TEORIA DO AUTOCUIDADO E PESSOAS EM SOFRIMENTO MENTAL: PERCEPÇÃO DE ENFERMEIROS ATUANTES NA CLÍNICA PSIQUIÁTRICA 

SELF-CARE THEORY AND PEOPLE IN MENTAL DISTRESS: PERCEPTIONS OF NURSES WORKING IN PSYCHIATRIC CLINICS 

TEORÍA DEL AUTOCUIDADO Y PERSONAS EN SUFRIMIENTO MENTAL: PERCEPCIÓN DE ENFERMERAS QUE TRABAJAN EN CLÍNICAS PSIQUIÁTRICAS 

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11062737


Wylly Jefferson Gonçalves Barros1; Mário Antônio Moraes Vieira2; Elizabeth Ferreira de Miranda3; Karollyne Quaresma Mourão4; Evelym Cristina da Silva Coelho5; Elisângela Raquel de Souza Assunção Ramos6; Guilherme dos Santos Pinheiro7


RESUMO 

Objetivo: Analisar o autocuidado de pessoas em sofrimento mental e os fatores relacionados, por meio da perspectiva de profissionais enfermeiros, embasando-se na Teoria de Dorothea Orem. Métodos: Trata-se de um estudo qualitativo do tipo descritivo, o qual foi desenvolvido na clínica psiquiátrica de um hospital de referência em Saúde Mental no estado do Pará. A coleta ocorreu com 11 enfermeiros e residentes assistenciais mediante a aplicação de um roteiro de entrevista semiestruturado com perguntas abertas e gravação de voz. Os dados da pesquisa foram analisados, primeiramente, por uma observação sistemática, tratados e categorizados conforme a análise de conteúdo de Bardin. Resultados: Demonstram a percepção dos enfermeiros sobre autocuidado restrita ao processo saúde-doença, evidenciam os principais déficits no autocuidado dos pacientes e as dificuldades encontradas na assistência para efetivar esses cuidados, bem como sobre a importância de estimular a autonomia dessas pessoas no ambiente hospitalar. Conclusão: Nota-se a necessidade de atualização dos profissionais para uma visão ampliada de autocuidado, assim como a valorização da equipe de enfermagem e do paciente como ponto central nesse processo de garantia de um cuidado holístico, integral e inclusivo. 

Palavra-chave: Teoria do Autocuidado; Profissionais de Enfermagem; Transtornos Mentais; Autonegligência. 

ABSTRACT 

Objective: Analyze the self-care of people in mental distress and related factors, through the perspective of professional nurses, based on Dorothea Orem’s Theory. Methods: This is a qualitative descriptive study, which was developed in the psychiatric clinic of a reference hospital in Mental Health in the state of Pará. The collection took place with 11 nurses and care residents through the application of a semi-structured interview guide with open questions and voice recording. The research data were analyzed, firstly, through systematic observation, treated and categorized according to Bardin’s content analysis. Results: TThey demonstrate the nurses’ perception of self-care restricted to the health-disease process, they highlight the main deficits in patients’ self-care and the difficulties encountered in providing assistance to provide this care, as well as the importance of stimulating the autonomy of these people in the hospital environment. Conclusion: There is a need to update professionals with a broader view of self-care, as well as valuing the nursing team and the patient as a central point in this process of guaranteeing holistic, comprehensive and inclusive care. 

Key words: Self-Care Theory; Nursing Professionals; Mental Disorders; Self-neglect. 

RESUMEN 

Objetivo: Analizar el autocuidado de personas en sufrimiento mental y factores relacionados, a través de la perspectiva de profesionales de enfermería, con base en la Teoría de Dorothea Orem. Métodos: Se trata de un estudio descriptivo cualitativo, desarrollado en la clínica psiquiátrica de un hospital de referencia en Salud Mental del estado de Pará, la recolección se realizó con 11 enfermeros y residentes de atención mediante la aplicación de una guía de entrevista semiestructurada con preguntas abiertas. y grabación de voz. Los datos de la investigación fueron analizados, en primer lugar, mediante observación sistemática, tratados y categorizados según el análisis de contenido de Bardin. Resultados: Demuestran la percepción de los enfermeros sobre el autocuidado restringido al proceso salud-enfermedad, resaltan los principales déficits en el autocuidado de los pacientes y las dificultades encontradas en la prestación de asistencia para brindar este cuidado, así como la importancia de estimular la autonomía. de estas personas en el entorno hospitalario. Conclusión: Es necesario actualizar a los profesionales con una visión más amplia del autocuidado, así como valorar al equipo de enfermería y al paciente como punto central en este proceso de garantizar un cuidado holístico, integral e inclusivo. 

Palabras clave: Teoría del Autocuidado; Profesionales de Enfermería; Desórdenes mentales; Autodescuido. 

INTRODUÇÃO 

O autocuidado é entendido como um conjunto de ações que o indivíduo realiza por si mesmo para manter e/ou recuperar a qualidade de vida, afirma Lima MRA, et al. (2017), bem como a realização de práticas que possibilitam perspectivas promissoras para a melhoria da saúde e bem estar, podendo ser implementado iniciativas para evitar problemas de saúde e buscar um estilo de vida mais saudável. 

Segundo Orem ED (2001), o desempenho ou a prática de atividades que os indivíduos realizam em seu benefício para manter a vida, a saúde e o bem-estar, se efetivamente realizado, ajuda a manter a integridade estrutural e o funcionamento humano. 

A sua Teoria Geral é composta pela interligação das Teorias do Autocuidado, do Déficit de Autocuidado e Sistemas de Enfermagem. Orem ED (2001) afirma que Teoria do Déficit do Autocuidado descreve e explica porque razão as pessoas podem ser ajudadas através da enfermagem e a Teoria dos Sistemas descreve e explica as relações que tem de ser criadas e mantidas para que se produza enfermagem. 

Na Teoria do Déficit do Autocuidado, Bezerra MLR, et al. (2019) explica que a relevância dos benefícios de ações e práticas de cuidados para a evolução da qualidade de vida do paciente, considerando os sistemas de enfermagem propostos por Orem, tanto o indivíduo hospitalizado quanto o seu acompanhante necessitam ser assistidos pela enfermagem por um processo de apoio-educação do enfermeiro para que o autocuidado seja realizado durante o tratamento e após a alta hospitalar. 

A Organização Pan-Americana de Saúde (2019), estima que na América Latina e no Caribe, os problemas de saúde mental são responsáveis por mais de um terço da incapacidade total das pessoas. Desse percentual, os transtornos depressivos estão entre as maiores causas de incapacidade, seguidos pelos transtornos de ansiedade que demonstra a urgência de se discutir sobre os impactos que essas psicopatologias podem causar na vida e na saúde das pessoas. 

No que concerne às pessoas em sofrimento mental, a criticidade e o julgamento prejudicados, ocasionados pelo próprio processo de adoecimento mental, promovem maiores riscos para o déficit de autocuidado e autonomia dos pacientes, comprometendo o tratamento e evolução da cura. Assim, Guerrero-Pacheco R, et al. (2017) aborda que a conduta do autocuidado apresenta-se como uma problemática multidimensional, atravessada por diversos determinantes que interagem continuamente entre si e vão convergir para uma prática efetiva ou precária de autocuidado. 

A intensidade e implicações do quadro clínico geram elevados custos referentes a depressão e transtornos de ansiedade por perda de produtividade e uso dos serviços de saúde, incluindo todos os agravos. Abreu et al. (2015), afirma que além do elevado custo emocional que os transtornos mentais representam para o próprio sujeito, familiares, cuidadores e os setores governamentais; esses e outros transtornos mentais estão relacionados a enormes perdas de qualidade de vida. 

Dessa forma, de acordo com Silva KPS, et al. (2021) a enfermagem dispõe sua assistência para atender as necessidades do indivíduo, quando percebe-o com limitações e negligências com a própria saúde por consequência de fatores como idade, condição de saúde e outras, podendo a enfermagem realizar medidas de autocuidado e utilizar métodos para o incentivo dessas ações que auxiliam o paciente e a família possuir sua independência e autonomia no tratamento. 

Portanto, a enfermagem está envolvida no cuidado direto com o indivíduo, como teorizado por Orem, e tem função primordial para suprir as demandas de autocuidado, identificando e realizando atividades a partir de necessidades físicas, ambientais e emocionais, exercendo papel educativo nesse processo de cuidar da pessoa em sofrimento mental em acompanhamento hospitalar. Assim, identificar e conhecer as demandas de autocuidado dessas pessoas pelo olhar do enfermeiro é essencial para um cuidado holístico, integral e adequado à saúde mental. 

MÉTODO 

Trata-se de um estudo qualitativo do tipo descritivo com levantamento de dados e avaliação destes. O processo de pesquisa ocorreu no período de 1 mês, na clínica psiquiátrica de um hospital referência no tratamento e reabilitação no âmbito da saúde mental no estado do Pará. O setor de psiquiatria da instituição é composto pela Emergência Psiquiátrica e pelo Serviço de Internação Breve (SIB), neste último onde foi realizada a coleta de informações. 

Os participantes do estudo são 11 profissionais de enfermagem, sendo enfermeiros e residentes de enfermagem, responsáveis pelo cuidado assistencial ao paciente em tratamento mental na clínica. Os critérios de inclusão utilizados foram para profissionais de enfermagem com função assistencial, atuantes há no mínimo 6 meses no setor de pesquisa e, como critérios de exclusão, não participaram profissionais técnicos ou auxiliares de enfermagem, enfermeiros em período de férias ou, ainda, sem licença médica. 

A coleta de dados foi realizada dentro dos domínios do SIB com o pesquisador responsável e o profissional que, após o convite verbal, leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, bem como do Termo de Autorização para Gravação de Som e Voz, se dispôs a participar do estudo. O recolhimento das informações ocorreu mediante uma entrevista semiestruturada com um roteiro de perguntas semiabertas, composto da primeira etapa referente à formação e identificação do profissional, feita por alfanuméricos sequenciados (P1, P2, P3…) e a segunda etapa voltada às perguntas de interesse sobre as percepções de autocuidado dos enfermeiros sobre os pacientes. 

Toda a entrevista foi gravada em som e voz, mediante um gravador portátil e o conteúdo foi armazenado em um pendrive com senha para posterior transcrição em documento e análise dos dados, a gravação ocorreu apenas após a leitura e assinatura dos Termos de Autorização. 

Dessa maneira, após transcrito todo o conteúdo das entrevistas, utilizou-se o método de Bardin (2011), que afirma a análise como um conjunto de instrumentos de cunho metodológico em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a discursos (conteúdos e continentes) e apresenta os critérios de organização de uma análise, constituída de pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados por meio de codificação e inferência; agregando as técnicas de análise, categorização, interpretação e informatização completa. 

Inicialmente foi realizada a análise pré-textual, momento em que seleciona e organiza os documentos, realiza-se uma leitura flutuante no corpus textual da entrevista e da transcrição de áudio, formulam-se hipóteses e elaboram-se indicadores que norteiam a interpretação final. 

Por conseguinte, a etapa de exploração do material inclui a codificação dos dados, nesse caso está relacionada ao conteúdo e qualidade das informações coletadas relacionadas às percepções dos enfermeiros sobre o autocuidado dos pacientes e sua influência na saúde, bem como sobre a assistência de enfermagem nesse quesito. 

A categorização, também chamada de classificação ou agregação dos dados, foi feita de acordo com a significação das respostas dos participantes em quatro categorias em formato de quadros: Compreensão dos enfermeiros sobre o autocuidado, Cuidados de enfermagem para os déficits de autocuidado, Déficits de autocuidado dos pacientes e Autonomia dos pacientes para o seu autocuidado. 

Por fim, para o tratamento dos resultados ou interpretação dos dados, precisa-se retornar ao referencial teórico, procurando embasar as análises feitas e dando sentido à interpretação. Considera-se que as interpretações baseadas em inferências procuram além do significado literal das palavras para apresentarem, com profundidade, uma análise adequada dos discursos dos profissionais entrevistados. 

Perante o exposto, informa-se que o estudo, foi submetido e aprovado para desenvolvimento pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Pública Hospital de Clínicas Gaspar Vianna via Plataforma Brasil com número de CAAE 63109722.9.0000.0016. Ressalta-se que as atividades descritas anteriormente, obedeceram aos preceitos éticos e legais da Resolução nº 466 de 2012 do Conselho Nacional de Pesquisas (CONEP), bem como às recomendações do Conselho Nacional de Saúde (CNS) que orienta em seu capítulo II sobre os princípios éticos das pesquisas conforme sua Resolução de n.º 510, de 7 de abril de 2016. 

RESULTADOS E DISCUSSÃO 

A partir da realização da coleta de dados, obteve-se a participação no estudo de 11 profissionais, sendo 6 enfermeiros e 5 residentes, quantidade abaixo do estipulado devido a interrupção da pesquisa quando notou-se redundância de respostas para as perguntas. A maioria, 73%, foi do sexo feminino e 27% do sexo masculino. Em relação à idade dos pesquisados, a faixa etária permaneceu entre 24 a 64 anos, contudo a maioria possuía de 24 a 48 anos (64%). 

O tempo de formação profissional dos participantes foi de 2 a 42 anos, prevalecendo o tempo de 2 a 5 anos com 64% dos entrevistados. O tempo de trabalho dos profissionais na Instituição variou de 6 meses, período mínimo para participação na pesquisa, até 38 anos para os mais experientes e o tempo médio manteve-se entre 6 meses a 2 anos com porcentagem de 73%. E ainda, a maioria dos profissionais, sendo 82%, possuíam pelo menos uma formação em Lato Sensu.

A respostas das entrevistas, expõe conhecimentos dos enfermeiros, negligências de autocuidado, assistência de enfermagem, opiniões e informações pertinentes para a compreensão e entendimento da promoção do autocuidado pelos profissionais aos pacientes em sofrimento psíquico em tratamento. 

Dessa forma, após transcrito e analisado o conteúdo das respostas para a entrevista pode-se agrupá-lo em 4 categorias de acordo com as informações expressas e sua significação, visto que em alguns momentos houve repetição de ideias em perguntas diferentes. 

Compreensão dos enfermeiros sobre o autocuidado 

A maioria dos enfermeiros, 64%, expressaram suas percepções sobre o autocuidado envolvendo, essencialmente, aspectos da saúde física e higiene corporal dessas pessoas (Quadro 1). Porém, Silva ESP, et al. (2020) teoriza que o autocuidado é a ação de pessoas que têm competência e que tenham desenvolvido ou estão desenvolvendo capacidades para utilizar as medidas adequadas e válidas para regular o seu próprio funcionamento e desenvolvimento em ambientes estáveis ou em mudança. 

Ainda assim, Ribeiro RW (2022) aborda que o autocuidado é a faculdade de engajar-se no seu autocuidado. Há alguns fatores que podem condicionar essa capacidade, tais como idade, sexo, estado de saúde, fatores ambientais, orientação sociocultural, e fatores do sistema de assistência à saúde 

Nesse sentido, a compreensão dos enfermeiros sobre o autocuidado mostra-se restrita ao processo saúde-doença com as práticas de higiene e da rotina diária, quando foi expresso outros significados ampliados por apenas 27% dos enfermeiros. Ao considerar a percepção dos profissionais sobre o autocuidado, pode-se notar a íntima relação estabelecida entre cuidados corporais e higiene com o autocuidado, expressando uma visão restrita da temática que aborda além disso, aspectos sociais, ambientais, mentais e espirituais; essa perspectiva pode comprometer a qualidade da assistência de enfermagem e o tratamento em curso do paciente. 

Também foi expresso por um entrevistado, 9%, o entendimento de autocuidado relacionado a Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s) no ambiente de trabalho, voltado à proteção laboral dos profissionais. As percepções dos enfermeiros, evidenciam uma subvalorização da importância das práticas ampliadas de autocuidado e promoção da autonomia do indivíduo, de acordo com o conhecimento científico sobre o assunto, o que pode comprometer os preceitos estimulados pelas novas diretrizes que norteiam o cuidado ao paciente em sofrimento mental por meio de cuidados humanizados, desinstitucionalizantes e educativos. 

Quadro 1 – Trechos retirados das entrevistas realizadas com enfermeiros participantes da pesquisa

CÓDIGOS ENFERMEIROSRELATO
P1O autocuidado nada mais é do que a gente ter a capacidade de fazer nossas necessidades básicas, né? Necessidades humanas básicas, como escovar os dentes é o básico, né isso?
P4O autocuidado é a gestão dos aspectos que envolvem cuidados pessoais […] que pode englobar também aspectos físicos e também mentais, espirituais.
P5O autocuidado, ele perpassa desde as questões de higiene corporal até o cuidado físico, emocional, psíquico, né?
P9O autocuidado é eu ter a prevenção auto comigo mesmo né? Usar os equipamentos e a sistematização que é necessária pra eu fazer a minha proteção e com isso eu também não deixo de ter cuidado com a paciente.
P10O autocuidado tem haver com a auto higienização, escovar dentes, tomar banho, nós temos horário padrão para realizar higienização.

Fonte: Arquivo pessoal, 2023 

Cuidados de enfermagem para os déficits de autocuidado 

Acerca da Teoria do Déficit do Autocuidado, Bezerra (2019) explica que essa teoria promove relevantes benefícios às ações de práticas de cuidados para a evolução da qualidade de vida do paciente. Levando em consideração os sistemas de enfermagem propostos por Orem, tanto o indivíduo hospitalizado quanto o seu acompanhante precisam passar por um processo de apoio-educação do profissional enfermeiro para que o autocuidado seja realizado até mesmo após a alta hospitalar. 

Nesse sentido, também foi evidenciado por 72% dos entrevistados, o papel da enfermagem na identificação, prescrição, execução e, principalmente, supervisão das práticas de autocuidado dos pacientes em tratamento na instituição (Quadro 2). 

Os profissionais, 64%, afirmaram as ações e oficinas de autocuidado promovidas na clínica como importantes instrumentos nesse processo de cuidados e promoção de autonomia com efeitos positivos sobre o acompanhamento hospitalar. Portanto, as ações de enfermagem, em especial no campo da promoção à saúde, de acordo com Abreu, et al. (2015) visam a educação em saúde e adoção de políticas capazes de habilitar o indivíduo a melhorar e aumentar o seu controle sobre a sua saúde. Essas ações têm como objetivo promover a autonomia da população para liderarem o desenvolvimento de sua saúde e a manutenção de seu bem-estar físico, mental e social. 

Nesse sentido, Silva ESP, et. al. (2020) conclui que os cuidados de enfermagem são implementados com qualidade quando os profissionais da saúde atendem as necessidades da pessoa que vivencia o processo de saúde-doença de forma individualizada e direcionada, estabelecendo uma relação de confiança e vínculo com o paciente, concebendo um cuidado com participação do sujeito, como ser capaz de suprir suas necessidades de autocuidado e quando isto não é possível, a enfermagem entra com procedimentos, orientações e intervenções para supri-las até o momento de independência ou de apoio-educativo (SILVA et al, 2020). 

Dessa forma, percebe-se que as atividades e ações estimuladas pela enfermagem promovem a saúde e melhora do quadro evolutivo do paciente, mesmo em pacientes com estado de saúde mais grave, o que favorece a adesão e o tratamento, diminui o tempo de internação, tornando o paciente mais participativo nas ações realizadas e aumenta sua capacidade de autocuidado, bem como de sua autonomia para evoluir em reabilitação psicossocial. 

Quadro 2 – Trechos retirados das entrevistas realizadas com enfermeiros participantes da pesquisa

CÓDIGOS ENFERMEIROSRELATO
P4O estímulo do autocuidado para esses pacientes ocorre primeiro através da identificação […] e aí conforme for a necessidade do paciente a gente cria um plano de autocuidado e supervisão também.
P4Cuidados com o cabelo, pra lavar, hidratar, aplicar medicação para piolho. Às vezes pra fazer limpeza de pele também. Assim, a gente faz as as ações em grupo, mas também a gente faz individuais
P5Primeiramente acontece com a prescrição da sistematização de enfermagem da SAE […] o enfermeiro como gestor da clínica e gestor da equipe técnica, ele é responsável por essa prescrição e logo mais o técnico, ele é responsável pela realização
P11A gente faz o nosso serviço de autocuidado, a gente faz ação de enfermagem com a TO aqui conosco, a gente monta uma equipe aí no salão, a gente faz brincadeira, a gente faz uma tarde de beleza.

Fonte: Arquivo pessoal, 2023. 

Déficits de autocuidado dos pacientes 

Todos os enfermeiros entrevistados afirmaram haver esse descaso dos pacientes com o autocuidado em algum momento do tratamento e 91% ressaltou infecções parasitárias, cutâneas ou fúngicas como os principais acometimentos entre os pacientes (Quadro 3). 

Contudo, também foi expresso por 73% dos profissionais o déficit de autocuidado dos pacientes no que se refere a higiene física e oral dessas pessoas, acarretando complicações e infecções nas genitais e na cavidade oral, especialmente a primeira relacionada ao sexo feminino e a segunda ao sexo masculino. 

Segundo Pires (2015), condicionando a integralidade na concepção da temática, as negligências de autocuidado consiste no resultado deficitário após a relação entre as capacidades de autocuidado e a demanda de autocuidado terapêutico. Nesta relação às capacidades de autocuidado são inferiores às demandas, demonstrando com isso a necessidade da pessoa obter conhecimento, habilidades e experiências para nivelar ou superar as demandas próprias daquele momento ou período de vida, apontando a necessidade da enfermagem. 

E ainda, 36% dos profissionais que responderam as perguntas abordaram o impacto negativo dos déficits no autocuidado tanto para a autoimagem, quanto para a autoestima do paciente, levando ao agravamento de sua condição de saúde e comprometendo a recuperação e interação nas atividades de enfermagem. 

De acordo com Guererro-Pacheco (2017), o autocuidado prejudicado provoca impactos negativos para saúde física, mental e social das pessoas, em especial aquelas que encontram barreiras psicofisiológicas para a efetivação do autocuidado. Dessa forma, pode contribuir para a manutenção da integridade e funcionamento humano com mudanças nos hábitos de vida que implicam em prevenção de saúde e redução de complicações em caso de tratamento. 

Nota-se, na percepção pela maioria dos enfermeiros, próxima relação estabelecida entre os déficits no autocuidado com fatores associados apenas a saúde física que acarretam desordens na higiene, infecções de pele e mucosas, entre outras complicações. E menos da metade elencou a influência dessas negligências para o agravamento do próprio quadro psíquico do paciente, ou seja, a própria condição de déficit de autocuidado, se não estabelecida a normalidade, pode dificultar o processo de cura dessas pessoas. 

Quadro 3 – Trechos retirados das entrevistas realizadas com enfermeiros participantes da pesquisa

CÓDIGOS ENFERMEIROSRELATO
P5O paciente tem uma crítica da sua condição de saúde e ele começa a se perceber feio né, digamos assim mal cuidado, isso acarreta também problemas.
P7Na nossa clínica, o nosso paciente é acometido muito de Escabiose, Micoses, Pediculoses […] A pessoa que não faz a sua higiene, pode acarretar doenças tanto parasitárias, como infecciosas ou fúngicas.
P7Quando eles vão se olhar de novo, eles veem que é uma pessoa diferente na frente do espelho. E esse choque que tem de se ver e se perceber pode causar um problema mental.
P10É muito difícil tu ver aqueles cuidados com a higienização bucal. Está entendendo? Não tem aquela coisa de fazer a refeição e vai fazer a higiene bucal, isso não existe.
P11Os meninos têm mais dor de dente, eles se queixam muito de dor de dente e não gostam muito de escovar, isso já vem desde casa né e as meninas tem muita muita inflamação nas partes íntimas.

Fonte: Arquivo pessoal, 2023. 

Autonomia dos pacientes para o seu autocuidado 

Acerca da percepção dos profissionais sobre a autonomia dos pacientes em sofrimento psíquico, 82% concordaram que a maioria dos pacientes na clínica participam e interagem nas atividades e ações realizadas pela enfermagem de autocuidado ou de cunho educativo (Quadro 4). 

É preciso destacar a relevância do papel educativo e de apoio emocional durante a assistência de enfermagem, Silva ESP, et al. (2020) expõe assim como a oportunidade de posicionar a cliente no processo determinante de seu tratamento, devendo ser participante ativa de decisões sobre seu estado de saúde. As ações educativas podem ser empregadas nos mais diversos cenários, havendo uma constante troca de saberes, ou seja, ao mesmo tempo que tem um ensinamento estão aprendendo algo novo ou de uma perspectiva diferente. 

No entanto, Bezerra MLR, et al. (2019) afirma que somente esse aprendizado não garante a execução dessas ações, o sucesso das intervenções se deve ao interesse e à capacidade do indivíduo em seu cuidado, visando as alterações de consciência e sensibilidade de pacientes em assistência continuada. Esse processo de interesse e participação nas atividades está diretamente relacionado com a evolução do quadro clínico de cada paciente que foi elencado por 91% dos profissionais. 

Ainda assim, no caso de pacientes com melhor disposição para o autocuidado, foi relatado por 27% dos enfermeiros a falta de estímulos à autonomia e promoção do autocuidado dos pacientes pela equipe de enfermagem. A teoria teorizada por Orem, propõe os subsídios para que seja identificado adequadamente os sinais indicadores de déficit de autocuidado ou de autonomia e, então, traçar medidas assistenciais que visem sanar essas demandas essenciais de saúde. 

O conhecimento desta teoria permite, de acordo com Silva KPS, et al. (2021) identificar as necessidades de autocuidado, estabelecer soluções para a saúde, doença e bem-estar do indivíduo, além de capacitá-lo para que desenvolva seu próprio cuidado, aumentando sua autoestima e independência. Desta maneira, conforme exposto os benefícios ao tratamento, a unificação da equipe de enfermagem para a promoção da autonomia com estímulo à responsabilização de atividades que os pacientes estão capacitados para realizar, é uma necessidade para a preservação de um cuidado ampliado à saúde mental.

Quadro 4 – Trechos retirados das entrevistas realizadas com enfermeiros participantes da pesquisa 

CÓDIGOS ENFERMEIROSRELATO
P3 Alguns pacientes possuem autonomia, mas pela condição, principalmente na clínica psiquiátrica, parece que essa autonomia é retirada deles. Alguns profissionais querem tratá-los como se não possuíssem autonomia
P6Muitos não sabem o porquê que eles precisam realizar, eles perderam a necessidade de se realizar o autocuidado, de se cuidar para si mesmo.
P8 P9Se o paciente tem um discernimento de fazer seu autocuidado, ele é realizado sob supervisão da equipe de enfermagem, caso ele não tenha esse discernimento o cuidado vai ser direcionado pela equipe, mas vai depender do quadro psíquico do paciente Vai muito da percepção deles em relação à atividade proposta. Então às vezes eles não tem afinidade, mas eles chegam aqui às vezes e até criam certas afinidades. Tem paciente que chega aqui e fica só olhando dançar, quando a gente vê já virou um bailarino.
P11O único que eu vejo é a prevenção à pediculose que é passado uma loção e ainda assim nem sempre dá jeito, mas acaba que é só isso mesmo, tem um défice muito grande de promoção mesmo de autocuidado […] Cerca de 80% participam, eles adoram quando tem essa ação, todos participam, dificilmente tem um problema.

Fonte: Arquivo pessoal, 2023. 

CONCLUSÃO 

Portanto, o estudo apresenta como limitação ter avaliado somente a perspectiva de enfermeiros sobre a temática e não ter tido um número amostral de participantes maior, o que complementaria o estudo. Porém, possibilitou a compreensão e a evidência de aspectos referentes ao autocuidado de pessoas em sofrimento mental e as percepções dos enfermeiros que atuam na assistência à saúde mental. Dando ênfase para o papel e responsabilidade do enfermeiro nesse processo não apenas de cuidados, mas garantia da qualidade de vida e bem-estar do paciente em tratamento; visto que a efetivação de direitos dessas pessoas ainda é uma dificuldade, principalmente nas instituições de saúde. Portanto, a equipe de enfermagem torna-se essencial para superar antigos estigmas e preceitos sociais reproduzidos nos serviços à saúde mental para a garantia da qualidade da assistência prestada, estimulação da autonomia dessas pessoas em relação ao tratamento e promoção da saúde de forma a desempenhar papel educativo nesse processo de cuidado. 

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2Universidade do Estado do Pará (UEPA), Belém-Pará. *E-mail: vieiramarioantonio@hotmail.com *Lattes: http://lattes.cnpq.br/2033988394149241 
3Universidade do Estado do Pará (UEPA), Belém-Pará. *E-mail: enfatrabalho.pesquisa@yahoo.com *Lattes: http://lattes.cnpq.br/4552008773049888 
4Universidade do Estado do Pará (UEPA), Belém-Pará. *E-mail: karollynemourão@gmail.com *Lattes: http://lattes.cnpq.br/9793896935383365 
5Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém-Pará. *E-mail: evelym.cristina1@gmail.com *Lattes: http://lattes.cnpq.br/8693450255713789 
7Universidade da Amazônia (UNAMA), Belém-Pa *E-mail:guilhermedossantos071295@gmail.com *Lattes::http://lattes.cnpq.br/5024367087346762