REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7886477
Alexandre José Paixão e Mendes1
Lucas Ataíde Ávila1
Laércio Pol Fachin2
RESUMO
A stiff-person syndrome (SPS), também denominada síndrome de Moersch Woltmann, é um espectro de distúrbios neurológicos autoimunes, que cursa com rigidez muscular e espasmos da musculatura paraespinhal e abdominal. A fisiopatologia da síndrome ainda é pouco conhecida mas, frequentemente, é associada a sintomas incapacitantes, que podem ser adquiridos, progressivos e flutuantes. O objetivo deste estudo é relatar o caso de um paciente de 59 anos do sexo masculino que desenvolveu a SPS em sua apresentação clássica, que preenchia 4 dos 5 critérios diagnósticos de Dalakas e foi tratado com Benzodiazepínico e Anticonvulsivante. As informações e observações foram reunidas conforme o método de pesquisa do estudo de caso.
Palavras-chave: Stiff-person syndrome, neuromuscular disorders, orthopedic disorders.
ABSTRACT
Stiff-person syndrome (SPS), also called Moersch Woltmann syndrome, is a spectrum of autoimmune neurological disorders which courses with muscle rigidity and spasms of the paraspinal and abdominal muscles. The pathophysiology of the syndrome is still little known but, subsequently, and associated with disabling symptoms, which can be acquired, progressive and fluctuating. The objective of this study is to report the case of a 59-year-old male patient who developed SPS in his classic presentation, who met 4 of the 5 diagnostic criteria of Dalakas and was treated with Benzodiazepines and Anticonvulsants. Information and observations were gathered according to the case study research method.
Key words: Stiff-person syndrome, neuromuscular disorders, orthopedic disorders.
1 INTRODUÇÃO
A stiff-person syndrome (SPS), também denominada síndrome de Moersch Woltmann, é um espectro de distúrbios neurológicos autoimunes, que cursa com rigidez muscular e espasmos da musculatura paraespinhal e abdominal. Está associada à ação de anticorpos anti-glutamic acid decarboxylase (ANTI-GAD), com expressão mais comum na faixa etária de 30 a 50 anos. Nesse sentido, a fisiopatologia da síndrome ainda é pouco conhecida mas, frequentemente, é associada a sintomas incapacitantes, que podem ser adquiridos, progressivos e flutuantes¹.
A SPS foi inicialmente classificada por Moersch e Woltmann, em 1956, de acordo com a presença de rigidez e espasmos musculares, que causavam quedas e alterações da marcha em 14 pacientes avaliados¹. Atualmente, a síndrome está incluída em um espectro que engloba variantes diversas, denominado stiff-person spectrum disorder (SPSD), cujas manifestações clínicas são decorrentes da ação de variados anticorpos neuronais, que possuem atividade inibitória².
O SPSD possui 4 subtipos de apresentação, cujo diagnóstico pode ser realizado de acordo com os critérios de Dalakas¹. Nesse contexto, o tratamento da SPS inclui, desde terapias com foco no alívio de sintomas à terapia alvo da doença, com base em sua etiologia. Dessa forma, podem ser lançadas imunoterapias ou tratamentos voltados para o combate ao tumor, na SPS paraneoplásica³.
O objetivo desse trabalho é relatar o caso de um paciente de 59 anos, do sexo masculino diagnosticado com SPS de etiologia indeterminada. Além de trazer informações acerca da síndrome, seus subtipos, quadro clínico, critérios diagnósticos e tratamento, visando contribuir para o conhecimento da comunidade científica e reduzir os impactos que a doença pode trazer à vida do paciente, que pode ser diagnosticado e tratado de forma precoce.
2 DESENVOLVIMENTO
Descrição do caso
Paciente do sexo masculino, 59 anos, relata que há cinco anos apresentou dificuldades para calçar as meias e os sapatos, necessitando de ajuda para realizar tais atividades. Em pouco tempo, começou a sentir dores intensas na região lombossacra, que irradiavam para os membros inferiores pelas faces anteriores e laterais das coxas, associadas a perda da força muscular e quedas da própria altura.
O paciente referiu, ainda, poliartralgia em articulações sacroilíacas, joelhos e tornozelos com início matinal, que melhora com a movimentação e piora ao repouso. Relatou, também, irradiação da dor para coluna torácica e rigidez em coluna cervical, que limitava a realização de rotação entre as vértebras C1 e C2. Nesse período, o paciente buscou acompanhamento com Reumatologista para investigação do quadro clínico. Entretanto, não deu seguimento à investigação.
Em 2022, o paciente passou a apresentar hipertonicidade nos membros inferiores, que foi relatada como endurecimento e abalos musculares intensos e involuntários. Persistiram os episódios de queda da própria altura, o que levou o paciente a desenvolver fobia ao deambular sem auxílio. Relatou dificuldade progressiva para deambular, ao ponto de não ser possível subir um degrau sem ajuda de terceiros, necessitando de apoio com bengalas e, posteriormente, um andador. Hesitou em buscar auxílio médico, para não descobrir novas patologias. Referiu, ainda, perda do controle esfincteriano nesse período.
Entre os antecedentes pessoais, o paciente possui diabetes mellitus tipo 2 e hipertensão arterial sistêmica. Nega alergias medicamentosas. Faz uso de Vildagliptina 50mg + Metformina 850mg e Candesartana 16mg. O histórico familiar não denota presença de patologias neurológicas e/ou autoimunes. Atualmente, não faz uso de álcool, tabaco ou outras drogas. O paciente foi encaminhado ao Neurologista para seguimento da investigação.
Ao exame físico apresentou hipertonia espástica em membros inferiores, tronco e musculatura cervical, que explicavam a marcha ampla e instável, bem como, a hiperlordose apresentada pelo paciente. Foi iniciada a investigação complementar com exames laboratoriais e de imagem. Foram solicitados exames bioquímicos e de sorologia, no entanto todos ficaram dentro dos limites da normalidade (Tabela 1).
(Tabela 1) Exames Laboratoriais e valores de referência.
EXAMES | RESULTADO | VALORES DE REFERÊNCIA |
HEMOGRAMA | SEM ALTERAÇÕES | – |
VHS | 10 mm em 60 min | 1a 8mm em 60 min |
PCR | 0,4 mg/dL | < 1,0 mg/dL |
CK | 81 U/L | 46 A 171 U/L |
CÁLCIO IÔNICO | 4,59 mg/dL | 4,0 A 5,4 mg/dL |
DHL | 140 U/L | 120 A 246 U/L |
TSH | 1,05 uIU/ ml | 0,55 a 4,78 uIU/ ml |
VITAMINA B12 | 439 pg/mL | 211 A 911 pg/mL |
T4 LIVRE | 1,49 pg/ dL | 0,70 A 1,75 pg/dL |
VDRL | NÃO REAGENTE | NÃO REAGENTE |
ANTI HIV 1 E 2 | NÃO REAGENTE | NÃO REAGENTE |
HBsAg | NÃO REAGENTE | NÃO REAGENTE |
Anti HBc IgM e IgG | NÃO REAGENTE | NÃO REAGENTE |
Anticorpos Anti HCV | NÃO REAGENTE | NÃO REAGENTE |
CEA | 1,41 ng/mL | até 2,5 ng/mL |
Alfa fetoproteína | 1,90 ng/mL | até 8,0 ng/mL |
CA 15.3, CA 19.9 E CA 125 | 10,10 / 3,38 / 10 | até 32,4/ até 34 / até 30,2 |
PSA Livre e Total | 0,2 / 0,39 ng/dL | até 2,5 ng/mL |
Ácido fólico | 13,67 ng/mL | Acima de 5,38 ng/mL |
Lipase | 48 U/L | 13 a 60 U/L |
TAP | SEM ALTERAÇÕES | SEM ALTERAÇÕES |
HTLV 1 E 2 | NÃO REAGENTE | NÃO REAGENTE |
Anticorpos Anti Tireoglobulina | < 1,3 UI/ mL | < 4,5 UI/mL |
Beta 2 microglobulina | 1,47 mg/L | 1,0 a 2,4 mg/L |
Anticorpos Anti GAD | 5,0 UI/mL | Inferior a 10,0 UI/mL |
FTA-ABS IgG | NÃO REAGENTE | NÃO REAGENTE |
Eletroforese de proteínas | SEM ALTERAÇÕES | SEM ALTERAÇÕES |
Anticorpos Anti TPO | 0,50 UI/ mL | Inferior a 9,0 UI/mL |
O estudo do liquor evidenciou líquido incolor, de aspecto límpido, sem coágulos, com pressão na faixa de 120 a 160 mmhg, pesquisa de celularidade com leucócitos iguais a 2,5 por mm3, hemácias iguais a 36,2 por mm3, pesquisa de globulina negativa; HGT no líquor = 87 mg/dL (HGT sérico = 114 mg/dl); cloreto = 117,8 mEq/L; lactato = 15,7 mg/dL; proteínas totais = 59 mg/dL; VDRL não reagente; bandas oligoclonais ausentes e ANTI-GAD 65 negativo.
O estudo eletroneuromiográfico dos 4 membros evidenciou radiculopatia cervical e lombar crônicos, além de identificar alguns espasmos musculares de repouso, após estímulo cutâneo, em musculatura paravertebral e de membros inferiores, sendo achados que apoiam a suspeita diagnóstica de SPS. A ressonância magnética da coluna lombar apresentou retificação da lordose fisiológica da coluna lombar; redução das alturas dos espaços intervertebrais entre L1-L2, L4-L5 e L5-S1; espondilodiscoartrose degenerativa na coluna lombar. Além disso, a tomografia computadorizada de coluna lombo-sacra mostrou redução da amplitude do canal vertebral em L4-L5 e L5 – S1 e descartou a presença de tumores em qualquer das topografias analisadas.
Diante da suspeita clínica, o médico assistente prescreveu Diazepam 5mg duas vezes ao dia e Levetiracetam 500mg uma vez ao dia. Dessa forma, o paciente evoluiu com regressão total dos abalos musculares, retomada do controle esfincteriano e melhora parcial das dores após o início das medicações. Entretanto, persiste a dificuldade para deambular, levantar e sentar, além de fraqueza em musculatura proximal dos membros inferiores, mesmo com uso contínuo da terapia prescrita. Por fim, ele relatou melhora da qualidade de vida e autonomia para trabalhar e realizar suas atividades diárias e aguarda retomada de atividades de fisioterapia motora.
3 DISCUSSÃO
A apresentação clássica da SPS possui como pré-requisito principal a presença de espasmos e rigidez de tronco². Nesse sentido, podem ser encontradas 4 variações de apresentação clínica no espectro da SPSD, sendo elas: SPS em sua apresentação clássica; Stiff-limb Syndrome, uma variante que os sintomas espásticos e a hipertonia acometem apenas um membro; a Encefalomielite progressiva com rigidez e mioclonia (PERM), que é uma variante da SPS com disfunção autonômica; e sinais clínicos de envolvimento da medula espinhal e tronco cerebral. Esse subtipo tende a possuir evolução progressiva e denota um pior prognóstico. SPS paraneoplásica, que é caracterizada pela ação de anticorpos anti-amphiphysin, os quais podem ser encontrados isoladamente ou associados com anticorpos anti-GAD. Em contraste aos outros subtipos de SPS, esta última está relacionada a um acometimento em pacientes com idade média de 60 anos¹.
O diagnóstico da síndrome foi sugerido em 2009, por Dalakas contendo os seguintes critérios: 1) Rigidez muscular em membros e tronco/músculos axiais, proeminente nos músculos abdominais e paraespinhais toracolombares; 2) co-contração contínua de músculos agonistas e antagonistas, confirmados clínica e eletrofisiologicamente; 3) espasmos episódicos precipitados por barulho inesperado, estímulo tátil, ou estresse emocional; 4) ausência de outras causas neurológicas que possam explicar a rigidez e contração; 5) anti-GAD ou anticorpos amphiphysin avaliados por imunoquímica, Western blot, ou ensaio radioimuno¹.
De acordo com a literatura, o manejo da SPS segue a premissa de que não há cura e, portanto, deve ser focado no alívio dos sintomas, por meio de duas linhas de tratamento4. A terapia de primeira linha consiste no uso de Benzodiazepínicos e baclofeno, enquanto a de segunda linha é baseada no uso de imunoglobulina intravenosa, associado a plasmaférese e imunomodulador (Rituximab)4. Ambas possuem a finalidade de cessar a dor, que é um dos sintomas mais predominantes na SPS.
O relato aborda o caso de um paciente do sexo masculino que desenvolveu um quadro clássico de SPS, com 4 dos 5 critérios sugeridos por Dalakas – descritos anteriormente – preenchidos com ausência de mediação autoimune, sem associação com neoplasias, que poderia levar ao seguimento de SPS paraneoplásica. Diante disso, levantou-se a hipótese de SPS de etiologia idiopática. Visto que, a síndrome não possui uma fisiopatogenia bem estabelecida, muitos são os mecanismos capazes de desencadear essa síndrome.
Nesse contexto, o diagnóstico clínico e complementar são fundamentais para início rápido da terapia sintomática, visando proporcionar melhor qualidade de vida ao paciente. Como descrito acima, o paciente relatado apresentou melhora significativa de alguns dos sintomas mais preponderantes no quadro clínico da SPS, entretanto, a dor não teve regressão por completo. Sabe-se, portanto, que podem ser seguidas outras linhas de tratamento como alternativas para a cessação completa dos sintomas apresentados.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A SPS é uma entidade sindrômica ligada à ação do anticorpo ANTI-GAD com alto potencial de morbidade, uma vez que, seus sintomas causam grande incapacidade ao paciente acometido devido à dor. Trata-se de uma síndrome rara e de fisiopatologia ainda não estabelecida. Nesse contexto, existem poucos estudos de grande relevância que possam apresentar dados sobre prognóstico e tratamento de todos os aspectos da síndrome, desde sua apresentação inicial até a resolução.
Portanto, é correto afirmar que a escolha tomada constitui uma alternativa de manejo dos pacientes diagnosticados com stiff-person syndrome e pode ser utilizada em associação a outras linhas de tratamento, em busca da melhor qualidade de vida do paciente, através do alívio total dos sintomas que o acometem. Deve-se ressaltar, ainda, a importância de uma anamnese bem realizada, cuja união ao exame físico detalhado corrobora para grande parte do diagnóstico da doença, sendo os exames complementares um apoio a essa conclusão.
REFERÊNCIAS:
1- Lin BC, Johal J, Sivakumar K, Romano AE, Yacoub HA. Stiff-person syndrome: an atypical presentation and a review of the literature. Hosp Pract (1995). 2021 Dec;49(5):384-390. doi: 10.1080/21548331.2021.1961456. Epub 2021 Aug 20. PMID: 34313523.
2- Meinck HM, Balint B. Vom Stiff-man-Syndrom zu den Stiff-person-Spektrum-Erkrankungen [From stiff man syndrome to stiff person spectrum disorders]. Nervenarzt. 2018 Feb;89(2):207-218. German. doi: 10.1007/s00115-017-0480-2. PMID: 29404645.
3- Bernardo F, Rebordão L, Rêgo A, Machado S, Passos J, Costa C, Cruz S, Pinto AN, Santos M. Stiff person spectrum disorders: An illustrative case series of their phenotypic and antibody diversity. J Neuroimmunol. 2020 Apr 15;341:577192. doi: 10.1016/j.jneuroim.2020.577192. Epub 2020 Feb 13. PMID: 32087460.
4- Cirnigliaro FA, Gauthier N, Rush M. Management of refractory pain in Stiff-Person syndrome. BMJ Case Rep. 2021 Jan 11;14(1):e237814. doi: 10.1136/bcr-2020-237814. PMID: 33431538; PMCID: PMC7802698.
1Discente de Medicina, Centro Universitário Cesmac
2Docente de Medicina, Centro Universitário Cesmac