SIRENOMELIA: UM RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8410978


Ully Urzêda Basílio¹
Indra Liciane Nascimento De Freitas²
Isabella Rodrigues Vidal³
Aline Pimentel Caldeira⁴
Janaína de Freitas Lázaro⁵


RESUMO 

A sirenomelia é uma anomalia rara cuja característica principal é a fusão dos membros inferiores que gera um único membro pareado na linha média, resultando na aparência de “cauda de sereia” que confere o nome à síndrome.  Este trabalho tem como objetivo apresentar um relato de caso de sirenomelia tipo III, na classificação de Stocker-Heifetz, acompanhado pelo Hospital Regional de Sobradinho, em Brasília/DF. A metodologia aplicada consiste na revisão da literatura de caráter qualitativo associada a um relato de caso. Essa anomalia, frequentemente, é relacionada a outros defeitos congênitos que podem afetar o desenvolvimento e maturação das vísceras urogenitais e gastrointestinais, como: agenesia renal, podendo ser uni ou bilateral, ausência de genitália externa, atresia anorretal e vascularização abdominal arterial aberrante. A escassez de estudos recentes sobre a sirenomelia no Brasil impulsionou a realização deste estudo de caso.

Palavras-chave: Sirenomelia. “Síndrome de sereia”. Congênito. Raro.

ABSTRACT 

Sirenomelia is a rare anomaly in which the main characteristic is the fusion of the lower limbs that generates a single paired limb in the midline, resulting in the “mermaid’s tail” appearance that gives the syndrome its name. case report of sirenomelia type III, in the Stocker-Heifetz classification, accompanied by the Hospital Regional de Sobradinho and Hospital Materno Infantil de Brasília, in Brasília/DF. The applied methodology consists of a qualitative literature review associated with a report of This anomaly is often associated with other congenital defects that may affect the development and maturation of the urogenital and gastrointestinal viscera, such as: renal agenesis, which can be unilateral or bilateral, absence of external genitalia, anorectal atresia and aberrant abdominal arterial vascularization. The scarcity of recent studies on sirenomelia in Brazil prompted this case study.

Keywords: Sirenomelia. Mermaid baby syndrome. Congenital. Rare.

INTRODUÇÃO

A sirenomelia é uma anomalia rara cuja característica principal é a fusão dos membros inferiores que gera um único membro pareado na linha média, resultando na aparência de “cauda de sereia”, conferindo o nome à síndrome². É um defeito congênito raro com prevalência estimada de 0,98:100.000 nascimentos vivos, sendo que metade dos casos resulta em natimortos com proporção de sexo masculino/feminino de 3:1¹. 

Essa anomalia, frequentemente, é associada a outros defeitos congênitos que podem afetar o desenvolvimento e maturação das vísceras urogenitais e gastrointestinais, como: agenesia renal, podendo ser uni ou bilateral, ausência de genitália externa, atresia anorretal e vascularização abdominal arterial aberrante². 

As etiologias exatas são desconhecidas, mas diabetes mellitus gestacional, drogas teratogênicas, suscetibilidade genética, hipoperfusão vascular, cocaína, ingestão de água de aterro e idade materna inferior a 20 anos ou maior que 40 anos são fatores de risco conhecidos para essa anomalia³. 

O possível mecanismo, descrito em literatura, consiste na falha da separação do broto da extremidade das células primordiais, possivelmente desencadeada por anomalias nas veias que alimentam as extremidades inferiores e/ou uma anomalia na migração das células mesodérmicas³.  

Pela semelhança da sirenomelia à disgenesia renal e ao VACTERL (defeitos vertebrais, atresia anal, anormalidades cardíacas, fístula traqueoesofágica, anormalidades renais e de membros) a distinção destas entidades gera um grande desafio na atuação do especialista em obstetrícia². 

A sobrevida e a qualidade de vida dos nascidos vivos são bastante baixas em decorrência de outras anomalias associadas. Ademais, existem alterações fenotípicas inerentes à síndrome. A morbidade depende, exclusivamente, da presença ou não de anomalias que afetam os órgãos vitais, como a disgenesia renal. Assim, estatisticamente, apenas 1% dos nascidos vivos sobrevive à primeira semana de vida, sendo submetido continuamente a procedimentos cirúrgicos e transplantes². 

Nesse sentido, este trabalho visa apresentar um relato de caso de sirenomelia acompanhado no Hospital Regional de Sobradinho, em Brasília/DF. 

RELATO DE CASO

Primigesta, 29 anos, tabagista, com hipertensão arterial crônica, fazia uso de losartana potássica, sendo suspenso na primeira consulta de pré-natal, seguindo em uso de metildopa 1 grama por dia. Além disso, apresentou elevado ganho ponderal, sobrepeso no início da gestação, realizando consultas de pré-natal no Hospital Regional de Sobradinho. 

Realizou ultrassonografia do primeiro trimestre, com 11 semanas e seis dias, que demonstrou membros superiores com movimentos e tônus preservados e membros inferiores com dois fêmures, duas tíbias, dois pés, porém fundidos na linha média, frequência cardíaca fetal de 160 batimentos por minuto, sinais de restrição de crescimento e cordão umbilical com artéria única. A conduta realizada foi o encaminhamento para o ambulatório de medicina fetal no Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB) que é referência no atendimento de anomalias congênitas fetais da rede pública de Saúde do Distrito Federal. 

A paciente deu seguimento ao pré-natal, de forma concomitante no Hospital de Sobradinho, para realização de consultas quinzenais, e no Hospital Materno Infantil de Brasília, para realização das ultrassonografias. 

Ao final do primeiro trimestre, realizou uma ultrassonografia obstétrica que evidenciou oligodramnia acentuada. A paciente apresentou perda de sangue do tipo “água de carne “sendo orientada a comparecer ao pronto socorro do Hospital Regional de Sobradinho (HRS). No HRS foi realizado exame especular, sendo visualizada saída de pequena quantidade de líquido pelo orifício externo do colo uterino, razão pela qual foi internada. Foi ainda orientada quanto ao prognóstico e o risco de infecção uterina. Dessa maneira, foi optado por indução do trabalho de parto. 

Após resolução da gestação, feto e placenta foram encaminhados para estudo, constatando-se sirenomelia com sinais de restrição fetal (Figura 1).

Figura 1. Foto realizada durante a ultrassonografia obstétrica de segundo trimestre, que evidencia a fusão dos membros inferiores composto de fêmures, tíbias e pés. Fonte: autor, 2023

A paciente evoluiu com trabalho de abortamento com 15 semanas e 6 dias. Foi realizada a curetagem uterina devido placenta retida e anatomopatológico da placenta e do feto com os seguintes parâmetros: placenta discoide, pesando 56,0 gramas e medindo 8,5 x 5,5 x 2,0 cm, com borda de rotura não avaliável apresentando cordão umbilical com dois vasos; feto com sexo não identificado, pesando 68,0 gramas, medindo 11,0 cm crânio-caudal, com implantação baixa de orelhas, retrognatismo e fusão total de membros inferiores e grau moderado de maceração. O laudo anatomopatológico evidenciou, ademais, sirenomelia tipo III da Classificação de Stocker-Heifetz por apresentar ausência de fíbula (Figura 2 e Figura 3).

Figura 2. Foto realizada após o aborto espontâneo, que evidencia a fusão de membros inferiores e anormalidades placentárias. Fonte: autor, 2023.

Figura 3. Foto realizada após o aborto que evidencia a implantação baixa das orelhas, a presença de dois pés fundidos em aspecto de cauda de sereia. Fonte: autor, 2023.

DISCUSSÃO 

A fisiopatologia da sirenomelia ainda não é bem definida, entretanto, duas hipóteses que não se excluem são consideradas na literatura, sendo elas: vascular e blastogênica. A primeira, vascular, propõe a presença de artéria umbilical aberrante e única, sendo considerada uma artéria vitelínica persistente que se origina na porção superior da aorta abdominal e provoca uma má irrigação arterial na porção inferior do feto, situação que desencadeia o subdesenvolvimento dos membros inferiores que caracterizam a sirenomelia¹. A hipótese da blastogênese defeituosa consiste no envolvimento da geração mesodérmica deficiente que desencadeia o comprometimento da formação das estruturas caudais, sendo esta possibilidade considerada uma das formas mais graves de disgenesia renal⁴. 

Os fatores de risco associados ao desenvolvimento da sirenomelia são: diabetes mellitus gestacional (DMG), apesar de apenas 0,5% a 3,5% dos casos conhecidos apresentarem esta correlação; exposição a metais pesados; uso de ácido retinóico; teratógenos; predisposição genética; gêmeos monozigóticos; sexo masculino e idade materna inferior a 20 anos ou superior a 40 anos⁴.  Destaca-se que o diabetes gera um número elevado de radicais livres de oxigênio que exercem efeito teratogênico no desenvolvimento embrionário, podendo evoluir com esta anomalia³. 

O achado mais característico da sirenomelia é a fusão dos membros inferiores na linha média, como apresentada no caso descrito. Entretanto, esta é uma doença que apresenta um padrão de fusão variável a depender da apresentação anatômica, que pode ser mais branda, que é a fusão em que todos os ossos inferiores estão presentes, ou grave, em que existe apenas um osso anômalo⁵. A classificação de Stocker e Heifetz foi desenvolvida com base na presença dos elementos esqueléticos na coxa e na perna (Figura 4)⁶. No caso apresentado, o feto apresentava o tipo III na classificação de Stocker e Heifetz. 

Figura 4. Classificação da sirenomelia de acordo com Stocker e Heifetz. Fonte: Tamene e Molla (2022)

O diagnóstico pode ser feito com ultrassonografia obstétrica a partir de 14 semanas de idade gestacional. Porém, é comum haver confusão com casos de regressão caudal que se assemelham à sirenomelia. Pensava-se que a sirenomelia fosse uma forma grave de síndrome de regressão caudal, mas as pesquisas recentes¹³⁷ apontam que são entidades separadas que possuem diferenças genotípicas e fenotípicas singulares, como a presença de duas artérias umbilicais, anomalias renais não letais, membros inferiores não fundidos, defeitos da parede abdominal e anormalidades traqueoesofágicas, tubo neural e coração diferenciam a síndrome de regressão caudal da sirenomelia⁷.

Nos casos de sobreviventes de sirenomelia, o tratamento pode ser fornecido por meio da abordagem multidisciplinar, em que o paciente precisa ser submetido a cirurgias e transplantes para atenuar as deficiências anatômicas⁸. Para tanto, o prognóstico dos pacientes portadores de sirenomelia é reservado e determinado pelas outras anomalias relacionadas à síndrome⁹. 

CONCLUSÕES

A sirenomelia é um defeito congênito raro que afeta diretamente o desenvolvimento das estruturas que compõem os membros inferiores, estando, frequentemente, associada a outras malformações que tornam a vida incompatível. 

O prognóstico e morbidade dependem da presença de anomalias que atingem os órgãos vitais, como a disgenesia renal. Assim, o tratamento desta anomalia é extremamente difícil devido à alta mortalidade no período perinatal. Ademais, a escassez de estudos recentes sobre a sirenomelia no Brasil impulsionou a realização deste estudo de caso, que teve apoio literário em estudos levados a efeito, predominantemente, nos Estados Unidos. 

Defende-se que novos relatos e revisões de literatura sejam estimulados, para melhor suporte desde a gestação até o nascimento dos fetos acometidos. 

REFERÊNCIAS 

1 Hamad Mehanna S, Kendi Kunitake F, Voichki Rodrigues R, De Souza Bem T. RELATO DE CASO: SIRENOMELIA ASSOCIADA A DEFEITOS CONGÊNITOS RAROS. Brazilian Medical Students. 2022 Sep 4;7(10).

2 Lima MAFD, Machado HN, Dock DC de A, Villar MAM, Llerena Junior JC. Sirenomelia associada a defeitos congênitos raros: relato de três casos. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial. 2012 Aug;48(4):287–92.

3 Tamene A, Molla M. Sirenomelia: A case report. SAGE Open Medical Case Reports. 2022 Jan;10(2050313X221092560):2050313X2210925.

4 Shojaee A, Ronnasian F, Behnam M, Salehi M. Sirenomelia: two case reports. Journal of Medical Case Reports. 2021 Apr 26;15(1).

5 Kucuk S, Kucuk IG. Sirenomelia (mermaid syndrome): a case report. Turkish Journal of Pathology. 2020;36.

6 Stocker JT, Heifetz SA. Sirenomelia. A morphological study of 33 cases and review of the literature. Perspectives in Pediatric Pathology [Internet]. 1987 [citado em 14 de junho de 2023];10:7–50. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/3588246/

7 Khalil A, Loscalzo G, Buongiorno S, Vaidilė Jakaitė, Perales A. Sirenomelia, case report and review of the literature. The Journal of Maternal-Fetal & Neonatal Medicine. 2020 Mar 26;35(6):1–4.

8 Korday C, Bhaisara B, Jadhav R, Rathi S, Shaikh U, Rao A. Sirenomelia, the Mermaid syndrome: a case report. pesquisabvsaludorg [Internet]. 2019 [citado em 14 de junho de 2023];6(2692). Available from: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/sea-204364

9 Joshi R, Veino Kuveio Duomai, Bianchi Sangma. Sirenomelia, the mermaid baby: a case report. International Journal of Reproduction, Contraception, Obstetrics and Gynecology [Internet]. 2019 Nov [citado em 14 de junho de 2023];8(11):4609–12. Available from: https://go.gale.com/ps/i.do?id=GALE%7CA609817515&sid=googleScholar&v=2.1&it=r&linkaccess=abs&issn=23201770&p=HRCA&sw=w&userGroupName=anon%7E3c99530f&aty=open+web+entry


DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES 

Eu, Ully Urzêda Basílio, autora responsável pela submissão do relato de caso intitulado “Sirenomelia: relato de caso”, declaro não haver conflito de interesse neste artigo. 

DECLARAÇÃO E ESPECIFICAÇÃO DOS PAPÉIS DOS AUTORES 

Declaro(amos) que participei(amos) da elaboração desse trabalho, conforme a descrição dos papéis e contribuições listadas abaixo, de acordo com a Taxonomia de Funções do Colaborador (Contributor Roles Taxonomy – CRediT).

Papéis desempenhados por autor e coautores (Taxonomia CRediT) 

1. Conceituação – Formulação ou evolução de ideias, objetivos e metas de pesquisas abrangentes. 2. Curadoria de Dados – Gerenciamento de atividades para anotar (produzir metadados), limpar dados e manter dados de pesquisa (incluindo código de programa, o qual é necessário para interpretar os próprios dados) para uso inicial e posterior reutilização. 3. Análise Formal – Aplicação de técnicas estatísticas, matemáticas, computacionais, ou outras técnicas formais para analisar ou sintetizar dados do estudo. 4. Aquisição de Financiamento – Aquisição de apoio financeiro para o projeto conduzindo à publicação. 5. Investigação – Condução do processo de pesquisa e investigação e, especificamente realizando os experimentos, ou coleta de dados/evidências. 6. Metodologia – Desenvolvimento ou design de metodologia; criação de modelos. 7. Administração de Projeto – Responsabilidade pelo gerenciamento e coordenação para o planejamento e execução da atividade de pesquisa. 8. Recursos – Fornecimento de materiais de estudo, reagentes, materiais, paciente, amostras de laboratório, animais, instrumentação, recursos computacionais ou outras ferramentas de análise. 9. Software – Programação, desenvolvimento de software, design de programas de computador; implementação de códigos de computador e algoritmos de suporte; teste de componentes de código existentes. 10. Supervisão – Responsabilidade de liderança e supervisão para a execução e planejamento da atividade de pesquisa, incluindo tutoria externa para a equipe central. 11. Validação – Verificação, seja como parte da atividade ou separado, da reprodutibilidade/replicação geral de resultados/experimentais e outros resultados de pesquisa. 3 12. Visualização – Preparação, criação e/ou apresentação de trabalho publicado, especificamente a visualização e apresentação dos dados. 13. Escrita (rascunho original) – Preparação, criação e/ou apresentação de trabalho publicado, especificamente o rascunho inicial (incluindo tradução substantiva). 14. Escrita (revisão e edição) – Preparação, criação e/ou apresentação do trabalho publicado por membros do grupo original de pesquisa, especificamente análise crítica, comentário ou revisão – incluindo estágios prévios ou posteriores à publicação.

DESCRIÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES DE CADA AUTORA

Ully Urzêda Basílio: Conceituação das ideias. Objetivos e metas. Curadoria de dados. Investigação e coleta de dados. Desenvolvimento da metodologia aplicada. Administração do projeto. Escrita do trabalho a ser publicado. Conceituação das ideias. Objetivos e metas. Investigação e coleta de dados. Escrita do trabalho a ser publicado.

Indra Liciane Nascimento de Freitas e Isabella Rodrigues Vidal: Conceituação das ideias. Objetivos e metas. Investigação e coleta de dados. Escrita do trabalho a ser publicado. Conceituação das ideias. Objetivos e metas. Investigação e coleta de dados. Revisão e análise da escrita do trabalho, assim como sugestões de correção.

Aline Pimentel Caldeira: Conceituação das ideias. Objetivos e metas. Desenvolvimento da metodologia aplicada. Administração do projeto. Revisão e análise da escrita do trabalho, assim como sugestões de correção.


¹Médica Residente em Ginecologia e Obstetrícia no Hospital Regional de Sobradinho
²Médica Residente em Ginecologia e Obstetrícia no Hospital Regional de Sobradinho
³Médica Residente em Ginecologia e Obstetrícia no Hospital Regional de Sobradinho
⁴Médica Residente em Ginecologia e Obstetrícia no Hospital Regional de Sobradinho
⁵Médica Especialista em Ginecologia e Obstetrícia no Hospital Regional de Sobradinho