SLING INTRAVESICAL: UM RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8397343


Isabella Rodrigues Vidal¹
Indra Liciane Nascimento De Freitas²
Ully Urzêda Basílio³
Aline Pimentel Caldeira⁴
José Lucas Pontieri Melazo⁵
Ana Paula de Moraes Lino6
Débora Pipas de Simone7


RESUMO:

O artigo apresenta um relato de caso de uma paciente que passou por um procedimento cirúrgico chamado sling transobturatório para tratar a incontinência urinária de esforço. Após a cirurgia, a paciente enfrentou complicações, incluindo retenção urinária e sintomas persistentes de irritação do trato urinário. Posteriormente, descobriu-se que a malha do sling havia se deslocado para o interior da bexiga, complicação denominada erosão de tela, causando inflamação e desconforto. Uma cirurgia adicional foi realizada para remover a malha com sucesso. Esse caso destaca a importância de uma avaliação detalhada das pacientes para uma boa indicação cirúrgica para tratamento da incontinência urinária de esforço, bem como a necessidade de monitorar atentamente os sintomas no pós-operatório, a fim de identificar e tratar complicações de forma eficaz e proporcionar melhores resultados para a qualidade de vida das pacientes. Isso ressalta a importância do conhecimento médico sobre possíveis complicações associadas a esse tipo de procedimento e sua condução adequada.

Palavras-chave: Sling transobturatório, incontinência urinária de esforço, cirurgia uroginecológica, complicação cirúrgica.

ABSTRACT:

The article presents a case report of a patient who underwent a surgical procedure called transobturator sling for the treatment of stress urinary incontinence. After the surgery, the patient experienced complications, including urinary retention and persistent symptoms of urinary tract irritation. It was later discovered that the sling mesh had migrated into the bladder, a complication referred to as mesh erosion, causing inflammation and discomfort. Additional surgery was performed to successfully remove the mesh. This case highlights the importance of a detailed evaluation of patients for appropriate surgical indication for the treatment of stress urinary incontinence, as well as the need to closely monitor postoperative symptoms in order to identify and treat complications effectively and provide better quality of life outcomes for patients. This underscores the importance of medical knowledge regarding potential complications associated with this type of procedure and its proper management.

Keywords: Transobturator Sling, Stress Urinary Incontinence, Urogynecological Surgery, Surgical Complication.

1. INTRODUÇÃO

A incontinência urinária de esforço (IUE), comumente é definida como toda perda de urina decorrente de algum esforço físico como pular, correr e tossir, e está relacionada à hipermobilidade da uretra ou à deficiência do esfíncter. Tal afecção compromete de maneira importante a qualidade de vida, determinando limitações físicas, sociais e emocionais, inclusive com aumento significativo dos sintomas depressivos. (FEBRASGO, 2019).

As técnicas mais utilizadas no tratamento da IUE são as colpofixações retropúbicas (Burch ou Marshall-Marchetti-Krantz) e os slings, em especial os slings de uretra média. Apesar da alta taxa de sucesso da colpofixação retropúbica, o sling de uretra média é atualmente a técnica que apresenta as melhores e maiores evidências científicas no tratamento dessa afecção (FEBRASGO, 2019). Embora os procedimentos de sling de uretra média forneçam altas taxas de cura para a IUE, estão associadas a riscos de retorno de bexiga hiperativa, retenção urinária e erosão da malha (Brennand et al., 2020).

O sling transobturatório, uma técnica cirúrgica frequentemente empregada no tratamento da incontinência urinária de esforço em mulheres, tem se mostrado uma intervenção promissora com resultados satisfatórios. No entanto, apesar de sua efetividade, é imperativo reconhecer que complicações podem surgir, requerendo maior atenção e investigação detalhada.

Neste trabalho, apresentamos um relato de caso de uma complicação atípica chamada erosão de tela, em que o sling transobturatório migrou para o interior da bexiga, desencadeando sintomatologia adversa significativa. Descreveremos o quadro clínico da paciente, bem como os exames diagnósticos utilizados para confirmar a presença da complicação e o plano de tratamento adotado para o seu manejo subsequente. Além disso, ressalta a importância da vigilância contínua e da pronta identificação de complicações após a realização do sling transobturatório, a fim de garantir uma abordagem terapêutica adequada.

O entendimento das potenciais adversidades associadas a essa técnica cirúrgica é fundamental para aprimorar sua segurança e eficácia, buscando a excelência no cuidado das pacientes submetidas a essa intervenção. O compartilhamento de relatos de casos singulares enriquece a base de conhecimentos médicos e auxilia na melhoria dos protocolos clínicos, a serviço da otimização dos resultados e do bem-estar das pacientes.

2. RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 45 anos de idade, G3P3A0, histerectomizada, é atendida no ambulatório de cirurgia ginecológica do Hospital Regional de Sobradinho – DF em dezembro de 2019 com queixa de incontinência urinária aos esforços. Ao exame físico, foi observada distopia anterior e posterior de grau 2, com perda urinária à manobra de Valsalva. Diante desses achados, foi indicada cirurgia de sling para incontinência urinária de esforço, juntamente com a correção das distopias. A paciente foi inserida na fila para cirurgia em fevereiro de 2020.

Em junho de 2021, aos 46 anos, a paciente foi submetida ao procedimento cirúrgico de sling transobturatório com correção das distopias. O procedimento ocorreu sem intercorrências, mas no pós-operatório a paciente apresentou retenção urinária, sendo necessária a realização de sondagem vesical de alívio, seguida pela colocação de sonda vesical de demora (SVD). A paciente recebeu alta no segundo dia após a cirurgia, mantendo a SVD.

A paciente retornou após 7 dias da alta hospitalar para retirar a sonda vesical, sem relato de queixas ou intercorrências durante esse período. No entanto, quatro dias após a retirada da SVD, a paciente retornou com queixa de disúria – foram solicitados exames laboratoriais e prescrito levofloxacino.

Após um mês do tratamento com antibiótico, a paciente retornou com a mesma queixa de disúria. Uma nova urocultura foi solicitada, com uma abordagem mais rigorosa de assepsia, devido à falta de assepsia adequada na coleta anterior. O tratamento com levofloxacino foi novamente prescrito. A paciente retornou após 40 dias com a urocultura novamente inconclusiva, mantendo a queixa de disúria e apresentando dispareunia. Novos exames de urina tipo 1 e urocultura foram coletados utilizando sonda vesical, mas não apresentaram alterações significativas.

Após 20 dias, a paciente retornou com queixa de ardor vaginal ao urinar. Ao exame, as paredes vaginais estavam íntegras, sem sinais de deiscência ou extrusão de tela. Foi prescrito monuril e crevagin (creme vaginal) para alívio dos sintomas.

Em janeiro de 2022, a paciente retornou, mantendo as mesmas queixas de disúria e dispareunia, embora os exames laboratoriais não demonstrassem alterações significativas. Foi solicitada uma ultrassonografia de rins e vias urinárias e prescrito o creme vaginal Stele para melhorar o trofismo vaginal.

Em 10 de fevereiro de 2022, a ultrassonografia de rins e vias urinárias revelou a presença de um corpo estranho no interior da bexiga, representado por uma imagem hiperecogênica alongada, que sugere ser a tela do sling. A paciente foi encaminhada para avaliação por um urologista, o qual indicou uma cistoscopia para retirada do sling.

Em 25 de maio de 2022, a paciente foi submetida à cistoscopia. Durante o procedimento, constatou-se que a tela do sling estava fixa na parede esquerda da bexiga, inviabilizando sua remoção por tração. Diante disso, optou-se por realizar uma conversão cirúrgica. Uma incisão mediana foi realizada na bexiga, o corpo estranho foi identificado à esquerda e removido sem sangramento ativo. Uma sonda vesical de demora foi deixada após a manobra do borracheiro, e um dreno de Penrose foi colocado no flanco direito. O procedimento cirúrgico transcorreu sem intercorrências, e a paciente teve boa evolução no pós-operatório, recebendo alta médica no terceiro dia após a cirurgia, ainda com a sonda vesical de demora.

Em 2 de junho de 2022, a paciente retornou para retirada da sonda vesical de demora. Em 7 de junho de 2022, ela retornou para avaliação com o urologista, apresentando ótima evolução no pós-operatório, sem queixas. A paciente foi encaminhada novamente para a ginecologia para avaliar o sling.

Em 14 de junho de 2022, a paciente foi reavaliada pela equipe de cirurgia ginecológica, permanecendo assintomática. Foi orientada sobre a necessidade de reavaliação em seis meses.

A paciente retornou ao ambulatório de cirurgia ginecológica após um ano do procedimento cirúrgico para retirada do sling, com ótima evolução clínica, ausência de incontinência urinária aos esforços, dispareunia ou quaisquer outros sintomas relatados.

3. DISCUSSÃO

A incontinência urinária (IU) é um problema de saúde comum em adultos, afetando mulheres duas vezes mais que os homens. Em média, 200 milhões de pessoas possuem tal condição, mas cerca de 60% desses casos não são tratados devido à estigmatização da doença. A IU atinge 20 a 30% das mulheres em idade jovem, 30 a 40% na meia-idade e até 50% das mulheres na velhice (Nascimento et al., 2022).

O relato de caso apresenta uma complicação rara e desafiadora após a realização de sling transobturatório em uma paciente com incontinência urinária de esforço. A incontinência urinária de esforço é uma condição comum em mulheres e pode ocorrer após o parto, devido ao enfraquecimento dos músculos pélvicos e do assoalho pélvico (Shinozaki et al., 2022; Razzak, 2018).

Para o diagnóstico da IUE é essencial uma anamnese cuidadosa, incluindo uma história abrangente com perguntas que a diferencie dos diferentes tipos de incontinência urinária e que avalie a gravidade dos sintomas, a frequência urinária, a ingestão de líquidos, os sintomas de prolapso como protuberância ou pressão, o uso de absorventes e o impacto geral na vida da mulher. Além disso, questões para descartar disfunção miccional oculta, como presença de hesitação urinária, dispersão do jato urinário e perda ou gotejamento pós-miccional, também devem ser incluídas. É importante uma revisão adicional das medicações em uso, como diuréticos, narcóticos, anticolinérgicos, anti-histamínicos, psicotrópicos, alfa e beta-agonistas e bloqueadores dos canais de cálcio, dada a correlação estabelecida com a IU. Também é importante questionar sobre história obstétrica, cirúrgica e social, incluindo levantamento de peso, tabagismo e presença de constipação crônica, que são informações que ajudam a delinear ainda mais os contribuintes da IU (The Society of Obstetricians and Gynecologists of Canada, 2020).

O exame físico sempre deve ser realizado com o propósito de reproduzir e descrever a incontinência urinária, descartar possíveis alterações neurológicas e identificar distopias e outras condições pélvicas. O exame é realizado com a paciente em posição ginecológica e ortostática, preferencialmente com a bexiga em um estado confortavelmente cheio. Durante a avaliação, a paciente é solicitada a tossir e/ou realizar a manobra de Valsalva, a fim de verificar se há perda de urina, caso a qual deve ser adequadamente caracterizada. Durante a inspeção dos órgãos genitais externos, é fundamental avaliar a presença de sinais de hipoestrogenismo e dermatite amoniacal. Além disso, na presença de distopias acentuadas, é importante realizar a redução do prolapso para pesquisar a incontinência urinária oculta – perda urinária que ocorre somente após a diminuição do prolapso genital (FEBRASGO, 2021).

Não há evidências de que a realização do estudo urodinâmico (EUD) antes do tratamento conservador resulte em menores taxas de incontinência urinária subsequente. Além disso, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), a European Association of Urology (EAU), o National Institute of Excellence in Health and Care of England (NICE) e o American College of Gynecology and Obstetrics (ACOG) não recomendam o EUD de rotina no pré-operatório da IU de esforço não complicada (Diniz et al., 2022).

O sling transobturatório é uma técnica cirúrgica eficaz para o tratamento da incontinência urinária de esforço, que visa proporcionar suporte e estabilidade à uretra, restaurando a continência urinária (Diniz et al., 2018; Seth et al., 2018). Esta técnica cirúrgica utiliza uma malha feita de material sintético no espaço suburetral com o objetivo de proporcionar uma estrutura de fibrose e corrigir a perda urinária. O mecanismo de ação ocorre devido à angulação uretral promovida pela malha. O material preferido para o implante suburetral é a malha de polipropileno, pois oferece o melhor suporte para a fibroplasia e permite a infiltração de macrófagos, reduzindo a ocorrência de infecções no local cirúrgico e a erosão. Além disso, a malha proporciona alta porosidade, sem comprometer a força de tensão, elasticidade e durabilidade (Santos et al., 2016). A FDA declarou que o sling uretral de polipropileno é seguro e eficaz no tratamento da IUE (American Urogynecologic Society, 2021).

No entanto, complicações após a realização de sling transobturatório têm sido relatadas na literatura. A perfuração vesical, a retenção urinária e o hematoma pélvico são as complicações precoces mais comumente associadas ao sling. (Alecrim et al., 2016). Retirar o cateter urinário, idealmente entre 3 e 8 horas após a cirurgia, diminui o tempo de permanência no hospital e reduz a probabilidade de infecções, embora possa levar a um ligeiro aumento no risco de necessidade de recolocação do cateter (AUGS-IUGA, 2022).

No caso em questão, a paciente desenvolveu uma retenção urinária no pós-operatório, exigindo a sondagem vesical de alívio e posterior passagem de sonda vesical de demora (SVD). A retenção urinária pode ser resultado de uma fixação inadequada da tela do sling na parede da bexiga, o que pode interferir no esvaziamento adequado da bexiga (Meneses Parra et al., 2023).

Para investigar as queixas urinárias persistentes da paciente, foram realizados exames laboratoriais e de imagem, como urocultura e ultrassonografia de rins e vias urinárias. Apesar da ausência de alterações nos exames laboratoriais, a paciente continuou a apresentar sintomas de disúria e dispareunia. Esses sintomas irritativos do trato urinário inferior podem estar relacionados à presença da tela do sling na bexiga, causando irritação local e possivelmente inflamação (Febrasgo, 2021).

A cistoscopia é um procedimento de baixo risco que pode ser utilizado no intraoperatório de inserção de sling ou de correção de distopias, assim como no pós-operatório para identificar lesão do trato geniturinário, inspecionando a bexiga e a uretra, bem como visualizando os ureteres e efluxo ureteral (Seth et al., 2018). Esse procedimento foi indicado para avaliar a presença do corpo estranho no interior da bexiga e realizar a devida intervenção cirúrgica para a sua remoção. Durante a cistoscopia, foi constatada a fixação da tela do sling na parede esquerda da bexiga, dificultando a retirada por tração. Diante dessa complicação, optou-se pela conversão cirúrgica, com a realização da cistotomia para a retirada do corpo estranho.

A conduta cirúrgica foi bem-sucedida, sem intercorrências adicionais, e a paciente recebeu alta com a sonda vesical de demora, acompanhada de uma boa evolução no pós-operatório. Além disso, a sonda vesical foi descontinuada em consultório em momento oportuno, sendo que a paciente não apresentou resíduo pós-miccional ou dificuldade miccional após sua retirada. E, apesar da complicação devido à erosão da tela do sling com necessidade de sua retirada cirúrgica, a paciente mantém continência urinária e não apresenta qualquer outra queixa em decorrência dos procedimentos cirúrgicos aos quais foi submetida.

4. CONCLUSÃO

Este relato de caso destaca a relevância de uma avaliação criteriosa dos pacientes antes da realização do sling transobturatório, bem como do monitoramento cuidadoso no pós-operatório para identificar precocemente complicações e proporcionar um manejo adequado, diminuindo assim a morbidade para as pacientes. Além disso, enfatiza a importância do conhecimento e reconhecimento das possíveis complicações relacionadas ao sling transobturatório para uma tomada de decisão informada e melhores resultados para a qualidade de vida e bem-estar da paciente.

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¹Médica Residente em Ginecologia e Obstetrícia no Hospital Regional de Sobradinho
²Médica Residente em Ginecologia e Obstetrícia no Hospital Regional de Sobradinho
³Médica Residente em Ginecologia e Obstetrícia no Hospital Regional de Sobradinho
⁴Médica Residente em Ginecologia e Obstetrícia no Hospital Regional de Sobradinho
⁵Médico Especialista em Ginecologia e Obstetrícia na Santa Casa de Anápolis
6Médica Especialista em Ginecologia e Obstetrícia no Hospital Regional de Sobradinho
7Médica Especialista em Ginecologia e Obstetrícia no Hospital Regional de Sobradinho