REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102501071612
Ruan Teles Monteiro
Orientadora: Profª. Drª. Solena Ziemer Kusma Fidalski
RESUMO
Introdução: o suicídio é o ato de causar a própria morte de forma consciente e intencional, sendo um quadro influenciado por fatores culturais, socioeconômicos, neurológicos e genéticos. No Brasil, há pouca literatura sobre o tema, tornando-se importante um estudo desenvolvido no país, ainda mais sob a luz do cenário pandêmico visto a partir de 2020. O objetivo dessa pesquisa é analisar os dados sobre suicídio em Curitiba – PR, durante os anos de 2018 a 2022, a fim de identificar quais são os principais meios e contextos e se há associação com a pandemia pelo vírus da COVID-19. Material e Métodos: estudo analítico, observacional, retrospectivo. Os dados analisados foram coletados a partir do sistema Gestor de Documentos e Laudos e dos resultados de exames toxicológicos realizados no Instituto Médico Legal de Curitiba-PR. A seleção desses laudos foi feita por pareamento com a lista de nomes fornecida pela Delegacia de Proteção à Pessoa, durante o período de 2018 à 2022. Resultados: o estudo contou com 634 casos de suicídio, sendo 164 mulheres (25,9%) e 470 homens (74,1%), com idade média de 40,25 anos. A análise da temporalidade demonstrou que 60,9% das ocorrências foram no período diurno e que os meses mais quentes contabilizaram 53,4% dos números. Quanto aos anos, não foi possível observar aumento significativo dos números ao passar do tempo. Das características, foi visto que a principal motivação foi a depressão ou outros problemas psicológicos, com 489 casos (45,2%), meio mais escolhido foi o enforcamento, para ambos os sexos, que ocorreu 380 vezes (59,9%) e que o distrito sanitário Matriz da cidade de Curitiba teve o maior número de casos, com 129 (20,4%). Conclusão: evidenciou-se o padrão de suicídios na capital paranaense como pessoas do sexo masculino, com transtornos psicológicos e enforcamento como forma mais recorrente. Além disso, demonstrou-se que não houve influência da pandemia nos números, embora tenha-se visto mudança nos diagnósticos de doenças mentais ao longo dos anos. Dessa forma, comprova-se a importância de ter estudos recorrentes sobre o tema, visto que ao delimitar essas características, planos de conscientização e intervenção podem ser formulados e empregados na sociedade a fim de diminuir o número de episódios.
Palavras-chave: suicídio; suicídio consumado; COVID-19
ABSTRACT
Introduction: suicide is the act of consciously and intentionally causing one’s own death, and is a condition influenced by cultural, socioeconomic, neurological, and genetic factors. In Brazil, there is little literature on the subject, making a study developed in the country important, especially in light of the pandemic scenario seen from 2020. The aim of this research is to analyze the data on suicide in Curitiba – PR, during the years 2018 to 2022, in order to identify what are the main means and contexts and if there is an association with the pandemic by the COVID-19 virus. Material and Methods: analytical, observational, cross-sectional study. The data analyzed were collected from the Documents and Reports Management system and from the results of toxicology tests performed at the Medico-Legal Institute of Curitiba-PR. The selection of these reports was made by pairing with the list of names provided by the Police Station for the Protection of the Person, during the period from 2018 to 2022. Results: the study counted 634 cases of suicide, being 164 women (25.9%) and 470 men (74.1%), with a mean age of 40.25 years. The temporality analysis showed that 60.9% of the occurrences were in the daytime period and that the hottest months accounted for 53.4% of the numbers. As for the years, it was not possible to observe a significant increase in numbers over time. Of the characteristics, it was seen that the main motivation was depression or other psychological problems, with 489 cases (45.2%), the most chosen means was hanging, for both sexes, which occurred 380 times (59.9%) and that the Matriz health district of the city of Curitiba had the highest number of cases, with 129 (20.4%). Conclusion: it was evidenced the pattern of suicides in the capital of Paraná as male people, with psychological disorders and hanging as the most recurrent form. Moreover, it was shown that there was no influence of the pandemic on the numbers, although it has been seen a change in the diagnoses of mental illness over the years. Thus, it proves the importance of having recurrent studies on the subject, since by delimiting these characteristics, awareness and intervention plans can be formulated and employed in society in order to reduce the number of episodes.
Key-words: suicide; completed suicide; COVID-19
1. INTRODUÇÃO
O conceito de suicídio é, segundo o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal, apresentado nas “Orientações para a atuação profissional frente a situações de suicídio e automutilação”, um ato pensado pela própria pessoa com finalidade de morte e executado do início ao fim pela mesma. Em si, o suicídio é uma consequência de múltiplos fatores sociais, mentais e físicos experenciados somente por aquele indivíduo, tornando-se, então, um quadro de saúde difícil de prever e prevenir (BRASÍLIA et al, 2020).
Com a instalação da pandemia, todas as áreas da saúde tornaram-se sobrecarregadas. De acordo com o Ministério da Saúde (MS), uma das principais preocupações é o risco de uma epidemia paralela de quadros e transtornos mentais. No entanto, mesmo que não haja resultados concretos sobre o impacto da pandemia de COVID-19 na saúde mental, o MS aponta que estudos sobre situações parecidas já demonstraram a implicação que epidemias e pandemias têm sobre a psique humana, o que é embasado pela obra “A cruel pedagogia do vírus”, de Boaventura de Souza Santos, em que ele afirma: “qualquer quarentena é discriminatória, mais difícil para uns grupos sociais do que para outros”. Na verdade, tais grupos já “padecem de uma especial vulnerabilidade que precede a quarentena e se agrava com ela”. Ainda segundo o MS, pode-se dividir os danos à saúde em quatro partes: a sobrecarga imediata dos sistemas de saúde, o repasse de verbas para o enfrentamento da pandemia em detrimento às outras áreas da saúde, suspensão dos tratamentos de várias doenças crônicas e, o qual é um dos focos deste estudo, o crescimento do número de casos de transtornos mentais e traumas psicológicos que podem ser causados diretamente pela infecção pelo vírus ou pelo contexto (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021).
Assim, como a pandemia tornou-se um fator comum a toda população mundial e, portanto, deixa de ser um princípio individual para ser um coletivo e potencialmente causador de maiores números de casos de suicídio, este estudo apresenta como objetivo analisar os dados de suicídio fornecidos pelo IML – Curitiba durante os anos de 2018 a 2022 em Curitiba e, dessa forma, delinear os padrões dos casos, que envolvem variáveis de meio empregado, motivo evidenciado, sexo, idade, entre outras. No Brasil por ainda haver carência de dados sobre suicídios em razão da pandemia da COVID-19, espera-se que este trabalho traga como efeitos uma melhoria nos atendimentos e prevenção de casos suicidas e uma maior atenção a este problema de saúde pública, visto o alerta que a FIOCRUZ trás sobre como “estatísticas que apontam o aumento dos casos de tentativas e suicídios após eventos extremos, identifica-se como fundamental o desenvolvimento de estratégias de prevenção, acompanhamento e posvenção, visando o bem-estar da população” (GREFF et al, 2020).
Embora a literatura sobre o suicídio seja imensa, a maioria das obras é europeia ou norte americana, sem tradução para o português, mesmo o suicídio constituindo uma importante questão de saúde pública no mundo inteiro e, tendo a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimado que, até 2020, mais de 1,5 milhões de pessoas cometeriam suicídio. (LOVISI, 2009).
Em termos globais a mortalidade por suicídio aumentou 60% nos últimos 45 anos. De acordo com registros da Organização Mundial da Saúde, 900.000 pessoas cometeram suicídio em 2003, isso representa uma morte a cada 35 segundos (BOTEGA, 2007). Entretanto, os coeficientes de mortalidade por suicídio (calculados em termos de número de mortes por cada cem mil habitantes) são consideravelmente mais baixos na América do Sul do que na América do Norte e Europa (BOTEGA, 2007). Países com as maiores taxas de suicídio encontram-se na Europa Oriental, com mais de 25 suicídios a cada 100 mil habitantes por ano. Taxas consideradas médias (de 10 a 20 suicídios a cada 100 mil habitantes) foram encontradas em Canadá, Hong Kong, Dinamarca, Alemanha, Estados Unidos, Uruguai, Chile, Cuba, Finlândia e França. Taxas baixas, isto é, com menos de 10 suicídios a cada 100 mil entre países europeus mediterrâneos e outros países da América Latina.
Cassorla (2018, p. 87), ao observar essa realidade no início do século XXI, pontua a complexidade dos fatores que influenciam o suicídio, uma vez que os dados apontam não existir uma relação clara entre as suas taxas e a riqueza dos países ou o nível cultural médio. No entanto, sabe-se hoje que a principal causa motivadora é a depressão maior, seguida de dependência de álcool ou de outras substâncias psicoativas (LESAGE et al, 1994 apud TUREKI, 1990 p. 19).
No Brasil, cerca de 12 mil pessoas tiram a própria vida anualmente. Entre a população de 15 a 29 anos é a terceira maior causa de morte no país. A falta de atenção dada ao tema e a discriminação da sociedade em relação ao assunto tornam o suicídio um problema de difícil solução. (BAHIA 2020). Segundo Savaris (2015) dados do Coeficiente de mortalidade de Suicídio em Curitiba no período de 1980 a 2015, a avaliação da série histórica das taxas de mortalidade por suicídio mostra pequenas variações ano a ano, com leve tendência a crescimento. A maior taxa foi observada em 1988 (6.6/ 100.000 habitantes). Nos últimos 10 anos a taxa média de suicídio tem girado em torno de 4,2 por 100.000 habitantes.
Atentas a essa realidade, iniciativas internacionais e nacionais são planejadas no sentido da modificação desse quadro. A Associação Internacional para Prevenção do Suicídio (IASP), em colaboração com a Organização Mundial da Saúde (OMS), promove todo dia 10 de setembro o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio (OPAS, 2021). No Brasil, várias ações do Ministério da Saúde são voltadas à prevenção do suicídio. Dentre elas destaca-se: o lançamento em 2006 da Portaria nº 1876, de 14 de agosto de 2006, que institui Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicídio, a serem implantadas em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão. (BRASIL, 2006).
Em 2011, pela Portaria nº 3088/2021, foi instituída a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para pessoas com sofrimento ou transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (BRASIL-MS, 2011). Em 06 de junho de 2014 a Portaria nº 1271 define a Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território nacional, tornando as tentativas de suicídio e o suicídio agravos de notificação compulsória imediata em todo território nacional (BRASIL-MS, 2014). Por fim, mais recentemente, em dezembro de 2017, a Portaria nº 3479, instituiu o Comitê Gestor para elaboração de um Plano Nacional de Prevenção do Suicídio no Brasil em consonância com as Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicídio e com as Diretrizes Organizacionais das Redes de Atenção à Saúde (BRASIL, 2017).
Diante desse contexto, esse estudo tem como objetivo analisar os dados sobre suicídio na cidade de Curitiba-PR de 2018 a 2022, incluindo os principais meios, contextos e sazonalidade. Além de tentar identificar a existência de uma relação de aumento dos casos com a pandemia pelo vírus COVID-19 no intuito de fortalecer uma intervenção precoce e estimular melhorias nas ações em saúde pública.
2. MATERIAL E MÉTODOS
Estudo analítico observacional retrospectivo, baseado em coletas de dados do Gestor de Documentos e Laudos (GDL), sistema utilizado pela Policia Científica do Paraná para a elaboração de laudos de todas as Sessões Técnicas do Instituto de Criminalística e dos resultados de exames toxicológicos realizados nos laboratórios do Instituto Médico Legal (IML) de Curitiba-PR. A seleção dos laudos no sistema GDL, aconteceu por meio de lista de nomes fornecida pela Delegacia de Proteção à Pessoa, órgão da Polícia Civil que investiga os casos de suicídio em Curitiba e durante o período de 01/01/2018 à 31/05/2022.
Quanto os critérios de exclusão, casos com laudo de morte inderterminada, com quaisquer particularidades indicadoras de morte por homícidio ou que os laudos ainda estivessem na dependência de exames complementares para serem concluídos foram retirados do estudo. Assim, totalizando uma população final de 634 pessoas.
Os dados sobre idade, sexo, etnia, data do óbito, local de ocorrência, motivação e causa mortis foram obtidos e registrados em planilha eletrônica (programa Microsoft Excel®), e posteriormente conferidos e exportados para análise estatística.
A análise de dados foi realizada com o auxílio do programa computacional Statistical Package for the Social Science – SPSS® (IBM® SPSS® Statistics v. 25.0, SPSS Inc, Chicago, EUA). Os resultados foram expressos por médias, medianas, valores mínimos, valores máximos e desvios padrões (variáveis quantitativas) ou por frequências e percentuais (variáveis qualitativas). Para análises inferenciais foram utilizados os Testes Exato de Fisher e Testes do Qui Quadrado, valores de p<0,05 foram considerados significativos.
Após coleta de dados, utilizamos o Boletim Epidemiológico da Secretária de Vigilância em Saúde, divulgado em setembro de 2021, como trabalho norteador, afim de observar se os dados divulgados por este condizem com a realidade curitibana.
Para os pontos de comparação, foram escolhidos meio empregado, comparação entre sexos, evolução ao longo do tempo, taxas entre as faixas etárias e etnias. Outros dois questionamentos advindos da observação diária no IML-Curitiba foram a sazonalidade das taxas de suicídio e, a principal hipótese a ser testada neste trabalho, se houve aumento no número de pessoas tirando a própria vida durante a pandemia do que em anos anteriores.
Esse estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Setor de Ciências da Saúde da UFPR, seu parecer de aprovação foi o protocolo CAAE: 58320422.2.0000.0102, no dia 25 de maio de 2022.
3. RESULTADOS
3.1. Características populacionais
A população analisada durante o estudo, composta por 634 pessoas, continha mais homens (470, 74,1%) do que mulheres (164, 25,9%), com idades variando entre a pré-adolescência até a mais senescente velhice, 12 à 95 anos (média 40,25, moda 23 e mediana 38), com a maior parte dos indivíduos incluídos na pesquisa declarados brancos (474, 74,8%) e heterossexuais (616, 97,2%). Conforme apresenta a tabela 1.
FONTE: Autores (2023)
3.2. Análise dos resultados
Dentre os dados analisados, o distrito sanitário de Curitiba que conteve a maior frequência de óbitos por suicídio foi o distrito Matriz (129, 20,4%), seguido pelo distrito Boa Vista (84, 13,3%), como pode ser visto na Figura 1.
Figura 01 – Distribuição de casos por distritos sanitários de Curitiba-PR
FONTE: Autores (2023)
Em relação a temporalidade dos casos de suicídio, foi observado que os horários em que mais mortes foram relatadas foi durante o dia, das 6h00min às 17h59min (386, 60,9%), sendo que o dia da semana com maior parte das ocorrências foi segunda-feira (105, 16,6%). Além disso, partindo para a observação dos meses, pode-se constatar que a predominância de suicídios ocorreu entre os meses da primavera e do verão (308 casos entre outubro e março dos anos de 2018 à 2021, 53,4%; os dados do ano de 2022 foram desconsiderados para está análise, visto que só abrangiam até o mês de maio, sendo o n=577 para esta estatística) e o pico ocorreu no mês de novembro de 2020 (20, 4,3%). Em comparação aos anos, o resultado encontrado demonstrou que não houve aumento significativo estatisticamente, embora não tendo sido possível contabilizar o ano de 2022 por completo. Os dados estão disponíveis na tabela 2 e 3.
FONTE: Autores (2023)
FONTE: Autores (2023)
Em relação as características dos casos de suicídio, foi averiguado que a principal motivação dentre os casos foi o histórico de depressão ou outros problemas psicológicos (489, 45,2%), como mostra a tabela 4, porém, ao particularizar os números obtidos, verificamos que ao longo dos anos vem ocorrendo uma inversão entre as prevalências de depressão e os demais problemas psicológicos, como delimitado na tabela 5.
FONTE: Autores (2023)
FONTE: Autores (2023)
Já no que se refere ao meio empregado pelas vítimas, o enforcamento foi o mais empregado ao longo de todos os anos (380, 59,9%), sendo que o segundo lugar alternou, principalmente, entre o uso de armas de fogo (69, 10,9%) e o arremesso ao solo/ precipitação (69, 10,9%). Entretanto, no ano de 2021, nota-se um aumento acentuado do envenenamento como meio, apresentando 26 casos neste período. Dados descritos na tabela 6.
FONTE: Autores (2023)
Outra arguição feita em relação aos mecanismos de suicídio, foi a comparação com os sexos. Tanto para as mulheres quanto para os homens, o mecanismo mais comum foi o enforcamento (F 53,7% e M 62,1%), porém houveram divergências nas demais posições. Para as mulheres, o segundo meio mais empregado foi o arremesso ao solo (26, 15,9%), enquanto para os homens foi o uso de armas de fogo (63, 13,4%). Em terceiro lugar, para as mulheres foi o envenenamento (21, 12,8%) e para os homens, o arremesso ao solo (43, 9,1%). Conforme mostra a tabela 7.
FONTE: Autores (2023)
4. DISCUSSÃO
Considerando os períodos pré-pandêmico e pandêmico, foi observado que as taxas de mortalidade por suicídio quando comparado a estudos anteriores (SAVARIS, 2015) mantiveram o perfil de pequenas variações ano a ano, com leve tendência ao crescimento. No entanto, cabe lembrar que o suicídio é um fenômeno complexo e multifatorial e a possível manutenção no seu número de casos, em uma situação de pandemia, pode estar relacionado a diferentes fatores e realidades, enquanto uns experieciam o medo, isolamento, solidão, desesperança, acesso reduzido a suporte comunitário e espiritual, dificuldade de acesso ao tratamento em saúde mental, doenças e problemas de saúde, suicídio de familiares, conhecidos ou profissionais de saúde (ROGER et al., 2020), outros podem ter se reconectados com seus núcleos familiares, de amizade e com si próprio. Dessa forma que, em vigência de uma pandemia, ainda se justifica um risco maior de suicídio na população. Todavia não foi possível demonstrar com o presente estudo um aumento do número de suicídio durante o período de 2018 à 2022.
Com relação às observações feitas sobre os sexos, embora as mulheres apresentem maiores tendências e ideações suicidas, o estudo mostra maior número de morte em homens, visto que esse fator possa estar relacionado ao uso de meios mais agressivos e letais de óbito pelos homens (VIDAL, 2012; NOCK et al., 2009) e maior suscetibilidade a impactos negativos de instabilidades socioeconômicas.
O maior número de casos de óbito por suicídio entre homens pode estar associado a menor busca pelos mesmos de ajuda profissional uma vez que questões culturais de quem o homem não pode demostrar fragilidade ou até mesmo procurar por ajuda, dificultando assim a prevenção ao suicídio. Outro fator que estaria intimamente ligado ao óbito de homens durante a pandemia por Covid-19, é o fato de que na maioria das famílias o homem ainda é o responsável por garantir o sustento, desta forma, situações de dificuldades financeiras poderiam afetar ainda mais este gênero em relação às mulheres (WONG et al., 2017).
Em relação aos dias da semana foi observado predomínio do número de suicídios na segunda-feira. Dados semelhantes são fornecidos pela bibliografia internacional, embora em algumas regiões haja variações (BANDO, 2012). A relação deste dia da semana ter predominado pode estar relacionado à depressão do domingo em que boa parte da população trabalhadora tem o estilo de vida de “sobreviver” durante a semana e “viver” nos finais de semana. Neste contexto, muitos não suportam mais retornar aos dias de tristeza e insatisfação
após o domingo. Na população mais jovem e idosa o número de óbitos tende a ser maiores nos dias de semana, uma vez que durante a semana geralmente tendem a ficar mais isoladas dos pais e de amigos respectivamente (RHEINHEIMER, 2015). Todavia no presente estudo não foi possível realizar esta análise.
No que diz respeito ao grupo étnico houve predomínio de suicídio na população branca, o que condiz com a realidade curitibana, dado que a população autodeclarada branca representa, atualmente, 67,6% do total, enquanto pardos e pretos representam 27,8% e 3,3%, respectivamente (IBGE, 2017).
A análise do meio empregado demonstra que houve predomínio do enforcamento em detrimento dos demais meios atingindo valores superiores aos encontrados na literatura em que predomina o enforcamento (47%), armas de fogo (19%) e envenenamento (14%) (LOVISI et al., 2009). Em relação ao Boletim Epidemiológico da Secretária de Vigilância em Saúde, a pesquisa apresentou discrepância entre os modos, com o óbito consequente de envenenamento (60,2%) sendo o principal destes para o Boletim Epidemiológico, enquanto para nosso estudo foi o enforcamento (59,9%).
No que concerne a motivação para o suicídio, tem-se que na maioria dos casos os pacientes apresentavam história de depressão seja esta passional, depressão doença ou depressão financeira; o que está em consonância com a literatura, uma vez que a depressão, seja como causalidade primaria ou secundaria ou como efeitos de abandonos, perdas familiares, pessoais e financeiras, doenças incapacitantes e dolorosas, sofrimentos e violências, é o elemento mais eloquente numa parcela significativa de casos, pelo vazio, desconforto e sentimento de inutilidade que ela produz. Outros fatores como uso de drogas, esquizofrenia, discriminação ideológica constituem-se como fatores precipitadores dos suicídios, porém, com uma expressividade muito inferior à depressão. Vale ressaltar que a coexistência destas condições à depressão agrava esta situação de risco ao suicídio. (BOTEGA, 2014).
Um estudo realizado no Brasil (BENEDITO-SILVA, 2007) investigou a sazonalidade entre 1979 e 1990 em vários estados do país. Os maiores picos no número de suicídio foram observados na primavera e verão tanto para homens quanto para mulheres no Sul do país (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). Resultados semelhantes foram achados no artigo Sazonalidade e tentativas de suicídio: comparativo entre a Paraíba, região nordeste e Brasil / Seasonality and suicide attempts: comparison between Paraiba, northeast region and Brazil, o qual demonstrou que as taxas se elevam durante a primavera (LAVOR, 2020). Estes índices correlacionam-se melhor com a realidade de Curitiba, em desfavor ao imaginário popular que acredita que o número de suicídios concentra-se nos meses de inverno, principalmente no mês de setembro, em decorrência deste ser o mês escolhido mundialmente como o de prevenção ao suicídio.
No entanto, o método de análise utilizado no estudo apresenta limitações uma vez que as definições utilizadas para determinar cada estação do ano foi feita considerando o verão como os meses de janeiro, fevereiro e março; outono como, abril, maio e junho; inverno como julho, agosto e setembro; e, finalmente, primavera como os meses de outubro, novembro e dezembro. Este agrupamento compromete os resultados obtidos, uma vez que as estações do ano são definidas considerando os fenômenos astronômicos de solstício e equinócio.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo propôs, como objetivos analisar se ocorreu aumento nos casos de suicídios devido à pandemia assim como estabelecer quais os principais meios e contextos relacionados ao suicídio na capital. Foi observado que o número de óbitos por suicídio não teve aumento considerável durante o período investigado. Constatou-se, porém, que há mais ocorrências de suicídio durante os períodos de primavera e verão. Foi estabelecido como meio empregado o enforcamento em detrimento dos demais e que a depressão figura como principal doença ou fator precipitante ao suicídio o que traz à tona a necessidade do desenvolvimento de ações de prevenção integradas e abrangentes em toda sociedade, como a educação e o envolvimento de gestores e profissionais de saúde para formação de redes de apoio à comunidade.
O presente estudo pode ser, portanto, utilizado como instigador para análises mais aprofundadas sobre o suicídio, e até mesmo sobre as tentativas de suicídio, considerando maiores períodos de tempo e de localidades. E a partir desse maior conhecimento epidemiológico, ter a possibilidade de cada vez mais implementar meios de prevenção e conscientização da população e de formular estratégias específicas para grupos de risco.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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- ANEXO 1 – PARECER CONSUBSTANCIADO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA
- ANEXO 2 – APROVAÇÃO DO CONTEÚDO FINAL