SOBRE A GUERRA E A PAZ, UMA RELEITURA DO LIVRO AS RAÍZES DA GUERRA E OS CAMINHOS PARA A PAZ NA COLÔMBIA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202503271127


Pedro Arturo Rojas Arenas¹


RESUMO 

O artigo faz uma releitura do livro “As raízes da violência e os caminhos para a paz- a Colômbia uma experiência a se estudar” publicado pela coleção Mossoroense da Fundação Vingt Un Rosado em 2011.  Para iniciar o autor faz algumas considerações epistemológicas e teóricas. A seguir apresenta uma breve resenha da sociedade contemporânea.  Na sequência, transcreve alguns trechos do artigo: “A violência na Colômbia: um processo de reorganização territorial” e finaliza fazendo um breve resumo do texto de Beust e Casadei. Por último, do valioso documento da CUJ: “A Promessa da Paz Mundial”.

ABSTRACT 

The article reinterprets the book “The Roots of Violence and the Paths to Peace” published by the Mossoroense Collection of the Vintg Un Rosado Foundation in 2011. To begin, the author makes some epistemological and theoretical considerations. He then presents a brief review of contemporary society. Below  the author  transcribes some excerpts of the article written by him: “Violence in Colombia – an instrument of a continuous process of territorial reorganization”. Concluding with a brief summary Beust and Casadei’s text and finally of the valuable document of the CUJ : “The Promise of World Peace”

1. À maneira de Introdução 

Ao finalizar o ano 2024 o prezado colega e amigo Nicolás Boris Esguerra Pardo em parceria com Luis Felipe Neira Reyes e Carlos Torres Biqué comemoraram -na Capital da Colômbia- o centenário da publicação “La vorágine” de José Eustásio Rivera com uma bela publicação que eles intitularam: “La vorágine: tres aproximaciones”.  

Algumas semanas após desse importante evento, Nicolás Boris e Jaime Eduardo Jaramillo Jiménez me convidaram fazer parte de uma coletânea que –no contexto da Colômbia- foca-se o período da segunda metade do Século XX até nossos dias com o intuito de contextualizar a produção intelectual da geração de jovens que encaminharam seu projeto de vida profissional nas Ciências Sociais e particularmente na Sociologia, nos anos seguintes ao término da II Guerra Mundial. Os ensaios deveriam também levar em conta os processos de guerra e de paz que nosso amado País tem vivenciado. 

Lembrei, então, da publicação do livro “As raízes da violência e os caminhos para a paz” A coletânea -com participação de autores colombianos e brasileiros- foi publicada pela Editora Coleção Mossorense da Fundação Vingt-Un Rosado em 2011. A primeira ideia que vejo a minha mente foi fazer uma releitura dos textos ali contidos, levando em conta o atual cenário social e político da Colômbia e, evidentemente, o contexto internacional, contudo, quando iniciamos a construção de um texto sobre um assunto tão complexo e universal, perpassamos por momentos de questionamentos e dúvidas com respeito à melhor forma de delimitar o objeto de nossa pesquisa.  

2. Uma perspectiva epistemológica e conceitual 

Após algumas semanas nas quais também estava lendo o excelente livro dos professores doutores, ROLDÁN, BEN-DOV e GUERRERO : “La Complementariedad: una filosofía para el Siglo XXI  decidi começar pelo final, isto é: pelo paradigma da Complementariedad. 

ROLDAN et all (2022) explicam que os fenômenos quânticos, podem aparecer em formas excludentes –em diferentes momentos- como ondas ou como partículas, dependendo do observador.  Esse paradoxo – aparentemente incontornável- no estudo dos fenômenos que geralmente denominamos como Natureza pode ser contornado ao introduzir o conceito de que a realidade é constituída de múltiplas uni-dualidades dinâmicas e interdependentes.  

Dita percepção levada ao campo dos fenômenos ou processos sociais tornou-se mais evidente quando entendi que a questão da violência em nosso amado país -e em muitos outros países do mundo- deve ser colocada no horizonte da guerra e da paz, ciente que a violência transcende ditos momentos, assume diversas formas e se funde com inúmeros processos sociais e de personalidade. 

Já numa perspectiva epistemológica, nos defrontamos com o conceito de uni-dualidade. Não podemos falar da guerra sem necessariamente nos referir à paz, não podemos falar de violência -seja ela física, simbólica, estrutural ou psicológica- sem falar de seu oposto: a benevolência; assim como não podemos falar de vida sem nos referir à morte. Em verdade, a vida se constitui em oposição à morte na perspectiva dialética Hegeliana. Isto é, a vida é resultado de processos múltiplos e interdependentes de outras formas de vida e morte.  

Antes de mergulhar um pouco sobre as principais características do Século XX que Eric HOBSBAWM chama “a era dos extremos” -o breve século XX-, devo indicar -em primeiro lugar- alguns autores que me forneceram insights relevantes para tal incursão: Manuel Castells, Thomas Pikkety, Thomas Friedman, J. Atalli, F. Capra, J. Naisbitt, A. Toffler, Alexander King, Noam Chomsky, Yuval N. Harari, Shoghi Effendi, Udo Schaefer; os brasileiros: Ailton Krenak, Renato Ortiz, Milton Santos, Marcelo Gomes Germano, entre outros. 

3. Novos horizontes para um mundo em caos

Numa perspectiva histórica e social, quatro grandes eventos caracterizam o Século XX: 

  1. O deslocamento da sociedade industrial para América 
  2. A Revolução Socialista na Rússia de 1917 
  3. O desenvolvimento da Revolução Científico Técnica 
  4. A crescente consciência da interdependência e unidade mundial 

Os dois primeiros eventos constituem fatores fundamentais no processo de superação da hegemonia europeia no mundo e, contribuem a transcender em grande parte os preconceitos de raça e nacionalidade. Com eles, poderia se dizer, culmina a consolidação dos estados nacionais no mundo.

O desenvolvimento da revolução científico técnica eleva a níveis jamais imaginados a produtividade da força de trabalho humano, caracterizada com as seguintes palavras do físico Radovan RICHTA; “uma nova e substancial transformação da estrutura e dinâmica das forças produtivas da vida humana”.  

A revolução científico-técnica reafirma a necessidade de um novo ordenamento da humanidade não só no aspecto econômico, mas também cultural, político e social, como resultado do amplo desenvolvimento do transporte e as comunicações e da crescente interdependência mundial. 

Na introdução da História da Humanidade, organizada pela UNESCO, Caroline WARE(1982) afirma sobre o Século XX: 

O mundo da metade do século em diante tinha-se tornado, em sentido genuíno, numa sociedade mundial. Acontecimentos extraordinários no transporte e as comunicações aproximaram todos os povos. Todos compartilham o perigo comum que resulta dos efeitos radiativos das explosões nucleares. 

No segundo Informe do Clube de Roma3 sobre a situação mundial, Mesarovic e Pestel concluíram – a partir de análise científica- que os problemas do mundo só podem ser resolvidos mediante a cooperação mundial. Assim, propõem o desenvolvimento de uma consciência mundial mediante a qual cada indivíduo tome consciência de seu papel como membro dessa comunidade. Caso não conseguirmos unir o mundo através dum sistema cooperativo global, só restam como alternativas o conflito, o ódio e a destruição …

Apesar das múltiplas diferenças culturais e diversidade de perspectiva política, os povos do mundo compartem uma coisa em comum: estão submetidos ao mesmo destino, a mesma ameaça à existência perante a qual poderia se esperar que fossem deixados de lado todas as diferenças e conflitos. Se este destino comum não consegue fazer com que os seres humanos vençam os antagonismos, então, não conseguiram afastar da calamidade que se aproxima.

4. A violência na Colômbia, um processo contínuo de reorganização territorial 

Devo confessar que transcrever –na íntegra- o artigo de minha autoria publicado no livro: “As raízes da violência e os caminhos para a paz” -a Colômbia uma experiência a se estudar tornou-se -em certo sentido- irrelevante, pois ele -simplesmente- fórmula a problemática no horizonte conceitual dos principais autores colombianos do Século XX.  

Portanto, tenho decidido só apresentar o primeiro parágrafo das “considerações iniciais” , os subtítulos: “ A capitalização violenta e “A nova política do estado” e o subtítulo que trata sobre a incidência do narcotráfico na violência -particularmente após dos anos 60 do Século XX. 

Antes de transcrever os trechos indicados, parece-me oportuno justificar o uso do conceito “reorganização territorial”. Nas categorias da geografia humana “território” é um espaço onde se exercem relações de poder. O conceito incluído no título nos permite rever todo o processo da violência na Colômbia, desde a chegada dos conquistadores espanhóis até os dias atuais como um processo permanente de “reorganização territorial”. 

Considerações iniciais 

A prática da violência nos países colonizados tem raízes profundas e, se quisermos, podemos chamar de ancestrais. Ela perpassa pelos ritos de sacrifício para agradar as forças sobrenaturais, pela morte ou escravidão dos grupos identificados como inimigos. Isto, sem dúvida, aconteceu nas grandes civilizações pré-colombinas dos Aztecas, Mayas e Incas. Porém, a violência atinge níveis de crueldade desconhecidos, para as comunidades aborígenes, na prática dos colonizadores hispânicos. É o caso de Hernán Cortéz na conquista da cidade do México, e de Francisco Pizarro na conquista do Peru, como bem o ilustra, Carlos Fuentes (2001) no capítulo segundo do livro: O espelho enterrado.  

4.1. 1945-1960: A capitalização violenta. 

O assassinato do dirigente popular Jorge Eliécer GAITÁN no dia 09 de abril de 1948, levou ao país a uma situação pré-insurrecional. O protesto popular explodiu em todos os cantos da nação. Na cidade de Barrancabermeja, Departamento de Santander, constituiu-se uma Junta Popular dirigida pelos operários das plantas de refinação do petróleo. No cenário internacional, o Japão, último baluarte do eixo comandado por Adolfo Hitler, assinava sua rendição. 

A historiografia oficial apresenta a violência desenvolvida de 1945 a 1960, na Colômbia, como uma absurda luta entre cidadãos liberais e conservadores. Faz-se necessário estabelecer as principais causas do problema. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que, apesar da Lei 200/36 a questão agrária continuava sem uma solução apropriada. A tão procurada capitalização do campo de parte da burguesia industrial foi obstaculizada pelos interesses dos grandes proprietários das terras ou latifundiários. 

Em segundo lugar, com a deflagração da II Guerra Mundial os preços do café no mercado internacional atingiram um significativo aumento – Ver tabela 1. 

Tabela 1: República da Colômbia – Índices de exportación de café 1925-1953

                AÑOS   QUANTIDADE  VALOR EM MILHÕES   DE US$
1925 – 1929  100  100 
1930 – 1939  125  132 
1940 – 1944  178  166 
1945 – 1949  221  232 
1949 – 1953  213  464 

Fuente: Tobón, Alonso. La tierra y la reforma agraria en Colombia. Bogotá: Oveja Negra, 1972. 

Como consequência dos novos preços internacionais do café, o capital comercial teve uma taxa de crescimento notável, ao tempo que as terras dedicadas à lavoura do café atingiam rápida e expressiva valorização. Segundo Tobón (1972), os grupos que detinham essa extraordinária acumulação do capital comercial, encontram a indústria nacional altamente concentrada e um mercado nacional saturado. Nos dados do Censo Industrial de 1945 pode-se observar que 1.7% das empresas controlavam 47.1% do valor da produção industrial. 

O capital comercial procura, então, o campo como setor de investimento. Os grandes produtores e comerciantes do café encontram nessa alternativa um ponto de acordo. Eles com apoio velado das autoridades locais assumem a responsabilidade de limpar as melhores terras dos pequenos e médios produtores de café. É por esta razão que a violência se desenvolve, principalmente, na Zona Andina, -ver figura 01- onde a produção do café é substancial. Essa política perversa resolve de uma só vez a capitalização de um importante setor da região agrícola e estimula o crescimento do mercado interior. 

Para Tobón (1972) o principal instrumento legal utilizado foi o crédito bancário, observe-se: 

Tabela 2: República da Colômbia – Valor dos créditos bancários 1946-1950.

                                    AÑO VALOR EM MILHÕES   DE PESOS  ÍNDICE DE
INCREMENTO  
  1946    634,4   100 
  1949   955,8   150 
  1950    1.277,0   201 

Fuente: Tobón. Alonso. La tierra y la reforma agraria en Colombia. Bogotá: Oveja Negra, 1972. 

Segundo o mesmo autor, do total do crédito, 53.2% em 1946 e 54.5% em 1950 foi destinado às transações comerciais e, que só o 14% em 1946 e o 27% em 1950 foi dedicado à indústria. Daí pode-se concluir o estilo de expropriação que sofreram os pequenos e medianos proprietários das zonas cafeeiras da Colômbia nesse período. A forma de articular essa política de expropriação é aparentemente simples: quadrilhas de pistoleiros contratados pelos grandes comerciantes e latifundiários pressionavam os camponeses a abandonarem suas terras. As terras eram ocupadas ou compradas a baixos preços. Os dados da Caja Agrária -Banco de crédito agrário na Colômbia- mostram como no período de 1945 a 1955 o acréscimo de carteira chegou a mais de 1000% – de 42 milhões de pesos passou a 435 milhões. 

Esses dados permitem assinalar que a famosa violência na Colômbia foi resultado da guerra dos grandes proprietários e da grande burguesia comercial contra os camponeses pobres e os medianos produtores do país.  

O conhecido sociólogo colombiano, Germán Guzmán, em seu livro La violencia en Colombia, destaca como exemplo, o Departamento del Tolima (Ver figura 01): mapa físico e político da Colômbia- onde foram abandonadas 34.730 propriedades pela força da coação política e militar. O mesmo autor ilustra um caso concreto: 

Reclamação Nº. 67. Subscrita pela senhora Ana Cleotilde de Bejarano. Município de Ubalá. Finca rural. Extensão 40 hectares. Valor comercial da propriedade: $ 40.000,00 pesos. Causa: venda forçada por motivos de violência. Valor de venda: $ 2.000.00 pesos. Solicita reajuste do preço de venda.  

FIGURA 01 

Mapa físico político da República da Colômbia. A lavoura do café ocupa áreas das três cordilheiras, nas quais se desenvolve a violência contra os pequenos proprietários a partir dos anos 40.

Fonte: //http.www.google.com.br/googlemaps 

4.2. 1961-1980 A nova política do Estado

O cenário político e social latino-americano é perturbado pelo fato inédito da tomada do poder político, em 1959, na maior ilha caribenha por um pequeno grupo de guerrilheiros comandados por Fidel Castro e Ernesto “Che” Guevara. Milhares de jovens latino-americanos foram tocados pelos fatos e imagens veiculados na mídia. Os principais protagonistas tornaram-se figuras míticas que percorreram o continente.  

O governo norte-americano acompanhava com receio as primeiras medidas do novo governo e julgou que o continente latino-americano estava em jogo. Uma nova política, preventiva, denominada Aliança para o progresso foi desenhada. 

As novas orientações para os governos dos países da América Latina exigiam uma maior modernização do aparelho do estado ao nível militar e administrativo. Também foram recomendadas reformas no sistema educacional, nas políticas econômicas e, particularmente, no relacionado com a questão agrária. Essas reformas visavam aperfeiçoar a máquina do estado e amenizar os antagonismos nas zonas rurais. 

Nessa perspectiva, podemos lembrar o Plano ATCON, reforma que atinge o sistema educacional, assim como novas políticas fiscais e monetárias. As mudanças constitucionais promoviam uma maior centralização do poder, através do executivo, as reformas nas leis trabalhistas e, logicamente, a reforma agrária em acordo com os interesses dominantes e a nova situação internacional. 

Nesse quadro geral, define-se a Reforma Agrária de 1961. Ela constitui, na visão de vários analistas colombianos, entre eles, Antonio García, Mario Arrubla, e Alonso Tobón, uma política de continuidade da via latifundiária de capitalização no campo.  

Essa característica é confirmada ao observar que a principal atividade desenvolvida pelo Instituto de la Reforma Agrária, INCORA, foi a de colonização ou ampliação da fronteira agrícola. Foram tituladas um total de 4 milhões de hectares em 14 anos -de 1963 a 1977- e delas, apenas 200 mil pela intervenção em grandes propriedades. 

Um dos objetivos da nova política agrária foi localizar ou acomodar, aqueles que tinham sido expropriados pela violência nas décadas dos anos 50 e 60 em novas regiões de colonização, enquanto ofereciam-se estímulos aos latifundiários para capitalizar suas grandes propriedades. 

4.3. O narcotráfico: um novo fator de violência na Colômbia 

Uma longa e tortuosa história precede a consolidação dos cartéis do narcotráfico na Colômbia. Cabe destacar, como o fazem alguns autores, entre eles Castells (2000, pág. 224); Jaramillo J. E. e Cubides F. (1980) a situação geoestratégica do país, a tradição do uso cotidiano da folha de coca em algumas comunidades indígenas e a existência dum importante segmento da população que tinha-se consolidado empresarialmente, através das atividades ligadas, principalmente, à produção e comercialização de produtos da indústria têxtil, açucareira e mineração do país e outras atividades do sector secundário, tais como: peças e máquinas, produção de calçado e roupas – por exemplo – mas que sofrem uma profunda crise resultado da abertura econômica imposta em acordo com  interesses das grandes corporações na década dos anos 70.  

Segundo Castells (2000, pág. 227-231): “O crescimento extraordinário da indústria do tráfico de drogas desde a década de 70 tem transformado a economia e a política na América Latina.” O mencionado autor, destaca cinco características da indústria do narcotráfico: 

  1. Ela está orientada à demanda e à exportação. Seu mercado original e também o mais importante, continua sendo os Estados Unidos. 
  1. A indústria é totalmente internacionalizada, com uma divisão bastante rigorosa da mão de obra entre os diferentes locais do processo produtivo. 
  1. O componente essencial de toda a indústria da droga é o sistema de lavagem de dinheiro. 
  1. O cumprimento de todo o conjunto de transações é assegurado por meio do uso de violência em um nível extraordinário. 
  1. A indústria da droga precisa da corrupção e da penetração em seu meio institucional para poder funcionar, em todas as etapas do sistema. 

Nas palavras de Castells (2000, pág. 233 e 237), não resta dúvida de que a economia do crime representa um segmento considerável, e dos mais dinâmicos, das economias latino-americanas deste fim de milênio. A seguir, ilustra: 

“Os narcotraficantes colombianos apropriaram-se de uma parcela significativa dos lucros da indústria, mesmo se consideramos que a maior parte desse dinheiro foi reciclada nos mercados financeiros globais…. 

Contudo houve, desde meados dos anos 80, um boom do setor da construção civil, incorporação imobiliária e investimentos na Colômbia. A pesar da devastação causada pelo terrorismo dos grupos ligados ao narcotráfico …em 1995, o crescimento do PIB anual da área metropolitana de Bogotá foi de cerca de 12%”. 

Porque a Colômbia? Pergunta-se Castells. Baseado em importantes estudos realizados no país, tais como o de Jaramillo e Cubides, intitulado Coca, narcotráfico y guerrilla, ele responde:  

“Porque houve uma combinação singular entre redes latentes de tráfico de drogas que estabeleceram ligação com -os traficantes- dos Estados Unidos, uma classe empreendedora marginalizada pelo – relativo – fracasso da industrialização… e o sólido enraizamento dos contrabandistas escolarizados… nas culturas e sociedades locais…  

Além disso, os traficantes de droga colombianos aproveitaram-se da eterna crise de legitimidade e controle do Estado colombiano. A Colômbia é o único Estado da América Latina, mesmo que neste fim de milênio, áreas consideráveis do país fugiam ao controle do governo”. – Ver figura Nº 02. 

FIGURA 02

No mapa podem-se localizar as zonas de lavoura de coca nas quais os grupos guerrilheiros e os paramilitares tiveram presença significativa.  Fonte: www.google.com.br/googlemaps

4.4 Algumas palavras para encerrar  

O problema da violência na Colômbia é em extremo complexo para pretender sua compreensão cabal, no entanto, podemos entender-lha numa perspectiva analítica que passa a considerá-la como instrumento principal, até hoje, de um processo contínuo de reorganização territorial no país. Ela nos obriga a colocar um leque amplo de fatores históricos, sociais, econômicos, jurídicos e éticos. Em consequência, as alternativas que orientarão os caminhos da paz devem considerar, também, a complexidade implícita nela, evitando reduzir a solução a alguns assuntos pontuais, como bem afirma a Mensagem da Casa Universal de Justiça: A promessa da paz mundial (1985). Faz-se necessário levar o problema ao nível de princípios, muito além da consideração dos meios técnicos e jurídicos. Aspectos fundamentais relacionados com a eliminação dos extremos de riqueza e pobreza, aplicação de políticas sociais que estimulem as capacidades dos cidadãos, assim como diversos e sistemáticos programas de educação para a paz devem ser promovidos. Nesse aspecto, a educação tem um papel fundamental. Uma educação que destaque valores como a justiça, a eliminação de preconceitos, a aceitação da diversidade, a consulta e a solidariedade. 

5. Uma leitura muito pessoal da conjuntura atual da Colômbia

Retomando a primeira década do Século XXI na Colômbia, o estudo de VIANA4 é uma boa referência no que diz respeito a esse processo.

Ela afirma no início do seu relatório baseado em dados da ACNUR- que dos 13.000.000 de refugiados do mundo -no início da primeira década do Século XXI- 3.000.000 estavam localizados na Colômbia. Cabe destacar algumas informações relevantes do seu estudo: 

  1. De 2002 a 2008, registrou-se o deslocamento de 52.000 indígenas. Em julho de 2008, a Organización Nacional Indígena de Colombia (ONIC) alertou sobre as possibilidades de extinção de 32 povos indígenas em decorrência do conflito armado. 
  1. Mais do que a ausência do Estado, é a inoperância das instituições estatais o que deixa espaço para que agentes privados defendam seus interesses sem que enfrentem qualquer resistência das instituições que são afirmadas como representativas dos interesses coletivos da região. Daí a importância de associar aos índices de presença institucional, o índice de impunidade: os municípios receptores apresentam, em média, 59% a mais de presença institucional do que os municípios expulsores. 

Devo reconhecer que a leitura do texto de VIANA (2009) reafirmou em mim as conclusões que leituras anteriores feitas na Universidade Nacional da Colômbia tais como: Mário Arrubla, O. Fals Borda, Alonso Tobón, Nieto Arteta, Antonio García, Germán Guzmán e as mais recentes de F. Cubides e Jaime Eduardo Jaramillo Jiménez, assim como o testemunho “No hay silencio que no termine” de Ingrid Betancourt e a tese de doutorado em Sociologia: “Os meninos não choram” de Jesús Izquierdo  – respectivamente- de que a Violência na Colômbia pode ser caracterizada como um processo contínuo de reorganização territorial.  

Outro aspecto importante que quero colocar em destaque é o paradoxo resultante do projeto “Plan Colombia” que aplicado sistematicamente por sucessivas autoridades presidenciais caracterizadas como -elites oligárquicas tradicionais- constituíram um fator importante na derrota  pela primeira vez na história contemporânea colombiana- dos partidos políticos tradicionais que se revezavam no poder a cada quatro anos após estabelecido o famoso “Frente Nacional.” 

6. Uma breve resenha do texto de Luis Henrique Beust & Silmara Rascalha Casadei 

O artigo de Luis Henrique BEUST e Silmara Rascalha Casadei com o título: Como se constrói a paz parte de uma revisão conceitual que inclui o conceito de Paz segundo Norberto Bobbio e as definições das diversas formas de violência no entendimento do sociólogo Johan Gultang.. Por último, sugere uma perspectiva de construção do sujeito histórico da sociedade contemporânea a partir da inclusão dos outros no conceito de nós.  Começaremos com a “Definição de termos”: 

O que é a paz? Norberto Bobbio, grande cientista político que estudou a fundo a questão da paz, argumenta que, em geral, o termo paz tem dois campos bem definidos de significado: a paz interna e a paz externa. ( 5) No seu sentido mais amplo, paz significa ausência (ou cessação, solução, etc.) de um conflito. Paz interna (ou interior) refere-se à ausência (ou cessação, etc.) de um conflito interno entre comportamentos, pensamentos, sentimentos ou atitudes de uma mesma pessoa. (6) Por paz externa entende-se a ausência (ou cessação, etc.) de conflito externo entre grupos de indivíduos ou grupos humanos diferentes. (7

A paz é mais que ausência de guerra. A paz entre as pessoas, grupos humanos e nações advém basicamente de um estado interior apoiado por uma atitude espiritual ou moral. No entanto, é necessário ter como referência fundamental a prática da Justiça como alicerce da paz. A violência pode ser entendida de muitas formas. Um dos grandes pensadores do século XX sobre a paz, o norueguês Johan Galtung, classificou a violência em três tipos: direta, cultural e estrutural. A violência direta é visível, pois pode ser percebida diretamente quando as suas vítimas são mortas, feridas, expulsas de seus lares ou sofrem alguma espécie de dano material. _________________ (5), (6), (7) BOBBIO, 2003 Págs. 137, 138, 138 

Já a violência cultural e a estrutural são invisíveis e se manifestam em forma de preconceitos, costumes, restrições, leis e situações em que algumas pessoas são oprimidas. A violência estrutural se manifesta como formas sistemáticas pelas quais um regime impede as pessoas de alcançar o próprio potencial. A descriminação baseada no sexo, na raça, na crença ou na ideologia são formas de violência estrutural. A violência cultural se dá basicamente pelo preconceito. 

A violência cultural existe quando pessoas discriminam outras porque estas são diferentes no jeito de viver, de crer, de se vestir, porque são de outra etnia, nacionalidade, região ou mesmo porque torcem para outro time de futebol. Mas não há leis nem instituições que promovam essa atitude. A violência estrutural se dá quando esse preconceito é defendido pelas instituições e leis do Estado. Vejamos a seguir a figura 03 que resume o pensamento dos autores e que corresponde ao processo de desenvolvimento emocional e cognitivo do indivíduo presente na obra de Jean Piaget.8

FIGURA 03

Ao redor de Nós não há Eles, apenas dimensões cada vez mais amplas de Nós. Essa é a única percepção que pode servir de base ao amor e à fraternidade universais.

7. Comentário sobre a mensagem “A promessa da paz mundial”9  

O documento “A promessa da paz mundial” tem uma maior relevância por três motivos importantes: 1. Ele consegue tratar a problemática da guerra e da paz além do contexto territorial nacional e coloca ele numa perspectiva global, isto é: a violência e a guerra não são fenômenos restritos num âmbito territorial local ou nacional. A maior parte dos problemas que desafiam à sociedade contemporânea tais como: destruição do meio ambiente, desigualdade social e violência devem ser tratados numa perspectiva mundial resultado da extraordinária interdependência e conectividade planetárias. 2. Outro mérito do documento é rever a problemática da violência numa perspectiva que vai além da análise de luta de classes ou de um desafio puramente militar.  

O estudo da violência precisa levar em conta a complexidade dessa problemática que inclui fatores jurídicos, educacionais, socioeconômicos e étnicos, entre outros. 3. Uma prospectiva resolutiva, isto é: a paz não é só possível mas inevitável. Vejamos a seguir alguns trechos: 

A proscrição de certas armas ou a solução de determinados conflitos não são suficientes, pois são medidas demasiado superficiais para poderem ter um efeito duradouro. Deve ser vencida uma certa paralisia de vontade e falta de convicção no estabelecimento final da paz e fraternidade universais, que tem suas raízes na noção, já adotada por muitos, de que a belicosidade é intrínseca à natureza humana e, consequentemente, inseparável. Devem ser adotadas medidas de caráter universal para remover as causas básicas da guerra e atingir a paz duradoura. 

Há duas observações que devem ser feitas em relação a todos esses tópicos. Uma, que a abolição da guerra não depende só da assinatura de tratados e protocolos. Trata-se de uma tarefa demais complexa que requer uma nova dimensão de comportamento. A outra é que o ponto fundamental no tratamento de questões relacionadas com a paz está na elevação de seu contexto ao nível de princípios.. 


2Parte do texto da palestra proferida pelo autor no Centro Cultural Salvadorenho, El Salvador, Agosto de 1989
no debate organizado pela Comunidade Bahá’í de El Salvador, América Central.

3Momento de Decisão -o Segundo Informe ao clube de Roma, 1975.

4VIANA, Manuela Trindade. Cooperação internacional e deslocamento interno na Colômbia: desafios à maior crise humanitária da América do Sul. Sáo Paulo: Revista Sur, Julho de 2009. Manuela Trindade Viana é Mestre em Ciência Política da USP.

5,6,7BOBBIO, 2003 Págs. 137, 138, 138

8Dito processo está descrito no artigo “O processo de constitiuição do sujeito segundo J. Habermas e J. Piaget publicado na Revista de
Humanidades da UNIFOR v. 32, n. 1. p. 58-59, Jan-Jun. 2017

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¹Sociólogo UN da Colômbia. Mestre em Sociologia pela UFC. Professor jubilado do Departamento de Ciências Sociais e Política da UERN – Fez parte do GECOM UERN liderado pelo professor Doutor, AILTON SIQUEIRA DE SOUSA FONSECA. Membro  individual da WFSF World Studies Futures Federation, Ibero-American Chapter-.  de ALASRU Asociación Latinoamericana de Sociología Rural e da SBS