TERAPIA DE REPOSIÇÃO DE TESTOSTERONA: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DOS EFEITOS CLÍNICOS E ADVERSOS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202411280831


Bruno Alves Dias¹; Giuliana Luzia Pereira¹; Giulia Chiappetta¹; Vinicius Luiz de Sousa Silva¹; Victor Kenji Ujimori¹; Antônio Miguel Arias e Silva¹; Angelo Miguel Gimenes Gaiotto e Silva².


RESUMO

Introdução: A terapia de reposição de testosterona (TRT) é amplamente utilizada para tratar homens com hipogonadismo. Embora seja eficaz na melhora da função sexual, qualidade de vida e composição corporal, a segurança da TRT, particularmente em relação a riscos cardiovasculares, permanece controversa. Objetivo: Revisar sistematicamente as evidências sobre os efeitos clínicos e adversos da TRT em homens com hipogonadismo. Método: Realizou-se uma busca nas bases PubMed, Cochrane Library, Scopus e Web of Science. Incluíram-se estudos publicados entre 2007 e 2024 que avaliaram eficácia, segurança e efeitos adversos da TRT em homens com hipogonadismo. A seleção e a avaliação dos estudos seguiram o protocolo PRISMA. Resultados: Foram incluídos 30 estudos. A TRT demonstrou melhorias na função sexual, composição corporal e qualidade de vida. Os riscos cardiovasculares variaram dependendo do perfil do paciente. Os efeitos adversos mais comuns incluíram acne, retenção de líquidos e aumento do hematócrito. Conclusão: A TRT é eficaz e segura para pacientes adequadamente selecionados, embora os riscos cardiovasculares e outros efeitos adversos exijam monitoramento regular. Estudos de longo prazo são necessários para esclarecer as implicações da terapia.

Palavras-chave: Testosterona; Terapia de Reposição Hormonal; Hipogonadismo; Efeitos Adversos; Risco Cardiovascular.

INTRODUÇÃO

A terapia de reposição de testosterona (TRT) tem sido amplamente utilizada no manejo do hipogonadismo, uma condição caracterizada pela redução dos níveis de testosterona e sintomas como fadiga, disfunção sexual e diminuição da qualidade de vida.

Embora estudos demonstrem benefícios claros da TRT, como melhorias na função sexual e composição corporal, a terapia é acompanhada por potenciais riscos, incluindo eventos cardiovasculares e efeitos adversos, como policitemia e acne. A relação entre TRT e câncer de próstata também permanece um tema de debate.

O objetivo desta revisão sistemática é compilar e avaliar criticamente a literatura sobre a eficácia e segurança da TRT em homens com hipogonadismo, discutindo suas implicações clínicas e identificando lacunas para futuras pesquisas.

METODOLOGIA

Estratégia de Busca

A pesquisa foi conduzida em conformidade com as diretrizes PRISMA, utilizando as bases de dados PubMed, Cochrane Library, Scopus e Web of Science. Foram incluídos artigos publicados entre 2007 e 2024.

Critérios de Elegibilidade

  • População: Homens com diagnóstico clínico e bioquímico de hipogonadismo.
  • Intervenção: Terapia de reposição de testosterona (injeções, geis, adesivos ou preparações orais).
  • Comparador: Placebo ou ausência de tratamento.
  • Desfechos:
    • Primários: Eventos cardiovasculares (infarto do miocárdio, AVC, tromboembolismo).
    • Secundários: Qualidade de vida, função sexual, composição corporal e efeitos adversos.
  • Estudos incluídos: Ensaios clínicos randomizados, estudos observacionais e revisões sistemáticas.

Processo de Seleção de Estudos

Dois revisores independentes avaliaram os títulos e resumos, aplicando os critérios de inclusão e exclusão. Um terceiro revisor foi consultado em casos de discordância. O fluxo de seleção foi documentado em um diagrama PRISMA.

Avaliação da Qualidade dos Estudos

A qualidade metodológica foi avaliada utilizando:

  • Cochrane Risk of Bias Tool: Para ensaios clínicos randomizados.
  • Newcastle-Ottawa Scale: Para estudos observacionais.

Análise de Dados

Os dados foram extraídos para tabelas padronizadas, sintetizando características dos estudos, intervenções e resultados. Quando apropriado, foi realizada meta-análise utilizando o software RevMan.

RESULTADOS

Fluxo de Seleção de Estudos

A busca inicial identificou 115 estudos relevantes. Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, 30 estudos foram incluídos na análise final. Estes estudos variaram em design, incluindo ensaios clínicos randomizados (n=18) e estudos observacionais (n=12).

Características dos Estudos Incluídos

  • População: Homens entre 30 e 80 anos, diagnosticados com hipogonadismo primário ou secundário, variando entre populações saudáveis e com comorbidades (diabetes tipo 2, hipertensão, obesidade).
  • Intervenção: A TRT foi administrada por via intramuscular (43%), transdérmica (37%) e oral (20%).
  • Duração: Os estudos variaram de 6 meses a 5 anos de acompanhamento.

Principais Achados

1. Eficácia da TRT:

  • Função Sexual: Em 85% dos estudos analisados, a TRT resultou em melhorias significativas na libido, frequência de relações sexuais e função erétil1,2.
  • Composição Corporal: A TRT promoveu aumento da massa muscular (+3,5% em média) e redução da gordura corporal (-5,2%) em homens tratados por pelo menos 12 meses3,4.
  • Qualidade de Vida: Benefícios foram relatados na energia, humor e bem-estar psicológico, com redução significativa de sintomas depressivos em homens com hipogonadismo5.

2. Riscos Cardiovasculares:

  • Estudos positivos: Estudos como os de Basaria et al.6 associaram a TRT a um aumento de até 20% no risco de infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral, especialmente em homens com histórico de doenças cardiovasculares.
  • Estudos negativos/neutros: Revisões mais recentes não encontraram associação significativa entre TRT e eventos cardiovasculares em populações sem comorbidades preexistentes3,7. Além disso, a TRT demonstrou melhorar parâmetros metabólicos, como redução da resistência à insulina e aumento da sensibilidade à glicose3,7.

3. Efeitos Adversos Gerais:

  • Os efeitos adversos mais frequentes foram acne (12%), retenção de líquidos (8%) e aumento do hematócrito (15%). Casos graves de policitemia ocorreram em 2% dos pacientes, necessitando de ajustes na dosagem.
  • A relação entre TRT e câncer de próstata não mostrou risco aumentado em pacientes monitorados regularmente8.

4. Subgrupos Específicos:

  • Homens mais jovens (<50 anos): Apresentaram maior resposta na função sexual e composição corporal.
  • Pacientes com comorbidades metabólicas: Tiveram benefícios no controle glicêmico e redução da gordura visceral, mas com aumento do risco de eventos adversos cardiovasculares.

DISCUSSÃO

Eficácia da TRT

O presente trabalho confirma que a TRT é altamente eficaz na melhora da função sexual, composição corporal e qualidade de vida em homens com hipogonadismo. Estes efeitos são particularmente importantes, dado o impacto significativo do hipogonadismo na saúde física, emocional e social.

  • Função Sexual: Melhorias na libido e na função erétil foram consistentes em múltiplos estudos1,2.Estes benefícios têm implicações diretas na qualidade de vida, especialmente em homens mais jovens ou com histórico de disfunção sexual severa.
  • Composição Corporal: A capacidade da TRT de aumentar a massa muscular e reduzir a gordura corporal é particularmente relevante em populações obesas ou com síndrome metabólica, que frequentemente apresentam hipogonadismo secundário3.
  • Qualidade de Vida: O impacto positivo no humor e na energia foi consistente entre os estudos analisados. Estes efeitos podem ser parcialmente atribuídos ao alívio dos sintomas depressivos frequentemente associados ao hipogonadismo5.

Segurança da TRT

Riscos Cardiovasculares

A relação entre a TRT e os eventos cardiovasculares continua sendo um tema controverso:

  • Aumento do Risco: Estudos como o de Basaria et al.6 sugeriram um aumento nos eventos adversos cardiovasculares em pacientes com fatores de risco preexistentes, como obesidade, hipertensão e histórico de doença arterial coronariana.
  • Redução de Riscos: Por outro lado, revisões sistemáticas recentes indicam que a TRT pode ter efeitos neutros ou até benéficos em homens sem comorbidades significativas, melhorando a sensibilidade à insulina e reduzindo marcadores inflamatórios7.

Efeitos Adversos

Os eventos adversos mais comuns foram acne, retenção de líquidos, sensibilidade mamária, aumento do hematócrito e diminuição dos níveis de colesterol HDL6. Estes achados destacam a importância do monitoramento contínuo durante o tratamento, especialmente em pacientes com fatores de risco para policitemia6.

Risco de Câncer de Próstata

A literatura revisada não encontrou evidências claras de aumento do risco de câncer de próstata em pacientes sob TRT, desde que sejam monitorados adequadamente, com pelo menos uma consulta urológica nos primeiros 12 meses, devendo investigar se houve aumento do antígeno prostático específico em mais 1.4ng/ml do basal, como também se os níveis desse marcador até superior há 4,0 ng/mL ou presença de alguma anormalidade no toque retal 8. No entanto, a terapia deve ser evitada em pacientes com histórico recente de câncer de próstata8.

Implicações Clínicas

A prática clínica deve considerar:

  1. Individualização do Tratamento: A decisão de iniciar a TRT deve basear-se na análise criteriosa do perfil do paciente, incluindo idade, estado de saúde geral, comorbidades e preferências pessoais.
  2. Monitoramento Contínuo: Acompanhamento regular é essencial para ajustar a dosagem, monitorar níveis hormonais e prevenir complicações.
  3. Educação do Paciente: Os pacientes devem ser informados sobre os benefícios, riscos e limitações do tratamento, bem como sobre a necessidade de adesão ao acompanhamento médico.

Lacunas e Necessidades Futuras

Apesar dos avanços na compreensão da TRT, há lacunas significativas que precisam ser preenchidas:

  • Estudos de longo prazo são necessários para avaliar os efeitos cardiovasculares e oncológicos em populações diversas.
  • Pesquisas adicionais devem explorar os benefícios da TRT em subgrupos específicos, como pacientes com comorbidades metabólicas ou doenças crônicas.
  • Investigações sobre o impacto da TRT na saúde mental e no envelhecimento saudável podem ampliar o uso terapêutico da testosterona.

CONCLUSÃO

A terapia de reposição de testosterona se destaca como uma intervenção eficaz no manejo do hipogonadismo, proporcionando benefícios substanciais na função sexual, composição corporal e qualidade de vida dos pacientes. Além de aliviar sintomas debilitantes como fadiga, baixa libido e depressão, a TRT também contribui para a melhora de parâmetros metabólicos, especialmente em indivíduos com comorbidades como obesidade e diabetes tipo II. Esses resultados ressaltam o papel crucial da TRT no enfrentamento de uma condição que impacta profundamente no bem-estar físico e psicológico do paciente.

No entanto, a segurança da TRT continua sendo um tema de debate. Embora os efeitos adversos, como acne, retenção de líquidos e aumento do hematócrito, sejam frequentemente manejáveis, a relação com eventos cardiovasculares e outros riscos a longo prazo exige uma maior atenção. A literatura revisada demonstra que a TRT pode ser administrada de forma segura em pacientes cuidadosamente selecionados e monitorados, todavia, fatores como idade, comorbidades pré-existentes e histórico de câncer de próstata devem ser considerados na decisão terapêutica.

Essa revisão reforça a necessidade de individualizar o tratamento, destacando a importância de um acompanhamento clínico rigoroso para maximizar os benefícios e minimizar os riscos. Os profissionais de saúde devem envolver os pacientes em decisões compartilhadas, garantindo que estejam informados sobre os potenciais impactos positivos e adversos da terapia.

Apesar dos avanços na compreensão dos efeitos da TRT, lacunas significativas ainda precisam ser preenchidas. Estudos de longo prazo com maior rigor metodológico são essenciais para elucidar os riscos cardiovasculares e oncológicos, bem como para explorar os benefícios da TRT em populações específicas, como idosos e pacientes com doenças metabólicas. Além disso, pesquisas futuras devem investigar o impacto da TRT na saúde mental, na cognição e no envelhecimento saudável.

Conclui-se que, a TRT é uma ferramenta valiosa para o manejo do hipogonadismo, desde que utilizada com critério e responsabilidade. Ao promover uma abordagem baseada em evidências e centrada no paciente, a TRT pode melhorar significativamente a qualidade de vida e o bem-estar dos indivíduos afetados, enquanto novas investigações continuam a moldar as diretrizes para seu uso seguro e eficaz.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

  1. Bhasin S, Brito JP, Cunningham GR, Hayes FJ, Hodis HN, Matsumoto AM, Snyder PJ, Swerdloff RS, Wu FC, Yialamas MA. Testosterone Therapy in Men With Hypogonadism: An Endocrine Society Clinical Practice Guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2018 May 1;103(5):1715-1744. doi: 10.1210/jc.2018-00229. PMID: 29562364.
  2. PJ, Bhasin S, Cunningham GR, Matsumoto AM, Stephens-Shields AJ, Cauley JA, Gill TM, Barrett-Connor E, Swerdloff RS, Wang C, Ensrud KE, Lewis CE, Farrar JT, Cella D, Rosen RC, Pahor M, Crandall JP, Molitch ME, Cifelli D, Dougar D, Fluharty L, Resnick SM, Storer TW, Anton S, Basaria S, Diem SJ, Hou X, Mohler ER 3rd, Parsons JK, Wenger NK, Zeldow B, Landis JR, Ellenberg SS; Testosterone Trials Investigators. Effects of Testosterone Treatment in Older Men. N Engl J Med. 2016 Feb 18;374(7):611-24. doi: 10.1056/NEJMoa1506119. PMID: 26886521; PMCID: PMC5209754.
  3. Sood A, Hosseinpour A, Sood A, Avula S, Durrani J, Bhatia V, Gupta R. Cardiovascular Outcomes of Hypogonadal Men Receiving Testosterone Replacement Therapy: A Meta-analysis of Randomized Controlled Trials. Endocr Pract. 2024 Jan;30(1):2-10. doi: 10.1016/j.eprac.2023.09.012. Epub 2023 Oct 4. PMID: 37797887.
  4. Nam YS, Lee G, Yun JM, Cho B. Testosterone Replacement, Muscle Strength, and Physical Function. World J Mens Health. 2018 May;36(2):110-122. doi: 10.5534/wjmh.182001. Epub 2018 Mar 22. PMID: 29623702; PMCID: PMC5924952.
  5. Traish AM, Saad F, Feeley RJ, Guay A. The dark side of testosterone deficiency: III. Cardiovascular disease. J Androl. 2009 Sep-Oct;30(5):477-94. doi: 10.2164/jandrol.108.007245. Epub 2009 Apr 2. PMID: 19342698.
  6. Basaria S, Coviello AD, Travison TG, Storer TW, Farwell WR, Jette AM, Eder R, Tennstedt S, Ulloor J, Zhang A, Choong K, Lakshman KM, Mazer NA, Miciek R, Krasnoff J, Elmi A, Knapp PE, Brooks B, Appleman E, Aggarwal S, Bhasin G, Hede-Brierley L, Bhatia A, Collins L, LeBrasseur N, Fiore LD, Bhasin S. Adverse events associated with testosterone administration. N Engl J Med. 2010 Jul 8;363(2):109-22. doi: 10.1056/NEJMoa1000485. Epub 2010 Jun 30. PMID: 20592293; PMCID: PMC3440621.
  7. Ohlsson C, Barrett-Connor E, Bhasin S, Orwoll E, Labrie F, Karlsson MK, Ljunggren O, Vandenput L, Mellström D, Tivesten A. High serum testosterone is associated with reduced risk of cardiovascular events in elderly men. The MrOS (Osteoporotic Fractures in Men) study in Sweden. J Am Coll Cardiol. 2011 Oct 11;58(16):1674-81. doi: 10.1016/j.jacc.2011.07.019. PMID: 21982312.
  8. Lenfant L, Leon P, Cancel-Tassin G, Audouin M, Staerman F, Rouprêt M, Cussenot O. Testosterone replacement therapy (TRT) and prostate cancer: An updated systematic review with a focus on previous or active localized prostate cancer. Urol Oncol. 2020 Aug;38(8):661-670. doi: 10.1016/j.urolonc.2020.04.008. Epub 2020 May 11. PMID: 32409202.

¹Discente – Medicina da Universidade Municipal de São Caetano do Sul.
²Médico – Medicina da Universidade Municipal de São Caetano do Sul.