SUICÍDIO: A VIVÊNCIA DE QUEM FICA E OS SENTIMENTOS DE PERDA E LUTO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7393849


Fabiane Barbosa do Nascimento1
Flavia Raquel Oliveira Reis2
Maria da Cruz Santos Silva3
Ruth Raquel Soares de Farias4


RESUMO

O suicídio atinge consideravelmente diversas áreas da vida dos familiares e pessoa muito ligadas ao ente que faleceu. Por se tratar de uma morte repentina e bastante violenta vai exigir dos familiares muita energia psíquica para efetivar a construção do luto. O objetivo deste trabalho foi discutir o processo do luto, nas pessoas que ficam com sentimento de perda em decorrência do suicídio. A metodologia trata-se de uma revisão integrativa, cujo recorte temporal foi de 2012 a 2022, sendo utilizadas as bases de dados na LILACS (Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), SCIELO (Scientific Eletronic Library Online) PUBMED, SCIENCE, PEPSIC, foram utilizados os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): “luto”; “suicídio”, “vivência”. O resultado, os quais proporcionaram a compreensão de que os estereótipos negativos, enraizados na sociedade, diante esse tema traz como consequência uma vivência árdua e silenciada, visto que os estigmas que acompanham o suicídio fazem com que os enlutados se sintam com vergonha, medo, raiva e não aceitem a realidade de imediato, assim, passam por um luto complicado. Dessa forma enfatiza a importância da prevenção e posvenção ao suicídio.

Palavras-chave: suicídio; perda; luto; vivência; prevenção; posvenção.

ABSTRACT

Suicide affects very considerably several areas of the life of family members and people very connected to the person who died. Because it is a sudden and quite violent death, it will require a lot of psychic energy from the family to carry out the construction of mourning. The objective of this work was to discuss the process of mourning, in people who are left with a feeling of loss as a result of suicide. The methodology is an integrative review, whose time frame was from 2012 to 2021, using the databases in LILACS (Latin American and Caribbean Literature in Health Sciences), SCIELO (Scientific Electronic Library Online) PUBMED, SCIENCE, PEPSIC, the Descriptors in Health Sciences (DeCS) were used: “mourning”; “suicide”, “experience”. The result, which provided the understanding that the negative stereotypes, rooted in society, on this theme, result in an arduous and silenced experience, since the stigmas that accompany suicide make the bereaved feel ashamed, afraid, anger and don’t accept reality right away, so they go through complicated grief. Thus, it emphasizes the importance of suicide prevention and postvention.

Key Words: Suicide; Loss; Mourning; Experience; Prevention; Posvention.

1 INTRODUÇÃO

Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria (2014), o suicídio é conceituado como o ato intencional, cometido contra si cujo objetivo é a morte, usando de um meio letal. É um fenômeno que pode ter vários fatores decorrentes da interação psicológica, biológica, culturais/socioambientais, etc. Porém não ocorre motivado por uma única razão, é um fenômeno que ‘acontece’ sem motivos e causas aparentes, que se manifesta e se concretiza de um processo de sofrimento pessoal e coletivo. A luz do senso comum é entendida como uma relação de soberania do homem a sua existência.

Vale ressaltar que as tentativas de suicídio são um agravante para a futura efetivação dessa prática. Portanto, devem ser levadas em consideração e com seriedade, como um sinal de alerta. Após o suicídio, o contexto familiar muda drasticamente, por ser um evento traumático e doloroso de difícil aceitação, pois a realidade cruel de perder um ente querido provoca nos sobreviventes uma diversidade de sentimentos, tais como: culpa e raiva (BOTEGA, 2014).

Além desses sentimentos, podem sentir vergonha ao enfrentarem julgamentos e incompreensão de quem poderia dar uma ajuda. As tentativas de procurar as explicações, os porquês, e esses questionamentos podem persegui-los por toda a vida. É um momento difícil e delicado de vivenciar pelo fato de ser um ato voluntário e repentino, feito pelo próprio indivíduo, é algo que se torna mais complicado da família ou amigos aceitarem, sendo uma vivência árdua em busca de um significado para a própria vida (FUKUMITSU et al., 2015, FUKUMITSU; KOVÁCS, 2016).

A perda por suicídio é difícil de ser encarada e gera sentimentos e questionamentos. Primeiro a raiva da pessoa que cometeu o ato suicida, por não ter “pensado” em quem ia ficar e como ia sofrer, e também a culpa, eles se responsabilizam pela a atitude da pessoa falecida, porque não conseguiram evitar, identificar que a pessoa “tentante” desse ato estava sofrendo, ou jogar a culpa para terceiros. Devido aos estigmas, os preconceitos que acompanham o ato suicida podem gerar consequências, bem como predeterminar a propagação da depressão e transtorno de estresse pós-traumático. Com isso os familiares e amigos precisam de apoio, acolhimento, respeito, atenção e intervenção efetiva para lidar com essa situação (MIRANDA, 2014).

O luto por suicídio é desafiador, e o processo vivenciado pelos enlutados é repleto de questionamentos, culpa, sofrimento e saudade, sentimentos estes ligados a um evento marcante que, muitas vezes, paralisa a vida de quem ficou. Refletir sobre a compreensão do processo de luto vivenciado pelos sobreviventes é importante para o cuidado preventivo de casos de suicídio entre enlutados. O papel do psicólogo é identificar e promover ações que possam prevenir possíveis complicações no luto, oferecendo, assim, aos enlutados alternativas que possam trazer alívio, além de buscar minimizar os danos causados pela perda (BOTEGA, 2015).

Diante do exposto acima, esta pesquisa tem como pergunta de partida: como se caracteriza o processo de vivência de quem fica na elaboração dos sentimentos de perda e luto em decorrência do suicídio?

O objetivo geral deste artigo foi compreender o processo do luto, nas pessoas que ficam com sentimento de perda em decorrência do suicídio. No decorrer dessa pesquisa foram utilizadas bibliografias para descrever o fenômeno do ato suicida, sua história/origem, e seu conceito. Posteriormente explicar como se dá a elaboração dos sentimentos de perda e luto para os sobreviventes do suicídio, como lidar com essa situação repentina e voluntária de difícil aceitação. Finalizando com a discussão no processo do luto, de pessoas que ficam com sentimento de perda após o ato suicida.

A proposta desse estudo é fazer uma compreensão de como se dá a existência dessas pessoas, a elaboração de seus sentimentos de perda e luto e como lidam com essa situação, compreender que não é apenas o fim de um ciclo pessoal/isolado, mas sim um todo como, por exemplo, as pessoas que sobrevivem a esse ato.

O presente estudo tem como relevância olhar com atenção a essas pessoas sobreviventes, ressaltando que o estudo contribuirá com futuros trabalhos acadêmicos ou profissionais sobre esse tema que ainda é coadjuvante no suicídio. Segundo Botega (2015), pesquisas apontam que as mortes decorrentes do suicídio não afetam somente a pessoa que cometeu o ato, são afetadas cerca de 5 a 10 pessoas próximas, que sofrem consequências emocionais, econômicas e sociais.

Assim, é importante discutir sobre esse tema na sociedade e nas instituições educacionais como forma de prevenir, para que assim as famílias, amigos, e pessoas próximas, não passem pela dor de perder um ente querido decorrente do suicídio. Destaca também a posvenção que é uma intervenção que visa à diminuição das sequelas deixadas pela morte por suicídio, cuidando dos sobreviventes que sofrem com esse tipo de morte repentina e violenta (FUKUMITSU et al.,2015).

2 MÉTODOS

O estudo corresponde a uma pesquisa com abordagem qualitativa de caráter descritivo do tipo revisão integrativa. Segundo Mendes (2019), a revisão integrativa baseia-se na síntese de conhecimento por meio de um procedimento sistemático e rigoroso, esse método passa por seis etapas, são elas: elaboração da pergunta da revisão; busca e seleção dos estudos primários; extração de dados dos estudos; avaliação crítica dos estudos primários incluídos na revisão; síntese dos resultados da revisão e apresentação do método.

Os dados foram extraídos a partir da síntese da literatura, cujo recorte temporal foi de 2012 a 2022 na LILACS (Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), SCIELO (Scientific Eletronic Library Online) PUBMED, SCIENCE, PEPSIC, foram utilizados os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): “luto”; “suicídio”, “vivência” todos eles foram utilizados de acordo com as normas padrões de pesquisa.

Os artigos que compuseram o corpus de análise foram selecionados a partir dos seguintes critérios de inclusão: artigos publicados na íntegra online, no idioma português, inglês e/ou espanhol entre os anos de 2012 a 2022. Foram excluídos os artigos em que não foi possível identificar relação com a temática por meio da leitura de título e resumo, estudos secundários, relato de caso, literatura cinzenta, reflexões, editoriais e de revisão bibliográfica. Os artigos encontrados em mais de uma base de dados foram considerados somente uma vez. O processo de seleção dos artigos está apresentado no Fluxograma 1 (Resultados e Discussão).

Foram identificados 50 estudos primários nas respectivas bases de dados eletrônicas utilizando os descritores e palavras-chave escolhidos, sendo encontrados trinta na LILACS, cinco na SCIELO cinco PUBMED, um SCIENCE e nove PEPSIC

Desses foram excluídos 40 após leitura de título e/ou resumo por estarem indisponíveis para leitura na íntegra, artigos de revisão bibliográfica, integrativa e sistemática, como também artigos que abordavam o suicidio como ato religioso ou justificativa religiosa em outras populações que não fossem as com ideais suicidas. A amostra foi constituída de todos os estudos encontrados na estratégia de busca que corresponderam aos critérios de inclusão totalizando 10.

Fluxograma 1: Processo de Busca e Seleção dos Artigos

Fonte: Autores (2022)

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram classificados 10 trabalhos científicos que contribuíram para o desenvolvimento dessa pesquisa, após a análise de cada um dos resultados, realizou-se uma sistematização das informações. O acervo foi selecionado de acordo com título, autores, revista/instituição, ano e resumo, como mostra o quadro 1 a seguir:

  Quadro 1: Informações  dos artigos selecionados

TITULOAUTORES/ANOOBJETIVOSRESULTADOS
Vivenciando o suicídio na família: do luto à busca da superaçãoDutra,  et al. (2018)Compreender a vivência do familiar ao perder um ente querido por suicídio.Foram obtidas três categorias: Entrando em “estado de choque”; convivendo com o sofrimento e as repercussões da perda do familiar; e, reconstruindo a vida. Da articulação dessas categorias, emergiu o fenômeno: “Vivenciando a perda de um familiar por suicídio: do luto à busca pela superação”.
Posvenção: uma nova perspectiva para o suicídioFukumitsu et al., (2015)Apresentar reflexões  sobre cuidados, intervenções e estratégias da posvenção no Brasil.  Foram entrevistados quatro profissionais da área da saúde e, a partir de análise fenomenológica, cinco unidades de significados foram extraídas e oferecem uma nova visão acerca da prevenção do suicídio no Brasil. .
Especificidades sobre o processo de luto frente o suicídioFukumitsu e Kovács, (2016)Refletir sobre o processo de luto pelo suicidio por meio da comprrensão do luto de nove filhos de pessoas que consumaram o suicidio.Foram extraídos 14 unidades  de significados a partir do metodo fenomenologico e compreendidas  pela perpesctiva da abordagem da Gestaltterapia. Os depoimentos  apontam que, ao enfrentar a morte, o filho pode experienciar o sofrimento com sentimentos de culpa, raiva, sensação de desamparo, abandono, rejeição, solidão, alem de fragmentação de tudo o que era conhecido.
Grupo de apoio aos enlutados pelo suicídio: uma experiência de posvenção e suporte socialScavacini (2019)Apresentar um relato de experiencia de posvenção do suicídio com o Grupo de Apoio aos enlutados pelo Suicidio.Essa experiencia, enfatiza a importância de grupos de apoio como promoção de suporte social, ajudando ao enlutado compartilhar sua dor com pessoas que estão ou passaram pela mesma vivência
Autópsia Psicológica: Compreendendo casos de suicídio e o  impacto da perdaMiranda (2014)Realizar entrevistas de autópsia psicológica com os sobreviventes de suicídio a fim de avaliar retrospectivamente fatores clínicos, precipitadores, estressores e motivações que pudessem ter contribuído para que o suicídio se consumasse, além de considerar os impactos do suicídio e da entrevista sobre os entrevistados.  Pôde-se avaliar o impacto do suicídio nos sobreviventes, foram verificados impactos  tais  quais: sentimento de culpa, raiva e a busca de saber os motivos, tendo como consequência um luto prolongado e doloroso
Comportamento Suicida: EpidemiologiaBotega (2014)O presente artigo analisa a importancia  das intervenções preventivas em relação ao comportamento suicida, discorrendo sobre os possíveis fatores desencadeantes, como por exemplo: transtorno mental, como a depressão, humor bipolar, dependência de drogas, etc.Um estudo populacional revelou que, ao longo da vida, 17,1% das pessoas tiveram ideação suicida, 4,8% chegaram a elaborar um plano para tanto, e 2,8% efetivamente tentaram o suicídio. Dar especial atenção à pessoa que tentou se suicidar é uma das principais estratégias de prevenção do suicídio.
Suicídio: peculiaridades do luto das famílias sobreviventes e a atuação do PsicólogoRocha et al. 2019Refletir sobre a especificidade da vivência e elaboração do luto dos familiares sobreviventes ao suicídio. Verificar a existência de particularidades no luto por suicídio, bem como explorar maneiras de oferecer suporte psicológico a essas famílias... Constatou-se que os enlutados  vivenciam sentimentos particulares a esta forma de luto, como vergonha e culpa, bem como sentimentos presentes no luto por outros tipos de morte, como tristeza e saudade. Também foi ressaltado a importância de mais estudos e capacitação de profissionais frente ao acolhimento dos enlutados.
Vida depois da morte: narrativas da experiência de perda de um familiar por suicídioSebastião (2017)Visa analisar o sentido da vida que os enlutados constroem diante da experiencia da perda decorrente do suicídio procurando avaliar de acordo com o nível de sintomas psicopatológicos..Para estes sobreviventes, o suicídio do familiar inserese no campo semântico do drama, existindo uma tendência dos indivíduos com maior sintomatologia para a construção de significados autorreferentes de ineficácia.
Analise dos fatores envolvidos no processo de luta das famílias nos casos de suicídioMartins e Leão (2012)O presente trabalho procurou analisar os fatores envolvidos no processo de luto dos familiares do suicida.Pontua sobre os pensamentos suicidas persistentes como sinal de alerta, enfatizando a importância de procurar ajuda profissional, buscando analisar os fatores existentes no processo de luto por suicídio em seis categorias: “a presença do sentimento de culpa”; “visão sobre a morte”; “percepções e mitos sobre o suicídio”; “causas possíveis”; “impactos ou repercussões nos familiares”. Os resultados reforçam a relevância da ajuda profissional para a elaboração de luto saudável.
  A dinâmica familiar no contexto da crise do suicídio  Kruger e Werlang (2012)O trabalho objetiva pensar sistemicamente sobre a dinâmica familiar da crise gerada pela tentativa de suicídio de um dos seus membrosOs resultados mostram que os participantes estão limitados em sua capacidade de apoiar o desenvolvimento de uma identidade autônoma, porque a dinâmica familiar identifica as novas oportunidades de narrar a si mesmo como ameaça ao sistema de lealdades que mantém a continuidade da família, impedindo a renegociação desses códigos.

Diante dos achados na literatura foi sabido que o suicídio é um fenômeno presente desde o começo da história da humanidade e que gera muitos estigmas e preconceitos tanto pela pessoa que atentou contra sua própria vida como para as pessoas que ficam após essa perda. É um fenômeno multifatorial, que um dos desencadeantes possíveis são as doenças psíquicas, tais como: transtorno bipolar, depressão, dependência de drogas, etc. (DUTRA; PREIS et al.,2018).

Os casos de suicídio são ainda muito presentes na sociedade moderna e no Brasil a cada 45 minutos uma pessoa tira a própria vida, havendo casos de suicídio diariamente, sendo que para cada morte dessa, a vida de outra pessoa é afetada (FUKUMITSU; KOVÁCS 2016). Assim sendo é de grande relevância a sociedade adquirir uma postura mais ativa e acolhedora e prestar mais atenção a essas pessoas tentantes do suicídio, com o objetivo de haver uma diminuição dos casos de tentativas de tal ato. Reforça Botega (2014), um olhar atencioso para quem atenta contra sua própria vida é uma das formas mais efetivas de intervenção ou prevenção do ato de pôr fim a vida.

Dessa forma, se a sociedade tiver a iniciativa de pôr fim ao preconceito e aos tabus presentes no suicídio e intervir de forma mais efetiva aos que tentam tal ato, evitaria que um familiar, amigo, conhecido passassem pela a experiência da dor e sofrimento em perder um ente querido. Evidencia-se que para prevenir tal ato é importante a realização de ações no âmbito da saúde pública, como por exemplo: trabalhar questões sobre os tabus, a conscientização da população, identificar e tratar precocemente transtornos mentais, ter um controle dos riscos de tentativas (meios letais), e a capacitação de profissionais da saúde frente a esse fenômeno (BOTEGA,2014).

Diante disso, após a perda de um ente querido por tal morte, gera uma repercussão na sociedade que afeta diretamente as pessoas que ficam tanto no contexto individual como social (ROCHA et al., 2019). A perda decorrente do suicídio pode gerar um processo de luto complicado, podendo predispor o desenvolvimento de transtornos mentais nos sobreviventes. Embora cada indivíduo que passe por essa perda vivencie o luto de forma singular, existem fatores comuns na vivência dessas pessoas, elas podem apresentar sintomas parecidos ao do transtorno póstraumático, pois essas pessoas podem vivenciar mais o trauma, do que o próprio luto, assim como sinais da depressão, pelo fato de não aceitar a nova situação, podendo também afetar o corpo físico (MIRANDA, 2014).

Dessa maneira, quando se perde alguém dessa forma trágica, as pessoas que ficam sentem-se obrigadas a explicar, procurando justificar o ato cometido, dizendo que o falecido apresentava ter algum transtorno mental, como por exemplo: depressão, dependência química, etc. (MARTINS; LEÃO, 2012).

Segundo Martins e Leão (2012), o luto decorrente do suicídio é manifesto por um sofrimento intenso, por ser uma morte trágica, tornando a vivência dessa perda e luto de difícil elaboração, devido a diversos motivos, como a vergonha, isolamento social, decorrentes dos estigmas que acompanha o ato suicida. Já os sobreviventes mostram-se culpados por não ter conseguido evitar tal ato, sentem-se angustiados por não compreenderem, ou revoltados por não ter conhecimento das razões do falecido em cometer tal ato.

O processo do luto decorrente do suicídio não deve apresentar uma única compreensão, é motivado por diversos fatores, os quais influenciam como será a reação de cada pessoas diante a uma perda importante. O enlutado procura entender a ausência do ente querido, tenta redefinir o seu papel no âmbito familiar e a falta do que se perdeu. As pessoas enlutadas lidam tanto com a morte, quanto com a sua repercussão e devem aprender a lidar com essa ausência para assim começar a reconstruir sua vida (FUKUMITSU; KOVÁCS, 2016).

Compreende-se a vivência de pessoas que ficam após o ato suicida como uma experiência árdua e que é transformada radicalmente. Assim sendo, os enlutados necessitam dar um sentido a essa perda, quando passam por esse evento traumático precisam ir em busca de um significado. Dessa forma, não conseguem lidar de forma adaptativa a essa perda e vão em busca de justificativas para o que aconteceu. Por esse motivo, sentem-se desesperados pelo fato de que na maioria dessas mortes não há uma resposta convincente para tal ato. Assim, os enlutados negam o suicídio e passam a acreditar que foi um assassinato. Além de diariamente enfrentarem julgamentos e cobranças da população, visto que a sociedade cobra por respostas para tal ato, tornando a vivência dessas pessoas difícil de lidar, pois se sentem culpados por não terem conseguido evitar o ato suicida (DUTRA; PREIS, 2018).

Visto que, sentem-se constrangidos pelo tipo de morte, então evitam falar como estão se sentindo, e sobre o ato cometido pelo falecido, ou seja, não conseguem dividir sua dor com outras pessoas e por esse motivo guardam para si. Assim, vale ressaltar que se deve atenção aos enlutados, pois eles correm riscos a predisposição de transtornos mentais, grande sofrimento emocional e até mesmo chegar a cometer suicídio (MIRANDA, 2014). Sendo que, esse tipo de luto, acarreta experiências negativas seja qual for o grau de sintomas psicopatológicos no enlutado. Diante disso, é relevante que os profissionais de saúde estejam preparados para ajudar essas pessoas na busca de sentido diante o ocorrido (SEBASTIÃO, 2017).

Dessa maneira, percebe-se a importância de elaborar estratégias de intervenções efetivas para essa população. Sendo assim, colocar em prática a posvenção, que é uma intervenção que visa cuidar de pessoas que ficam após a perda de um ente querido. Essa ação configura-se por qualquer atividade, que após essa morte, tem como objetivo prevenir uma possível tentativa ou a efetivação do ato (FUKUMITSU et al., 2015). As pessoas enlutadas não tem um apoio social, e não se sentem livres para vivenciar e compartilhar a sua dor e sofrimento. Uma das intervenções que pode ser usada como um suporte social são os grupos de apoio, pois são de grande relevância, por serem um espaço em que os enlutados têm a oportunidade de elaborar seus sentimentos de luto de forma adaptativa, é um espaço que poderão expressar e validar seu sofrimento e dor, com pessoas que compreendem tal qual como se sentem (SCAVACINI et al., 2019)

Diante disso, percebe-se a importância da posvenção, de como essas pessoas necessitam de um olhar atencioso e acolhedor, para que dessa forma consigam elaborar sua perda. Reforça Miranda (2014), que os enlutados por suicídio necessitam de um cuidado especial, de respeito, de apoio e acolhimento, para evitar o desenvolvimento de sentimentos de responsabilidade pelo ato cometido, culpa e raiva, podendo ser oferecidos suporte de ajuda, tais quais: aconselhamento e psicoterapia.

Assim, essas pessoas aos poucos desenvolvem estratégias de enfretamento para conseguir conviver com essa dor de perder alguém amado e das repercussões decorrentes dessa morte, eles passam a ir em busca de reconstruir suas vidas e tentam ao máximo superar a dor dessa perda abrupta. Kruger e Werlang (2012), dizem que, a busca de adaptação a essa nova vivência deve ser alcançada de forma saudável, para que não se desenvolva casos de depressão e suicídio entre os próprios enlutados.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo demonstrou a importância de que esse tema seja mais abordado e que a falta de informação sobre o suicídio, os estigmas, preconceitos diante essa temática enraizados na sociedade, tem como consequência uma vivência conturbada e desamparada pelas pessoas que ficam após esse ato,  por falta de uma compreensão sobre esse assunto.

Diante disso, observou-se a importância de intervenções efetivas para diminuir as tentativas de suicídio, como forma de prevenir um sofrimento que esse tipo de morte causa nas pessoas que ficam. Sendo que, essa pesquisa é sobre a vivência dos enlutados decorrentes do suicídio. Foi enfatizado a importância da posvenção, uma intervenção pouco comentada e praticada, mas que é uma forma de ajuda necessária para que a família, amigos, as pessoas próximas possam ser ouvidas, sem julgamentos, preconceitos, tendo um cuidado especial, atenção e respeito diante do seu sofrimento.

Em suma, o presente artigo, visou compreender a vivência dessas pessoas, que são muitas vezes julgadas e cobradas ao invés de serem respeitadas e acolhidas, observou-se que após a perda de uma pessoa amada por essa morte abrupta e repentina os enlutados têm suas vidas totalmente modificadas, tanto no contexto individual como social.

Foi observado que vivenciam um luto não autorizado pela sociedade, ou seja, essas pessoas não podem e nem conseguem expressar seus sentimentos diante de sua perda, por medo de serem julgados, por também não entenderem os motivos, por se sentirem culpados por não ter percebido a tempo. Os estigmas que acompanham o suicídio interferem diretamente na vivência e na elaboração da perda e luto, por conta do preconceito, vergonha, medo, desconfiança, os estereótipos desse ato, fazer com que os enlutados não se sintam confortáveis para falar sobre o assunto, tendo assim diversas consequências prejudiciais para a sua saúde e bem-estar.

Dessa maneira, percebe-se a importância de elaborar intervenções efetivas, sendo realizados estudos epidemiológicos com o objetivo de promover melhoras nas intervenções antes e pós o suicídio e protagonizar a vivência dessas pessoas como forma de ajuda.  

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1ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4192-8425
Faculdade de Ensino Superior do Piauí Brasil
E-mail: fabianebnascimento@gmail.com
2ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9289-060x
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3ORCID: https://orcid.org/ 0000-0002-1149-9295
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4ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0988-0900
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