-se com a descoberta da doença, sendo necessário o olhar do enfermeiro não somente para a criança, mas também aos seus familiares. A enfermagem tem o papel de oferecer suporte emocional, psicossocial e espiritual durante todo o andamento do tratamento até o fim da vida, podendo este levar anos. Por isso, o acolhimento e auxílio a família no processo de terminalidade é tão importante na assistência, e esse amparo deve ser empático e respeitoso com a história de vida da criança e família (ANDRADE, CUNHA & BIONDO, 2020; HERNANDES et al., 2021).
Nesse contexto, os profissionais de enfermagem, dependendo do local de atuação, experienciam repetidamente situações de morte durante sua carreira, e as reações relacionadas a morte são variadas. Observa-se aqueles que choram, alguns se afastam da situação, outros se questionam sobre o porquê da finitude da vida e outros criam processo de defesa, tentando não se envolver com a situação e assim evitando criar laços com os pacientes. Estudos mostram que profissionais que adoecem na área da pediatria possuem certas particularidades que propiciam o seu adoecimento, como, os laços fortes e o envolvimento extremo com o paciente e familiares, como também o afastamento dos colegas de trabalho e baixa autoestima profissional, essas são questões que impulsionam o seu adoecimento diante da morte infantil, visto que a morte nesse cenário é encarada como uma derrota na profissão (SOUSA & REIS, 2019).
2.6 O ACOLHIMENTO À FAMÍLIA ENLUTADA
Quando uma família recebe o diagnóstico de uma doença terminal ou incurável, juntamente com a notícia vem as emoções e sentimentos, pouco experenciados anteriormente, como o desespero, a tristeza, a depressão, entre outros. Essas emoções são vivenciadas de forma antecipada ao luto, se apresentando de modo singular em cada pessoa, visto que está atrelado as experiências afetivas, culturais e sociais que envolvem o ser humano, marcando a forma como o processo de luto irá se desenvolver. Estruturar o processo de morte é algo muito complexo, principalmente, nos familiares onde há uma luta interna sobrea vontade absurda em manter a criança viva, como também em deixar seguir o curso da doença e enfim a morte, por isso a vontade de preservar a vida entra em conflito direto com a certeza da morte (CAIRES et al., 2024).
Durante esse processo, há uma necessidade da família em narrar a vida e morte dos filhos, os rituais, os sentimentos vivenciados, as lembranças e, todos esses pontos tornam-se diálogos em que o enfermeiro tem papel fundamental no auxílio à pessoa enlutada, através da empatia, escuta e diálogo. Esses cuidados podem ser identificados antes do luto, proporcionando durante o luto cuidados mais específicos para cada familiar, entendendo que o processo de luto é singular e individual, cada pessoa irá reagir de uma forma, e cabe ao enfermeiro identificar com antecedência o melhor modo de intervenção que irá apoiar a família. Por isso a importância do vínculo com o familiar, possibilitando ao enfermeiro realizar um cuidado humanizado do início do tratamento até o fim (CARMO et al., 2020).
O luto é um processo singular, que compreende fatores muito importantes para o entendimento da perda, e o enfermeiro precisa estar atento a sinais relacionados a como os familiares sentem a perda, o quão estão preparados para isso, como e em quais circunstâncias ocorrerá a morte, a história pessoal, como também o apoio emocional e o vínculo com quem morreu. As conexões de apoio que muitas vezes são desenvolvidos e fomentados durante o processo de luto auxiliam na capacidade do enlutado a desenvolver resiliência, prevenindo complicações importantes durante o luto. Por isso a importância do cuidado de enfermagem aos familiares antes e após o processo de morte, contribuindo com a escuta acolhedora, com o intuito dos enlutados expressarem seus sentimentos em relação a perda (CARMO et al., 2020).
2.7 HUMANIZAÇÃO DO CUIDADO NO CONTEXTO DA MORTE INFANTIL
No processo de cuidado de um paciente terminal, a família torna-se parte indissociável, estando interligados na estrutura de cuidados da criança. Dessa forma, a empatia desenvolvida durante o cuidado permite ao profissional estabelecer um vínculo com a família, tornando-se um apoio durante todo o processo e acompanhando de perto todas as preocupações e angústias vividas. Por isso, a importância do equilíbrio que o profissional deve desenvolver durante o cuidado é fundamental para manter a saúde emocional. Ainda assim, o desenvolvimento da empatia e compaixão na prática de enfermagem garante um cuidado humanizado, possibilitando uma finitude menos traumatizante, para todos os envolvidos no processo, seja ele, paciente, família e profissional. O cuidado humanizado preza pela assistência com mais conforto tornando um momento tão difícil o mais sereno possível (ANDRADE, CUNHA & BIONDO, 2020).
Além disso, para que o cuidado prestado seja o mais humano possível, usar das tecnologias aliadas ao conhecimento técnico-científico de qualidade, auxilia no processo de cuidado, tornando-o o mais terapêutico, como também holístico, contemplando o cuidado de forma integral e humanizada. Diante disso, o cuidado integral abrange a família como elementos essenciais no cuidado, visto a importância da participação e cuidado (FERREIRA, 2022).
2.8 A MORTE INFANTIL E O SISTEMA DE SAÚDE E ENSINO
A iminência da morte, traz à tona incertezas e medos durante o cuidado de crianças terminais, provocando na equipe de enfermagem sentimentos como frustração, assim como os questionamentos internos sobre a real capacidade de suas habilidades. E essas questões estão presentes no cotidiano profissional devido à falta de preparação profissional, haja vista que a formação curricular não prepara os profissionais para o cuidado com a terminalidade, presente na prática profissional, encontrando dificuldade para expressar e dialogar sobre o processo de morte e morrer, principalmente de pacientes pediátricos (ANDRADE, CUNHA & BIONDO, 2020).
Portanto, a reformulação da grade curricular dos cursos de saúde deveriam ser um ponto a ser discutido e melhorado, pois sua ausência inclusive na literatura é notável. Precisamos descentralizar o cuidado voltado somente na cura ou reabilitação da doença, incorporando o cuidado integral, incluindo aqueles no final devida. Estudos voltados aos cuidados de pacientes terminais com foco no cuidado à família, seria um instrumento importantíssimo ao profissional que executa esse cuidado, sendo um auxílio para o profissional ao enfrentamento da perda, elaboração do luto e assistência a família (CASTRO, TAQUETTE & MARQUES, 2021).
3 METODOLOGIA
O presente estudo abordou uma revisão integrativa (RI) da literatura. Do qual objetivou reunir estudos já realizados que vieram de acordo com a questão norteadora. A questão norteadora para a temática escolhida foi “Quais abordagens o enfermeiro pode adotar para acolher e apoiar famílias enlutadas diante da morte na infância?”.
Para a coleta de dados, foi realizada uma busca na literatura nas bases de dados indexadas SCIELO (Scientific Eletronic Library Online), LILACS (Literatura Latino-Americano e do Caribe, em Ciências da Saúde) e BVS (Biblioteca Virtual em Saúde). Os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) para a busca dos artigos foram: Enfermagem Pediátrica, Cuidado de Enfermagem, Morte, Luto. Os critérios de inclusão desta pesquisa foram: estudos originais publicados nos últimos cinco anos, que trataram exclusivamente da temática selecionada e abordaram a questão central do estudo, disponíveis em português, inglês e espanhol. Foram excluídos da análise artigos de revisão, estudos não disponíveis na íntegra, que não exploraram a temática e que não atenderam ao objetivo do estudo, além de textos duplicados ou já incluídos.
Os dados foram avaliados por meio da leitura e análise detalhada, primeiramente dos resumos dos artigos, com o intuito de identificar quais textos respondiam à questão norteadora e após a leitura integral dos artigos selecionados. As informações extraídas foram organizadas em um quadro sinóptico facilitando a visualização e a identificação dos principais dados e estudos. A análise foi conduzida visando compreender as informações obtidas a fim de descobrir se atingiram o objetivo proposto e se responderam à questão central do estudo.
Os resultados do presente estudo foram descritos com o intuito de avaliar a aplicabilidade da revisão conduzida.
Por se tratar de uma revisão integrativa da literatura, esta pesquisa não necessitou de submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa, de acordo com a Resolução 466/2012 e a Lei nº 14.874/2024 para Pesquisa com Seres Humanos. No entanto, todas as normas éticas foram rigorosamente respeitadas, principalmente no que se refere a veracidade das informações e à devida citação e referência de todos os autores de artigos analisados.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
De acordo com as buscas nas bases de dados BVS, SCIELO e LILACS, foram encontrados 1.836.170 artigos relacionados aos descritores Enfermagem Pediátrica, Cuidado de Enfermagem, Morte e Luto. Após a aplicação dos filtros, foram excluídos 1.702.024 artigos que não se encaixavam dentro dos fatores de inclusão da pesquisa, restando 134.146 artigos. Após a leitura dos títulos e dos resumos dos artigos, foram excluídos mais 134.140 artigos que não abordavam a temática específica, artigos duplicados, que não se enquadravam na questão norteadora proposta ou não atendiam ao objetivo, restando 06 artigos para a realização do estudo, sendo 01 artigo da base de dados BVS, 01 artigo da base de dados SCIELO e 04 artigos da base de dados LILACS (Figura 1).
Figura 1: Fluxograma das publicações encontradas nas bases de dados.

Ao término do processo de revisão foram encontrados nos artigos as principais formas de abordagens à família relacionadas ao processo de terminalidade infantil, assim como o papel do enfermeiro nesse momento. Esses artigos estão apresentados no quadro 1, a seguir.
Quadro 1 – Síntese dos principais achados sobre Terminalidade na infância: abordagem do enfermeiro em relação a família enlutada, Caxias do Sul – RS, 2025.
N | Autores (Ano) | Objetivos | Resultados |
1 | ALBUQUERQUE et al., (2023) | Compreender as expectativas das famílias frente às necessidades de cuidado de crianças elegíveis para cuidados paliativos. | Os sentimentos de esperança e apreensão, assim como os desafios da distância e a dificuldade na aceitação são vivenciados pelos familiares. Mostrando a espiritualidade e a comunicação dos profissionais essenciais no enfrentamento. Portanto, estratégias que minimizem os impactos e garantam a melhor qualidade de vida possível torna-se fundamental nesse processo. |
2 | ANJOS (2022) | Compreender a percepção da família da criança com câncer em cuidados paliativos exclusivos no centro de terapia intensiva pediátrica oncológica. | A progressão da doença sem cura e a transição para cuidados paliativos geram tristeza, impotência e esperança na religiosidade. A comunicação falha da equipe impacta a compreensão do processo, destacando a necessidade de suporte e acolhimento eficaz às famílias. |
3 | CAIRES et al., (2024) | Investigar o modo como os pais experienciam a fase terminal e fim de vida do filho com câncer para melhor compreender os processos psicoemocionais experienciados por esses pais diante da cronicidade da doença e da morte do filho. | O estudo evidencia a intensa carga emocional dos pais de crianças em fase terminal de câncer marcada por sofrimento, desestruturação familiar e conflitos internos, como alívio e culpa. Profissionais apontam dificuldades em lidar com a deterioração da criança, comunicar a gravidade da doença e enfrentar o luto. |
4 | REIS et al., (2021) | Compreender os significados atribuídos por pais enlutados às suas experiências diante da perda do filho e aos cuidados desempenhados pela equipe de saúde. | Há uma importante necessidade de preparação profissional para lidar om o luto parental, como também a comunicação e acolhimento, o impacto emocional dos profissionais e apoio às famílias e equipe. Portanto, a humanização do atendimento, o respeito aos rituais de despedida e programas institucionais são primordiais nesse momento. |
5 | SOARES et al., (2020) | Descrever as experiências vivenciadas pelas mães frente à morte do filho. | O acolhimento humanizado, fortalecimento da rede de apoio e estímulo a resiliência são essenciais diante da morte de um filho. E ações criativas e holísticas na enfermagem são necessárias. |
6 | TRONCOSO, ROMERO & SCHNAKE (2020) | Refletir sobre o valor da dignidade humana a partir de revisão do caso de uma menina em fase terminal. | O respeito a dignidade, autonomia e uma abordagem ética, priorizando o bem-estar são fundamentais, além da capacitação dos profissionais relacionados a ética, comunicação e manejo do luto. |
Com base nos artigos selecionados para esse estudo, foi possível elencar três categorias analíticas, de acordo com o tema central dos mesmos: Espiritualidade e apoio emocional: O cuidado além da ciência na terminalidade infantil, Comunicação no fim da vida: clareza e sensibilidade no cuidado paliativo infantil, O enfermeiro como pilar da família: apoio e cuidado na terminalidade infantil.
4.1 Espiritualidade e apoio emocional: O cuidado além da ciência na terminalidade infantil.
Crianças e adolescentes acolhidos pelos cuidados paliativos pediátricos são aquelas em que a possibilidade de cura é limitada, assim como a expectativa de vida. Nesses casos, os cuidados voltamse para o corpo, à mente e ao espírito, incluindo também toda a família nesse cuidado. Refere-se a uma atenção prestada por uma equipe multidisciplinar, tanto no domicílio quanto no hospital. O foco vai além do controle da dor e dos sintomas físicos: há também o suporte psicoemocional, social e espiritual, oferecido desde o diagnóstico até o fim da vida. Portanto, garantir que a criança e seus familiares tenham apoio emocional e psicológico, direcionado ao alívio da dor, deve ser um dos aspectos mais importantes a ser focado (CAIRES et al., 2024; ANJOS, 2022).
Segundo Caires et al. (2024), os pais de crianças em terminalidade vivenciam intensamente os estágios emocionais do luto, sendo eles – negação, raiva, negociação, depressão e aceitação – podendo se sobrepor ou variar com o tempo. Diante da proximidade da morte, muitos encontram força, coragem e serenidade na espiritualidade, na religião ou em filosofias de vida, buscando sentido em meio à dor de ver o filho partir sem poder alterar o desfecho da doença.
Ainda que o quadro clínico seja grave, muitos familiares mantêm a esperança da cura, frequentemente associando essa expectativa a crenças religiosas. De acordo com Albuquerque et al. (2024) e Anjos (2022), essa esperança pode ser compreendida como uma forma de negação — um mecanismo que ajuda a filtrar informações dolorosas e reforça pensamentos positivos diante de uma realidade tão difícil. Lembranças de um tempo em que a criança estava saudável auxiliam emocionalmente contra o sofrimento, mesmo quando o diagnóstico aponta para um fim inevitável. A resiliência e a fé são estratégias muito presentes nesse enfrentamento. As famílias frequentemente acreditam na possibilidade de um milagre ou intervenção divina, atribuindo à Deus tanto a causa quanto a superação da doença. A religiosidade, nesses casos, transforma-se em apoio emocional, social e espiritual, fortalecendo a capacidade da família de acompanhar a criança durante esse processo. Por isso, respeitar os princípios éticos, assim como a espiritualidade e crenças religiosas são essenciais, como também através do prognóstico pode haver uma orientação para a equipe nas tomadas de decisões dos quais respeitem os valores e desejos de todos os envolvidos no processo.
Schuelke, et al. (2021, apud ALBUQUERQUE et al., 2024) alertam para a dor espiritual — aquela que, embora invisível e difícil de mensurar, está presente em áreas ocultas e precisa ser reconhecida e acolhida. Estudos reforçam que a espiritualidade, a religião e a esperança influenciam diretamente na forma como os familiares lidam com a iminência da morte da criança. Esses valores pessoais e crenças muitas vezes têm mais impacto nas expectativas do que as informações técnicas fornecidas pela equipe médica. Nesse contexto, é essencial para o processo de adoecimento da criança, valorizar de forma sincera as experiências dos familiares antes e durante o processo de morte. Visto que cada pessoa é única e sua forma de expressar seus sentimentos relativos ao luto e sofrimento estão diretamente ligados às vivências, crenças e trajetória pessoal (ANJOS, 2022).
Diante da impotência frente à doença, muitos pais relatam que acreditar em um ser superior — cujo poder sobrepõe o da medicina — oferece consolo e mantém viva a esperança. A espiritualidade, nesse contexto, nem sempre está ligada à religião, mas à busca por sentido diante da experiência da perda. No pós-morte, o luto é marcado por profundas dificuldades emocionais (ALBUQUERQUE et al., 2024). Caires et al. (2024) observam que muitos pais relatam sentimentos de anestesia emocional, fruto da negação da perda. Outros descrevem ambivalência: o alívio por ver cessar o sofrimento do filho, misturado à culpa por sentir esse alívio. Esse conflito emocional intensifica o sofrimento e se soma à dúvida sobre onde a criança deveria morrer — em casa, conforme seu desejo, ou no hospital, cercada da equipe que acompanhou todo o processo.
A morte nunca é um momento fácil — e, quando envolve uma criança, torna-se ainda mais delicado. Não apenas as famílias se sentem despreparadas, mas também os próprios profissionais. Apesar disso, ao longo do processo, vínculos profundos são criados. Mesmo que nem sempre saibam como lidar com a morte em si, muitos conseguem tornar esse caminho menos doloroso para a criança e seus familiares. Através da escuta, da realização de pequenos desejos, do respeito à espiritualidade e das conversas sinceras, é possível oferecer um cuidado que vai além da técnica. Ainda há muito a ser aperfeiçoado, mas dentro das limitações emocionais de cada um o melhor é feito – e isso, por si só, tem grande valor.
4.2 Comunicação no fim da vida: clareza e sensibilidade no cuidado paliativo infantil.
Para falar sobre cuidado paliativo pediátrico se faz necessário uma comunicação clara entre os profissionais da saúde, os pacientes e familiares. Isso porque é comum haver dificuldade em reconhecer a situação delicada que se encontra o ente querido, como também a complexidade em lidar com os próprios sentimentos de dor e perda. Por isso, é fundamental que ocorra transparência e empatia nas informações relacionadas ao estado clínico e prognóstico do paciente, como também ter certeza de que essas informações foram compreendidas pelos familiares. Neste contexto, uma comunicação adaptada auxilia a família a compreender melhor a realidade como também sentir-se preparada para enfrentar a situação. Quando a criança é maior e já tem algum entendimento sobre o que está acontecendo, ela precisa ser incluída no processo de forma adequada a idade e maturidade, portanto deve ser informada sobre a sua condição atual de acordo com os limites de compreensão. E para isso, é necessário ofertar espaços de escuta e acolhimento para que a criança possa expressar seus sentimentos, fortalecendo assim o vínculo com a equipe (ANJOS, 2022; ALBUQUERQUE et al., 2024).
Apesar de toda importância sobre uma comunicação clara e assertiva, ainda existem profissionais que possuem dificuldades em comunicar diagnósticos graves, e isso ocorre principalmente com aqueles que não possuem formação específica em cuidados paliativos. E essas dificuldades aparecem por vezes na primeira consulta, quando a família deveria receber a informação de forma sensível e cuidadosa sobre o prognóstico da criança. Por isso, comunicar más notícias, torna-se uma tarefa desafiadora na área da saúde, principalmente porque pode afetar profundamente a forma como essa família e o próprio paciente irá enfrentar a enfermidade. Portanto, uma abordagem franca e empática, refere-se além da simples explicação da doença. É necessário um acolhimento dos sentimentos que surgem, e para tal é essencial sensibilidade por parte dos profissionais (ANJOS, 2022; SOARES et al., 2020).
Durante a comunicação as diferentes interpretações entre os familiares podem gerar dificuldades durante o processo de luto, principalmente quando essa comunicação não é clara. Além disso, a comunicação de más notícias envolve aspectos éticos podendo promover intenso sofrimento emocional, tanto para os familiares que o recebem como também para quem comunica. Neste contexto, vale ressaltar que a comunicação vai muito além de apenas informar. Comunicar envolve sentimentos, empatia e compreensão mútua. A informação que será transmitida e a forma como é expressa influência de forma direta como essa mensagem será recebida por parte da família (ANJOS, 2022; SOARES et al., 2020).
As informações insuficientes, como também a falta de orientação adequada sobre a doença dificulta diretamente o processo de luto dos pais. O sentimento de impotência e falta de preparo relacionado ao cuidado e sobre o desenvolvimento da doença é um fator relatado por mães que traz intenso sofrimento, já os pais referem dificuldades em entender o quadro clínico da criança visto que não receberam informações claras. Neste sentido, os profissionais da saúde são responsáveis não apenas por passar informações tão frágeis, como também acompanhar os sentimentos que se tornam tão delicados nesse momento. Por isso, o diálogo torna-se tão importante nesse processo, garantindo assim uma morte digna. Pois é através do diálogo que se torna possível reconhecer medos e desejos do paciente, como também avaliar o real benefício do tratamento (REIS et al., 2021;TRONCOSO, ROMERO & SCHNAKE, 2020).
Há relatos de profissionais sobre como os pais apresentam contrariedade ao falar com os filhos sobre a gravidade da doença como também sobre o processo de morte. E nesse sentido, estudos mostram o arrependimento referido pelos pais que não optaram pelo diálogo sincero e claro para com os filhos, fazendo com que estes apresentassem níveis moderados a altos de ansiedade e depressão após a perda. Ou seja, a comunicação torna-se um instrumento indispensável quando feita de modo assertivo, ajudando a adequar expectativas, dar sentido as experiências como também fortalecer os vínculos entre os familiares e equipe de saúde. No entanto, observa-se incoerência entre profissionais, falta de diálogo entre as especialidades e ausência do trabalho em equipe, afetando diretamente famílias e o processo que se encontram (CAIRES et al., 2024; REIS et al., 2021).
Portanto, estudos mostram a importância da capacitação profissional, mas além disso o comprometimento com a comunicação clara e cuidadosa. Sendo está a base dos cuidados paliativos, impactando diretamente no processo de fim de vida, no bem-estar emocional da família, paciente e equipe, como também na qualidade da assistência prestada (ANJOS, 2022; SOARES et al., 2020)
A comunicação é fundamental não apenas para a excelência no atendimento, mas também para o cuidado verdadeiro com o paciente e sua família. Quando se estabelece uma comunicação assertiva — mesmo que difícil em certos momentos — o manejo se torna mais leve, porque os sentimentos são expressos de forma clara e respeitosa. Para os profissionais de enfermagem, isso também é essencial: é necessário receber informações bem transmitidas para que possam ser repassadas com responsabilidade, garantindo assim um cuidado mais empático, humanizado e realmente integral.
4.3 O enfermeiro como pilar da família: apoio e cuidado na terminalidade infantil.
Os cuidados referentes ao processo de fim de vida de crianças vão além do cuidado físico, a atenção deve estar voltada a acolher a família de forma que os conforte emocionalmente, auxiliando no enfrentamento da dor profunda que ocorre durante e após a morte. E para isso os profissionais da saúde, principalmente os enfermeiros, precisam estar atentos para ajudar a reduzir o sofrimento do paciente como de seus familiares, proporcionando uma morte com leveza. Neste sentido, não devemos associar cuidados paliativos com morte imediata, mas sim uma assistência humanizada e contínua, mesmo sem possibilidades de cura, ou seja, ofertar qualidade de vida para o tempo que resta, focando no alívio de sintomas, conforto, apoio emocional, social e espiritual. E nesse cuidado, o enfermeiro possui papel fundamental, orientando a equipe, acolhendo a família, como também garantindo uma comunicação clara entre equipe e família, um cuidado empático e respeitoso. E reforçar sempre que os cuidados paliativos não significam desistência, muito pelo contrário, objetiva garantir o bem-estar da criança e apoio a família (ALBUQUERQUE et al., 2024; ANJOS, 2022).
Ponto importante durante o processo de fim de vida é sobre o papel do profissional no cuidado, visto que ele enfrenta dificuldades emocionais assim como os familiares, pois lidar com a morte de crianças pode ser um momento doloroso e desafiador. Por isso, garantir que a equipe tenha preparo e apoio emocional, sensibilidade e tempo para escutar e cuidar é essencial. Como também, garantir que haja um cuidado personalizado, acolhendo e compreendendo as crenças, valores e a realidade social da família permitem que esse cuidado seja de fato humanizado. Nesse contexto, conhecer a espiritualidade da família ajuda a identificar o sofrimento e as fortalezas para o enfrentamento do processo de morte. Quando a criança adoece ocorre o impacto direto nos familiares, causando inseguranças, sensação de impotência e desgaste emocional. E nesse sentido, muitos pais assumem grande parte dos cuidados durante o processo, afetando diretamente a saúde emocional destes, mas também contribuindo para o processo de luto, reduzindo sentimento de culpa e proporcionando a sensação de dever cumprido. Esses momentos de participação dos pais no cuidado auxiliam na elaboração do luto e os profissionais devem incentivar esse cuidado com acolhimento e suporte emocional (ANJOS, 2022; REIS et al., 2021).
O vínculo estabelecido entre família e equipe durante e após a morte é visto como uma continuidade do cuidado, pois essa ligação auxilia os pais e familiares a lidar com o luto. Assim como a sensibilidade dos profissionais, o apoio psicossocial e o reconhecimento das necessidades emocionais e espirituais da família fazem diferença na transição dos pais cuidadores para pais enlutados. Nesse sentido, ter o apoio dos profissionais no momento do recebimento da notícia da morte é descrito como difícil e angustiante, e este suporte é essencial para um melhor desenvolvimento do luto. Um ambiente acolhedor, com sensibilidade e empatia, ajuda os pais a expressar seus sentimentos com liberdade e respeito, auxiliando a enfrentar a dor da perda (SOARES et al., 2020; REIS et al., 2021).
Outras ações, igualmente importantes, fazem parte do cuidado humanizado e sensível, como o contato físico entre mãe e filho em estado grave, como também fornecer informações claras ajuda a reduzir a sensação de vazio diante do falecimento. Permitir os pais a relembrar o momento da morte, falar abertamente sobre os sentimentos e dividir tristezas e lembranças, podem ser estratégias importantes, eficazes e curativas para o processo de luto. Compartilhar essas experiências, principalmente com quem viveu dor semelhante ajuda na identidade comum, fortalecendo vínculos e o desenvolvimento da resiliência (SOARES et al., 2020).
Por outro lado, o enfrentamento do luto pode apresentar dificuldades quando ocorre experiências negativas relacionadas aos profissionais da saúde, gerando falta de confiança no trabalho deles. Em contrapartida, quando a assistência é baseada em ética, sensibilidade e humanizada, garantindo o bemestar dos envolvidos, o processo de luto torna-se mais saudável. E esse processo apresenta-se ainda mais leve quando durante a trajetória de superação ocorre apoio entre pessoas que passaram pelas mesmas perdas e compreendem com mais profundidade o processo vivido, fazendo assim com que grupos de apoio sejam incentivados para esse processo (SOARES et al., 2020).
A fase terminal de uma criança é sempre vivida com intenso sofrimento pelos pais, comprometendo a saúde emocional desses e até mesmo a capacidade do acompanhamento do filho nas etapas finais de vida. Ou seja, quanto mais sofrimento os pais ou familiares envolvidos apresentam, maior será o risco de comprometer a qualidade do apoio ao filho. Mas, entre todas essas dificuldades enfrentadas, a aceitação da morte ainda se apresenta com mais profundidade e desestruturante de todas as experiências de perda. Portanto, fornecer conforto, privacidade, companhia, assistência espiritual para uma boa morte é um dos papeis fundamentais que a equipe de enfermagem deve prestar. Mesmo sabendo que a cura não será mais possível, ainda assim o cuidado com respeito, empatia e dignidade deve ser priorizado (CAIRES et al., 2024; TRONCOSO, ROMERO & SCHNAKE, 2020).
Prestar um cuidado com amor, carinho e empatia é, sem dúvida, uma das ferramentas mais valiosas que a enfermagem pode oferecer. Estar verdadeiramente presente ao lado da família, oferecendo apoio em um momento tão delicado, é algo que permanece na memória dos pais por toda a vida. E talvez, quando a dor da perda retornar e eles reviverem todo o processo difícil enfrentado, também se lembrem, com ternura, daqueles instantes menos dolorosos — momentos em que profissionais dedicados fizeram o possível para quem sabe, arrancar um sorriso daquele que tanto sofria.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A terminalidade da infância é uma realidade dura e dolorosa. Lidar com a morte de uma criança vai além do conhecimento técnico – exige empatia e um olhar sensível para o dor do outro. Está pesquisa permitiu compreender que o enfermeiro, mais do que cuidar do corpo, também cuida da alma, do sofrimento e das despedidas.
Ao analisar os estudos sobre o tema, foi possível identificar que abordagens como a escuta ativa, o acolhimento, o apoio espiritual e o cuidado à família são práticas que fazem a diferença no processo de luto. Quando o enfermeiro assume o papel como um pilar de apoio, a dor não some, mas torna-se mais suportável para aqueles que enfrentam a perda de um filho.
Os resultados desta revisão apontam que o cuidado no fim de vida precisa ser integral, reconhecendo o sofrimento de todos os envolvidos – crianças, família e equipe. Essa compreensão fortalece a importância de investir em formação e suporte emocional para os profissionais, para que possam cuidar com mais segurança e sensibilidade.
A vivência prática no ambiente hospitalar foi o que motivou a pesquisa, e, ao longo do estudo, ficou ainda mais evidente a necessidade de ampliar o olhar sobre o papel do enfermeiro. Embora está revisão tenha um número limitado de estudos, ela acende um alerta: precisamos falar mais sobre morte na infância e preparar melhor os profissionais para esse cuidado tão delicado.
REFERÊNCIAS
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¹Discente do Curso Superior de Enfermagem do Instituto Faculdade da Serra Gaúcha Campus Caxias do Sul.
e-mail: gabriela.c.martins@outlook.com
²Docente do Curso Superior de Enfermagem do Instituto Faculdade da Serra Gaúcha Campus Caxias do Sul. Mestre em Medicina Pediatria e Saúde da Criança (PUCRS). e-mail: fernanda.salcher@fsg.edu.br